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1jKMu4YBgYBz1XKvPRnF | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<p><b><font>I.- Relatório.</font></b>
</p><p><font>AA, intentou acção com processo ordinário, contra “BB, Lda.”, e “Companhia de Seguros CC, SA.”, pedindo a condenação, solidária, da quantia de € 118.786,86, sendo € 111.286,86, a título de danos patrimoniais, e € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros, a contar da citação, até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Para o pedido que formula assenta, em síntese apertada, na sequente factualidade: </font>
</p><p><font>- Desde o início do ano de 2009, Autor e demandado, DD, estabeleceram uma relação profissional, que consistia em o demandado patrocinar o demandante em assuntos de índole judicial, judicial e extrajudicial;</font>
</p><p><font>- No decurso do ano de 2011, o demandante pôs termo à sobredita relação profissional, por se ter apercebido que o demandado não tinha acautelado devidamente os seus interesses e direitos:</font>
</p><p><font>- O Autor, em 26 de Junho de 2009, constituiu o Réu (DD) seu mandatário forense para o patrocinar na acção cível, de processo comum ordinário – Processo n.º 248/07.7TBARC, que correu termos no Tribunal Judicial de Arouca – tendo o mandato sido iniciado a 12 de Outubro de 2009;</font>
</p><p><font>- Na acção referida no item antecedente, o autor pedia a declaração de nulidade de contratos de mútuo e restituição da quantia pelo Autor mutuada, no montante global de € 80.000, acrescendo juros.</font>
</p><p><font>- A acção foi julgada improcedente em 1ª instância e o demandado notificado a 3 de Dezembro de 2010;</font>
</p><p><font>- O Réu apresentou recurso, em 17 de Janeiro de 2011 e por despacho de 26 de Janeiro de 2011, o recurso não foi admitido – cfr. artigo 37 da petição inicial; </font>
</p><p><font>- O Réu, antes de 2 de Fevereiro de 2011, deu conhecimento ao autor de que, por erro seu, na escolha do regime jurídico aplicável ao recurso, dera entrada com as respectivas alegações fora do prazo, não sendi viável a reclamação contra o despacho de não admissão, que viria a transitar em julgado – cfr. artigo 47 da petição inicial;</font>
</p><p><font>- O réu informou que a sua responsabilidade por actos ou omissões estava transferida para a 2.ª demandada, pelo iria accionar o seguro para que esta assumisse a responsabilidade, que ele aceitava, e o autor pudesse ser indemnizado pelos danos que lhe pudesse, ter sido causados;</font>
</p><p><font>- Em 2 de Fevereiro de 2011, o 1.º réu enviou para a “EE, S.A.” comunicação dos factos sucedidos, tendo esta, em 5 de Julho de 2012, respondido, em nome da 2.ª ré, informando que não existiam indícios suficientes para concluir, inequivocamente, pelo preenchimento de todos os elementos necessários à verificação da sua responsabilidade civil do segurado (…) pelo que declinava “qualquer responsabilidade decorrente dos factos participados, salvo se judicialmente convencidos” (sic) – cfr artigo 52 da petição inicial;</font>
</p><p><font>Na contestação que apresentou o 1.º réu, refere que a acção “é uma velada e infundada tentativa do autor de receber do ora R. algo cujo direito deixou precludir, por sua única e exclusiva responsabilidade” (sic) – cfr. cfr. artigo 1 da contestação;</font>
</p><p><font>- Impugna factualidade respeitante ao desenvolvimento da lide, mormente que o 1.º réu informou o autor de que o depoimento das testemunhas não havia sido convincente e que o advogado da outra parte até havia prescindido da inquirição das respectivas testemunhas;</font>
</p><p><font>- Aceita que tenha comunicado ao autor que havia apresentado o recurso fora de prazo e que tinha seguro de cobertura da respectiva responsabilidade civil iria desencadear o seguro;</font>
</p><p><font>- Na contestação da 2.ª ré (seguradora “BB (Europe), Ltd.”) aceita a existência de seguro, mas que não foi reforçada a apólice, e, assm, ainda que o tivesse sido “nunca estaria o sinistro coberto pelas garantias nela previstas, atenta a exclusão prevista no artigo 3.º, n.º 1 das condições especiais do contrato – cfr. artigo 18 e 19 da contestação;</font>
</p><p><font>- Aduz em pós argumentação de natureza jurídica adrede – cfr. artigos 25 a 40 – para depois se debruçar sobre as vicissitudes da acção 248/07.7TBARC – cfr. artigos 49 a 78 da contestação; </font>
</p><p><font>A 2.ª demandada (“Companhia de Seguros CC, S.A.”) excepciona a sua legitimidade – cfr. artigos 1.º a 17 – para, em pós, excluir a responsabilidade derivada das condições particulares (pontos 7 e 10) e ponto 12 das condições especiais da apólice – cfr. cfr. artigos 18 a 30 da contestação;</font>
</p><p><font>- Alinha jurisprudência adrede e impugna, no mais, a versão do autor:</font><br>
<font>Na sentença proferida, a acção foi julgada improcedente, com a consequente absolvição dos Réus dos pedidos formulados. </font><br>
<font>Da apelação interposta resultou a confirmação do julgado em 1ª instância.</font><br>
<font>Interposta revista excepcional, veio a ser decidido, na comissão de apreciação prévia – cfr. fls. – que (sic): </font>
</p><p><i><font>“</font></i><font>(…) </font><i><font>O Autor interpõe agora recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672º-1-a) e b) do CPC. </font></i>
</p><p><i><font>O Requerente enuncia três questões sobre as quais pretende ver recair a reapreciação do Tribunal de revista, a saber: </font></i>
</p><p><i><font>(i) - se, verificados os demais requisitos da responsabilidade civil contratual, decorrente do mandato forense, nomeadamente o facto ilícito culposo imputável ao mandatário, existirá sempre obrigação de indemnizar, no que respeita a danos não patrimoniais, independentemente de se considerar verificado o dano de perda de «chance» decorrente da não apreciação pelo Tribunal Superior do recurso interposto para além o prazo e, em consequência, rejeitado; </font></i>
</p><p><i><font>(ii) - as consequências da graduação da perda de «chance» e classificação do seu grau como geradora de dano indemnizável de perda de «chance»; e, </font></i>
</p><p><i><font>(iii) - se é necessário efectuar prova positiva da ausência de causa de atribuição da deslocação patrimonial para lograr obter vencimento a pretensão alicerçada no instituto do enriquecimento sem causa. </font></i>
</p><p><i><font>Indicando as razões da relevância jurídica, alega o Recorrente, quanto às mencionadas questões que devem ser consideradas como especialmente complexas e difíceis, em razão da ausência de norma expressa que a ilumine, da necessidade de uso de conceitos indeterminados, suscitando dúvidas profundas na doutrina e na jurisprudência, gerando a probabilidade de decisões divergentes. Quanto à segunda, refere os mesmos motivos, acrescentando, porém, que se trata de questão não consolidada, nomeadamente quanto ao patamar/grau de probabilidade de êxito exigível para que que se considere existência de dano indemnizável em sede de perda de «chance». </font></i>
</p><p><i><font>No tocante à relevância social, alude à certeza e segurança jurídica no que respeita ao exercício do mandato forense e responsabilidade civil decorrente do seu exercício, essencial para a paz jurídica e social e, na terceira questão, a necessidade de ser dada resposta que não contenda com o sentimento de justiça prevalecente na comunidade, ultrapassando o entendimento formalista sobre a repartição do ónus da prova. </font></i>
</p><p><i><font>A Recorrida "BB" opôs à admissão do recurso alegando deficiente cumprimento do ónus de preenchimento dos requisitos invocados. </font></i>
</p><p><i><font>2. - A lei impõe que o Requerente indique, sob pena de rejeição do recurso, as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor apreciação do direito, razões que deve concretizar e expor em termos objectivos (al. a» e, nos mesmos termos, as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social (al. b). </font></i>
</p><p><i><font>É certo que o Requerente, em cumprimento dos referidos ónus se queda por um conjunto de afirmações valorativas e conclusivas, abstendo-se de concretizar devidamente as razões a que a lei se reporta. </font></i>
</p><p><i><font>Relativamente ao requisito previsto na al. a) do art. 672º-1, entende-se que, malgrado as aludidas insuficiência de natureza factual, que deveriam sustentar e integrar a alegação predominantemente conclusiva, o recurso não deve ser liminarmente rejeitado, </font></i>
</p><p><i><font>No que concerne ao preenchimento do requisito da relevância social, o Requerente, como resulta do supra descrito, nada de concreto e objectivo alega com aptidão para demostrar a particular relevância social dos interesses em causa na solução das questões, entendidas estas como portadoras de repercussão significativa fora dos concretos limites do processo e do caso em lide, designadamente por estarem em causa interesses que assumam importância na estrutura e relacionamento social, podendo interferir com a CC e segurança relacionadas com o crédito das instituições e a aplicação do direito e afectar um grande número de pessoas quanto à segurança jurídica do seu relacionamento com as instituições (cfr., por todos, acs. de 02/9/2014, procs. 391/08.5TBVPA.P1.S1; 10731/1 0.1TBVNG.P2.S1). </font></i>
</p><p><i><font>Em qualquer dos casos, tem sido reiteradamente afirmado, na jurisprudência desta formação, que a relevância da questão, para além da complexidade ou novidade e das divergências doutrinais e/ou jurisprudenciais, deve necessariamente extravasar as fronteiras do concreto processo em que é suscitada e das partes nele envolvidas, mas, insiste-se, interessar à sociedade em geral ou a um grupo relevante desta, pois que o escopo prosseguido pelo legislador foi o de só excepcionalmente, em situações de reconhecida importância, em que "possa estar de modo mais evidente em causa o papel que se reclama do Direito e dos Tribunais como guardiões das expectativas legítimas dos sujeitos jurídicos " (ac. de 14/5/2015 proc. 217/10.TBPRD.P1.S1). </font></i>
</p><p><i><font>Nesta conformidade, tem de haver-se por incumprido, relativamente ao pressuposto acolhido pela al. b) do n.º 2 do art. 672º CPC, o ónus de alegação imposto pela norma do n.º 2, al. b) do mesmo artigo, rejeitando-se o recurso quanto a esse fundamento. </font></i>
</p><p><i><font>3. - A primeira das questões colocada - de ser devida a indemnização por danos não patrimoniais ocorridos, independentemente de se considerar ou não verificada a perda de chance -, não foi, como tal, objecto de apreciação nas Instâncias. </font></i>
</p><p><i><font>Não o foi pela primeira Instância, que recusou a indemnização com o único fundamento de não se encontrarem provados os factos susceptíveis de integrem os danos alegados, pois que se limitou a remeter para os factos não provados e também o não foi pelo acórdão impugnando, que não só não enunciou a questão como omitiu completamente qualquer referência ou tratamento aos danos não patrimoniais, não lhes dedicando uma única palavra. É certo que nas alegações da apelação, o também agora Recorrente suscitou a questão, embora em termos não tão expressivos como o faz agora, mas, perante o silêncio do Tribunal da Relação, nada disse quanto à possível omissão de pronúncia. </font></i>
</p><p><i><font>Assim, a questão ora reposta - não apreciada pela Relação e antes não colocada nesses termos na decisão sobre ela proferida pela 1ª Instância apresenta-se como questão decidida e agora questão nova, de conhecimento vedado ao tribunal de revista (arts.627º-1, 639º-1 e 635º-3, todos do CPC. </font></i>
</p><p><i><font>Acresce que, sendo a questão da ressarcibilidade por danos não patrimoniais autónoma relativamente à dos danos patrimoniais, e sendo o valor peticionado para compensação daqueles de 7.500,OO€, também o valor da sucumbência (15.000,OO€) afastaria a possibilidade de recurso de revista -arts. 629º-1 e 671º-3 CPC e art. 24º da Lei n.º 3/99 LOFTJ). </font></i>
</p><p><i><font>Inadmissível, pois, por inverificação dos requisitos gerais de recorribilidade, a revista excepcional relativamente à primeira questão. </font></i>
</p><p><i><font>4. - Quanto à segunda questão, reconhece-se, desde logo, que, não se encontrando a matéria que a enforma directamente coberta por um quadro legal, assentando o seu tratamento jurídico, ao nível das decisões judiciais, essencialmente nas elaborações da doutrina e da jurisprudência, em torno de uma maior flexibilidade de entendimentos sobre a exigível certeza dos danos indemnizáveis e do nexo de causalidade, que as vão reflectindo à medida em que, umas e outras, também vão evoluindo, se vive ainda uma situação geradora de elevado grau de incerteza quanto aos termos ou pressupostos e limites de indemnizabilidade do dano de perda de chance. </font></i>
</p><p><i><font>Como se refere no acórdão sob impugnação, “a figura da perda de "chance” é adequada aos casos em que, precisamente, subsistam dúvidas fundadas, ou com um consistente grau de concretização prática, quanto à existência do nexo causal entre a conduta e o dano final sofrido pelo lesado... E esse dano indemnizável ocorrerá quanto, apesar da álea que envolve o resultado final (o direito não aponta para soluções unívocas, na feliz expressão do STJ), ainda assim seja substancial a probabilidade de tal resultado ocorrer, se tivesse acontecido a conduta devida”. </font></i>
</p><p><i><font>Ergue-se, assim, a questão da relevância e limites de um juízo de prognose póstuma sobre viabilidade de sucesso do ato omitido, de um “julgamento dentro do julgamento”, cuja aceitação - também em razão da função (ou funções) da obrigação de indemnizar -, e reflexos no dano e respectiva valoração não se tem revelado consensual. </font></i>
</p><p><i><font>Constata-se, sobre o tema, a existência de controvérsia na doutrina e na jurisprudência em matéria que não se apresenta de natureza simples, mas com contornos imprecisos e em evolução, a aconselhar a respectiva apreciação pelo Supremo, com vista à obtenção de decisão susceptível de contribuir para a consolidação de uma orientação jurisprudencial, tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora. </font></i>
</p><p><i><font>Nesta conformidade, considera-se que a questão proposta assume o grau de relevância jurídica suficiente exigível para, em juízo de necessidade da sua apreciação para uma melhor aplicação do direito, ser submetida a pronúncia do STJ. </font></i>
</p><p><i><font>5. - No tocante à terceira questão - enriquecimento sem causa e ónus de alegar e demonstrar a ausência de causa -, pensa-se, antes de mais não apresentar, ela, verdadeira autonomia relativamente à da perda de chance, designadamente em face dos termos em que poderá ter lugar a reapreciação desta matéria. </font></i>
</p><p><i><font>Trata-se, com efeito, de matéria que, sendo de direito e encerrando uma questão de direito, se encontra integrada na determinação da verificação do dano concretamente viável, de um dos aspectos de avaliação da probabilidade de obter ganho no recurso, cuja apreciação é apenas sequencial ou dependente, desde logo, da posição que possa ser adoptada quanto à suficiência ou não do nexo causal entre a omissão e a verificação do dano. </font></i>
</p><p><i><font>Nessa medida, a nosso ver, a reapreciação ou não da questão não deverá, sem mais, desligar-se da questão principal da perda de chance, que a engloba. </font></i>
</p><p><i><font>Enquanto questão autónoma, nos termos em que vem justificada a pretensão de excepcionalidade da revista, não vislumbra qualquer complexidade ou novidade, sendo o instituto e seus requisitos de aplicabilidade objecto de constantes apreciações e decisões judiciais. </font></i>
</p><p><i><font>A jurisprudência - e mesmo a doutrina - não tem revelado divergências relativamente à questão em causa, nos termos em que a mesma se coloca. Com efeito, diferentemente do que pretende o Requerente, porque a situação ajuizada no processo 2203/09.3TBPVZ.P1, com confessado apoio no acórdão do STJ de 17-10-2006, no proc. n.º 06A2741, versa o caso específico de o autor ter alegado, sem lograr provar, ausência de causa do enriquecimento e o réu se ter remetido à cómoda posição de mera negação, sem nenhuma causa invocar para a transferência patrimonial demonstrada não é sobreponível àquelas em que, como acontece no caso sob apreciação, o autor invoca uma concreta causa da transferência (um contrato de mútuo/negócio causal) que não prova e a ré contrapõe uma outra causa (que não foi submetida à prova). </font></i>
</p><p><i><font>Acresce que, até por se estar sobre uma apreciação de matéria cujo julgamento caberia a outro tribunal, não fora, no específico caso concreto, o ato omitido, não é possível afirmar qualquer repercussão da decisão para além dos estritos limites dos interesses da Partes neste processo. </font></i>
</p><p><i><font>Em suma, não se mostra que a questão, só por si, como questão autónoma e nos termos em que vem colocada, se apresente relevância que torne claramente necessária para a melhor aplicação do direito, deva ser objecto de reapreciação (art. 672º-1, a) e 2, a) CPC). </font></i>
</p><p><i><font>Termos em que, com o âmbito proposto, se acorda em admitir a revista excepcional.” </font></i>
</p><p><font>Admitida que está a revista (excepcional) quedam transcritos as conclusões adrede.</font><br>
<b><font>I.a) – Quadro Conclusivo</font></b><font>.</font>
</p><p><font>“</font><i><font>18ª - Quanto à impugnação do decidido em apelação</font></i><b><i><font>: </font></i></b><i><font>entendeu-se, no douto acórdão ora recorrido, que, no caso concreto, estaríamos perante «chances» reduzidas ou muito reduzidas de êxito do recurso, e que, por tal, não haveria lugar à verificação do dano de perda de «chance» e, em consequência, não existindo o direito do recorrente à indemnização de quaisquer danos decorrentes da conduta do 1.º réu e, por conseguinte, dos demais réus, demandados por via dos contratos de seguro celebrados, não se conformando o recorrente e aqui impugnando o decidido, pelos fundamentos que passa a expor. </font></i>
</p><p><i><font>19ª - A caracterização das «chances» do recorrente foi classificada como reduzida ou muito reduzida tendo em conta o entendimento de que, para obter a tutela do instituto do enriquecimento sem causa, o autor teria sempre de alegar e provar a inexistência de causa da transferência patrimonial, não sendo suficiente a falta de prova de existência de causa de atribuição. </font></i>
</p><p><i><font>20ª - Refira-se, desde já, que, no que à responsabilidade civil do 1º réu respeita, quer a douta sentença proferida em primeira instância, quer o douto acórdão recorrido, consideram verificado o seu incumprimento culposo no que respeita à obrigação de interpor o acordado recurso, em tempo, decorrente do contrato de mandato celebrado com o autor. </font></i>
</p><p><i><font>21ª - Considera o ora recorrente que, independentemente do juízo que se faça sobre a probabilidade de o recurso interposto pelo 1º réu em nome do autor vir a merecer decisão que alterasse a decisão proferida em 1ª instância, na verdade, o recorrente, em virtude da conduta culposa do 1º réu, viu-se impedido de ver o mesmo ser sequer apreciado pelo Tribunal Superior, e de obter deste uma decisão de mérito, positiva ou negativa, vendo o autor frustrado o cumprimento do acordado, o que, tratando-se de um contrato de mandato forense, baseado em relações de específica confiança pessoal, se considera merecer a tutela indemnizatória, independentemente da existência de danos patrimoniais ou da possibilidade de imputar estes à conduta do mandatário. </font></i>
</p><p><i><font>22ª - O simples facto de, na execução do mandato forense, o autor se ter encontrado, sem culpa sua, na situação de impossibilidade de a sua pretensão ser apreciada pelo Tribunal Superior, sempre, pelas regras da experiência, e sendo facto notório, afectaria a sua esfera jurídica pessoal, nomeadamente a sua garantia de acesso aos Tribunais e consequente direito a obter uma decisão que apreciasse, com força de caso julgado, a pretensão deduzida em juízo, bem como o direito ao recurso, plasmados nos artigos 2º, nº 1, e 627º, nº 1, do CPC, e artigo 20º, nº 1, da CRP. </font></i>
</p><p><i><font>23ª - Assim, verificou-se inequívoca violação culposa de um direito do autor, classificado pela Constituição da República como fundamental, decorrendo da mesma, com o devido respeito, sempre o direito de ser indemnizado pelo responsável por tal violação, ocorrendo sempre a existência de dano não patrimonial que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito - artigo 496º, n.º 1, do Código Civil - mediante a condenação dos réus no pagamento de compensação a arbitrar pelo Tribunal segundo juízo de equidade. </font></i>
</p><p><i><font>24ª - Provado nos autos que «40 - O autor, ao tomar conhecimento da rejeição do recurso, sentiu-se defraudado em toda a confiança que depositara no 1º réu, relativamente à condução e tratamento do litígio judicial em causa.», tal reconduz-se, também, à existência de danos não patrimoniais na esfera do autor, cuja relevância merece, pela sua gravidade, igualmente a tutela do direito, devendo o ser sempre compensado pelos mesmos mediante a condenação dos réus no pagamento de compensação a arbitrar segundo juízo de equidade. </font></i>
</p><p><i><font>25ª - Tal direito indemnizatório do recorrente existiria sempre, independentemente da existência de perda de «chance» e do respectivo grau que fosse considerado, não se reconduzindo, no seu fundamento à possibilidade de vir a obter vencimento de causa, mas, tão só, ao direito a ver sindicada por Tribunal Superior decisão desfavorável proferida em primeira instância. </font></i>
</p><p><i><font>26ª - Assim, com o devido respeito, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 2º, nº 1, e 627º, nº 1, do CPC, artigo 20º, nº 1, da CRP, e artigo 496º, nº 1, do Código Civil - devendo, na correcta interpretação e aplicação de tais normas legais, ser revogado o douto acórdão em crise e proferida decisão condenando os réus, desde logo, a pagar indemnização ao autor pelos danos não patrimoniais sofridos, em quantia a arbitrar segundo juízo de equidade. </font></i>
</p><p><i><font>27ª - Ainda que assim não se entenda, e sem prescindir, não concorda o recorrente com o juízo expresso no douto acórdão recorrido relativamente à existência de uma efectiva e concreta possibilidade de vir a ser revogada, pelo Tribunal Superior, a sentença proferida no âmbito dos autos que correram termos no Tribunal Judicial de Arouca, que considerou que as «chances» do autor seriam reduzidas ou muito reduzidas. </font></i>
</p><p><i><font>28ª - Mesmo que assim sejam classificadas as «chances», sempre se verificará o dano de perda de «chance», devendo, em consequência, ser-lhe concedida indemnização equitativa, nela condenando os réus. </font></i>
</p><p><i><font>29ª - Ainda que tal entendimento não colha, a «chance» do acolhimento da sua pretensão, no caso concreto, deveria obter classificação superior à atribuída, pois, existindo a orientação jurisprudencial maioritária, no que respeita à necessidade de verificação, com prova positiva, do requisito de ausência de causa de atribuição no instituto do enriquecimento sem causa, não é a mesma unânime, nem existindo, ao que se conhece, qualquer assento ou acórdão de fixação de jurisprudência sobre tal questão, existindo, além do mais, notória divergência doutrinal, como se aceita, aliás, no douto acórdão recorrido. </font></i>
</p><p><i><font>30ª - Assim, em sentido jurisprudencial que se entende contrário ao expresso no douto acórdão recorrido, e decorrendo dele a possibilidade de, no caso concreto, ser proferida decisão em sede de recurso acolhendo a pretensão do autor, proferiu o Tribunal da Relação do Porto, em 09.12.2010, no processo 2203/09.3TBPVZ.P1, douto acórdão (acessível na base de dados dgsi com o número de documento: RP201012092203/09.3TBPVZ.P1), e também pelo Tribunal da Relação do Porto, foi proferido, em 12.01.2010, douto acórdão, no processo 1902/08.1 TBSTS.P1 ( acessível na base de dados dgsi com o número de convencional: JTRP00043435 ), de cujos sumários e teor, que se dão como reproduzidos, resulta, com o devido respeito, apoio para a posição do autor. </font></i>
</p><p><i><font>31ª - O recurso apresentado pelo 1º réu, no que respeita, pelo menos, à revogação da sentença de 1ª instância e obtenção de vencimento na questão da verificação do enriquecimento sem causa e consequente obrigação de restituir, o qual, aliás, foi contemporâneo e dirigido ao mesmo Tribunal da Relação que proferiu os citados acórdãos, teria probabilidade de êxito, atendendo a que o autor provara a existência da transferência patrimonial das quantias alegadas e que, não tendo logrado provar a causa invocada para a mesma, o mútuo, o ónus da prova de ausência de causa justificativa para o enriquecimento deveria ser entendido nos termos invocados, ou seja, concluindo-se que não se verificava qualquer causa justificativa para que as quantias tituladas pelos cheques entregues e depositados na conta da ali ré enriquecessem o património desta. </font></i>
</p><p><i><font>32ª - Não se poderá afastar a possibilidade de, no seguimento dos doutos acórdãos citados, o Tribunal Superior, avaliando a verificação ou não de ausência de causa justificativa do enriquecimento, face ao concreto caso que lhe era colocado, poder sempre entender que a mesma se deveria dar como verificada ou concluir pela necessidade de repetição do julgamento para apurar factos que considerasse relevantes para a decisão a proferir sobre tal matéria. </font></i>
</p><p><i><font>33ª - Assim, entende o recorrente que se verifica, ao contrário do decidido, a existência de possibilidade e probabilidade, em grau que se deve considerar superior à classificação de reduzido ou muito reduzido, de o recurso do autor poder vir a alterar o sentido da decisão proferida pelo Tribunal de Arouca e, desse modo, dever ter-se por verificada a existência de dano de perda de «chance» merecedora de que a conduta do 1º réu deva ser considerada como causadora de prejuízos, existindo nexo de causalidade entre a mesma e os danos ocorridos, sendo geradora do dever de indemnizar, tendo, assim, sido violados, pelo douto acórdão recorrido, as normas legais previstas nos artigos 563º e 798º, do Código Civil. </font></i>
</p><p><i><font>34ª - Atendendo ao disposto nos artigos 562º e 563º, do Código Civil, deve o recorrente ser indemnizado à luz do princípio geral da reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso, em quantia que resulte da aplicação ao pedido pelo autor do índice/percentagem de probabilidade que o Tribunal entenda adequado, pelo dano de «perda de chance», tendo sempre direito o autor a ser indemnizado, também, pelos danos não patrimoniais sofridos, pois os mesmos, atenta a sua gravidade, merecem a tutela do direito, nos termos do disposto no artigo 496.º, do Código Civil, norma também, com o devido respeito, violada pela douto acórdão recorrido. </font></i>
</p><p><i><font>35ª - O douto acórdão recorrido deverá assim, com o devido respeito, ser revogado, condenando-se os réus solidariamente, atento também o invocado e provado relativamente à existência e funcionamento das apólices de seguro, interpretando-se e aplicando-se as normas legais já indicadas, que resultam violadas pelo douto acórdão recorrido, no sentido de ajuizar a conduta do 1º réu como incumprimento contratual gerador da respectiva responsabilidade indemnizatória, de danos patrimoniais e não patrimoniais, ao abrigo do disposto no artigo 639º, nº 2, a) e b), do CPC, constituindo tal violação e errada interpretação e aplicação os fundamentos do presente recurso.</font></i><font>”</font><i><font> </font></i>
</p><p><font>Contraveio a demandada seguradora com fundamentação em que basicamente se insurgia contra a admissibilidade do recurso de revista excepcional, pelo que descartada esta hipótese, sobram precípuos para a economia do recurso as conclusões concernentes ao mérito do recurso.</font>
</p><p><i><font>“</font></i><font>(…) </font><i><font>26. Não obstante tal entendimento, sempre caberá referir que, de facto, pretende o Recorrente, por via do presente recurso de revista excepcional, uma reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça da aplicação do conceito de "perda de chance", e bem assim da valoração da prova, que apenas a si, cabia demonstrar nos presentes autos. </font></i>
</p><p><i><font>27. Efectivamente, a aplicação do conceito/raciocínio de prognose futura visa precisamente possibilitar o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a conduta lesiva e um dano mais próximo (como que "antecipado" face ao dano final), consubstanciado numa probabilidade séria e real da obtenção de determinado resultado favorável não fosse a conduta lesiva. </font></i>
</p><p><i><font>28. Sendo certo que, a aplicação de tal juízo de probabilidade não poderá deixar de exigir a demonstração séria e segura da possibilidade de obtenção de uma vantagem, entretanto de nega da em resultado da ocorrência de determinada conduta omissiva, sob pena do presumível lesado alcançar - por via da responsabilização civil do advogado - um benefício superior ao que alcançaria se não fosse a conduta lesiva. </font></i>
</p><p><i><font>29. Continuando, assim, a impender sobre o Autor a demonstração dos factos que possam, a final, conduzir a apreciação positiva do juízo de prognose sobre a "chance perdida". </font></i>
</p><p><i><font>30. De facto, mesmo quando somos chamados a aplicar a doutrina da perda de chance, pois a oportunidade perdida até pode ser portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, mas apenas se houvesse uma possibilidade real de êxito que se frustrou, a qual tem de ser provada pelo (pretenso lesado. por se tratar de um facto constitutivo do seu direito (cfr. o artigo 342.º/1 do CC). </font></i>
</p><p><i><font>31. Ora, conforme se verifica sobejamente dos presentes autos, a apreciação do caso concreto carreado aos presentes autos pelo Recorrente (objecto do processo 248/07.7TBARC), foi escrutinada ao pormenor “ponto por ponto”, quer pelo Tribunal de Primeira Instância na douta sentença proferida, quer pelo Venerando Tribunal da Relação no Acórdão ora recorrido, e ainda, quer sobre os aspectos fácticos, quer sobre todas as questões jurídicas apreciadas naquela demanda (nomeadamente no que respeita a apreciação do enriquecimento sem causa). </font></i>
</p><p><i><font>32. Assim, foi decidido, e bem, que nenhum dos argumentos carreados para os autos do processo 248/07.7TBARC no recurso não apreciado, seria capaz de convencer o Tribunal ad quem a reverter a sentença da 1.ª Instância, nomeadamente o alegado enriquecimento sem causa, tendo o douto Tribunal de Primeira Instância efectuado e prosseguido um verdadeiro “juízo dentro do juízo”/”julgamento dentro do julgamento” - tal como tem sido entendimento das nossas instâncias superiores. </font></i>
</p><p><i><font>33. De facto, o enriquecimento sem causa, na modalidade de enriquecimento por prestação, exige a ausência de uma (qualquer) causa justificativa do incremento patrimonial, não tendo sido, todavia, o que sucedeu: houve uma prestação; houve uma consciência e uma vontade de prestar; e houve, alegadamente, uma causa, que não se provou, não podendo a (ali) Ré vir a ser prejudicada apenas porque negou ter-se obrigado a devolver o que recebeu e contra-alegou que o que recebeu foi como oferta do Recorrente. </font></i>
</p><p><i><font>34. Sob pena de, doravante, em todas as acções em que alguém nega a existência de um contrato de mútuo e não tem o cuidado (porque a Lei substantiva e processual a tal não obriga) de alegar e provar a que título recebeu uma determinada quantia (ou quantias), acabar condenado à sua restituição, criando-se uma verdadeira presunção de ilicitude. </font></i>
</p><p><i><font>35. De facto, a perda de chance apenas permite tutelar expectativas que se mostrem suficientemente densificadas, sérias e credíveis (probabilísticamente) - isto é, expectativas jurídicas, aquelas que exprimem a posição do sujeito, inserido numa sequência, que irá conduzir a um verdadeiro direito, mas antes deste surgir, não se qualificando, porém, como tal, a expectativa que assistia ao ora Recorrente. </font></i>
</p><p><i><font>36. De modo que, diante da reapreciação, fáctica e jurídica, da acção subjacente, considerou, e bem, o douto Acórdão recorrido que, sendo “a oportunidade de uma solução anterior favorável ao Autor, no momento do recurso, muito ténue, quase irrelevante”, não haverá lugar à verificação do dano de perda de “chance”</font></i><font>. </fo | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1jKXu4YBgYBz1XKvQR81 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> 1. - AA intentou, em Maio de 2010, acção declarativa contra o Estado Português visando a condenação do Réu a pagar-lhe os montantes indemnizatórios de 25.100,00€, por danos patrimoniais, e de 102.000,00€, por danos morais, tudo acrescido de juros moratórios desde a data da citação. </font>
</p><p><font> Fundamentando factualmente as pretensões, alegou, no que aqui interessa considerar:</font>
</p><p><font>- em 3 de Novembro de 2004, o Autor, então agente da PSP, colocado na Esquadra de Trânsito do Aeroporto Sá Carneiro, foi surpreendido por uma busca na sua habitação e no seu cacifo-armário nas suas instalações da Esquadra do Aeroporto, aqui sem qualquer mandato, busca essa feita com grande aparato e meios humanos;</font>
</p><p><font>tendo sido constituído arguido no âmbito do processo nº 150/04.4P6PRT que correu termos pelo 1º Juízo Criminal da Maia, “acusado” de um crime qualificado;</font>
</p><p><font>processo que, quanto ao autor, ali arguido, foi mandado arquivar, por despacho de 08 de Maio de 2007, notificado em 28.05.2007, por não inexistirem quaisquer indícios da prática de algum crime;</font>
</p><p><font>assim, desde 03 de Novembro de 2004 que o A. e a sua família se viram confrontados com um ataque à sua honra e saúde mental;</font>
</p><p><font>acusado, sem culpa formada, o A. e a sua família forma vítimas de sérias humilhações e desprestígio que muito os afectou;</font>
</p><p><font>como consequência, o A. e a sua família tiveram de mudar de habitação, tal foi a vergonha que sentiram;</font>
</p><p><font>pois os vizinhos e amigos viram o A. a ser conduzido, sob detenção ao DIC do Porto, onde esteve detido cerca de seis horas, sem qualquer explicação.</font>
</p><p><font> Citado, em 10 de Maio de 2010, em representação do Estado Português, contestou Ministério Público, invocando, além do mais, a prescrição do crédito do Autor, por os factos integradores dos erros e negligência atribuídos ao Ministério Público terem ocorrido em 2004. </font>
</p><p><font> </font><font>No despacho saneador, julgou-se procedente a excepção de prescrição, com a consequente absolvição do Réu do pedido.</font>
</p><p><font> Mediante apelação do Autor, o Tribunal da Relação revogou o sentenciado, julgou improcedente a excepção e determinou o prosseguimento do processo.</font>
</p><p><font> Agora é a vez de o Ministério Público impugnar o acórdão para pedir reposição da decisão na 1ª Instância, julgando novamente procedente a excepção, ou relegando para final tal decisão, por falta de elementos fácticos.</font>
</p><p><font> Para tanto, argumenta nas conclusões, que se transcrevem:</font>
</p><p><font>“1.ª - Não pode sustentar-se, como concluiu a decisão recorrida, que "o prazo de prescrição do direito a indemnização, previsto no art. 498.° do Código Civil, só se inicie com o trânsito em julgado" da decisão de arquivamento do processo crime em que o Autor foi arguido. </font>
</p><p><font>2.ª - Desde logo porque a decisão de arquivamento proferida no processo crime, relativamente ao ora recorrido, não é susceptível de transitar em julgado, nem é definitiva. </font>
</p><p><font>3.ª - Isto porque os despachos do M.º P.º são administrativos deles não cabendo recurso, pois apenas as decisões judiciais os admitem (arts. 399.° e 400.° do CPP, e art.º 628.° do CPC - aprovado pela Lei 41/2013, de 26/06 -, este aplicável </font><i><font>ex</font></i><font> </font><i><font>vi</font></i><font> art. 4.° do CPP). </font>
</p><p><font>4.ª - Quanto aos despachos de arquivamento que, como aquele que está em causa nos presentes autos, são proferidos pelo M.ºP.º nos termos do disposto no art. 277.° n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), apenas são susceptíveis de reclamação ou de intervenção hierárquica, nos termos do art. 278.° n.º l, ou de pedido de abertura de Instrução, nos termos do disposto no n.º l do art. 286.°, ambos do mesmo diploma legal. </font>
</p><p><font>5.ª - Por outro lado não são tais despachos definitivos, uma vez que haverá (sempre) lugar à reabertura do inquérito "se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento" - art. 279.° n.º 1, do CPP. </font>
</p><p><font>6.ª - Não pode também concluir-se, como se concluiu, que "só com a notificação do arquivamento do inquérito contra si instaurado, o autor se encontra em condições de afirmar que estava inocente e que foi contra si movido um processo-crime sem qualquer fundamento". </font>
</p><p><font>7.ª - O conhecimento que o recorrido necessariamente tinha da sua alegada "inocência" e dos factos que reputou de ilícitos em nada dependia de ter - ou não - sido recolhida prova suficiente para deduzir acusação, bem como não dependia do critério subjacente à decisão de arquivamento (condicional) do inquérito. </font>
</p><p><font>8.ª - Como se decidiu, entre outros, no Ac. STJ de 18-04-2012, proferido no proc. 02B950(IGFEJ/net): </font>
</p><p><font>- "O início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém - saiba ou não do seu carácter ilícito - e dessa prática ou omissão resultaram para si danos". </font>
</p><p><font>9.ª - No caso em apreço, a contagem do prazo de prescrição de 3 anos previsto no n.º1 do art. 498.° do CC iniciou-se no ano de 2004, no momento em que se verificaram os actos e procedimentos reputados pelo recorrido como ilícitos e danosos. </font>
</p><p><font>10.ª - Assim, quando o Estado Português foi citado para a presente acção, em 10 de Maio de 2010, havia há muito decorrido o prazo de 3 anos de prescrição previsto no art. 498.° n.º1 do CC, uma vez que não ocorreram - nem foram alegados - quaisquer factos interruptivos ou suspensivos da prescrição. </font>
</p><p><font>11.ª - O que determina a extinção do exercício do direito, pelo recorrido, à peticionada indemnização - arts. 298.° n.º1 e 304.° n.º1, do CC - tal como se decidiu na 1.ª instância. </font>
</p><p><font>12.ª - Dir-se-á ainda - e sem prescindir - que a decisão recorrida não poderia ter julgado improcedente - como julgou - a excepção da prescrição, por falta de elementos de facto que permitissem estabelecer a data do conhecimento do direito de indemnização peticionado pelo recorrido. </font>
</p><p><font>13.ª - É que "o apuramento dos elementos que habilitam a estabelecer a data do conhecimento do direito de indemnização que compete ao lesado constitui matéria de facto", como se decidiu no Ac. do STJ de 17.11.1994, BMJ 441-208 (sublinhado nosso). </font>
</p><p><font>14.ª - Ora, no caso em análise, a decisão recolhida fundou-se em matéria não provada, apenas invocada pelo Autor na p.i. e na apelação, matéria essa controvertida, uma vez que foi objecto de impugnação na contestação deduzida. </font>
</p><p><font>15.ª - Assim, caso não se decida já pela procedência da invocada excepção peremptória da prescrição, como se decidiu na 1.ª instância, deverá então relegar-se para final, por falta de elementos fácticos, a apreciação da excepção peremptória da prescrição, deduzida pelo R. Estado Português na contestação. </font>
</p><p><font>16.ª - O acórdão recorrido violou as disposições dos arts. 498.° n.º 1, do Código Civil, e 595.° n.º 1, al. b), do CPC (Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).”. </font>
</p><p><font> Não foi apresentada resposta.</font>
</p><p><font> 2. - As </font><b><font>questões </font></b><font>a decidir no recurso são:</font>
</p><p><font> - novamente a de saber quando se inicia o prazo prescricional do direito à indemnização exercitado pelo Autor, nomeadamente se se conta da data da realização das buscas de que foi alvo e apresentação ao Juiz de Instrução Criminal ou a partir do arquivamento do inquérito criminal contra si dirigido; e,</font>
</p><p><font> - se, por insuficiência de elementos factuais, deve relegar-se para momento ulterior o conhecimento das excepção de prescrição.</font>
</p><p><font> 3. - Os </font><b><font>elementos de facto </font></b><font>a considerar, que as instâncias se abstiveram de elencar, destacando-os ou separando-os dos fundamentos de direito, são, como se extrai das respectivas decisões, os seguintes:</font>
</p><p><font> 1. Em 3 de Novembro de 2004, o Autor, então agente da PSP, colocado na Esquadra de Trânsito do Aeroporto Sá Carneiro, foi surpreendido por uma busca na sua habitação e no seu cacifo-armário nas suas instalações da Esquadra do Aeroporto;</font>
</p><p><font>2. O A. foi constituído arguido no âmbito do processo nº 150/04.4P6PRT que correu termos pelo 1º Juízo Criminal da Maia, “acusado” do crime de furto qualificado;</font>
</p><p><font>3. Esse processo foi, quanto ao Autor, ali arguido, mandado arquivar, por despacho de 08 de Maio de 2007, notificado em 28.05.2007, por não existirem indícios da prática de algum crime.</font>
</p><p><font> 4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> 4. 1. - Questão prévia.</font>
</p><p><font> O Recorrente dedica as cinco primeiras conclusões da alegação que apresentou a demonstrar que “</font><font>não pode sustentar-se, como concluiu a decisão recorrida, que "o prazo de prescrição do direito a indemnização, previsto no art. 498.° do Código Civil, só se inicie com o trânsito em julgado" da decisão de arquivamento do processo crime em que o Autor foi arguido</font><font>” </font><font>por se estar perante </font><i><font>decisão</font></i><font> </font><i><font>administrativa</font></i><font>, </font><i><font>não definitiva e insusceptível de recurso. </font></i>
</p><p><font> Ninguém põe em causa que assim seja.</font>
</p><p><font> Só que tais afirmações, que se reconhece não estarem directamente conexionadas com o </font><i><font>thema decidendum</font></i><font> da apelação, extravasando a hipótese factual sob apreciação, não constam do acórdão recorrido nem, nesses termos, foram utilizadas na respectiva fundamentação.</font>
</p><p><font> Juridicamente incorrectas, quando referidas, como é o caso, a um despacho de arquivamento por insuficiência de indícios da prática do crime pelo arguido, as expressões utilizadas constam apenas do “Sumário elaborado nos termos do art. 713º-7 do CPC”, ou seja, de um texto que se pretende de natureza doutrinária, elaborado com vista a eventual inserção na base de dados do tribunal, segmento que materialmente destacado, embora adicionado, ao texto do acórdão, deste não faz parte integrante, apresentando-se, por isso, como estranho ao silogismo judiciário do acórdão e, consequentemente, à decisão proferida e respectivos fundamentos.</font>
</p><p><font> Ora, por expressa disposição dos arts. 676º-1, 684º-2 e 685º-A, todos do CPC (versão introduzida pelo DL 303/2007, aqui aplicável), objecto de impugnação, por via de recurso, são as </font><u><font>decisões</font></u><font> judiciais, cabendo às conclusões da alegação, enquanto ónus do recorrente, a “indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.</font>
</p><p><font> Assim sendo, por isso que se apresenta completamente inócuo relativamente à decisão, designadamente enquanto conjunto de fundamentos susceptíveis de suportarem a modificação da decisão, o contido nas conclusões 1ª a 5ª, por manifestamente inadequado à produção de quaisquer efeitos na sorte do recurso, não será objecto de mais considerações.</font>
</p><p><font> </font><font> </font><font>4. 2. -</font><font> </font><font>Prosseguimento do processo e conhecimento, a final, da excepção da prescrição.</font>
</p><p><font> O Recorrente, representado pelo Ministério Público, ao deduzir a excepção peremptória, limitou-se, em sua contestação, a alegar que «os factos em que consistem os alegados erros e negligência do Ministério Público no processo em referência nos quais o A. pretende sustentar a sua pretensão remontam ao ano de 2004, vj. Arts. 2º a 5º da P.I. … Pelo que, considerando que o Estado só foi citado em 10 de Maio de 2010, verifica-se que nesta última data decorrera há muito o prazo de três anos».</font>
</p><p><font> Não só, no momento e lugar próprio, que é, a contestação – art. 489º C. Civil -, o Réu não alegou quaisquer outros factos, como não impugnou – sem que de tal estivesse dispensado (cfr. arts. 15º, 16º, por um lado, e 20º, por outro, com referência ao art. 490º-4, todos do CPC) -, antes aceitou, ainda com referência à prescrição, o alegado nos arts. 2º a 5º da petição inicial, sustentando tão só, como, de resto, é típico da defesa por excepção, que perante a verificação daqueles factos, o direito do Autor estava extinto, por prescrição.</font>
</p><p><font> Os factos em que as Instâncias fundaram as respectivas decisões, de cujos fundamentos se seleccionaram os factos que se elencaram em 2. desta peça encontram-se provados por documentos, não impugnados.</font>
</p><p><font> A factualidade que o Recorrente identifica nas alegações – 8, 9, 11, 4. 5 e 6 da petição –, alegando ser controvertida (e que, efectivamente impugnou parcialmente, mas já fora do campo em que delimitou a excepção), ou se reporta exclusivamente à identificação e determinação de danos (8, 9 e 11), sendo, por isso irrelevante para a contagem do prazo prescricional, como adiante melhor se verá, ou está, como dito, definitivamente provada pelos documentos juntos com a p.i (4, 5 e 6). </font>
</p><p><font>Quanto ao facto do artigo 3º - ter havido busca ao cacifo sem mandado -, embora se tenha desconsiderado na factualidade que fundamenta a decisão, é questão que passa pela qualificação do conteúdo do “Mandado de Busca”, cuja cópia constitui fls. 17, mas carece, nesta sede e para os fim pretendido pelo Recorrente, de autonomia.</font>
</p><p><font> Em suma, no quadro factual invocado pelo Autor, excepcionado pelo Réu e utilizado pelas Instâncias, o processo oferece todos os elementos necessários para uma decisão segura, sem necessidade de ampliação da matéria de facto, nos termos propostos na revista. </font>
</p><p><font> 4. 3. - Início da contagem do prazo prescricional.</font>
</p><p><font> 4. 3. 1. - Na prescrição, o prazo reflecte o período de tempo durante o qual perdura a negligência do credor, que faz presumir a sua vontade de renunciar ao direito ou não ser merecedor da sua tutela, prazo que, por representar o tempo de duração da negligência, deverá, naturalmente, iniciar-se com o vencimento, com exigibilidade, do crédito. É o que se encontra consagrado nos arts. 306º e 307º C. Civil.</font>
</p><p><font>Constitui um facto extintivo autónomo do direito do credor, a invocar pelo devedor interessado, facto esse que se traduz na oposição de uma não exigibilidade do crédito reclamado (recusa ou oposição ao exercício), operada pelo decurso do tempo – art. 304º-1 C. Civil.</font>
</p><p><font> Sendo a prescrição – diferentemente do que sucede na caducidade, em que se limita o exercício dum direito – uma limitação de exigibilidade, pode acontecer que a mesma não seja contemporânea da formação do direito, pois que apenas se verifica a partir dessa exigibilidade e, portanto, porque a exigibilidade vive associada ao vencimento da obrigação, em momento posterior à formação do direito.</font>
</p><p><font>Por isso se diz que a prescrição paralisa um direito exigível por insatisfeito, regendo o prazo de prescrição a exigibilidade de um direito preexistente, actuando em fase posterior ao seu nascimento, na fase ulterior do vencimento (cfr. ANÍBAL DE CASTRO, “</font><i><font>A Caducidade</font></i><font>”, 2ª ed., 49, 59 e 103).</font>
</p><p><font> Assim, o prazo prescricional deve começar a correr no momento em que o direito, exigível, pode ser exercido.</font>
</p><p><font>De ter presente ainda que, como, a este propósito, escreveu o Prof. VAZ SERRA, in “</font><i><font>Prescrição e Caducidade</font></i><font>” (</font><i><font>BMJ</font></i><font> 105º-190 e ss.), “o tempo legal de prescrição deve ser um tempo útil, não podendo censurar-se o credor pelo facto de não ter agido numa altura em que não podia fazê-lo. Se assim não fosse, poderia acontecer que a prescrição se consumasse antes de poder ser exercido o direito prescrito”, não sendo de aceitar uma solução que faça “correr o prazo de prescrição antes de o credor poder praticamente exercer o seu direito”.</font>
</p><p><font> Em conclusão, o termo inicial do prazo deve ter como ponto de partida a existência objectiva, no aspecto jurídico – e não de mero facto -, das condições necessárias e suficientes para que o direito possa ser exercitado, isto é, a ausência de causas («impedimentos de natureza jurídica») que impeçam o exercício do direito e, com ele, consequentemente, o da prescrição (cfr. </font><i><font>A. e loc. cit.</font></i><font>, 193-194). </font>
</p><p><font> 4. 3. 2. - No caso, não se questiona que aos direitos exercitados pelos Autores é aplicável, em matéria de prescrição, o disposto no art. 498º C. Civil, ou seja, estão sujeitos a extinção, pelo não exercício, “no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo, a contar do facto danoso”.</font>
</p><p><font> Adquirido, em sede factual, que os factos geradores dos danos de que o A. se queixa – buscas e detenção - se produziram em Novembro de 2004, factos de que o mesmo A. teve contemporâneo conhecimento, acabando por intentar a acção em Maio de 2010, muito mais de três anos contados daquela data, mas antes de esgotado igual prazo relativamente ao conhecimento do despacho de arquivamento do inquérito contra si dirigido.</font>
</p><p><font> Se, como pretende a Recorrente, o início do prazo prescricional se dever contar do momento do conhecimento dos factos produtores dos danos, então, com referência às datas da instauração da acção e citação do Réu, o prazo extintivo estava esgotado.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font> Julgou o Tribunal da Relação que o início da contagem do prazo prescricional terá de coincidir com a notificação do arquivamento do inquérito, só então tendo o Autor conhecimento da existência do seu direito, pois que só a partir daí pode afirmar, como afirma, que havia sido contra si instaurado um processo- crime injustamente. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Adiante-se que se subscreve esta posição.</font><br>
<font>O início do prazo de prescrição reporta-se, não ao momento da lesão do direito do titular da indemnização, mas àquele em que o direito possa ser exercido, a coincidir com o momento do conhecimento do direito que lhe compete, isto é, do direito à indemnização (arts. 306º-1 e 498º-1 cit.).</font><br>
<font>Consequentemente, como a própria lei consagra, o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, mas é necessário que tenha conhecimento do dano e, apesar disso, não tenha agido judicialmente, reclamando o reconhecimento e efectivação da indemnização</font><font>. </font><font>Se e equanto não tiver conhecimento do dano o prazo de prescrição é o ordinário, só se iniciando o prazo trienal a partir do momento desse conhecimento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como vem sendo entendido, para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização “pelos danos que sofreu” (cfr. Ac. STJ, de 12/3/96, </font><i><font>BMJ</font></i><font> 455º-447; MENEZES CORDEIRO, “</font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>”, 2º vol., 1994, pg. 431; RODRIGUES BASTOS, “</font><i><font>Notas ao Código Civil</font></i><font>”, II, 298; A. VARELA, “</font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>”, I, 649).</font>
</p><p><font> Daí decorre que, a partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado disponha do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respectiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento nos triénio anterior.</font>
</p><p><font>Assim, em regra, ao prever a aplicação do prazo de prescrição ordinário relacionando-a com o facto ilícito danos, reservando o prazo trienal para os casos de conhecimento do direito, a lei despreza, no prazo curto, a relevância da data do facto ilícito danoso, como início do prazo extintivo, fazendo-a depender apenas do conhecimento do dano</font><font>.</font>
</p><p><font> Prazo que, então, se justificará por o lesado, conhecendo o dano, estar de posse de todos os pressupostos de reparabilidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Não deverá, porém, ser exactamente assim em casos como o ora ajuizado.</font>
</p><p><font> Com efeito, se, como se deixou dito, se deve considerar que o lesado tem </font><i><font>conhecimento do direito que lhe compete</font></i><font> quando se torna conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização “pelos danos que sofreu”, então, parece não dever suscitar dúvida relevante a circunstância de o conhecimento de elementos como a ilicitude e, eventualmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano e a culpa, na responsabilidade civil por erro judiciário (danos decorrentes da função jurisdicional), só se tornarem do conhecimento do lesado no momento em que toma conhecimento da decisão absolutória ou de arquivamento do processo, pois que só então fica reconhecida a desnecessidade, inadequação ou desproporcionalidade dos meios utilizados pelo Estado, tidos como violadores de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos e, em consequência, geradores da obrigação de indemnizar. </font>
</p><p><font> Pressuposto da responsabilidade, do requisito ilicitude, é, na verdade que as medidas tomadas pela autoridade judiciária venham a revelar-se injustificadas.</font>
</p><p><font> Competindo ao Estado reprimir as actividades criminosas, com a inerente legitimidade para perseguir condutas susceptíveis de integrar tais actividades, designadamente mediante recurso a meios preventivos como as buscas, detenções e prisão preventiva, a ilegalidade ou ilegitimidade da privação ou de certas restrições à liberdade só se coloca quando é efectuada com desrespeito pela Constituição ou pela lei.</font>
</p><p><font> Assim, como aflorado pelos arts. 22º e 27º da CRP e 225º-2 do CPPenal, este em concretização legal da norma Constitucional do n.º 5 do último preceito, ao estatuir sobre a indemnizabilidade dos danos sofridos com a privação de liberdade que, «não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia».</font>
</p><p><font> Convergentemente, poderá invocar-se o actual regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado (Lei n.º 67/2007, de 31/12), cujo art. 13º, dispondo sobre responsabilidade por erro judiciário, alude, como verdadeiro pressuposto da acção, à exigência de que «o pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente». </font>
</p><p><font> Estar-se-á, então, como supra referido, citando VAZ SERRA, perante um “impedimento de natureza jurídica” do exercício do direito e, por isso, do início prazo prescricional, a impor que seu termo inicial se conte após o reconhecimento, no processo, da falta de justificação das medidas alegadamente geradoras do dano, sob pena de poder acontecer que o prazo de prescrição se complete antes de poder ser exercido o direito à indemnização, impondo ao lesado o a instauração contra o Estado na pendência do porocesso-crime, situação que nada parece ter de razoável.</font>
</p><p><font> Concretizando, no caso o prazo prescricional do direito à indemnização não deverá ter-se por iniciado antes de terminado o prazo para intervenção hierárquica a que se refere o art. 278º-1 CPP (20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida). </font>
</p><p><font> Porque a citação do Réu-recorrente teve lugar antes de exaurido tal prazo, o seu direito não se extinguiu pela prescrição.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 3. 3. - Em síntese conclusiva, poderá, então, afirmar-se que:</font>
</p><p><font> Reclamada, em acção instaurada contra o Estado, indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, fundada em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos – buscas e detenção - praticados em processo de inquérito criminal em que o autor foi arguido, é de considerar que “o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete” com a decisão de arquivamento proferida no processo.</font>
</p><p><font> Em tal caso, o prazo prescricional do direito à indemnização não deverá ter-se por iniciado antes de terminado o prazo para intervenção hierárquica a que se refere o art. 278º-1 CPP (20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 5. - Decisão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Em conformidade com o expendido, acorda-se em:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - negar a revista; e,</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - manter a decisão impugnada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Lisboa, 20 Março 2014 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Alves Velho (relator)</font>
</p><p><font> Paulo Sá</font>
</p></font><p><font><font> Garcia Calejo</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1TKAu4YBgYBz1XKvsBLm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1 – Relatório.</font></b>
</p><p><font>Na Secção de Execução da Instância Central da Comarca de Coimbra, AA e BB deduziram embargos de terceiro com função preventiva contra ... Bank, PLC, alegando que, em 1/5/07, o embargante AA celebrou com o então proprietário da fracção «BI», do prédio sito na Avenida ..., CC, um contrato de arrendamento para habitação de duração limitada pelo prazo inicial de 5 anos, com início em 1/9/07 mas renovado até 31/8/17.</font>
</p><p><font>Mais alegam que, no ano de 2010, teve início a execução contra o referido locador, movida pela exequente DD, que obteve penhora daquela fracção registada a seu favor em 2/3/11, tendo a mesma sido arrematada judicialmente pela ora embargada, que tinha reclamado o seu crédito na execução.</font>
</p><p><font>Alegam, ainda, que a locação, no caso em apreço, é oponível à execução, sendo que os embargantes são terceiros em relação à acção executiva.</font>
</p><p><font>Concluem, assim, que a entrega judicial deve respeitar o direito de arrendamento dos embargantes, pelo menos até 31/8/17, impedindo-se o «despejo» destes.</font>
</p><p><font>Recebidos os embargos, a embargada contestou-os, alegando que o arrendamento invocado pelos embargantes caducou, já que é posterior ao registo de hipoteca, sendo irrelevante o facto de ser anterior à instauração da execução.</font>
</p><p><font>Conclui, deste modo, pela improcedência dos embargos.</font>
</p><p><font>Seguidamente, foi proferido despacho saneador, onde se conheceu imediatamente do mérito da causa, julgando-se improcedentes os embargos de terceiro.</font>
</p><p><font>Inconformados, os embargantes interpuseram recurso per saltum para o STJ.</font>
</p><p><font>Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><b><font>2 – Fundamentos.</font></b>
</p><p><b><font>2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><font>1° - Em 29.3.2011 foi efectuada a penhora sobre a fracção BI do prédio composto por habitação ...., freguesia e concelho da ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. 2217 e descrito na P CRPredial da ... sob o n.º 1390/20011009 - cfr. certidão e auto de penhora de fls. 28 e ss. da execução. </font>
</p><p><font>2° - Encontra-se inscrita e registada hipoteca a favor do ... Bank sobre o prédio descrito em 1. em 19.1.2006 pela Ap. 9 </font>
</p><p><font>3° - Por contrato de arrendamento celebrado em 1.5.2007, com efeitos a partir de 1.9.2007 os embargantes têm o gozo do prédio descrito em 1. </font>
</p><p><font>4° - O credor hipotecário adquiriu o prédio descrito em 1. por venda judicial propostas em carta fechada - cfr. auto de abertura de propostas. </font>
</p><p><b><font>2.2. Os recorrentes rematam as suas alegações com as seguintes conclusões:</font></b>
</p><p><font>1- O contrato de arrendamento é anterior à penhora da fracção locada;</font>
</p><p><font>2- O contrato de arrendamento é um direito obrigacional;</font>
</p><p><font>3- O direito ao arrendamento em causa nos autos </font><u><font>não caducou </font></u><font>por efeito da venda, pois a venda judicial não se encontra prevista no </font><u><font>art. 1.051º do CC, </font></u><font>onde se enuncia de </font><u><font>forma típica </font></u><font>(em beneficio do arrendatário), os casos em que o arrendamento caduca - e neles não se inclui o da venda judicial de prédio hipotecado, mesmo que o arrematante seja o exequente dotado da garantia da hipoteca e esta registada antes do arrendamento.</font>
</p><p><font>4- A enunciação do art. 1.051º do CC </font><u><font>é taxativa, </font></u><font>o que significa não haver casos de caducidade do arrendamento para além dessa norma legal.</font>
</p><p><font>5- O regime de transmissão da posição do locador está perfeitamente definida no art. 1.057º do CC e nela não interfere o </font><u><font>nº 2 do art. 824º do CC, </font></u><font>que nada tem a ver com o arrendamento, limitando-se o seu âmbito de aplicação aos direitos de garantia e aos demais direitos reais.</font>
</p><p><font>6- E, se tal acontece, por exemplo, na venda voluntária, não se vê razão para que não ocorra também na venda forçada, isto é, na venda executiva, não havendo lugar para a aplicação do nº 2 do art. 824º, que, simplesmente, nada tem a ver com o arrendamento.</font>
</p><p><font>7- O arrendamento rege-se, nomeadamente no que toca à sua extinção, por caducidade ou outras causas, por um regime próprio e exclusivo, fortemente restritivo, posto ao serviço de um interesse social (a estabilidade da posição do arrendatário, em especial no arrendamento para habitação), pelo que não é legítimo invocar identidade de razões com soluções prescritas para a realização coactiva da prestação e para o processo executivo - sendo vedado ao intérprete lançar mãos da analogia e da interpretação extensiva do art. 824º, nº 2, do CC.</font>
</p><p><font>8- Quando o legislador entender, pela ponderação dos interesses em jogo, que a venda executiva de prédio hipotecado deve fazer caducar o arrendamento, aditará esse caso à enumeração do art. 824º, nº 2, do CC.</font>
</p><p><font>9- A inoponibilidade do arrendamento à execução só existe se ele foi constituído depois da penhora (</font><u><font>art. 819º do CC. </font></u><font>conforme reforço da redacção dada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março).</font>
</p><p><font>10- Nada na lei impede o proprietário de um imóvel hipotecado de o alienar ou onerar, como é NULA a convenção que proíba o dono de bem hipotecado de o alienar ou onerar (art. 695.º do CC).</font>
</p><p><font>11- Com a hipoteca não cessa o direito nem os poderes legais de administração com base nos quais foi celebrado o contrato de arrendamento [art. 1.051º-c) do CC] pelo que não estamos perante um caso de caducidade de arrendamento.</font>
</p><p><font>12- Consequentemente, pelas razões acima referidas, não caducou, antes se mantém válido e eficaz perante o embargado, que assim, como adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato, sucedeu nos direitos e obrigações do locador, conforme o disposto no art. 1.057º do CC.</font>
</p><p><font>13- O embargado não teve qualquer prejuízo com a hipoteca, pois preferiu adquirir a fracção, e a eventual diferença para a satisfação do seu crédito irá tentar obter sobre outros bens ou rendimentos do executado devedor.</font>
</p><p><font>14- A evolução recente da disciplina arrendatária recupera o carácter limitado do contrato de arrendamento, reconduzindo-se à ideia tradicional de que ao locatário não foi conferido um direito real.</font>
</p><p><font>15- De todas as formas, o contrato de arrendamento que o executado fez ao recorrente marido tem carácter temporário, pelo período limitado de cinco anos e renovação nos termos da lei.</font>
</p><p><font>16- Está em causa o arrendamento ainda que temporário do recorrente/embargante para a sua habitação própria e do respectivo agregado familiar,</font>
</p><p><font>17- Que tem consagração constitucional nos arts 65.º e 67.º da CREP, sendo inconstitucional a douta sentença que interprete os arts. 9.º, 10.º, 11.º, 686.º, 695.º, 819.º, 824.º, 1022.º, 1051.º, 1057.º do CC no sentido da caducidade do arrendamento em causa com a venda judicial de bem hipotecado, quando o contrato de arrendamento foi celebrado antes da penhora do locado.</font>
</p><p><font>18- O recorrente considera que foram violados, entre outros, as seguintes disposições legais: arts 65.º e 67.º da CREP e arts 9.º, 10.º, 11.º, 686.º, 695.º, 819.º, 824.º, 1022.º, 1051.º, 1057.º do CC</font>
</p><p><font>19- Segundo o entendimento do recorrente, as normas referidas no ponto anterior deviam ter sido interpretadas e aplicadas de acordo com os pontos 1 a 15 destas conclusões.</font>
</p><p><b><font>2.3.</font></b><font> A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se o contrato de arrendamento invocado pelos embargantes, ora recorrentes, e que recaiu sobre o bem hipotecado, caducou ou não pela venda judicial, por força do disposto no nº2, do art.824º, do C.Civil.</font>
</p><p><font>Como se diz no Acórdão do STJ, de 22/10/15, in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, o Supremo, preocupado sobretudo com a dimensão real do arrendamento, vem decidindo, uniformemente, que, com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do respectivo locatário, nos termos do citado artigo.</font>
</p><p><font>Na verdade, até cerca do ano de 2007, o STJ encontrava-se dividido quanto a essa questão, embora maioritariamente se inclinasse no sentido da caducidade do arrendamento celebrado nas circunstâncias atrás referidas.</font>
</p><p><font>Assim, durante esse período, defendeu-se tal caducidade, designadamente, nos Acórdãos do STJ, de 29/10/98, 3/12/98, 6/7/00, 20/11/03, 9/10/03, 31/10/06 e 15/11/07 (todos disponíveis in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, excepto o de 6/7/00, este in CJ, Ano VIII, tomo II, 150).</font>
</p><p><font>A não caducidade foi sustentada, nomeadamente, nos Acórdãos do STJ, de 7/12/95, 19/1/04, 20/9/05, 27/3/07 e 17/4/07 (todos disponíveis in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, excepto os de 20/9/05 e 27/3/07, estes in CJ, Ano XIII, tomo III, 29 e Ano XV, tomo I, 146, respectivamente).</font>
</p><p><font>A partir de 2007, a jurisprudência encontrada do STJ sobre a questão em análise é, uniformemente, no sentido da caducidade do arrendamento (cfr. os Acórdãos do STJ, de 5/2/09, 27/5/10, 19/5/11, 16/9/14, 9/7/15, 22/10/15 e 9/1/18, este último ainda inédito, proferido no proc. nº732/11.8TBPDL, subscrito como adjunto pelo ora relator).</font>
</p><p><font>Tem sido, também, neste último sentido o entendimento geral da doutrina (cfr. Oliveira Ascenção, in ROA, nº45, 363 e segs., Henrique Mesquita, in RLJ, 127º, 223, Romano Martinez, in «Da Cessação do Contrato», pág.321, A. Luís Gonçalves, in RDES, Ano XXXX – XII da 2ª série – nº1, pág.98, e Ana Carolina Sequeira, «A Extinção de Direitos por Venda Executiva», in «Garantias das Obrigações», págs.23 e 43).</font>
</p><p><font>Por nossa parte, não vemos razões substanciais para divergir do entendimento que vem sendo seguido pela doutrina e pela jurisprudência, com base, fundamentalmente, nos argumentos aduzidos no atrás citado Acórdão do STJ, de 16/9/14, in CJ, Ano XXII, tomo III, 43.</font>
</p><p><font>Deste modo, não obstante se entender que o arrendamento não assume a natureza de um direito real, a tese da não caducidade não é a que melhor responde às exigências de justiça, nem aos interesses teleologicamente detectáveis no art.824º, nº2, do C.Civil, cuja ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos.</font>
</p><p><font>Concorda-se, pois, em geral, com o exarado no citado Acórdão do STJ, de 16/9/14, quando aí se refere:</font>
</p><p><i><font>«Assim sendo, ter-se-á por afastada a taxatividade das causas de caducidade do contrato de arrendamento com assento no art.1051º C. Civil, considerando que o mesmo também pode caducar, entre outras causas – atente-se, v.g., no caso de impossibilidade da prestação (art.795º CC), como apreciado no ac. desta Conferência de 08/5/2013 – proc.9304.6YYPRT-A.P1.S1) – por via da aplicação do art.824º-2 citado, bem como a regra emptio non tolli locatum, que o art.1057º, também do C.Civil, acolhe ao prever, ipso jure, a transmissão da posição jurídica do locador para o novo adquirente quando se transmita o bem com base no qual foi celebrado o contrato, inaplicável em caso de venda executiva.</font></i>
</p><p><i><font>A hipoteca, não impedindo, embora, o poder de disposição dos bens, mediante alienação ou oneração, faculdades que decorrem da respectiva inoponibilidade ao credor hipotecário, na medida em que este goza da preferência que lhe é concedida pela prioridade do registo, não deixa de produzir limitações de vária ordem ao direito de propriedade do hipotecador a quem fica vedado praticar livremente actos que ponham em causa o valor da coisa hipotecada, estando limitado aos actos que caibam nos poderes de administração ordinária – arts.686º, 695º, 700º e 701º C.Civil (vd. M. Isabel H. Menéres Campos, «Da Hipoteca – Caracterização, Constituição e Efeitos», 232 e segs.).</font></i>
</p><p><i><font>A finalidade da hipoteca é, lembra-se, a garantia de um crédito em que o valor do imóvel é elemento fundamental na atribuição do empréstimo e na determinação do respectivo quantitativo, sendo que, como refere na obra acabada de citar, «as instituições de crédito, aquando da concessão, avaliam fundamentalmente o valor que, na venda em execução, pode alcançar o imóvel, e não há dúvidas que um dos factores que pode influir nesta avaliação é a situação arrendatícia da coisa. Um prédio arrendado tem um valor, um prédio devoluto tem outro.</font></i>
</p><p><i><font>Se o prédio está arrendado, o credor hipotecário não pode desconhecer esse facto, pelo que o mesmo é-lhe oponível. Pelo contrário, se a coisa que se hipoteca está livre, a existência de um arrendamento posterior coloca a difícil questão de harmonizar os distintos interesses em jogo (…)», o do proprietário, o do arrendatário e o do credor que se vê confrontado com uma desvalorização do imóvel decorrente do, entretanto celebrado sem a sua intervenção e vontade, arrendamento que, por sua vez, o arrendatário sabe ou pode saber (desde logo pela publicidade registral) ter por objecto bem hipotecado sujeito a execução.</font></i>
</p><p><i><font>Por isso, como se escreve na mesma obra (pg. 242), citando A. Luís Gonçalves (“Arrendamento de prédio hipotecado. Caducidade do arrendamento”, RDES, ano XXXX (XII, da 2ª Série), nº1, pg.98) e Henrique Mesquita (RLJ, A.127º, 223), o contrato de arrendamento “na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus e, como tal, deve estar sujeito à extinção por força da venda executiva. O arrendamento de que o senhorio não possa libertar-se a breve prazo é um ónus, não podendo sobrepor-se à hipoteca, porquanto origina a degradação do valor dado em garantia”.</font></i>
</p><p><i><font>Assim, por via da falada interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente de natureza sócio-económica, que não, necessariamente, no sentido técnico-jurídico da integração de lacuna – art.10º-1 CCivil; cfr. ac. STJ de 27/5/10-Proc.5425/03.7TBSXL.S1 – deverá entender-se que “a referida norma do art.824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal, de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível”.</font></i>
</p><p><i><font>Não se trata, portanto, de estender, por via analógica, o efeito extintivo previsto no art.824º-2 a direitos de crédito, naturalmente de eficácia relativa e, nessa medida, inoponíveis a terceiros, mas apenas de considerar aplicável esse efeito a direitos não reais relativamente aos quais, pela sua especificidade, “possam proceder as mesmas razões justificativas da extinção” (Ana Carolina S. Sequeira, “A Extinção De Direitos Por Venda Executiva”, in “Garantias das Obrigações”, 23 e 43).</font></i>
</p><p><i><font>Sairá, assim, objectivamente penalizado o arrendatário, mas não pode esquecer-se que, como acima já notado, no jogo de interesses em confronto, fará menos sentido protegê-lo, em detrimento do credor hipotecário, tendo em consideração que ele não ignorava ou não devia ignorar a hipoteca que onerava o bem locado (vd. ac.STJ, de 02/02/98, BMJ, 482º-224)».</font></i>
</p><p><font>No caso dos autos, sendo o arrendamento posterior ao registo da hipoteca, não pode deixar de considerar-se que caducou, automaticamente, por aplicação do citado art.824º, nº2, com a venda do imóvel arrendado na acção executiva.</font>
</p><p><font>Aliás, sempre tal contrato teria caducado em 31/8/17, pelo decurso do prazo estipulado, se, como alegam os recorrentes, o mesmo tiver sido renovado até àquela data (cfr. a al.a), do art.1051º, do C.Civil).</font>
</p><p><font>Refira-se, por último, que não se descortina a violação de qualquer preceito constitucional, nomeadamente, do disposto nos arts.65º e 67º, da CRP, citados pelos recorrentes, mas sem que tenham aduzido fundamentação nesse sentido.</font>
</p><p><font>De todo o modo, sempre se dirá que, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol.I, 4ª ed., pág.837, em anotação ao citado art.65º, </font><i><font>«Os titulares passivos do direito à habitação, como direito social, são primacialmente o Estado e as demais colectividades públicas territoriais e não principalmente os proprietários e senhorios».</font></i>
</p><p><font> Haverá, assim, que concluir que o contrato de arrendamento invocado pelos embargantes, ora recorrentes, e que recaiu sobre o bem hipotecado, caducou pela venda judicial, por força do disposto no nº2, do art.824º, do C.Civil.</font>
</p><p><font>Improcedem, pois, as conclusões da alegação dos recorrentes, pelo que deverá manter-se a decisão que julgou improcedentes os embargos de terceiros.</font>
</p><p><b><font>3 – Decisão.</font></b>
</p><p><font>Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso de revista, confirmando-se a sentença recorrida.</font>
</p></font><p><font><font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
<br>
<font> </font><font>Roque Nogueira (Relator) </font><br>
<font> Alexandre Reis</font><br>
<font> Pedro Lima Gonçalves</font><br>
</font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ETKEu4YBgYBz1XKvXxV6 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>AA</font></b><font> propôs esta acção contra 1) BB, 2) CC e 3) </font><b><font>DD, LDA</font></b><font>, alegando, em síntese: é um dos sócios da sociedade R, da qual foi o único gerente entre Outubro de 2007 e Outubro de 2011, altura em que foi destituído sem justa causa, por deliberação de uma assembleia para a qual não foi convocado e na qual não esteve presente e de cuja</font><font> </font><font>acta constam apenas conclusões jurídicas e não os factos que fundamentaram essa sua destituição; os 1º e 2º RR passaram a gerir a sociedade, impediram o A de lá entrar e conseguiram registar a sua destituição com base em tal deliberação, apesar de saberem que o mesmo não havia sido convocado para a assembleia; o A deixou de receber a sua remuneração, com a qual assegurava os gastos do seu agregado familiar, não tendo outros rendimentos.</font><br>
<font>Com tais fundamentos, pediu que os RR sejam condenados a pagar-lhe, solidariamente, a indemnização de € 123.573,12, acrescida dos juros legais desde a citação, correspondente a quatro anos de salários. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Os RR contestaram, invocando a ilegitimidade dos 1º e 2º RR e alegando que a destituição do A foi fundamentada nos factos que descrevem.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo os RR do pedido porque «</font><i><font>sendo a deliberação nula e não há destituição e o A mantém-se como gerente da sociedade, não tendo direito à indemnização pedida com fundamento na destituição sem justa causa, sem prejuízo de ter direito a ser indemnizado pela falta de pagamento da remuneração devida por força da sua manutenção como gerente da sociedade</font></i><font>» (sic).</font><br>
<font> </font><br>
<font>A Relação do Porto, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pelo A, condenou os RR, solidariamente, a pagar ao A a quantia de € 123.573,12, acrescida de juros.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Os RR interpuseram recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> dessa decisão, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões: </font><br>
<font> I. (…). </font><br>
<font>II. O Acórdão recorrido está ferido da nulidade prevista no art. 615°, nº 1, al. b) e nº 4 e art. 607°, nº 3 do CPC ex vi art. 666°, nº 1 todos do CPC ou outra que, </font><i><font>ex officio</font></i><font>, se repute subsumível à total e absoluta omissão dos fundamentos de facto e de direito, bem como o percurso lógico-racional, subjacentes à decisão de condenação, e ainda por cima solidária, dos Recorrentes BB e CC no pagamento da indemnização arbitrada; </font><br>
<font>III. Sem prescindir, e caso se conclua pela não verificação da nulidade do Acórdão recorrido referida na conclusão anterior, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se verifica erro de julgamento e que adiante, nesta conclusões, se especificará em maior detalhe. </font><br>
<font>IV. O Acórdão Recorrido omitiu acto prescrito pela lei conquanto, tendo decidido, como decidiu, considerar nula a decisão de primeira instância e, por esse motivo, conhecer de todas as questões que ao tribunal de primeira instância era lícito conhecer, não ordenou a notificação das partes nos termos do disposto no art. 665°, nº 3 do CPC; </font><br>
<font>V. Tal omissão tinha, como teve, manifesta influência na discussão da causa tanto mais que a decisão de primeira instância nem sequer havia abordado ou conhecido da atribuição e liquidação da indemnização, respectivo montante e, bem assim, dos responsáveis pelo seu pagamento e respectivo regime de exigibilidade (solidariedade ou conjunção), para além de que sempre poderiam os Recorrentes pugnar, como pugnam, pela inexistência de nulidade da decisão de primeira instância por excesso de pronúncia, o que fere a decisão recorrida de nulidade secundária e que é passível de ser invocada, como é, nas alegações de recurso, tudo à luz do disposto no art. 665°, nº 3 e 195° do CPC. </font><br>
<font>VI. Sem prescindir, salvo diferente e melhor entendimento, não se verificava excesso de pronúncia da decisão de primeira instância, o que se invoca para todos os efeitos legais, na medida em que a questão da nulidade foi trazida aos autos pelo próprio Recorrido discordando-se, portanto, da decisão recorrida quanto à verificação de nulidade da decisão por excesso de pronúncia, daí, também, o presente recurso. </font><br>
<font>VII. Por outro lado, não se acompanha a decisão recorrida quando determina que a questão de direito quanto à existência ou inexistência de justa causa transitou em julgado, daí, também, o presente recurso. </font><br>
<font>VIII. O dispositivo da sentença revogada conheceu do pedido (único, aliás) deduzido pelo Recorrido, o qual, como se sabe, era o seguinte: "Termos em que a presente acção deve ser julgada provada e procedente e por vai dela os RR condenados a, solidariamente, pagarem ao A a quantia de € 123.573,12, acrescida de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento" e não distingue fundamentos ou causas de pedir, julgando improcedente o único pedido formulado nos autos, que era o da indemnização (e o de litigância de má fé). </font><br>
<font>IX. Com efeito foi a inexistência de factos constitutivos do direito invocado que vaticinou a acção dos autos à total improcedência do pedido em primeira instância, sendo totalmente irrelevantes todas as questões posteriores que houvessem a ser tratadas, designadamente, do preenchimento dos restantes pressupostos da responsabilidade civil dos Recorrentes e, até, do abuso de direito invocado pelos ora Recorrentes na sua defesa. </font><br>
<font>X. O objecto da apelação referia-se ao preenchimento dos requisitos de que depende a responsabilidade civil dos Recorrentes, tendo estes, na sua resposta à apelação, onde também se pretendia a condenação daqueles como litigantes de má fé, mantido e reiterado a invocação da justa causa de destituição na medida em que ficaram demonstradas uma série de irregularidades praticas pelo Autor no exercício da gerência. </font><br>
<font>XI. Ora, para os Recorrentes manteve-se sempre a questão da existência de justa causa, nunca se tendo conformado com a inexistência da mesma, ainda que tenham saído absolvidos da acção contra eles intentada. </font><br>
<font>XII. Salvo diferente e melhor entendimento, o que o Autor, ora Recorrido, delimitou como objecto das suas alegações foi o preenchimento de todos os pressupostos do instituto jurídico da responsabilidade civil, da nulidade ou da anulabilidade pretendendo retirar a correspectiva obrigação de indemnização, não tendo impugnado a matéria de facto. </font><br>
<font>XIII. Os Recorrentes tendo sido absolvidos do pedido original (e único) e do pedido de litigância de má fé sem que, no dispositivo da sentença, se tivesse declarado procedente qualquer fundamento da acção contra estes proposta, e tendo o objecto do recurso interposto de seguida abrangido todos os pressupostos da responsabilidade civil atentos os factos provados, e tendo os ora Recorrentes, na sua resposta, pugnado pela verificação da justa causa de destituição, sempre poderiam esperar, como esperavam, que o Tribunal da Relação construísse a sua própria convicção de direito quanto aos factos provados e relativamente a todos os pressupostos de um eventual direito de indemnização o que não sucedeu de todo na medida em que conheceram apenas da questão da nulidade que nunca foi fundamento da defesa dos Recorrentes. </font><br>
<font>XIV. A matéria de facto provada sob os pontos J), K), AB), AC), AD), AE), AN), AO) e AP) demonstra a existência de justa causa de destituição do Recorrido, na medida em que tendo este retirado montantes em dinheiro de contas bancárias da Recorrente sociedade em benefício das suas próprias contas bancárias, tendo celebrado acordos de cessação de contrato de trabalho em manifesto conflito de interesses com a sociedade que representava e obrigava, tendo mandado instalar na sua casa produtos realizados com materiais comprados e transformados pela sociedade recorrente que apenas foram facturados após a sua saída da gerência violou os deveres contratuais a que se obrigou ocorrendo efectiva justa causa para a sua destituição pelo que sempre deveriam os Recorrentes ser absolvidos do pedido; </font><br>
<font>XV. Sem prescindir, e ainda que se considere ter sido operada destituição sem justa causa, atenta a matéria de facto provada, não estão preenchidos os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar pelo que devem os Recorrentes ser absolvidos do pedido, ainda que se admita que tal possa ocorrer por razões distintas. </font><br>
<font>XVI. O Recorrido peticionou nestes autos a indemnização à luz do disposto no art. 257°, nº 7 do CSC, a qual está prevista para a responsabilidade contratual da sociedade comercial em relação ao destituído, aqui Recorrido; </font><br>
<font>XVII. Entre os Recorrentes pessoas singulares e o Recorrido, inexiste qualquer relação contratual pelo que, tão pouco, poderá existir fundamento jurídico que determine a condenação daqueles no pagamento de uma qualquer obrigação de indemnizar. </font><br>
<font>XVIII. Ou seja, peticionando o Recorrido nestes autos as remunerações que deveria receber durante 4 (anos) anos nos termos do disposto no art. 257°, nº do CSC será potencialmente devedor das mesmas (e não é conforme vemos e veremos infra) a sociedade Recorrente e nunca os seus sócios aqui recorrentes. </font><br>
<font>XIX. Tão pouco podem os Recorrentes pessoas singulares ser solidariamente responsáveis pelo pagamento de uma indemnização nestes termos na medida em que tal não resulta da lei, nem da convenção das partes (vide art. 513° do CC) pelo que sempre terão de ser absolvidos do pedido; </font><br>
<font>XX. Inexistindo justa causa para a cessação da relação contratual de mandato entre a sociedade Recorrente e o Recorrido mantém-se com plena aplicação as regras gerais de direito no que concerne à fixação da indemnização apenas com a ressalva do limite máximo previsto no art. 257.°, nº 7 do CSC, não existindo, porém, nos autos prova de quaisquer danos ou, no limite, de danos no montante arbitrado de € 123.573,12; </font><br>
<font>XXI. O Recorrido não logrou demonstrar facto determinante e essencial cuja prova a si competia em exclusivo (art. 342°, nº 1 CC), designadamente a inexistência de outra fonte de rendimento conforme alegou, nem tão pouco alegou ou demonstrou a impossibilidade de exercer actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional. </font><br>
<font>XXII. Não tendo o Recorrido feito prova de que se encontrava desempregado, por maioria de razão, não logrou fazer prova de que não teve oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional, e, salvo diferente e melhor entendimento, sem esta demonstração inequívoca inexiste obrigação de indemnização. </font><br>
<font>XXIII. O Recorrido limitou-se a invocar a perda da remuneração, não alegando, nem demonstrando que a perda desta retribuição é actual ou, até, que se vai prolongar no futuro e não o tendo demonstrado bom está de ver que não lhe assiste qualquer indemnização, e, por cautela de patrocínio, muito menos lhe poderá assistir o máximo legal previsto para esta indemnização dado que raciocinando no âmbito dos danos futuros, a ser devida alguma indemnização (que não é mas se coloca por mera hipótese de raciocínio), sempre o seu cálculo deveria ser efectuado à luz do disposto no art. 564°, nº 2 do CC, o que não sucedeu. </font><br>
<font>XXIV. Para além disso, a circunstância de o Recorrido vir peticionar a indemnização dos autos e considerando, por hipótese remota de raciocínio, que a ela terá virtualmente direito na medida em que a Recorrente sociedade (e os Recorrentes pessoas singulares indevidamente condenados) não demonstrou a existência de justa causa de destituição, sempre se dirá que exerce tal direito em abuso de direito à luz do disposto no art. 334° do CC, excedendo, manifestamente, os limites da boa fé, dos bons costumes e dos fins da norma habilitante. </font><br>
<font> XXV. Tal abuso de direito decorre, desde logo, da matéria de facto provada sob os pontos J), K), AB), AC), AD), AE), AN), AO) e AP) que traduz um comportamento que não se coaduna com a boa fé contratual (art. 762° do CC) violando-a e desvirtuando os fins a que se destina a indemnização prevista no art. 257°, nº 7 do CSC, pelo que, também, por aqui deve considerar-se ilegítimo o exercício do direito de que se arroga o Recorrido, podendo e devendo os Recorrentes ser absolvidos do pedido. </font><br>
<font>LEGISLAÇÃO VIOLADA </font><br>
<font>Com o seu entendimento, violou o Tribunal a quo, entre outras, as seguintes normas legais: arts. 195°, 607°, 615°, nº 1 al. b) e nº 4, 665°, nº 3 e 666° todos do Código de Processo Civil; art. 257°, nº 7 do Código das Sociedades Comerciais e arts. 334°, 405°, 512°, 513°, 562°, 563°, 564°, nº 2, 1157°, 799°, 762° todos do Código Civil. </font><br>
<font>Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência: </font><br>
<font>• ser julgada procedente a nulidade invocada ao abrigo da al. b) do art. 615° do CPC e, em consequência, ser anulada a decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos para a respectiva reforma; </font><br>
<font>• caso assim se não entenda, deve ser julgada procedente a nulidade decorrente da violação do disposto no art. 665°, nº 3 e, em consequência, ser modificada a decisão recorrida em respeito daquele preceito legal com todas as consequência legais; </font><br>
<font>• em qualquer caso, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que absolva do pedido cada um dos Recorrentes</font><i><font>..</font></i><div><font>*</font></div><font>A Relação considerou assente a seguinte factualidade:</font>
<p><font>A) Os réus BB e CC são sócios da sociedade DD, LDª.</font>
</p><p><font>B) O autor, desde Outubro de 2007, era o único gerente da sociedade DD, só ele a representando e obrigando. </font>
</p><p><font>C) No dia 17.10.11, foi elaborada uma acta da sociedade ré, da qual consta o seguinte:</font>
</p><p><font>“(…) </font><i><font>reuniram em Assembleia geral extraordinária os sócios da firma DD, Indústria de caixilharia em DD, Lda (…) com a comparência de CC (…) BB (…) ausência de AA (…) “Assim sendo está estabelecido quórum, verificando-se a maioria do capital presente nessa Assembleia tendo rodos os sócios sido regularmente convocados para a mesma”; “Iniciados os trabalhos, tomou a palavra o sócio maioritário BB que entrou imediatamente na análise do ponto um da ordem de trabalhos. Deliberaram por unanimidade a destituição por justa causa do gerente actual, AA, por notarem designadamente a violação grave dos deveres e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções (artº 257º nº 6 do Código da sociedades Comerciais) consubstancia “ uma quebra de confiança por razões justificadas entre a sociedade representada pela assembleia geral e o gerente ». O nº 1 do citado artigo 257º “ os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição do gerente “ – estabelece o principio da livre revogabilidade por acto unilateral da sociedade da manutenção do mandato da gerência “ (…) A Assembleia nomeou para gerente o Senhor CC, que declara aceitar a sua nomeação</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>D) Os réus BB e CC, após a deliberação dita em C) ter sido tomada, passaram a gerir a sociedade ré.</font>
</p><p><font>E) E foi registada a nova gerência.</font>
</p><p><font>F) E, desde então, o autor não entrou na sociedade ré.</font>
</p><p><font>G) O autor auferia na sociedade ré um salário de € 2.202,65 por mês, acrescido de € 121,79 a título de subsídio de alimentação, e € 250,00 a título de gratificação.</font>
</p><p><font>H) Consta da certidão permanente com o código de acesso 5814-6270-2464, junta a fls. 13/21 dos autos, que o autor é detentor no capital da sociedade DD de duas quotas, sendo uma no valor nominal de € 1.000,00 e uma outra no valor nominal de € 29.000,00.</font>
</p><p><font>I) A fls. 213 dos autos encontra-se a cópia de um escrito no qual consta o seguinte:</font>
</p><p><font> “</font><i><font>À gerência da sociedade DD, Lda (…)</font></i>
</p><p><i><font>Santo Tirso, 29 de Setembro de 2011</font></i>
</p><p><i><font>Asunto: Convocatória Assembleia Geral extraordinária</font></i>
</p><p><i><font>Exmo Sr. EE</font></i>
</p><p><i><font>CC, BB, sócios da sociedade comercial DD (…) requerem V.E.xia se digne convocar Assembleia geral da já mencionada sociedade para o dia 17/10/2011, as 17.00h, na sede da empresa, com a seguinte ordem de trabalhos:</font></i>
</p><p><i><font>Ponto 1- destituição da actual gerência</font></i>
</p><p><i><font>Ponto 2- nomeação de nova gerência</font></i>
</p><p><i><font>Atentamente</font></i>
</p><p><i><font>(os sócios – CC e BB)</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>J) FF é irmão do autor.</font>
</p><p><font>K) GG é pai do autor. </font>
</p><p><font>L) No dia 03.10.01, os réus BB e CC compareceram na sede da sociedade ré.</font>
</p><p><font>M) Nessa data, o réu CC agrediu fisicamente o autor, com murros e pontapés.</font>
</p><p><font>N) Após essa data, os réus BB e CC continuaram na sede da sociedade ré, na qual vieram depois a instalar-se.</font>
</p><p><font>O) Aqueles réus passaram a contactar com os operários, alterando o sistema informático.</font>
</p><p><font>P) Os réus BB e CC queriam afastar o autor da gestão da sociedade ré.</font>
</p><p><font>Q) O autor e seu agregado familiar – companheira e dois filhos – viviam do salário que o autor auferia na dita sociedade.</font>
</p><p><font>R) À data do afastamento da sociedade, o autor tinha encargos mensais com o pagamento de prestações referentes ao pagamento de financiamentos bancários no montante de cerca de € 744,60.</font>
</p><p><font>S) E despesas com luz, água e telefone, em média, de € 125,00 por mês.</font>
</p><p><font>T) O autor e sua companheira gastam ainda € 165,00 mensais com o infantário de um dos filhos.</font>
</p><p><font>U) A que acrescem despesas mensais com alimentação, vestuário, calçado e despesas médicas de valor não concretamente apurado.</font>
</p><p><font>V) O autor recebe ajuda económica de familiares.</font>
</p><p><font>W) A sociedade ré tinha falta de liquidez para efectuar o pagamento a fornecedores.</font>
</p><p><font>X) E, por isso, os fornecedores da ré deixaram de abastecê-la.</font>
</p><p><font>Y) Em Setembro de 2011, o réu BB deslocou-se às instalações da ré.</font>
</p><p><font>Z) Em inícios de Outubro de 2011, os réus BB e CC deslocaram-se às instalações da sociedade ré, entraram nos escritórios da ré e tiveram acesso à contabilidade da mesma.</font>
</p><p><font>AA) Em inícios de Outubro de 2011, foram chamadas autoridades policiais às instalações da sociedade ré, quando os réus BB e CC lá se deslocaram.</font>
</p><p><font>AB) Existiam na sociedade ré orçamentos e notas de encomenda com menção “client potentiel”, nos quais era indicado como “comercial” o autor.</font>
</p><p><font>AC) E existiam guias de transporte anuladas.</font>
</p><p><font>AD) O autor mandou instalar na sua casa produtos realizados com materiais comprados e transformados pela sociedade ré.</font>
</p><p><font>AE) Após a saída do autor da sociedade ré foi emitida em nome daquele a factura nº ..., no valor de € 6.877,19.</font>
</p><p><font>AF) Todas as máquinas que se encontram nas instalações da ré estão ligadas através de rede informática e estão ligadas a um servidor.</font>
</p><p><font>AG) As referidas máquinas podem funcionar sem acesso ao sistema informático e podem ser carregados programas directamente para as mesmas.</font>
</p><p><font>AH) Os computadores afectos aos serviços administrativos sofreram um bloqueio.</font>
</p><p><font>AI) O que impediu os mesmos de funcionarem informaticamente.</font>
</p><p><font>AJ) A sociedade ré promoveu a reparação de tal sistema.</font>
</p><p><font>AK) Os réus negociaram com a HH o pagamento (parcial) da conta-corrente.</font>
</p><p><font>AL) A HH reiniciou o fornecimento de bens.</font>
</p><p><font>AM) No dia 11.10.11, o autor negociou com o trabalhador II a cessação do contrato de trabalho deste com a PVC e a respectiva indemnização.</font>
</p><p><font>AN) Foram efectuadas transferências para FF e GG com a menção “indemnização”, em 13 e 14 de Outubro de 2010.</font>
</p><p><font>AO) As quantias a que se reportam os documentos de fls. 171 a 190 e 191 e 192 dos autos foram depositadas na conta da CGD ..., de que o autor é titular.</font>
</p><p><font>AP) No dia 06.09.11, o autor transferiu a quantia de € 900,00 da conta bancária da sociedade ré na CCA para a conta com o ....</font>
</p><p><font>AQ) Os réus passaram a contactar com os operários e alteram todo o sistema informático, incluindo o das máquinas de produção.</font>
</p><p><font>AR) A produção foi interrompida.</font>
</p><p><font>AS) O autor não foi convocado para a assembleia geral indicada em C). </font></p><div><br>
<font>*</font></div><font>Importa apreciar as questões enunciadas nas conclusões e decidir.</font><br>
<font> </font><br>
<font>1. </font><u><font>A</font></u><u><font> </font></u><u><font>nulidade secundária (arts. 665° nº 3 e 195° do CPC)</font></u><font>. </font><br>
<font>Entendem os recorrentes que a Relação, ao conhecer, em substituição da 1ª instância, de todas as questões que esta teria de conhecer, depois de declarar a nulidade da sentença, cometeu a nulidade secundária prevista nos arts. 195º e 665° nº 3 do CPC, passível de ser invocada nas alegações do recurso de revista, ao não ordenar a notificação das partes, nos termos desta última norma.</font><br>
<font>Neste ponto, o recurso é fruto de lapso manifesto: a inobservância da aludida formalidade processual, podendo influir na decisão da causa, importaria a nulidade processual prevista no art. 195º do CPC – como, aliás, os recorrentes reconhecem – só que, assim sucedendo, a nulidade advinda do desvio ao ritualismo processual imposto ficou sanada por não ter sido reclamada oportunamente, ou seja, no prazo imposto pelos arts. 149º e 199º do CPC (10 dias) e no Tribunal em que teria sido cometida, para nele ser julgada.</font><br>
<font>Na verdade, quando tal vício ocorrer, a parte interessada na observância da formalidade, deve arguir o referido vício perante o tribunal junto do qual foi cometida e que seria o competente para o suprir, sendo extemporânea a sua arguição apenas em alegações de recurso. </font><br>
<font>Os vícios atinentes aos desvios do formalismo processual, de índole formal, estão sujeitos ao regime previsto nos artigos 186º a 202º do CPC. Por isso, a arguição de alguma dessas nulidades, deve ser efectuada através de reclamação – ou de recurso, proferido sobre a decisão dessa reclamação –, não podendo, pois, servir de fundamento para recurso da decisão final, porque neste caso, só podem servir de fundamento ao recurso as nulidades (de sentença ou acórdão) previstas no art. 615º do mesmo código.</font><br>
<font>Como é sabido e é entendimento uniforme da jurisprudência sobre as regras do processamento das impugnações das decisões, os recursos são meios de obter a reforma de decisões dos tribunais inferiores, e não de alcançar decisões novas, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso. E não ocorrendo em relação a essa particular questão, qualquer destas condições de excepção, tal vício, a ter existido, não poderia ser conhecido nem conduziria, nesta fase, ao resultado sugerido, porque o mesmo sempre teria de considerar-se sanado, conforme o exposto. </font><br>
<font>A nulidade arguida apenas nas alegações do recurso de revista deve considerar-se sanada, pois não respeitaria a vício do acórdão recorrido ou de qualquer acto processual sobre o qual os ora recorrentes tivessem reclamado e tivessem visto indeferida a sua reclamação. </font><br>
<font> </font><br>
<font>2. </font><u><font>A nulidade do acórdão recorrido (arts. 615°, nº 1, al. b) e 607° nº 3 do CPC)</font></u><font>.</font><br>
<font>Os recorrentes assacam o aludido vício à decisão recorrida, alegando que a mesma é absolutamente omissa quanto aos fundamentos de facto e de direito, bem como ao percurso lógico-racional, conducentes à decisão de condenação, para mais solidária, dos 1º e 2º RR (pessoas singulares), fazendo, ainda, alusão ao comando processual (art. 607° nº 3 do CPC) ordenador dos termos que devem ser observados na formulação da sentença: «</font><i><font>Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final</font></i><font>».</font><br>
<font>À luz do disposto no art. 615º, nº 1 b), do CPC, a decisão é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justificam. </font><br>
<font>Importa lembrar, em primeiro lugar,</font><font> </font><font>que as causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável.</font><font> </font><font>Nada tem a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada. Poder-se-á discordar da decisão, como, aliás, os recorrentes demonstram ser o caso, mas não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados. A arguição de tais nulidades não procede quando fundada em divergências com o decidido, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.</font><br>
<font>Em segundo lugar, como vem sendo consensualmente entendido, a lei só considera nulidade a falta absoluta de fundamentação, ou seja, a sua ausência completa e não a meramente deficiente ou, até, medíocre ou errada.</font><br>
<font>Ora, constata-se que a decisão, com a invocação do disposto no art. 257º nº 7 do CSC, foi fundamentada nos prejuízos tidos por sofridos pelo A por ter sido destituído da gerência da 3ª R, sem justa causa, depois de se reputar de transitada em julgado a alusão feita em 1ª instância à inexistência de tal justa causa. Por isso, nesse raciocínio, a dita condenação dos 1º e 2º RR resultou, necessariamente, de se terem considerado bastantes para a mesma os únicos factos em que pode assentar o assim decidido [cf. pontos C) a F) e AQ)], que espelham a contribuição de tais RR, enquanto sócios da sociedade, para a formação da vontade desta e sua posterior concretização, quanto à destituição referida.</font><br>
<font>É certo que, com esta tentativa de perscrutar o percurso lógico-racional subjacente à decisão recorrida de condenação (solidária) dos 1º e 2º RR no pagamento da indemnização arbitrada em favor do A, estamos reconhecer – parafraseando o teor da própria decisão – que o discurso nela adoptado não é perfeitamente inteligível, por ausência cabal da explicação da razão por que se decidiu de tal maneira. Mas, ainda assim, não sendo absoluta a falta de fundamentação, a censurada decisão não enferma do vício que lhe é imputado. </font><br>
<font>E assim é mesmo que se acompanhe a argumentação aduzida no recurso no sentido de que a pretensão, e seu subsequente reconhecimento, à responsabilização dos 1º e 2º RR apenas poderia ter sido estruturada na eventual responsabilidade extracontratual dos mesmos e não na reparação dos prejuízos previstos no citado art. 257º nº 7 e advindos da violação dum contrato (sinalagmático) de administração – ou de prestação de serviços – celebrado entre o A e a sociedade e a cujo cumprimento apenas esta estava adstrita e não os seus sócios </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. Porém, bem vistas as coisas e como dissemos, não pode confundir-se o assacado erro de procedimento, ou vício formal do acórdão, com o imputado erro de julgamento relativo aos fundamentos invocados na decisão, em que, no alvitre dos recorrentes, o Tribunal teria incorrido e com que não se conformam: as eventuais razões para essa sua discordância apenas relevariam em sede do (também assacado) erro na apreciação da matéria de direito.</font><br>
<font> </font><br>
<font>3. </font><u><font>A decisão sobre o excesso de pronúncia imputado à sentença</font></u><font>.</font><br>
<font>Segundo os recorrentes, não se verificaria o excesso de pronúncia da decisão de primeira instância, quanto à declaração da nulidade da deliberação de destituição do A da gerência, porque essa questão fora trazida aos autos pelo próprio Recorrido.</font><br>
<font>Também neste ponto os recorrentes não têm razão.</font><br>
<font>Nos termos do art. 615º, nº 1 d), do CPC, a decisão é nula quando</font><font> </font><font>o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.</font><br>
<font>Como tal, a nulidade consistente no excesso de pronúncia, que anda a par com o desrespeito pelo objeto do processo – em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º do CPC –, verifica-se quando o tribunal se pronuncia sobre questões ou pretensões que não devesse apreciar e cuja apreciação não lhe foi colocada. </font><br>
<font>Com efeito, a expressão «questões» prende-se, desde logo, com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, mas, de modo algum, se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. </font><br>
<font>Em suma, a previsão da citada al. d) prende-se com o incumprimento do dever (prescrito no art. 608º, nº 2, do CPC) de não se ocupar senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.</font><br>
<font>Ora, no caso em apreço, é evidente que, como a Relação demonstrou, não seria de conhecimento oficioso a alegada nulidade da deliberação de destituição invocada na decisão de 1ª instância e advinda da putativa irregularidade da convocação da assembleia em que a mesma fora tomada. Por outro lado, é ainda menos incontroverso que, tal como o objecto do processo se veio a fixar definitivamente, o A não só não manifestou a pretensão de ver declarada tal nulidade, como seria com ela substancialmente incompatível a única pretensão por ele formulada e subsistente nos autos, a de ser ressarcido, ao abrigo do disposto no art. 257º nº 7 do CSC, pelos prejuízos por ele sofridos em consequência de ter sido tomada tal deliberação de destituição da gerência da 3ª R, sem justa causa. E, se o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (arts. 5º e 608º do CPC), é em face do objecto da acção que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. </font><br>
<font> </font><br>
<font>4. </font><u><font>O trânsito em julgado da decisão sobre a inexistência de justa causa para a destituição do A</font></u><font>. </font>
<p><font>É certo que, como se sabe, embora sobre a questão da exacta delimitação dos limites objectivos do caso julgado se manifestem posições não inteiramente convergentes, tem sido admitido que «</font><i><font>os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. </font>
</p><p><font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ETKJu4YBgYBz1XKvbBgx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA intentou acção de divórcio, sem consentimento do outro cônjuge, contra BB.</font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que contraiu casamento com o Réu em 31 de Maio de 1975; que, desde Outubro de 2012, os cônjuges vivem em casas separadas, passaram a ter economias separadas e a tomarem refeições cada um por si; que a Autora não tem o propósito de restabelecer a vida conjugal.</font>
</p><p><font>A acção foi autuada em 19 de Junho de 2014.</font>
</p><p><font>O Réu contestou, excepcionando o caso julgado alegando que na acção n.º 113/13. 9TCGMR.G1, a Autora pediu que se decretasse o divórcio, além do mais, com base na separação de facto desde Outubro de 2012; por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22 de Maio de 2014 essa acção foi julgada improcedente; que tal aresto transitou em julgado.</font>
</p><p><font>Após despacho que dispensou a audiência prévia, a excepção do caso julgado foi julgada improcedente.</font>
</p><p><font>De seguida, e por sentença, primeira instância decretou o divórcio.</font>
</p><p><font>O Réu apelou para a Relação de Guimarães que confirmou a decisão recorrida.</font>
</p><p><font> Vem, agora, pedir revista, culminando a sua alegação com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>- É evidente o caso julgado pois todos os factos alegados nesta acção também o foram na n.º 113/13.</font>
</p><p><font>- Existiram apenas alguns factos que a recorrida alegou nessa lide que não foram aqui alegados.</font>
</p><p><font>- Ali, a recorrida fundamentou o seu pedido nas alíneas a) e d) do artigo 1781.º do Código Civil, sendo que, aqui, o fundamento foi, apenas, o da alínea a) do mesmo preceito.</font>
</p><p><font>- As duas causas de pedir da acção n.º 113/13 (alíneas a) e d) citadas) são a separação de facto por um ano consecutivo e outros factos que, independentemente da culpa dos conjugues mostrem a ruptura definitiva do casamento.</font>
</p><p><font>- As mesmas constam, respectivamente, dos artigos 6.º e 15.º da petição inicial.</font>
</p><p><font>- A causa de pedir nesta acção é única e exclusivamente, a separação de facto por um ano consecutivo, limitando-se a retirar parte dos factos que, na acção n.º 113/13 constituíam o fundamento da alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil.</font>
</p><p><font>- Não é invocado nesta acção nenhum facto novo relativamente <br>
à anterior, pelo que é idêntica a causa de pedir (separação de facto por um ano consecutivo).</font>
</p><p><font> - O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 1781.º do Código Civil e 581.º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font> A recorrida contra alegou em defesa do julgado.</font>
</p><p><font> Afirma não haver identidade de causas de pedir por, além do mais, “pelo menos desde 22 de Outubro de 2012 até à data da prolação da sentença, 24 de Setembro de 2015, que o recorrente e a recorrida se encontram separados de facto de forma ininterrupta, fixando-se ali a data de início da separação e, pelo menos aqui, a data da continuação, a qual se mantém até ao presente.”.</font>
</p><p><font> O Acórdão recorrido deu por assentes os seguintes </font><b><font>factos</font></b><font>:</font>
</p><p><font>- Autora e Réu casaram civilmente, e sem convenção antenupcial, em 31 de Maio de 1975;</font>
</p><p><font>- Do casamento não existem filhos menores;</font>
</p><p><font>- A Autora saiu de casa em 22 de Outubro de 2012;</font>
</p><p><font>- Desde 22 de Outubro de 2012 que a Autora e o Réu vivem em casas separadas, cessaram a coabitação, passaram a ter economias separadas, não mais tomaram refeições juntos, dormiram na mesma cama ou partilharam qualquer assunto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Mau grado a eventual existência de dupla conformidade o recurso sempre será de conhecer, na ponderação do disposto na alínea a), “in fine” do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, a prevalecer sobre o n.º 3 do artigo 671.º.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Conhecendo, </font>
</p><p><font>1. Caso julgado material.</font>
</p><p><font>2. Divórcio.</font>
</p><p><font>3. Conclusões.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>1. </font><b><font>Caso julgado material.</font></b>
</p><p><font>1.1. Fazemos apelo ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2015 – 34/12. 2TBLMG.C1.S1 – relatado pelo ora Relator e sendo 2.º Adjunto o ora 1.º.</font>
</p><p><font>São aí feitas algumas considerações sobre a dogmática do caso julgado que por se manterem actuais podemos reproduzir.</font>
</p><p><font>O “caso julgado material torna indiscutível a situação fixada na sentença transitada (“res judicata pro veritate habetur”).</font>
</p><p><font> Daí que o artigo 619.º disponha que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele dentro dos limites fixados pelos artigos 50.º e 581.º” e sem prejuízo de revisão extraordinária.</font>
</p><p><font>Há, assim, um impedimento à propositura de nova acção com a mesma pretensão material e a vinculação das mesmas partes ao decidido sobre a questão, ainda que prejudicialmente.</font>
</p><p><font>A decisão sobre aquele pedido e causa de pedir fica imutável, impedindo que o tribunal decida diferentemente sobre o mesmo objecto ou mesmo, diferentemente sobre o mesmo objecto ou mesmo, e mais uma vez, do mesmo modo –cf. Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “O objecto da sentença e o caso julgado material – Estudo sobre a funcionalidade processual” – BMJ 325-49 ss.</font>
</p><p><font>Outrossim, entendemos que a força do caso julgado releva quanto às questões que a parte dispositiva da sentença decide expressamente, embora também se entenda poder abranger todas as questões que sejam antecedente lógico indispensável à decisão (cf. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 2014 – P. 5928/04. 2.ª Secção e neste último sentido os Profs. Antunes Varela, M. Bezerra e S. Nora, in “Manual de Processo Civil”, 1985, 718).</font>
</p><p><font>Certo que tratamos da excepção dilatória do caso julgado (pressuposto excludente para evitar que o Tribunal profira uma decisão de mérito que contrarie ou repita outra definitivamente julgada) que não da autoridade do caso julgado, com um conteúdo positivo, por impor a primeira posição assumida em sede de prejudicialidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1.2. “In casu”, trata-se de uma acção de divórcio não consentido (antes com o “nomen juris” de litigioso. (cf. v.g., Desembargador Tomé Ramião, “O divórcio e questões conexas; regime jurídico actual, de acordo com a Lei n.º 61/2008”, 2011).</font>
</p><p><font>As causas vem actualmente elencadas no artigo 1781.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro.</font>
</p><p><font>E enquanto, na versão original, se reportavam a dois grupos nucleares: violação culposa dos deveres conjugais e (ou) ruptura da vida em comum (respectivamente os artigos 1779.º e 1781.º) sendo que, quanto ao primeiro se exigia que a violação surgisse de modo grave e reiterado, em termos de comprometer a possibilidade de vida em comum; já o segundo se subdividia na separação de facto por seis anos consecutivos; na ausência de notícias por tempo não inferior a quatro anos; e na alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando durasse há mais de seis anos e que (e também) pela sua gravidade comprometesse a possibilidade da vida em comum. </font>
</p><p><font>Os deveres conjugais eram elencadas no artigo 1672.º do Código Civil (hoje enumerados no mesmo preceito e densificados nos seguintes).</font>
</p><p><font> Actualmente, e como adiante melhor veremos, e atrás acenámos, o artigo 1781.º do Código Civil dispõe, como fundamentos de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: a) a separação de facto por um ano consecutivo; b) a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum; c) a ausência sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano; d) quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.</font>
</p><p><font> 1.3. Mas retornando ao excepcionado caso julgado.</font>
</p><p><font>Impõe-se a identidade de pedidos e de causa de pedir.</font>
</p><p><font>Na lide anterior e nesta os pedidos são os mesmos: que o casamento seja dissolvido por divórcio.</font>
</p><p><font>E a causa de pedir?</font>
</p><p><font>O respectivo conceito é delimitado pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão que o demandante formula.</font>
</p><p><font>Segundo o Prof. Vaz Serra (RLJ 109, 313), “trata-se do facto jurídico concreto ou específico invocado pelo autor e destina-se, além do mais, a impedir que o demandado seja compelido a defender-se de toda e qualquer possível causa de pedir só tendo que defender-se do concretamente invocado pelo autor.”</font>
</p><p><font>Assim a causa de pedir emerge do direito que o autor pretende fazer valer.</font>
</p><p><font>Como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2006 – 06A945 – deste Relator, “esse direito não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico legalmente idóneo para o condicionar ou produzir” (Prof. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, 11 (…). </font>
</p><p><font>O Prof. Castro Mendes (“Do Conceito da Prova em Processo Civil”, 140, 141) afirma que a ‘causa petendi’ tem de ser especificada ou determinada, tem de consistir em factos ou circunstâncias concretas ou individualizadas. “A causa de pedir é aposta pela lei ao objecto do processo como elemento delimitador deste ao lado do pedido. Objecto próximo do processo será então o pedido, delimitado em si por certa causa de pedir.” (in “Direito Processual Civil”, II, 1969, 11).</font>
</p><p><font>O n.º 4 do artigo 581.º do Código de Processo Civil dispõe haver “identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.”</font>
</p><p><font>1.3.4. Vejamos, então, o que a Autora (ora recorrida) alegou, na parte que releva, nas duas acções.</font>
</p><p><font>Refere no primeiro articulado da acção n.º 113/13, que intentou em 11 de Abril de 2013:</font>
</p><p><font>“Nos últimos anos o casamento tem decorrido sem grande normalidade e com divergências profundas. (…) a) Tais divergências levaram já a que o casal se tivesse separado por várias vezes, encontrando-se presentemente separados de facto desde o início de Outubro de 2012, vivendo em casas e economias separadas. (…)b) E a tomar refeições cada um por si, tendo nessa data deixado de ter qualquer tipo de vida em comum. (…)c) A Autora não tem propósito de restabelecer a vida conjugal, sendo evidente a ruptura do casamento (…)d) e não nutre amor ou carinho pelo Réu. (…) e)Autora e Réu não têm um projecto de vida em comum e antes de deixarem de partilhar a mesma casa viviam como dois estranhos, não se dirigindo palavra e ocorrendo ofensas verbais e muitas vezes físicas quando entabulavam qualquer conversação. (…) A Autora tem medo do Réu que a ameaça constantemente tendo-se queixado de violência doméstica cujo processo foi arquivado por falta de provas.” </font>
</p><p><font>Concluiu pedindo o divórcio “ao abrigo do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 1781.º do Código Civil.”</font>
</p><p><font> Na presente lide, que intentou em 19 de Junho de 2014, alegou na parte pertinente o que acima se elencou sob as alíneas a), b), c), d) e e).</font>
</p><p><font>Em sede final invocou apenas a alínea a) do abundantemente citado artigo 1781.º do Código Civil.</font>
</p><p><font>Do exposto resulta que os factos alegados nas duas acções são exactamente os mesmos, com uma única e óbvia diferença que, sendo a separação uma conduta continuada, mantém-se desde o termo da lide anterior até à propositura desta.</font>
</p><p><b><font>2 Divórcio.</font></b>
</p><p><font>Cumpre, agora, mais ponderar/deliberar se ocorre a excepção do caso julgado.</font>
</p><p><font>Como acima se afirmou – e iremos apenas reportar-nos às alíneas a) e d) do artigo 1781.º do Código Civil.</font>
</p><p><font>2.1. A primeira reporta-se à “separação de facto por um ano consecutivo”.</font>
</p><p><font>Tem a ver com a ausência/incumprimento do dever de coabitação que impõe aos cônjuges a vida em comum (“sob o mesmo tecto” ou “na residência da família” – Conselheiro A. Pereira Delgado, “O Divórcio”, 1980, 43) que co-envolve o débito conjugal (“jus in corpus”) (cf. ainda, os artigos 1672.º e 1673.º; o Prof. Antunes Varela, apud “Direito da Família”, 1987, 332, nota 1, ensina: “A recusa anormal de coabitação, que no direito antigo era geralmente incluída na categoria das injúrias graves, é hoje directamente considerada como a violação de um dever conjugal, capaz de fundamentar o pedido de divórcio. E de igual modo poderá ser tratado o caso do cônjuge que só com manifesto, não disfarçado, sacrifício ou com visível repugnância acede a ter relações com o outro.”; leia-se ainda a Dra. Cristina Dias, “Responsabilidade e Indemnização por perda do direito ao débito conjugal” apud “Scientia Iuridica”, Tomo LXI, 329, 2012, 391-420).</font>
</p><p><font>Certo que esta perspectiva mais relevava na natureza dicotómica do divórcio não consensual: sanção ou remédio.</font>
</p><p><font>Actualmente, e com a dogmática do artigo 1781.º a tónica é posta no fracasso do casamento, afastando-se a orientação tradicional do divórcio assente na culpa.</font>
</p><p><font>As causas, embora nominadas, prescindem desse nexo de imputação subjectiva, sendo que a alínea d) do preceito citado o afasta expressamente (“independentemente da culpa dos cônjuges”).</font>
</p><p><font>E assim é mesmo quanto à separação de facto que, ainda na esteira do Prof. A. Varela (ob. cit. 479), tanto “pode resultar de uma actuação bilateral, concertada entre ambos os cônjuges, como de um procedimento bilateral, não acordado entre eles, como da atitude isolada de um só deles.”</font>
</p><p><font>Então o divórcio (antes “remédio”) é o “divórcio constatação da ruptura do casamento” (Prof. Pereira Coelho”, “Curso de Direito da Família”, 1987, 550).</font>
</p><p><font>2.2. Já a alínea d) do mesmo artigo 1781.º refere (e vamos sublinhar) “</font><u><font>quaisquer outros factos</font></u><font> que independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento”.</font>
</p><p><font>Trata-se de um requisito genérico não subsumível às situações das alíneas a), b) e c) [outros factos], densificando-se com a demonstração da impossibilidade da vida em comum, por absoluta e definitiva, falência do casamento.</font>
</p><p><font> Como se disse no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça (Pº. 9789/08) do mesmo Relator, “o casamento é um contrato que tem como sinalagma o afecto, sem cuja constituição – afecto profundo, recíproco e autêntico – perde a sua razão de ser. Para avaliar o sucesso do casamento há que historiar toda a vida em comum, fazendo uma avaliação global sobre a crise, sem preocupação com factos isolados tantas vezes reactivos de tensões e conflitos que se vão acumulando” (cf., ainda, e v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 2006 – 06 A2137).</font>
</p><p><font>Ora, a recorrida, perante um Acórdão da Relação de Guimarães, de 22 de Maio de 2014 que julgou improcedente a acção de divórcio que intentou (sob o n.º 113/13) com o fundamento nas alíneas a) e d) do artigo 1781.º do Código Civil, veio, em 19 de Junho de 2014 (menos de um mês depois), intentar esta lide, com os mesmos factos/causa de pedir e pedido apenas substanciando de modo diferente (só na alínea d) da mesma norma).</font>
</p><p><font>É, pois, notório, o caso julgado material.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> 3 Conclusões.</font></b>
</p><p><font>É tempo de concluir para afirmar:</font>
</p><p><font>a) O caso julgado – excepção dilatória é um pressuposto processual excludente – impeditivo que o Tribunal profira uma decisão de mérito que contrarie ou repita outro definitivamente julgado.</font>
</p><p><font>b) A autoridade do caso julgado – de conteúdo positivo – impede nova decisão de mérito ao impor a primeira, por prejudicialidade.</font>
</p><p><font> c) O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (antes litigioso) tem os fundamentos elencados no artigo 1781.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro.</font>
</p><p><font>d) O novo regime abandonou a regra dicotómica: violação culposa dos deveres conjugais (de forma grave e reiterada em termos de comprometer a vida em comum) e a ruptura da convivência conjugal (subdividida em separação de facto; ausência de noticias e alteração de faculdades mentais, todos com aquelas consequências).</font>
</p><p><font>e) O conceito de causa de pedir é delimitado pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão (pedido) e emerge do direito que o demandante pretende fazer valer devendo ser especificado ou determinado.</font>
</p><p><font>f) A alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil não pode consistir na alegação dos mesmos factos que o demandante já utilizou como fundamento da alínea a), que também invocou como causa de pedir.</font>
</p><p><font>g) Tratar-se-ia de mera qualificação jurídica (substanciação) o que integra a mesma causa de pedir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos expostos, acordam conceder a revista e, revogando o Acórdão recorrido, absolvem o Réu da instância.</font>
</p><p><font>Custas a cargo da recorrida, também nas instancias.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Divórcio.</font></b>
</p><p><b><font>Caso Julgado.</font></b>
</p><p><b><font>Causa de pedir.</font></b><br>
<font>1. O caso julgado – excepção dilatória é um pressuposto processual excludente – impeditivo que o Tribunal profira uma decisão de mérito que contrarie ou repita outro definitivamente julgado.</font><br>
<font>2. A autoridade do caso julgado – de conteúdo positivo – impede nova decisão de mérito ao impor a primeira, por prejudicialidade.</font><br>
<font>3. O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (antes litigioso) tem os fundamentos elencados no artigo 1781.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro.</font><br>
<font>4. O novo regime abandonou a regra dicotómica: violação culposa dos deveres conjugais (de forma grave e reiterada em termos de comprometer a vida em comum) e a ruptura da convivência conjugal (subdividida em separação de facto; ausência de noticias e alteração de faculdades mentais, todos com aquelas consequências).</font><br>
<font>5. O conceito de causa de pedir é delimitado pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão (pedido) e emerge do direito que o demandante pretende fazer valer devendo ser especificado ou determinado.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>6. A alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil não pode consistir na alegação dos mesmos factos que o demandante já utilizou como como fundamento da alínea a), que também invocou como causa de pedir.</font><br>
<font>7. Tratar-se-ia de mera qualificação jurídica (substanciação) o que integra a mesma causa de pedir.</font>
</p><p>
</p><p><font>Lisboa, 06 de Setembro de 2016</font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas (Relator)</font>
</p><p><font>Paulo de Sá</font>
</p></font><p><font><font>Garcia Calejo</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ETKQu4YBgYBz1XKv9Rzz | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font></b>
<p><b><font> </font></b></p></div><br>
<font>AA intentou acção, com processo ordinário, para constituição “de direito de servidão de passagem” contra BB.</font>
<p><font>Alegou, nuclearmente, ser, na qualidade de cabeça de casal por óbito de seu marido CC, proprietária e possuidora do prédio misto, destinado a habitação, localizado na freguesia de ..., mais precisamente no caminho ..., da cidade do ..., inscrito na matriz, sob os artigos urbanos 373 e 2912 e rústico 80 da secção J, e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ..., daquela freguesia de ...; que a Ré é legítima proprietária do prédio urbano contíguo ao seu pelo lado oeste, inscrito na matriz sob o artigo 357 e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 305.º da mesma freguesia; que o seu falecido marido adquiriu, em 29 de Janeiro de 1976, por contrato de compra e venda, o prédio misto acima identificado, com todas as suas servidões e acessões, tendo ali vivido com a Autora desde a compra, aí feito a casa morada de família, criado os seus filhos, trabalhando a terra, nunca o tendo abandonado, até à data da sua morte, continuando a Autora a, aí, residir, até à data da propositura da acção, ou seja há mais de 36 anos; que a Ré adquiriu o seu prédio (contíguo) por escritura de compra e venda em 12 de Fevereiro de 1982; que o prédio da Autora não tem acesso à via pública; que o acesso pedonal ao seu prédio, desde há pelo menos 36 anos, é feito por passagem pedonal através do prédio da Ré; que, contudo nunca foi celebrada qualquer escritura pública de servidão de passagem a onerar este; que a passagem pedonal referida é feita, desde 29 de Janeiro de 1976, pelo “arruamento desenhado na planta da Direcção Regional de Geografia e cadastro que junta.</font>
</p><p><font>Mais refere que a Ré mandou colocar um portão de ferro para impedir o acesso pedonal à residência da Autora, tendo obstruído o acesso com a construção de uma escadaria de betão para acesso à sua parte urbana, destruindo a passagem pedonal, que era de betão e ficou de terra; que, assim, criou um declive pondo em risco a segurança de quem lá passa, designadamente para contagem da electricidade e da água, já que os contadores estão juntos à residência da Autora; que o desnível do piso já provocou a queda da Autora e seus familiares, designadamente em períodos de chuva; que o caminho público de acesso a ambos os prédios é o caminho dos ..., sendo o número de porta para os dois prédios o ...; que sem o acesso pedonal o prédio da Autora está encravado; que o mesmo tem a largura de 1,20 m e o comprimento de 56 m.</font>
</p><p><font>Concluindo pedindo o reconhecimento do direito de servidão de passagem, constituída por usucapião e por sentença, com aquelas dimensões, a favor do seu prédio.</font>
</p><p><font>A Ré contestou alegando que a Autora não é proprietária do prédio que pretende dominante o qual pertence à herança indivisa aberta por óbito de Álvaro de Freitas, sendo assim parte ilegítima.</font>
</p><p><font>A Autora replicou quanto à matéria da excepção e requereu a intervenção principal dos herdeiros ...; ...; ...; ... e sua mulher ...; ... e sua mulher ...; ... e sua mulher ...; ... e seu marido ...; ... e seu marido ... e sua mulher ...; ... e sua mulher ...; ... e sua mulher ....</font>
</p><p><font>Os chamados foram admitidos a intervir.</font>
</p><p><font>Tal como o foram DD e mulher, que os Autores chamaram como Réus.</font>
</p><p><font>Ofereceram contestação tempestiva impugnando os factos do petitório com a alegação, além do mais, que a utilização da passagem pedonal é clandestina e muito esporádica sendo que os Autores sempre procuraram evitar que os Réus se apercebessem da sua presença; que só muito recentemente, e tendo em vista esta lide, é que passaram a utilizar tal caminho; que existe um beco/vereda que conduz directamente à via pública – Rua ... – ; que há muito os Autores e outras casas vizinhas, carteiros e leitores de contadores utilizam esse beco, que existe há, pelo menos, 50 anos.</font>
</p><p><font>Deduzem pedido reconvencional com fundamento que, mesmo entendendo que o prédio dos Autores era encravado, já não o é pois, há pelo menos 12 anos (desde 2000) que foi construída a estrada alcatroada (Rua ...), plana, iluminada, e sem declive, servida por recolha de lixo, sendo que a casa dos Autores tem portões de ferro que ligam directamente a um beco/vereda de utilização pública, a cerca de 30 metros (40 degraus) da Rua ...; que assim o prédio dos Autores está desencravado sendo desnecessária a servidão que, caso seja reconhecida, deve ser declarada extinta por desnecessidade.</font>
</p><p><font>Pedem, finalmente, a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.</font>
</p><p><font>Os Autores replicaram impugnando os factos que são causa de pedir da reconvenção pedindo a improcedência desta e insistindo pela procedência do pedido principal.</font>
</p><p><font>No despacho saneador a Ré BB foi absolvida da instância por ilegitimidade.</font>
</p><p><font>O segmento decisório final da 1.ª Instância foi o seguinte:</font>
</p><p><font>“Pelo exposto, o Tribunal decide julgar:</font>
</p><p><font>A) Totalmente procedente, por provada, a acção e, consequentemente, reconhecer a servidão de passagem constituída por usucapião, consistindo no acesso pedonal, com largura de cerca de 1 metro e 20 centímetros, por 56 metros de comprimento, sobre o prédio da ré, inscrito na matriz sob o artigo 357 e descrito na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o n.º 305, da freguesia de ..., a favor do prédio misto da autora inscrito sob os artigos urbanos 373 e 2912 e artigo rústico 80 da secção J e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ... da freguesia de ...;</font>
</p><p><font>B) Totalmente procedente o pedido reconvencional e, consequentemente, declarar extinta, nos termos do disposto no artigo 1569.º n.º 2 do Código Civil, a servidão pedonal constituída por usucapião sobre o prédio dos RR, descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 305 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 357 da freguesia de ..., a favor do prédio misto dos AA, o qual está inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 373.º e 2912 e a parte rústica sob o artigo 80 da secção J, e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 2164.</font>
</p><p><font>C) Totalmente improcedente o pedido de condenação por litigância de má fé.”</font>
</p><p><font>Os Autores apelaram para a Relação de Lisboa que, em provimento do recurso, revogou a sentença “na parte em que julgou procedente o pedido reconvencional, pelo que, mantendo-se a mesma no mais, julga-se a reconvenção improcedente e absolvem-se os recorrentes desse pedido”.</font>
</p><p><font>Inconformados, os Réus pedem revista, formulando as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font>
</p><p><font>1.ª - O Acórdão aqui em crise alicerçou a sua decisão no seguinte entendimento:</font>
</p><p><font>a) que o desencravamento do prédio dominante, que beneficia da servidão de passagem a pé, constituída por usucapião, pressupõe a qualificação do acesso (à via pública) como caminho público, não tendo os Réus (que deduziram o pedido reconvencional de extinção da dita servidão por desnecessidade) feito prova de que tal acesso desde tempos imemoriais está no uso direto e imediato do público;</font>
</p><p><font>b) e que “(...) dos factos assentes não resulta que (...) o acesso pelo beco, proporciona precisamente condições iguais ou similares, de utilidade e comodidade de acesso ao prédio dominante, às da servidão que se pretende ver extinta ou (...) não desproporcionalmente agravadas, porquanto “(...) entre um acesso pedonal sem qualquer referência a socalcos ou degraus, com base no qual foi reconhecida a servidão, adquirida por usucapião, e o beco em causa, logo se suscitam obstáculos à tal similitude de utilidades e comodidades pelo modo de progressão diverso que fisicamente cada um permite. Tudo agravado pela pouca sensível diferença de cumprimento entre ambos.” Tendo, ainda, sido referido no sumário de tal acórdão que “para a desnecessidade de uma servidão de passagem a pé para efeitos da sua extinção deve provar-se não só que a mesma deixou de ser indispensável para o prédio dominante, como também que para ele deixou de ter qualquer utilidade”</font>
</p><p><font> 2.ª - Dispõe o artigo 1543.° do CC que a servidão predial é um encargo imposto num prédio (serviente) em benefício exclusivo de outro prédio (prédio dominante) pertencente a dono diferente.</font>
</p><p><font>3.ª - Estamos, assim, perante um direito real de gozo sobre coisa alheia ou direito real limitado, mediante o qual o dono do prédio tem a faculdade de usufruir ou aproveitar as vantagens ou utilidades do prédio alheio (</font><i><font>ius in re aliena</font></i><font>) em proveito do seu, o que envolve a correspondente restrição ao gozo efetivo do dono do prédio onerado, porquanto este fica inibido de praticar atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da servidão.</font>
</p><p><font> 4.ª - O nosso ordenamento jurídico prevê dois tipos de servidões: - as servidões legais que poderão ser coativamente impostas, ainda que não deixem de ter essa natureza pelo facto de terem os donos dos prédios servientes aceite voluntariamente essas sujeições — e que é o caso, designadamente, das servidões previstas nos artigos 1550.° a 1; - e as servidões voluntárias que resultam da vontade das partes, sem que haja preceito legal que as imponha.</font>
</p><p><font> 5.ª - Na hipótese dos presentes autos veio a servidão legal de passagem a ser judicialmente reconhecida como tendo sido constituída, por usucapião, porquanto se logrou provar que o acesso pedonal ao prédio dos aqui Recorridos foi, desde há pelo menos 36 anos, feito por um trajeto que passa pelo prédio urbano dos aqui Recorrentes (sendo este contíguo àquele) que desemboca na via pública denominada ..., com o número de porta para os dois prédios (ou seja, o citado n.° ...) e que neste acesso, com a largura de cerca de l,20m (um metro e vinte) e 36 metros de comprimento, se mostra construída uma escadaria para a casa dos Réus — conforme itens 6 a 8 da acima elencada matéria dada como provada, e fotografias juntas aos autos a fls. 48 a 51 e fotografia junta sob as IMG 4397 e IMG 4392, bem como o trajeto desenhado na planta topográfica emitida pela Câmara Municipal do ..., junta esta a fls. 224, e planta cadastral, junta a fls. 46 e, ainda, fotografia aérea de fls. 278 e 279.</font>
</p><p><font> 6.ª — Mas, também, foi dado por provado que:</font>
</p><p><font>- o prédio dos Autores, aqui Recorridos, desde, sensivelmente, o ano 2000, com a construção e inauguração da Rua ... (a qual fica situada a norte dos prédios dos aqui Recorrentes e Recorridos) tem acesso independente àquela via pública, através de dois portões de ferro colocados no seu prédio que conduzem diretamente a um beco / vereda de utilização pública que existe há pelo menos 50 anos, o qual há muito é usado pelos aqui Recorridos, bem como por outras casas vizinhas que se servem de tal beco, encontrando-se este em bom estado de conservação, com iluminação pública e dista (desde os portões de ferro da casa dos aqui Recorridos) a cerca de 20 a 30 metros (63 degraus) da citada Rua ..., sendo certo que foi com a construção desta Rua que tal beco / vereda passou a servir a casa dos Autores e dos vizinhos — tal como consta nos anteriores itens 11 a 15, 17e l8 da matéria de facto dada por assente, tendo o sentença fundado a sua convicção para tanto nas fotografias juntas aos autos sob as IMG 4435, 4436, 4437, 4438, 4439, 4440, 4392, 4393, 4433, 4435, 4436, 4439 e 4440, bem como no auto de inspeção judicial ao local (sendo ambos, segundo aquele Tribunal, “elucidativos da realidade material do local”) bem como na prova testemunhal.</font>
</p><p><font>7.ª - Nestes termos verificamos que os aqui Recorridos acedem (e tal como consta no item 6 e 13 da matéria dada por provada nas instâncias) à via pública por dois acessos:</font>
</p><p><font>- ora fazendo uso da passagem objeto de servidão, constituída por usucapião, e que lhes dá acesso à via pública "Caminho dos ...";</font>
</p><p><font>- ora fazendo uso do tal beco / vereda, que é, repita-se, de utilização pública, que apresenta as características discriminadas na anterior conclusão (a 7.ª) e que lhes dá acesso à via pública “Rua ...”, beco / vereda essa que, segundo um documento emitido pela Câmara Municipal do ..., e junto aos autos a fls. 302, e “apesar de não constar do cadastro dos arruamentos públicos Camarários, serve de acesso a várias moradias e possui, inclusivamente, rede de iluminação pública”. Mais foi esclarecendo por aquela edilidade que por não ter existido registo de qualquer cedência feita para o domínio público, não está aquela Câmara em condições de poder afirmar que se trata de uma vereda pública, muito embora todos os dados disponíveis indiciem essa hipótese.</font>
</p><p><font>8.ª - O acórdão aqui em crise partiu da premissa, e em nosso entendimento errada que não tem qualquer sustentação ou orientação jurisprudencial, de que o desencravamento de um prédio que beneficie de uma servidão de passagem pressupõe a qualificação do acesso à via pública como caminho público.</font>
</p><p><font>9.ª - A verdade é que para que o prédio deixe de ter o tal encrave absoluto (n.° 1, do artigo 1550.° do CC) ou relativo (n.° 2, do artigo 1550.° do CC) terá, antes, que ter, isso sim, uma via de acesso, comunicação, caminho para a via pública e não, necessariamente, um caminho público, porquanto desta feita já comunicaria, absoluta ou relativamente, com a via pública e não com o tal acesso.</font>
</p><p><font>10.ª - Além de que ainda que o prédio dominante comunique diretamente para a via pública ou caminho público, isto, só por si, não seria suficiente para que a servidão constituída, por usucapião, sobre o prédio serviente venha a ser extinta, por desnecessidade, porquanto este caminho (e ainda que seja público) deverá oferecer “condições de utilização similares, ou pelo menos, não proporcionalmente agravadas” às do caminho objeto da servidão - conforme enunciado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de março de 2012, com o n.° de Processo 263/1999.PI.S2, tendo sido Relator o Venerando Senhor Juiz Conselheiro Tavares de Paiva disponível em </font><font>www.stj.pt</font><font> e Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de setembro de 2007, disponível em </font><font>www.dgsi.pt</font>
</p><p><font> 11.ª — No caso dos presentes autos foi dado por provado que o prédio dos aqui Recorridos, tem, também, acesso à “Rua ...” (via pública) através de dois portões de ferro que conduzem diretamente para o tal beco / vereda, de utilização pública (conforme item 17 acima enunciado) que existe há pelo menos 50 anos e que é usado pelos Recorridos, bem como pelos vizinhos, para acederem àquela via pública, dispondo este de iluminação pública.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>12.ª - Deste modo, e ainda que não se pretenda a qualificação de tal acesso como público, e não sendo condição para demonstrar a extinção, por desnecessidade, da servidão legal de passagem constituída por usucapião, o requisito de que o acesso à via pública, por parte do prédio dominante, terá que ser feito por um caminho público, a verdade é que todo o asservo fáctico, dado por provado nas instâncias, indicia que aquele beco / vereda se trata de um caminho público.</font>
</p><p><font>13.ª - As mais recentes interpretações restritivas feitas pelo Supremo Tribunal de Justiça ao Assento deste Tribunal de 19 de abril de 1989, hoje com valor de Acórdão de uniformização de jurisprudência, e segundo o qual “são públicos os caminhos que desde tempos imemoriais estão no uso direto e imediato do público”, têm considerado que está preenchido o requisito da imemorialidade, para efeitos de classificação de um caminho como público, desde que o uso deste ocorra há mais de 50 ou 60 anos - conforme explanado nos Acórdãos de 13 de janeiro de 2004, Proc. 03A3433, disponível em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>. de 8 de maio de 2007, Proc. 07A981, disponível em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, de 14 de fevereiro de 2012, Proc. 295/04.OTBOFR.C1.S1, disponível em </font><font>www.stj.pt</font><font>. e de 18 de setembro de 2014, Proc. 44/1999.E2.S1, disponível em </font><font>www.stj.pt</font><font>.</font>
</p><p><font> 14.ª - Ora, ficou provado, repita-se, que aquele beco / vereda existe há pelos menos 50 anos, que é de utilização pública, há muito usado pelos aqui Recorridos e vizinhos (conforme consta nos itens 13, 14 e 17 da matéria de facto dada por provada) que ali têm as suas moradias (conforme documento junto aos autos a fls. 302) dispondo aquele de iluminação pública.</font>
</p><p><font>15.ª - E o uso das expressões de que tal beco / vereda existe “há pelo menos 50 anos” e que “há muito são usados pelos Autores, bem como por outras casas vizinhas que se servem de tal beco” pretende significar que as pessoas se lembram da utilização de tal acesso, pelo público, pelo menos desde há 50 anos, constituindo estes 50 anos o limite mínimo de tempo de utilização pública que os vivos recordam e já não um limite máximo que é ignorado por ser desconhecido.</font>
</p><p><font> 16.ª - Destarte, os tais dois portões de ferro colocados no prédio dos aqui Recorridos conduzem diretamente ao tal acesso, beco / vereda, que, em face da matéria dada por provada nas instâncias, para além de ser um caminho de utilização pública é usado há pelo menos 50 anos, significando estes 50 anos um limite mínimo de utilização que o levam a considerar com um uso imemorial. </font>
</p><p><font>17.ª - Pelo que o Acórdão da Relação, aqui em crise, ao ter decidido que os aqui Recorridos não lograram provar que tal caminho desde tempos imemoriais que está no uso direto e imediato do público, violou o artigo 342.°, n.° 1, do CC. </font>
</p><p><font>18.ª - O Acórdão aqui em crise, e contrariamente ao decidido no Tribunal de primeira instância, não tem razão ao referir que os aqui Recorrentes não alegaram, nem provaram os elementos avaliativos que permitiriam inferir pela desnecessidade da servidão.</font>
</p><p><font>19.ª - Nos termos do artigo 1569.°, n.° 2 do CC “as servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessários ao prédio dominante”. </font>
</p><p><font>20.ª - Efetivamente, o encargo/servidão representa uma exceção ao princípio geral do conteúdo, tendencialmente, ilimitado do direito de propriedade, consagrado este no artigo 1305.° do CC, pelo que é compreensível que se extinga, enquanto exceção e compressão de tal princípio geral, se desnecessária, de modo a que o direito de propriedade retome a plenitude da sua vocação originária.</font>
</p><p><font> 21.ª - A servidão de passagem que os aqui Recorrentes pretendem ver declarada extinta, por desnecessidade, constituiu-se por usucapião, e desde que se demonstre a sua desnecessidade para o prédio dominante, poderá o Tribunal, de acordo com o artigo 1569.°, n.° 2, do CC, julga - la extinta, tal como fez o Tribunal de primeira instância.</font>
</p><p><font>22.ª - A lei pretende que seja feita uma ponderação atualizada da necessidade de manter o encargo sobre o prédio, deixando-se ao prudente alvedrio do julgador a avaliação, no momento considerado (e segundo um juízo de prognose de proporcionalidade subjacente aos interesses em causa) da existência de alternativa que, sem ou com um mínimo de prejuízo para o prédio dominante, permita que venha a ser eliminado o encargo incidente sobre o prédio serviente, garantindo uma acessibilidade, em termos de comodidade e regularidade ao prédio dominante, sem onerar, desnecessariamente, o prédio serviente.</font>
</p><p><font>23.ª - No fundo a desnecessidade da servidão verifica-se (e tal como referia a terceira hipótese prevista no parágrafo único do antigo artigo 2279.° do Código de Seabra) quando “o proprietário dominante poder fazê-lo por qualquer outro meio igualmente cómodo”</font>
</p><p><font>24.ª — E nos presentes autos, em que o Tribunal de primeira instância, que, inclusivamente, aferiu da extensão e modo de exercício da servidão por contraponto com o outro caminho (beco / vereda de utilização pública) que dá acesso à via pública, por inspeção judicial ao local, foi dado por provado que:</font>
</p><p><font>- a passagem objeto da servidão tem uma escadaria (que dá também acesso à casa dos aqui Recorrentes) e a largura de cerca de l,20m e 36 metros de cumprimento - conforme e itens 6 a 8 da acima elencada matéria dada como provada, e fotografias juntas aos autos a fls. 48 a 51 e fotografia junta sob as IMG 4397 e IMG 4392, bem como o trajeto desenhado na planta topográfica emitida pela Câmara Municipal do ..., junta esta a fls. 224, e planta cadastral, junta a fls. 46 e, ainda, fotografia aérea de fls. 278 e 279;</font>
</p><p><font>- passagem esta (objeto da servidão) que dá acesso à via pública “Caminho ...” que é uma estrada com elevado grau de inclinação, sendo acentuado o declive — conforme itens 8 e 19 e fotografias juntas aos autos sob as IMG 444, 4445 e 4447;</font>
</p><p><font>- o prédio dos Autores (aqui Recorridos) desde sensivelmente o ano 2000, com a construção da “Rua ...”, que fica a norte dos prédios das partes, tem acesso independente à via pública, através dos tais dois portões de ferro que ligam diretamente ao tal beco / vereda de utilização pública, que está em bom estado de conservação, tem iluminação pública e dista a cerca de 20 a 30 metros (63 degraus) da tal “Rua ...”" - conforme itens 11, 12, 15, 17 e 18 da matéria de facto dada por provada;</font>
</p><p><font>- e que este outro acesso, com cerca de 20 a 30 metros e 63 degraus, é, inclusivamente, usado pelos aqui Recorridos (e demais vizinhos da zona), indo desembocar na Rua ... que é uma estrada plana, sem declive na zona de residência dos Autores e Réus, devidamente iluminada e servida por recolha municipal de lixo — conforme consta nos itens 14 e 16 da matéria de facto dada por provada.</font>
</p><p><font>25.ª - Mal andou, então, o Acórdão aqui recorrido ao considerar que dos factos assentes não resulta que o acesso pelo beco / vereda proporciona precisamente condições iguais ou similares de utilidade e comodidade de acesso ao prédio dominante, como as que resultariam da servidão que se pretende ver extinta, fazendo, inclusive, referência ao facto de que a passagem objeto da servidão não apresenta socalcos ou degraus, quando bem se vê, dessa mesma matéria dada por provada que assim não é!</font>
</p><p><font>26.ª - Entre dois acessos ao prédio dominante para a via pública com escadaria, tendo o que não é o da passagem objeto da servidão, uma distância que é inferior à daquela, o qual vai desembocar numa via pública que oferece melhores condições de utilização (do que a via pública a que dá acesso a servidão) porquanto é plana, sem declive na zona de residência dos Autores e Réus, devidamente iluminada e servida com recolha municipal de lixo, conclui-se que é o tal beco / vereda que oferece, inclusivamente, melhores condições de utilização, comodidade e regularidade ao invés da passagem objeto da servidão, sendo, por isso, inclusivamente, usado pelos aqui Recorridos.</font>
</p><p><font> 27.ª - Por tudo o explanado, mal andou o Acórdão aqui recorrido ao não ter feito uso do prudente alvedrio do julgador, tendo olvidado factos dados por provados que são essências para que se pudesse avaliar da existência de uma alternativa à passagem da servidão que permitisse a extinção desta, e que por isso mesmo julgou procedente a apelação e consequentemente revogou a sentença que havia declarado extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem, constituída por usucapião, tendo por isso violado o artigo 1569.°, n.° 2 do CC.</font>
</p><p><font>28.ª - E tendo os aqui Recorrentes (Réus) realizado, tal como lhes competia, a prova da tal desnecessidade da servidão, o prolatado Acórdão, aqui em crise violou, também, o disposto no artigo 342.°, n.° 2 do CC.</font>
</p><p><font> 29.ª - Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido fez uma incorreta valoração dos factos dados por provados, bem como uma incorreta aplicação do Direito aos mesmos, tendo violado o disposto nos artigos 341°, n.° 1 e 2 e 1569.° n.° 2, todos, do CC.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Contra-alegaram os Autores em defesa do julgado.</font>
</p><p><font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><u><font>matéria de facto</font></u><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“- Os autores são donos em comum e sem determinação de parte, por sucessão por morte de CC, do prédio misto, destinado a habitação, localizado na freguesia de ..., mais precisamente no Caminho ..., da cidade e concelho do ..., inscritos na matriz sob os artigos urbanos 373 e 2912 e artigo rústico 80 da Secção J, e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o número 2164/20030220, da freguesia de ... (A));</font>
</p><p><font>- Os Réus são legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano contíguo ao da A. pelo lado oeste, inscrito na matriz sob o artigo 357 e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o número 305, da freguesia de ... (B));</font>
</p><p><font>- O marido da A., ora falecido adquiriu por contrato de compra e venda, datado de 29/01/1976, o prédio misto referido no artigo 1º da p.i. (C));</font>
</p><p><font>- BB adquiriu por escritura de compra e venda em 12/02/1982, o prédio contíguo ao da ora A., prédio este descrito em b) (D));</font>
</p><p><font>- Está a decorrer o respectivo inquérito criminal na 1ª Secção do Ministério Publico da Comarca do ... sob o NIPC n.° 1366/11.2TAFUN por ameaças e agressões físicas entre as partes neste processo (E));</font>
</p><p><font>- Desde 29-01-1976 o acesso pedonal ao sobredito prédio da A., desde pelo menos a época em que o seu marido, ora falecido, ou seja, desde há pelo menos 36 anos, foi feito por passagem pedonal que passa pelo supracitado prédio da R., conforme desenhado na Planta da Câmara Municipal do ... (2º);</font>
</p><p><font>- Está colocado um portão em ferro na entrada do prédio dos RR e que se mostra construída uma escadaria para acesso à casa dos ora RR, conforme fotografias juntas aos autos a fls. 48 a 51, bem como que os contadores da Autora se encontram instalados junto à sua residência (3º);</font>
</p><p><font>- O acesso ao prédio dos Réus e dos AA tem vindo a ser feito pelo Caminho d..., sendo o número de porta para os dois prédios o n° ..., com a largura de cerca de 1,20 m e 36 metros de comprimento (4º);</font>
</p><p><font>- Desde antes de 29.01.1976, quando os dois prédios pertenciam a outra pessoa, que passam pessoas a pé no acesso pedonal (6º);</font>
</p><p><font>- Está colocada uma caixa de correio pertencente aos AA na entrada da propriedade dos RR (8º);</font>
</p><p><font>- O prédio dos AA, desde sensivelmente o ano 2000, com a construção da Rua ..., a norte dos prédios das partes, tem acesso independente à via pública através de dois portões de ferro (9º);</font>
</p><p><font>- Portões esses que conduzem directamente a um beco/vereda (vide IMG - 4435, 4436, 4437, 4438), beco esse que conduz directamente à via pública, mais concretamente, à Rua ... (10°);</font>
</p><p><font>- E que há muito são usados pelos AA., bem como por outras casas vizinhas que se servem de tal beco (11º);</font>
</p><p><font>- Tal beco existe há pelo menos 50 anos e que, pelo menos desde a construção da Rua ... serviu a casa dos AA e de outros vizinhos (12°);</font>
</p><p><font>- Por volta do ano 2000, foi feita e inaugurada uma estrada alcatroada chamada Rua ..., a qual se encontra a escassos metros dos portões da casa dos AA., conforme igualmente se constata pelas imagens n.° 4435, 4439 e 4440 (13°);</font>
</p><p><font>- A estrada mencionada uma estrada plana, sem declive na zona das residências dos AA. e RR., encontrando-se devidamente iluminada e servida por recolha municipal do lixo (15°);</font>
</p><p><font>- A casa dos AA. possui dois portões em ferro que ligam directamente a um beco/vereda de utilização pública. (IMG - 4392, 4393, 4433, 4435, 4436, 4439 e 4440) (16°);</font>
</p><p><font>- Tal beco encontra-se em bom estado de conservação, tem iluminação pública e dista cerca de 20 a 30 metros (63 degraus) da Rua ... (17°);</font>
</p><p><font>- O caminho dos Salões é uma estrada com um elevado grau de inclinação, sendo acentuado o declive, (vide IMG - 4444, 4445 e 4447) (18°)”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Após terem sido colhidos os vistos, cumpre conhecer.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1- Servidão de passagem.</font></b>
</p><p><b><font>2- Extinção por desnecessidade.</font></b>
</p><p><b><font>3- Via pública / caminho público e atravessadouro.</font></b>
</p><p><b><font>4- “In casu”.</font></b>
</p><p><b><font>5- Conclusões.</font></b>
</p><p><b><font> </font></b></p><div><br>
<b><font>*</font></b></div><br>
<b><font>1- Servidão de passagem</font></b>
<p><b><font>1-1- </font></b><font>A servidão de passagem, ou de trânsito, é uma “species” do “genus” servidão predial que o artigo 1543.º do Código Civil define como “o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.”</font>
</p><p><font>A servidão terá como escopo “quaisquer utilidades” ainda que não valorizem o prédio dominante.</font>
</p><p><font>Nos termos do artigo 1547.º do diploma citado podem ter na origem um negócio jurídico (contrato ou testamento) consensual, com efeitos reais, ainda que sob condição suspensiva ou resolutiva.</font>
</p><p><font>À excepção das servidões não aparentes têm possibilidade de se constituir por usucapião, sendo que assim se consideram as que não se revelem por “sinais visíveis e permanentes”.</font>
</p><p><font>As servidões legais podem ter na sua génese uma sentença judicial ou um acto administrativo. Ali, quando não haja acordo entre as partes. Aqui, quando a lei exija a intervenção da autoridade administrativa para a criação do encargo.</font>
</p><p><font>As servidões administrativas foram genericamente previstas na Lei 2030 (artigo 3.º) sendo que o n.º 1 do preceito dispunha poderem constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de utilidade pública previstos na lei.</font>
</p><p><font>Segundo o Des. Norman Mascarenhas, trata-se de uma “vinculação de um imóvel, ditada por um fim de interesse público e a que os titulares se não podem opor” (“Constituição e Extinção de Servidões Prediais, apud S.J. XXXI – 1982 – 393).</font>
</p><p><font>Retomando, e conceptualizando, o que deve entender-se por sinais visíveis e permanentes é fácil concluir que se tratam de elementos dos quais resulta a aparência da servidão, pois os mesmos destinam-se a revelá-la e tornar inequívoca – não a confundindo com mera cortesia resultante de relações de vizinhança – a actividade exercida.</font>
</p><p><font>Trata-se de lograr que a relação entre os prédios se apresente externamente, não bastando que a aparência se revele por obras ou sinais exteriores, de natureza precária e equívoca.</font>
</p><p><font>“É necessário que além de visíveis (tendo a visibilidade destinada a garantir a não clandestinidade os sinais sejam permanentes. Pois, como refere Branca, a permanência da obra ou sinal, torna seguro que não se trata de um acto praticado a título precário, mas de um encargo preciso, de carácter estável ou duradouro como é próprio da servidão” (cfr. Giuseppe Branca “Servitú predial in Commentario del Codice Civile de Scialoja e Branca”, Livro 3.º, cit. Prof</font><sup><font>s</font></sup><font>. Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, I, 2.ª ed. 579 – Des. Norman Mascarenhas in “Constituição e Extinção das Servidões Prediais”, apud “Scientia Iurídica” Tomo XXXI – 1982, 300, acima citado).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1-2- </font></b><font>Feita a breve resenha classificativa das servidões iremos deter-nos sobre o tipo que aqui releva.</font>
</p><p><font>E esse é o das servidões de passagem constituídas por usucapião.</font>
</p><p><font>No caso em apreço foi pedido que se declarasse& | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ETKgu4YBgYBz1XKvfSSd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>I. - Relatório</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Inconformado com a decisão proferida na apelação [</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>] que havia sido interposta da decisão proferida nas Vara Mista do tribunal judicial de Oeiras, que havia julgada a acção interposta pela sociedade “AA, Lda.”, contra a sociedade, “Sociedade de Construções BB, Lda.” recorre, de revista, a demandada, havendo que recensear para a decisão a proferir, os sequentes, </font>
</p><p><b><font>I.1, – Antecedentes processuais</font></b><font>.</font>
</p><p><font>“AA – S.A.” intentou, em 2DEZ2009, acção declarativa sob a forma ordinária contra “SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES BB Lda.” alegando que, no desenvolvimento da actividade de indústria e comércio de construção civil a que ambas se dedicam, celebrou com a Ré, em 30MAR2006, dois contratos promessa de compra e venda de dois lotes destinados à construção, onde se clausulou que a escritura seria efectuada no prazo máximo de 180 dias a contar da data da aprovação dos projectos, prevendo-se que tal aprovação e conclusão de infra-estruturas ocorressem dentro de um ano a ano e meio; a referência a essa previsão de ano e meio correspondia ao prazo que a A. entendia, face ao planeamento da sua actividade, como essencial para a concretização do negócio, e que era do conhecimento da Ré; tomando conhecimento de que ainda não havia ocorrido a aprovação dos projectos, em AGO2008, dirigiu missiva à Ré propondo solução amigável em alternativa à resolução dos contratos; não se tendo logrado alcançar solução amigável, por missiva de 12NOV2008, recebida a 17 do mesmo mês, invocando que a não verificação, até ao momento, da aprovação dos projectos e a imprevisibilidade dessa ocorrência eram incompatíveis com a programação da sua actividade, tendo perdido o interesse nos contratos definitivos, declarou resolvidos os contratos promessa, solicitando a devolução, até 30NOV, do valor actualizado do entretanto pago a título de sinal.</font>
</p><p><font>Invocando o disposto nos artigos 252.º, 432.º, 433.º, 436.º e 439.º do Código Civil, termina pedindo a condenação da Ré a reconhecer (subsidiariamente se decrete) a resolução dos contratos e a restituir-lhe a quantia € 641,945,70, actualizada à taxa de 4% desde o seu recebimento até 30NOV2008 (subsidiariamente actualizada até à data da citação), e juros moratórios de 1DEZ2008 até integral pagamento (subsidiariamente desde a citação).</font>
</p><p><font>A Ré contestou afirmando não se verificarem os pressupostos da resolução, uma vez que não há incumprimento definitivo, designadamente porque tem actuado diligentemente pela aprovação dos projectos, não está em mora, não ocorre objectiva perda do interesse na prestação, não ocorreu (nem podia ocorrer) interpelação admonitória.</font>
</p><p><font>Em 29JUN2011 foi proferida sentença que, considerando não se verificar nenhuma das causas de resolução decorrentes dos artigos 801.º e 808,º do Código Civil nem se poder extrair da referência à previsão de licenciamento em ano e meio uma causa contratual de resolução, mas antes uma situação de impossibilidade temporária não imputável à R., julgou improcedente a acção.</font>
</p><p><font>Inconformada, apelou a A. concluindo, em síntese, pela nulidade da sentença e estarem verificados os pressupostos do erro sobre a base do negócio ou alteração das circunstâncias.</font>
</p><p><font>Na apelação proferida no Tribunal da Relação de Lisboa, em 17 de Abril de 2012, foi decidido nos sobreditos termos, a anulação da decisão proferida em primeira instância; procedência dos pedidos, por decretamento da anulação dos contratos promessa, tendo estimado que “[e] não obsta se decrete essa mesma anulabilidade o facto de a Autora ter pedido a resolução, pois que não só os termos em que o pedido é formulado são susceptíveis, enquanto declaração de vontade, de interpretação, valendo como o efectivo efeito jurídico que com a acção se pretende obter (no caso a desvinculação do contrato), independentemente de qualificação, à qual, aliás, o tribunal não se encontra sujeito.”</font>
</p><p><font>É desata decisão que a Ré traz a presente revista, para a que alinhou o sequente,</font>
</p><p><b><font>I.2. - Quadro conclusivo.</font></b>
</p><p><font>“A) - A Recorrente vem interpor Recurso de Revista do Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa nos presentes autos, no qual declarou a nulidade da sentença recorrida e decretou a anulabilidade dos contratos promessa celebrados entre a A. e a R. em 30 MAR2006 referentes aos lotes 4 e 5 do loteamento da ..., constantes de fls. 20-23 e 25-28 dos autos e condena a Ré a restituir à Autora as quantias pagas a título de sinal (€ 194.529,00 + 126.443,85 em 30MAR2006 e € 194.529,00 + 126.443,85 em 25MAI2006) actualizadas, desde a data do pagamento até à data do trânsito desta decisão, de acordo com o índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (mas que não exceda o valor resultante da aplicação de uma taxa anual de 4%) bem como a pagar-lhe juros moratórios sobre a correspondente quantia, á taxa legal, desde a data do trânsito até integral pagamento. </font>
</p><p><font>B) - Porque, no entender da Recorrente o mesmo não respeitou as normas de direito substantivo nem as de direito adjectivo, designadamente dos art. 207.º; 432.º n.º1; 801.º; 804.º; 808.º; 442.º; 762.º; 830.º, todos do Código Civil; Pois, </font>
</p><p><font>C)</font><i><font> - </font></i><font>A Douta Sentença da 1.ª Instância foi proferida dentro de todas as normas legais, não enfermando de qualquer nulidade. </font>
</p><p><font>D) -</font><b><font> </font></b><font>O Douto Acórdão ora recorrido debruça-se sobre a nulidade da sentença e sobre a verificação dos pressupostos do erro sobre a base do negócio (art. 252.º, n.º 2 CC)</font><i><font> </font></i><font>ou da alteração das circunstâncias (art. 437.º do CC). </font>
</p><p><font>E) - Na Petição Inicial da A. e ora Recorrida, a mesma limita-se a indicar os factos que constituem a sua causa de pedir, sendo que, quanto ao pedido, em concreto, embora o expresse sucintamente, não esclarece, devidamente, o mesmo, para que seja inequívoco a todos o que realmente se pretende, fazendo apenas referencia, na parte final da sua P.I., a alguns artigos do Código Civil. </font>
</p><p><font>F) - Nos termos e para os efeitos do Art. 664.º do C.P.C., o Mmo. Juiz do Tribunal de 1.ª Instância não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. </font>
</p><p><font>G) - Estamos perante dois contratos promessa de compra e venda outorgados entre A. e R., contratos estes que possuem um regime legal muito especifico, também se aplicando aos mesmos, no que for pertinente, o regime geral do cumprimento ou incumprimento das obrigações, o que foi feito exactamente, e bem, pelo Tribunal de 1.ª Instância. </font>
</p><p><font>H) - O Douto acórdão ora recorrido não se põe em questão os factos dados como provados no presente processo. </font>
</p><p><font>I) - O Douto Acórdão ora recorrido centra-se na análise de saber se o erro na formação da vontade e a alteração de circunstâncias são relevantes, atenta a matéria de facto dada como provada. </font>
</p><p><font>J) - Aos presentes contratos-promessa de compra e venda, devem ser aplicados em concreto, duma forma conjugada e global, como discorreu o Mmo Juiz de 1.ª Instância, os Arts. 432.º, n.º 1., 410.º, 801.º, 808.º, 442.º, 762.º, e 270.º todos do Código Civil, ou seja, não deve ser considerada a resolução dos contrato promessa de compra e venda com base no erro sobre o negócio ou resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias; </font>
</p><p><font>K) - Os contratos incluíam duas referências de tempo relacionadas com a realização do fim: </font>
</p><p><font>- Que o referido estudo urbanístico estaria pronto para reunião da Câmara no mês de Março/ Abril de 2006 e que </font><i><u><font>previa-se</font></u></i><font> que dentro de um ano/ano e meio (entre 30 de Março e 30 de Setembro de 2007) fossem aprovados todos os projectos do loteamento, incluindo as especialidades, concluídas as infra-estruturas e efectuada a entrega dos lotes à A.. </font>
</p><p><font>L) - Na verdade, existe uma outra cláusula, clara e expressa, do conhecimento da A., ora Recorrida, e aceite por esta, que constitui o verdadeiro espaço temporal que serve de base ao negócio e indica o momento em que o mesmo se irá concretizar, isto é, a cláusula 4.</font><sup><font>3</font></sup><font> integrante dos dois contratos que estipula: </font><i><u><font>"A escritura de compra e venda realizar </font></u></i><u><font>- </font></u><i><u><font>se -à à promitente compradora no prazo máximo de 180 dias a contar da data de aprovação dos projectos e a promitente compradora obriga-se a entregar no Cartório Notarial onde se vai realizar a escritura e dentro de 10 dias úteis, toda a documentação que lhe diz respeito, assim que sejam avisados por carta registada com aviso de recepção. </font></u></i><u><font>" </font></u><font>(o sublinhado é nosso). </font>
</p><p><font>M) - A Cláusula 4.</font><sup><font>3</font></sup><font> dos contratos-promessa de compra e venda demonstra, desde logo, que a A., ora Recorrida, pode ter criado a convicção que iria começar a construir em 01.10.2007, mas aceitou e interiorizou que tal convicção se poderia vir a frustrar ao fazer constar nos contratos-promessa de compra e venda dos dois lotes de terreno à A. e Recorrida que a </font><i><u><font>escritura pública de compra e venda se realizaria no prazo máximo de 180 dias a contar da data de aprovação dos respectivos projectos .. </font></u></i>
</p><p><font>N) - A ora Recorrida aceitou, assim, um prazo para a concretização do negócio que deixou bem claro que se a expectativa da A. se frustrasse, no que diz respeito à data de 30.09.07, para inicio de construção, continuaria interessada no negócio até ao limite do prazo estipulado nos contrato-promessa de compra e venda para que fosse celebradas as respectivas escrituras de compra e venda, isto é, no máximo até 180 dias após a aprovação dos projectos. </font>
</p><p><font>O) - E a mesma ora Recorrida aceitou o prazo dos 180 dias porque sabe, enquanto profissional estabelecido no mercado da construção civil, com conhecimentos profundos desta realidade (não se tratando de uma entidade com conhecimentos básicos ou medianos) que a aprovação dos projectos não dependia da R. e ora Recorrente, mas sim de terceiros, neste caso da Câmara Municipal de Oeiras. </font>
</p><p><font>P) - A ora Recorrida teve e tem perfeito conhecimento, tal como a ora Recorrente, uma vez que as partes são profissionais do mesmo oficio, que tais processos burocráticos podem demorar/demoram bastante tempo – normalmente alguns longos anos – a serem resolvidos e a estarem concluídos. </font>
</p><p><font>Q) - A ora Recorrente teve sempre um comportamento diligente, tanto assim é que a ora Recorrente continua a desenvolver todos os esforços para a aprovação dos projectos, não sendo culpa ou negligencia da R. ora Recorrente o atraso de tal aprovação como se prova com o Doc. 1, datado de 20.01.2012 que se junta e se dá por integralmente por reproduzido. </font>
</p><p><font>R) - A Recorrente sempre agiu com toda a diligência para que a aprovação camarária dos projectos tenha lugar, para que possa cumprir os contratos-promessa de compra e venda outorgados com a A., ora Recorrida, referente aos lotes de terreno que lhe prometeu vender e nessa data receber o restante do preço acordado, como resulta da resposta dada aos Artigos 4.º a 12.º da Base Instrutória, agindo sempre com boa fé. </font>
</p><p><font>S) - Não pode existir, na ora Recorrida, uma falsa representação quanto ao tempo e certeza de aprovação do loteamento e de conclusão de infra-estruturas necessárias para que a A ora Recorrida, pudesse iniciar com a construção nos lotes de terreno, atenta a Cláusula n.º 4 inserida nos dois contratos-promessa de compra e venda outorgados entre A. e R., isto é, o prazo máximo era de 180 dias a contar da data de aprovação dos projectos para a realização da escritura do Lote de terreno. </font>
</p><p><font>T) - Não existem alterações anormais das circunstâncias, uma vez que o prazo para a realização das escrituras públicas de compra e venda dos lotes de terreno objecto dos dois contratos-promessa de compra e venda outorgados pelas partes se mantém inalterado desde o inicio: 180 dias após a aprovação dos projectos por parte da Câmara Municipal de Oeiras e o Recorrente tudo tem feito para que a aprovação tenha lugar o mais rápido possível. </font>
</p><p><font>U) - Este é o prazo real e não as meras previsões de que os projectos estariam aprovados, incluindo as especialidades, bem como as infra-estruturas concluídas, para entrega dos lotes até 30.09.07. </font>
</p><p><font>V) - Não deve, assim, ser aplicado, ao caso em concreto, a resolução dos contratos promessa outorgados entre as partes com base no erro do negócio ou por alteração anormal das circunstâncias, pelos motivos já supra expostos. </font>
</p><p><font>W) - Está provado que a A. e a R. celebraram dois contratos-promessa de compra e venda, nos termos do Art. 410.º do Código Civil, através dos quais ambas as partes se comprometeram à realização da escritura de compra e venda de dois lotes de terreno destinados à construção, tendo existido entrega de sinal por parte da A à R </font>
</p><p><font>X) - Em ambos os contratos-promessa de compra e venda dos lotes de terreno a A, ora Recorrida e a R, ora Recorrente, fizeram constar nos mesmos uma Cláusula Quarta nos termos da qual a respectiva escritura de compra e venda seria outorgada no prazo máximo de 180 dias a contar da data da aprovação dos projectos. </font>
</p><p><font>Y) - Também em ambos os contratos existe uma cláusula Quinta segundo a qual aceitaram uma previsão de que todos os projectos do referido lote, incluindo as especialidades, ficassem aprovadas, bem como as infra-estruturas concluídas dentro de um ano a ano e meio, isto é, até 30.09.07, data em que se previa a entrega do lote. Era mera previsão aceite e estipulada entre A., promitente compradora e ora Recorrida e R. promitente vendedora e ora Recorrente. </font>
</p><p><font>Z) - Depois da celebração dos contratos-promessa entre as partes, a R., ora Recorrente, nunca interpelou a A. para a realização das respectivas escrituras de compra e venda (nem podia porque os projectos respeitantes aos lotes de terreno para construção prometidos vender à A. não tinham ainda sido aprovados pela Câmara Municipal de Oeiras e por motivos alheios à R. pois </font><b><font>dependiam da mesma Câmara), </font></b><font>só o devendo fazer no decurso do prazo de 180 dias a contar da aprovação dos projectos pela Câmara Municipal de Oeiras. </font>
</p><p><font>AA) – Há que ter em conta o Art. 432.º, n.º 1 do Código Civil, quanto à resolução dos contratos, nos termos do qual a resolução do contrato é admitida desde que fundada na lei ou em convenção. </font>
</p><p><font>AB) – O Direito de resolução é um direito potestativo extintivo e dependente de um fundamento - tem de se verificar um facto que crie esse direito, ou melhor, um facto ou uma situação que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento desse direito potestativo). Tal facto ou fundamento é o facto do incumprimento ou situação de inadimplência, isto é, a falta de observância de um contrato ou de qualquer das suas condições. </font>
</p><p><font>AC) – Não houve incumprimento dos contratos-promessa em questão nos autos, nem falta de observância de qualquer das suas condições por parte da R. e ora Apelada, como ficou inteiramente provado nos autos. </font>
</p><p><font>AD)</font><b><font> – </font></b><font>Nos contratos-promessa de compra e venda, sub judice, que as partes outorgaram, condicionaram o prazo para a realização das respectivas escrituras de compra e venda dos Lotes 4 e 5 resultantes da Urbanização dos terrenos sitos na ..., em Linda-a-Velha, à aprovação dos projectos pela Câmara Municipal de Oeiras, e não fixaram definitivamente qualquer prazo para tal efeito, uma vez que as partes sabiam que estavam dependentes dos serviços, autorizações e aprovações de terceiros, neste caso da Câmara Municipal de Oeiras, que nem a A., nem a R. controlam. </font>
</p><p><font>AE)</font><b><font> – </font></b><font>Ambas as partes, quando outorgaram os contratos-promessa de compra e venda em questão estavam plenamente conscientes, pela actividade que exercem há longos anos no âmbito da construção civil, tendo certamente já efectuado a A. e ora Recorrida vários negócios iguais a este, que os licenciamentos pelas Câmaras Municipais são habitualmente bastante demorados. </font>
</p><p><font>AF)</font><b><font> </font></b><font>– Se assim não fosse, a A., ora Recorrida, teria exigido que fosse introduzido uma Cláusula nos contratos promessa de compra e venda outorgados com a R., e ora Recorrente, nos termos da qual caso não se verificasse o licenciamento pela Câmara Municipal de Oeiras num determinado prazo tal facto daria direito a que a A. e ora Recorrida resolvesse os contratos promessa de compra e venda outorgados com a R., e ora Recorrente e a devolução dos sinais que a R., e ora Recorrente recebera, o que não aconteceu. </font>
</p><p><font>AG)</font><b><font> – </font></b><font>O Tribunal de 1.ª Instância aplicou, e bem, ao caso em concreto, as regras especificas deste tipo de contratos e o regime geral do incumprimento dos contratos, não cabendo ao caso a aplicação da resolução dos contratos por erro no negócio ou alteração anormal das circunstâncias, questões estas que não se verificaram. </font>
</p><p><font>AH) </font><b><font>– </font></b><font>Deve ser entendido que o Tribunal de Ia Instância na sua Douta Sentença, com os factos que foram carreados para o processo, analisou todas as questões, incluindo a questão da resolução ou não dos contratos por erro sobre a base negocial e a alteração anormal das circunstâncias. </font>
</p><p><font>AI)</font><b><font> – </font></b><font>Pode ler-se, naquela Douta Sentença, na sua pago 10: "Vejamos então se a autora tem direito á resolução dos contratos aqui em causa". </font>
</p><p><font>AJ)</font><b><font> – </font></b><font>Seguindo o seu desenvolvimento, e enquadrando os contratos no seu regime especifico - CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA - (Arts. 432.º, n.º 1; 442.º; 801.º, 804.º, 808.º e 422.º, além de outros, todos do CC, conclui que não há lugar á resolução; </font>
</p><p><font>AK) – Ficou provado que o Ora Recorrente desenvolveu, e continua a desenvolver, todas as diligências que estão ao seu alcance para, como contratualmente acordado, ter a "coisa" em condições de poder outorgar a escritura. </font>
</p><p><font>AL) – Não há qualquer nulidade da sentença de 1.ª Instância. </font>
</p><p><font>AM) – Nos presentes autos estão em análise dois contratos celebrados por duas entidades que são profissionais do mesmo oficio, com largos anos de experiência no mercado e não é um vendedor que é experiente e um comprador inexperiente, que não sabe o tempo (anos) que as Câmara Municipais levam para aprovar qualquer loteamento. </font>
</p><p><font>AN) – Os prazos nos contratos sub judice estão definidos e acautelados os imprevistos de uma demora na aprovação do Loteamentos, tanto que foi escrito: "A escritura de compra e venda realizar-se-á promitente compradora, no prazo máximo de 180 dias a contar da data da aprovação dos projectos" ……" Prevê-se que todos os projectos ……. data que prevemos para …". </font>
</p><p><font>AO) – Pela redacção dos contratos, pelo intervenientes (pessoas experimentadas no negócio contratado) que conhecem os meandros camarários e a demora de anos que as câmaras levam na aprovação de loteamentos não se pode, como, com o devido respeito, concluir como concluiu o Venerando Tribunal da Relação no Acórdão ora recorrido. </font>
</p><p><font>AP) – O tempo para a realização do negócio não estava definido, estava dependente da ocorrência de uma condição: aprovação do loteamento pela Câmara Municipal; AQ) Ambas as partes, agora em diferendo, tinham perfeito conhecimento da realidade e estavam conscientes que tais aprovações são muito demoradas, tanto que definiram como prazo: 180 dias a contar da aprovação, e apenas apontavam uma previsão de um ano, acreditando no que a Câmara tinha informado o promitente vendedor. </font>
</p><p><font>AR) – É do conhecimento geral que, fruto destas demoras nas aprovações de loteamentos por parte das Câmaras Municipais, os profissionais da arte (construtores) como são Recorrente e Recorrido, fazem estes contratos promessa de compra e venda (contratos promessa de compra e venda de bem futuro) enquanto vão construindo nos terrenos que já têm aprovados, pois sabem que estes, dos loteamentos ainda em urbanização a licenciar, demora muito tempo o licenciamento duma urbanização. </font>
</p><p><font>AS) – Não é verdade nem compreensível, no caso dos autos, que a aquisição de local para construção tivesse a intenção da construção num curto prazo e muito menos numa situação de indefinição do momento do cumprimento do contrato – 180 dias a contar da aprovação dos projectos - ou de potencial perpetuidade de sujeição - ficou provado que o ora Recorrente tem agido junto da Câmara diligentemente para a aprovação do projecto, o que aliás se pode verificar pelos documentos já junto aos autos e o que agora se anexa como Doc 1 datado de 20.01.2012, (recebido já posteriormente à entrega das Alegações no Douto Tribunal da Relação) onde se pode ler que o processo foi deferido. Após a emissão do Alvará este deve ser registado na Conservatória do Registo Predial e então é que será emitida a licença para poder fazer as escrituras. </font>
</p><p><font>AT)</font><b><font> </font></b><font>– Não se pode apontar qualquer atentado aos princípios da boa-fé, como é referido no douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação – O ATRASO NO LICENCIAMENTO NÃO É DE RESPONSABILIDADE DO ORA RECORRENTE MAS DO ATRASO DOS SERVIÇOS CAMARÁRIOS, únicos com competência para tais licenciamentos. </font>
</p><p><font>AU)</font><b><font> – </font></b><font>Não tem qualquer fundamento, quer a declaração de nulidade da sentença de 1.ª Instância, quer a anulabilidade dos contratos sub judice. </font>
</p><p><font>AV)</font><b><font> – </font></b><font>Deve assim o Douto Acórdão Recorrido ser revogado na sua totalidade, mantendo-se a sentença da 1.ª Instância. </font>
</p><p><font>Nestes termos e nos demais em direito permitidos, por todo o supra exposto, deverá o Recurso interposto pela Recorrente ser admitido, e o mesmo julgado procedente por provado, mantendo-se integralmente a Douta Sentença recorrida por não padecer de quaisquer nulidades ou erros de apreciação. </font>
</p><p><font>Foram produzidas contra-alegações sem epítome conclusivo, em que se impetra a manutenção do decidido no acórdão recorrido. </font>
</p><p><b><font>II.3. – Questões a apreciar</font></b><font>.</font>
</p><p><font>- Erros sobre a base do negócio – Anulabilidade do negócio jurídico.</font>
</p><p><b><font>II. - FUNDAMENTAÇÃO</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Está adquirida para a decisão a factualidade que a seguir queda transcrita:</font>
</p><p><font> “A) A A. é uma sociedade comercial anónima que tem como objecto a indústria e comércio da construção civil (al. A) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>B) A R. é uma sociedade comercial por quotas que tem como objecto a construção civil e obras públicas e compra e venda de imóveis (al. B) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>C) Em 30/03/2006, A. e R. firmaram um acordo, que foi reduzido a escrito e que denominaram de "contrato promessa de compra e venda" (al. C) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>D) Nos termos do referido acordo, a R. declarou prometer vender à A. e esta declarou prometer comprar, pelo preço de € 1.296.860,00 (um milhão duzentos e noventa e seis mil oitocentos e sessenta euros), o Lote 4, destinado à construção, com a área de 749,23 metros quadrados, com uma área de construção acima do solo de 2.000,00 metros quadrados e duas caves para estacionamento, resultante da urbanização com plano de pormenor praticamente aprovado, designado por Estudo Urbanístico da ... em Linda a Velha, elaborado pela Câmara Municipal de Oeiras, e pronto para reunião de Câmara de MAR/ABR2006, o qual deu origem a cinco lotes para habitação, um lote para comércio e serviços e um outro para silo de automóveis, dos terrenos localizados em Linda-a-Velha, ..., inscritos na matriz predial sob os artigos n.º 484 da secção 43, n.º 483, da secção 43, n.º 485, da secção 43, n.º 105 e n.º 4, descritos na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a descrição …, Livro …, actual …; descrição …, Livro …, actual …; descrição …, Livro …, actual …; descrição …, Livro …, actual .. e descrição …, Livro …, actual …, respectivamente (al. D) dos factos assentes) 1.</font>
</p><p><font>E) Da "cláusula terceira" do referido acordo consta o seguinte teor:</font>
</p><p><font>"As condições de pagamento são as seguintes: a) 194.529,00 euros (cento e noventa e quatro mil quinhentos e nove euros) a título de sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura do presente contrato, quantia que a promitente vendedora declara ter recebido e dá quitação. b) Reforço de sinal de 194.529,00 euros (cento e noventa e quatro mil quinhentos e nove euros) no prazo de 60 dias a contar da data do presente contrato, c) Reforço de sinal de 389.058,00 (trezentos e oitenta e nove mil e cinquenta e oito euros) com a aprovação de projectos e infra-estruturas concluídas), d) O restante capital em dívida ou seja 518.744,00 (quinhentos e dezoito mil setecentos e quarenta e quatro euros) será liquidado no acto da escritura pública de compra e venda." (al. E) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>1 - a que, ao abrigo do disposto no art. 712.º do CPC, se acrescentou a caracterização da urbanização ("urbanização com plano de pormenor praticamente aprovado, designado por Estudo Urbanístico da ... em Linda a Velha, elaborado pela Câmara Municipal de Oeiras, e pronto para reunião de Câmara de MAR/ABR 2006, o qual deu origem a cinco lotes para habitação, um lote para comércio e serviços e um outro para silo de automóveis") expressamente constante do texto da cláusula primeira dos contratos que se encontram juntos aos autos e que não foram impugnados.</font>
</p><p><font>F) Na data da assinatura do referido acordo, a A. entregou à R. a quantia de € 194.529,00 (cento e noventa e quatro mil quinhentos e vinte e nove euros) (al. F) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>G) Posteriormente, em 25/05/2006, a A. entregou à R. a quantia de € 194.529,00 (cento e noventa e quatro mil quinhentos e vinte e nove euros) (al. G) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>H) Na data de 30/03/2006, A. e R. firmaram um outro acordo, que foi reduzido a escrito e que denominaram de "contrato promessa de compra e venda" (al. H) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>I) Nos termos deste acordo, a R. declarou prometer vender à A. e esta declarou prometer comprar, pelo preço de € 842.959,00 (oitocentos e quarenta e dois mil novecentos e cinquenta e nove euros), o Lote 5, destinado à construção, com a área de 388,50 metros quadrados, com uma área de construção acima do solo de 1.300,00 metros quadrados e duas caves para estacionamento, resultante da urbanização com plano de pormenor praticamente aprovado, designado por Estudo Urbanístico da ... em Linda a Velha, elaborado pela Câmara Municipal de Oeiras, e pronto para reunião de Câmara de MAR/ABR2006, o qual deu origem a cinco lotes para habitação, um lote para comércio e serviços e um outro para silo de automóveis, dos terrenos sitos em Linda-a-Velha, ..., inscritos na matriz predial sob os artigos n.º 484 da secção 43, n.º 483, da secção 43, n.º 485, da secção 43, n.º 105 e n.º 4, descritos na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a descrição …, Livro …, actual …; descrição ..., Livro …, actual …; descrição ..., Livro …, actual ...; descrição ..., Livro …, actual ... e descrição ..., Livro ..., actual ..., respectivamente (al. I) dos factos assentes) 2.</font>
</p><p><font>J) Da "cláusula terceira" deste segundo acordo consta o seguinte teor: "As condições de pagamento são as seguintes: a) 126.443,85 euros (cento e vinte e seis mil quatrocentos e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura do presente contrato, quantia que a promitente vendedora declara ter recebido e dá quitação, b) Reforço de sinal de 126.443,85 euros (cento e vinte e seis mil quatrocentos e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) no prazo de 60 dias a contar da data do presente contrato, c) Reforço de sinal de 252.887,70 (duzentos e cinquenta e dois mil oitocentos e oitenta e sete euros e setenta cêntimos) com a aprovação de projectos e infra-estruturas concluídas, d) O restante capital em dívida ou seja 337.183,60 (trezentos e trinta e sete mil cento e oitenta e três euros e sessenta cêntimos) será liquidado no acto da escritura pública de compra e venda." (al. J) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>L) Na data da assinatura do acordo referido em H), a A. entregou à R. a quantia de € 126.443,85 (cento e vinte e seis mil quatrocentos e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) (ai. L) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>M) Posteriormente, em 25/05/2006, a A. entregou à R. a quantia de € 126.443,85 (cento e vinte e seis mil quatrocentos e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) (al. M) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>N) Em ambos os referidos acordos outorgados por A. e R. consta uma "cláusula quarta" com o seguinte teor: "A escritura de compra e venda realizar-se-á à promitente compradora, no prazo máximo de 180 dias a contar da data da aprovação dos projectos e a promitente compradora obriga-se a entregar no Cartório Notarial onde se vai realizar a escritura e dentro de 10 dias úteis toda a documentação que lhes diz respeito, assim que sejam avisados por carta registada com aviso de recepção" (al. N) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>O) Em ambos os referidos acordos outorgados por A. e R., consta uma "cláusula quinta" com o seguinte teor: "prevê-se que todos os projectos do referido lote incluindo as especialidades fiquem aprovadas, bem como as infra-estruturas concluídas dentro de um ano a ano e meio, data que prevemos para a entrega do lote" (al. O) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>P) Após a celebração dos referidos acordos, a R. nunca interpelou a A. para a realização das escrituras públicas de compra e venda (al. P) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>Q) Por carta datada de 12/08/2008, enviada pela A. à R. e por esta recebida, aquela comunicou que "a Sociedade AA, S.A. assinou aqueles contratos no pressuposto de que "todos os projectos dos referidos lotes incluindo as especialidades fiquem aprovados, bem como as infra-estruturas concluídas dentro de um ano e meio", data em que seriam entregues os lotes, ou seja, no máximo até 30 de Setembro de 2007. Acontece que tal não só não aconteceu, como ainda não é previsível quando possa acontecer. Essa incerteza não se compadece com a necessária programação da actividade desta sociedade, bem sabendo V. Ex.cias que a AA, S.A. contratou, convicta de que, pelo menos a partir de 1 de Outubro de 2007, os lotes estariam disponíveis e com as infra-estruturas concluídas. (...) a AA, S.A. (...) vem propor a V. Ex.cias uma solução amigável, aguardando que a Sociedade de Construções BB Lda. lhe faça, até ao final do mês, uma proposta aceitável para ambas as partes." (al. Q) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>R) Em resposta, por carta datada de 25/08/2008, enviada pela R. à A. e por esta recebida, aquela referiu que "(...) Quando da assinatura dos respectivos contratos (...) havia um compromisso por parte da Câmara Municipal de Oeiras em resolver e aprovar este estudo, e também a urbanização dentro de 3 ou 4 meses, este acordo em reunião de 2006-02-14. (...) Neste momento, a urbanização está aprovada, foi aprovada em 2008-05-16 e os trabalhos de urbanização terão início d | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EzJ_u4YBgYBz1XKvjxLv | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1 – Relatório.</font></b>
</p><p><font>No Tribunal Judicial de Caminha, </font><b><font>AA</font></b><font> intentou acção declarativa de condenação, sob a forma comum ordinária, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo, a final, que a compra e venda em questão seja declarada simulada e, portanto, válido o negócio dissimulado como sendo uma doação com a cláusula modal da ré cuidar do autor, em sua casa, atá ao final da vida e, em consequência, que a doação da fracção em causa seja anulada por incumprimento voluntário da ré das obrigações que a ela estavam subjacentes, que a ré seja condenada a desocupar a mesma fracção e que seja ordenado o cancelamento do registo da aquisição a favor da ré.</font>
</p><p><font>Pediu, ainda, em alternativa, que a ré seja condenada a pagar ao autor a quantia de € 80.000,00, correspondente ao preço do apartamento que ainda não liquidou, a quantia de € 7.000,00 referente à mobília e ao ar condicionado e a quantia de € 480,00 referente ao imposto de selo devido pela transacção.</font><br>
<font>Após contestação da ré e ampliação do pedido na réplica, o autor desistiu dos pedidos formulados nas als. a), b), c) e d) da petição inicial e do pedido formulado na réplica, desistência que foi homologada por sentença já transitada em julgado. </font><br>
<font>Foi proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova. </font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de € 60.000,00.</font>
</p><p><font>Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação daquela sentença, impugnando as decisões de facto e de direito.</font>
</p><p><font>O relator no Tribunal da Relação de Guimarães proferiu decisão sumária, tendo rejeitado o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto provada, mantendo esta e confirmando a decisão de direito.</font>
</p><p><font>Deduzida reclamação, foi proferido acórdão, que confirmou a decisão reclamada.</font>
</p><p><font>De novo inconformada, a ré interpôs revista daquele acórdão, tendo a mesma sido concedida e, em consequência, foi anulado o acórdão recorrido no segmento em que se decidiu rejeitar o recurso no que se refere à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, tendo-se determinado a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que procedesse à integral apreciação daquela impugnação deduzida no recurso de apelação, bem como, se fosse o caso, do subsequente alcance em sede da solução de direito.</font>
</p><p><font>Foi, então, proferido novo acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, tendo-se decidido revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a acção, absolvendo a ré do pedido formulado.</font>
</p><p><font>Inconformado, o autor interpôs recurso de revista daquele acórdão</font>
</p><p><font>Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><b><font>2 – Fundamentos.</font></b>
</p><p><b><font>2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><b><font>1) </font></b><font>Em meados de Maio de 2010, o Autor admitiu a Ré ao seu serviço para cuidar da limpeza da sua habitação, para tratar da roupa, cozinhar e tratar do jardim (art.º 3.º da p.i. e art.ºs 5.º a 7.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>2) </font></b><font>Inicialmente, a Ré trabalhava em casa do Autor durante o dia e pernoitava em sua casa, mas posteriormente, após o seu divórcio, passou a viver, com as suas duas filhas, em casa do Autor (art.ºs 4.º a 7.º da p.i. e art.ºs 5.º, 9.º, 11.º, 13.º e 16.º a 19.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>3) </font></b><font>Após ter passado a residir em casa do Autor, a Ré continuou a realizar o seu trabalho como sempre havia feito até então (art.º 20.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>4) </font></b><font>Por vezes, a Ré falava ao Autor na hipótese de arranjar trabalho fora de casa, mas este sempre se mostrou contra (art.ºs 21.º e 22.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>5) </font></b><font>Através do contrato de compra e venda com termo de autenticação de fls. 11 v.º a 14 v.º, outorgado no dia 10 de Novembro de 2010, CC e DD declararam vender ao Autor, e este declarou aceitar a venda, a fracção autónoma identificada pela letra “G”, destinada à habitação, correspondente ao 2.º andar esquerdo, lado sul do bloco 1, do prédio sito na rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o n.º 29 da freguesia de Seixas, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Seixas, sob o artigo 815, pelo preço de € 60.000,00 (art.º 8.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>6) </font></b><font>O Autor remodelou a fracção descrita em 3 e equipou-o, além do mais, com ar condicionado, uma placa de fogão e um forno (art.º 9.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>7) </font></b><font>Através de testamento outorgado em 02/02/2011 no Cartório Notarial de Vila Nova de Cerveira, exarado a fls. 17 a fls. 17 e verso do Livro de Notas para Testamentos Públicos e Escrituras de Revogação de Testamentos número cinco-T, daquele Cartório, junto a fls. 15-16, o Autor declarou legar à Ré a fracção autónoma designada pela letra “G” destinada à habitação, correspondente ao 2.º andar esquerdo, lado sul do bloco 1, do prédio urbano sito na rua ..., inscrito na respectiva matriz da freguesia de Seixas, sob o artigo 815, o prédio rústico sito no lugar da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Valença sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo 1984, a sepultura que possuiu no cemitério da freguesia de ..., concelho de Valença e dos veículos automóveis que possuísse à data da morte, o que tivesse a matrícula mais recente (art.º 12.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>8) </font></b><font>Em 16/01/2012, através da escritura junta a fls. 16 v.º-17 v.º, o Autor revogou o testamento referido em 7) (art.º 15.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>9) </font></b><font>Através de testamento outorgado em 23/01/2012 no Cartório Notarial de ..., exarado a fls. 80 a 81 do Livro de Notas para Testamentos Públicos e Escrituras de Revogação de Testamentos número nove-T, daquele Cartório, junto a fls. 18-19, o Autor declarou legar à Ré um prédio urbano no lugar da ..., concelho de ..., composto de casa de habitação e logradouro, inscrito na matriz sob o art.º 613, um prédio rústico sito no lugar da ..., concelho de ..., composto de terreno de cultura inscrito na matriz sob o artigo 1983, um prédio rústico sito no lugar da ..., composto de terreno de cultura inscrito na matriz sob o artigo 1984, o veículo automóvel, marca Renault, modelo Clio, ligeiro de passageiros, com a matrícula ...-EN-... e a sepultura da família de que é proprietário no Cemitério da freguesia de ..., concelho de ... (art.º 18.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>10) </font></b><font>No dia 27/01/2012, o Autor, como primeiro outorgante, e a Ré, como segunda outorgante, celebraram o contrato de compra e venda com termo de autenticação de fls. 21 v.º-22 v.º no qual aquele disse, além do mais, “que, pelo preço de sessenta mil euros, que já recebeu, vende à segunda outorgante” (…) a “fracção autónoma designada pela letra “G”, destinada à habitação, correspondente ao 2.º andar esquerdo, lado sul do bloco 1, localizada no prédio sito na rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o n.º 29 daquela freguesia, afecto ao regime de propriedade de horizontal “ (…), “inscrita na matriz sob o artigo 815 G, com o valor patrimonial tributário de 22.520,00 € e atribuído de sessenta mil euros” e esta disse “que aceita o presente contrato, e que o prédio ora adquirido se destina a sua habitação própria e permanente.” (art.º 22.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>11) </font></b><font>Após a outorga do contrato de compra e venda referido em 10), a Ré continuou a trabalhar para o Autor (art.º 27.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>12) O Autor não recebeu o preço da venda realizada através do contrato descrito em 10) (art.ºs 24.º, 44.º e 50.º da p.i.); </font></b>
</p><p><b><font>13) </font></b><font>Em 16/05/2012, através da escritura junta a fls. 26 v.º-27 v.º, revogou o testamento referido em 9) (art.º 36.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>14) </font></b><font>Em Maio de 2012, a Ré foi residir com as suas filhas para a fracção autónoma descrita em 10) (art.º 42.º da p.i. e art.º 44.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>15) </font></b><font>A Ré não tinha dinheiro para adquirir a fracção autónoma descrita em 10) (art.º 45.º da p.i. e art.º 24.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>16) </font></b><font>O imposto de selo de € 480 devido pela transacção referida em 10) foi liquidado (art.ºs 25.º e 54.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>17) </font></b><font>Enquanto residiu com as suas filhas em casa do Autor, a Ré nunca recebeu qualquer quantia pelo trabalho prestado, mas o Autor suportava todas as despesas (de vestuário, calçado e alimentação) da Ré e das suas duas filhas (art.º 25.º da contestação). </font>
</p><p><b><font>Factos não provados </font></b>
</p><p><font>Não resultaram provados outros factos com relevância para a boa decisão da causa, designadamente que: </font>
</p><p><b><font>a)- </font></b><font>A fracção descrita em 10) era usada e estava bastante degradada e o Autor equipou-a com um exaustor marca “Airlux AGMT 62 IX”, uma máquina de lavar roupa marca “Beko WMD15065D”, um plasma, uma mesa de sala de jantar com 4 cadeiras, uma cristaleira e um jogo de sofás em tecido e mobilou os quartos (art.º 9.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>b)- </font></b><font>O Autor gastou € 7.000 nas mobílias, máquinas e ar condicionado referidos em 6) e a) (art.ºs 9.º e 53.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>c)- </font></b><font>Com as remodelações, a fracção ficou com o valor para cima de € 80.000,00, montante que o Autor receberia se a vendesse no mercado (art.ºs 10.º, 51.º e 52.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>d)- </font></b><font>Logo no final das remodelações ou ainda no decurso das mesmas, a Ré propôs ao Autor que se ele quisesse nunca mais deixava de ser sua empregada e o trataria até ao final da vida, mas para assumir isso teria de lhe fazer um testamento do apartamento de ... e das propriedades que tinha em ... (art.º 11.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>e)- </font></b><font>O Autor outorgou o testamento referido em 7) porque a Ré lhe fez a proposta descrita em d); </font>
</p><p><b><font>f)- </font></b><font>Passado quase um ano de ser instituída legatária no testamento referido em 7), a Ré começou a dizer ao Autor que o testamento não lhe dava segurança já que o filho quando ele falecesse era herdeiro e podia-lhe tirar quase tudo e também o apartamento e por isso tinha de lhe BCMN fazer uma escritura de compra e venda pelo menos do apartamento, mas que ela não pagava nada - era como fosse uma doação por o cuidar até ao fim da vida, dizia ela ré (art.º 13.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>g)- </font></b><font>O Autor ficou de pensar no assunto e a Ré mostrava-se muito atenciosa e tratava o Autor com toda a atenção e para melhor o convencer, em conversa que fosse possível, a “talhe de foice”, ia-lhe sempre dizendo que o filho não queria saber dele para nada e se não quisesse ficar só e ir para um lar tinha de lhe “segurar” pelo menos o apartamento que era só dele (as outras propriedades ainda estavam indivisas na herança aberta por óbito da esposa do Autor, e a Ré soube) (art.º 14.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>h)- </font></b><font>O Autor revogou o testamento referido em 7) porque se demorou a decidir-se doar a referida fracção através de escritura de compra e venda como propôs a Ré e esta cada vez com mais frequência insistia (art.º 15.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>i)- </font></b><font>Dada a atitude do Autor e que a Ré não estaria a contar, esta ainda se começou a descontrolar mas pensou melhor, e, de imediato pediu mil desculpas e dizia vezes sem conta que estava arrependida e não sabia o que lhe tinha passado pela cabeça, mas que isso não voltava a acontecer e voltou a prometer ao Autor que nunca deixaria de ser sua empregada e o trataria como fosse seu pai e reforçou que o cuidaria até ao final da vida e mesmo que tivesse de andar de cadeira de rodas ou estivesse acamado não o deixava ir para um lar, mas insistia que as outras propriedades podiam ser deixadas em testamento, mas o apartamento tinha de lho doar, e frisava que a escritura a fazer tinha de ser de compra e venda e dizia que já tinha recebido o dinheiro (art.º 16.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>j)- </font></b><font>A Ré também queria que o Autor lhe pusesse um veículo automóvel em seu nome, que era para se puder deslocar à vontade, dizia ela (art.º 17.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>k)- </font></b><font>Dadas as repetidas desculpas e promessas da Ré, o Autor ficou convencido e outorgou o testamento referido em 9) (art.º 18.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>l)- </font></b><font>Feito o testamento, sem dar tempo de preparar a escritura que haveria de ser de “compra e venda”, de imediato a Ré começou a insistir com o Autor para lhe fazer a escritura de “compra e venda” da referida fracção nos moldes que ela pretendia, que era escriturá-la como fosse uma compra e venda mas não pagava o preço, e para pressionar o Autor voltava a acrescentar que o BCMN filho não queria saber dele para nada e não merecia nada do que fosse dele, e sequer um dia iria à sepultura e que ela a cuidaria como fosse do seu pai (art.º 19.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>m)- </font></b><font>A Ré fez tudo para por o filho contra o pai, aqui Autor (art.º 20.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>n)- </font></b><font>O Autor que vivia só depois da esposa falecer e assim pensava que ia continuar até ao fim da vida e o seu destino mais tarde ou mais cedo se não tivesse quem o cuidasse era um lar de idosos - coisa que sempre temeu e a Ré sabia - ficou convencido que se desse o apartamento à Ré, que era o que ela perseguia desde que o viu, iria ser cuidado até ao fim da vida em sua casa, pois o filho, cujas relações estavam cortadas por esforço da Ré, nasceu em França e vive lá, e muito possivelmente sua residência será sempre lá (art.º 21.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>o)- </font></b><font>O Autor com aquela promessa de ser cuidado desde então até ao final da vida em sua casa e para o filho não puder reduzir a deixa testamentária ou doação sobre o apartamento cedeu à pressão da Ré e, por isso, outorgou o contrato de compra e venda referido em 10) (art.º 22.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>p)- </font></b><font>Não estava em mente dos contratantes realizar uma verdadeira e efectiva compra e venda daquele bem imóvel, porque o que as partes quiseram foi uma doação que consistia na obrigação da Ré cuidar do Autor desde aquela data até ao final da sua vida em sua casa (do autor), e dessa forma (com o contrato de compra e venda) o filho do Autor também ficava arredado de puder reduzir o legado em deixa testamentária ou em doação por inoficiosidade (art.º 24.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>q)- </font></b><font>O Autor pagou o imposto de selo do montante de € 480,00 (art.ºs 25.º e 54.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>r)- </font></b><font>O valor indicado no contrato de compra e venda também foi intencionalmente baixo para pagar menos imposto de selo (art.ºs 26.º e 55.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>s)- </font></b><font>A Ré após ter o apartamento em seu nome e vivendo na habitação do Autor em ..., como empregada interna e as filhas com ela, que mais parecia ser a governanta na casa do Autor e manterem uma relação amantética (atente-se que autor desde há muito que está impotente), começou a abandonar o trabalho durante todo o dia e sequer fazia o almoço ou jantar para Autor (art.º 27.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>t)- </font></b><font>As saídas da Ré pela manhã com regresso à noite iam crescendo e outras vezes deitava as filhas e sai pela noite dentro e vinha de madrugada (art.º 28.º da p.i.); BCMN </font>
</p><p><b><font>u)- </font></b><font>Com as filhas da Ré a viver em casa do Autor e com as saídas da Ré durante o dia e noite, era o Autor que muitas vezes ia buscar à escola a filha mais nova da Ré e lhe dava o lanche e de noite quando saía, ela(Ré) estava descansada porque o Autor estava em casa. As posições invertiam-se ou seja: Era o Autor a trabalhar de dia para a Ré e à noite servia de “baby-sitter” (art.º 29.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>v)- </font></b><font>Dados os citados factos, o Autor chamou a Ré à atenção e lembrou-lhe que ele lhe tinha doado o apartamento (não vendido como reza o contrato, pelas razões já explicadas), para ela cuidar da casa como uma empregada doméstica e dele quando estivesse doente até ao final da vida e não era para andar a passear todos os dias a sair pela manhã e só regressar à noite ou sair à noite e deixar as filhas, sendo ele(autor) que se qualquer coisa acontecesse tinha de resolver (art.º 30.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>w)- </font></b><font>A Ré, após a outorga do contrato de compra e venda da fracção autónoma a seu favor, começou a ter novas atitudes e sair de casa de ..., logo pela manhã e era o Autor que cuidava, principalmente da filha mais nova quando a Ré saía, que era uma constante, e o Autor também servia para a Ré fazer noitadas mais descansada (art.º 31.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>x)- </font></b><font>A Ré também deixou de ter cuidado e esmero a tratar da casa e o trato que existia para o Autor antes de lhe ser feita a escritura de “compra e venda” sobre a fracção identificada tinha desaparecido (art.º 32.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>y)- </font></b><font>O Autor no mês de Abril de 2012, pelo tampo da Páscoa, teve de ir a França resolver lá uns assuntos, pois foi lá emigrante (art.º 33.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>z)- </font></b><font>Enquanto o Autor esteve em França, sem autorização a Ré retirou da casa de ... e levou para a fracção “vendida” pelo Autor a melhor roupa de cama (lençóis, cobertores e cobertas) e toalhas de linho assim como as melhores loiças que estavam guardadas, adquiridas pela falecida esposa, que ele(autor) muito estimava (art.º 34.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>aa)- </font></b><font>O Autor quando regressou a Portugal, no início de Maio, e se apercebeu que as referidas roupas de cama, toalhas e loiças adquiridas pela falecida esposa tinham sido levadas pela Ré para o apartamento não aceitou tamanho abuso e disse à Ré para trazer de volta tudo o que tinha BCMN levado, o que ela recusou e quando o Autor saia ainda leva o que podia (art.º 35.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>ab)- </font></b><font>Dado esse facto e apercebendo-se que a Ré não estava ali para o cuidar mas para se cuidar, o Autor revogou o testamento referido em 9) (art.º 36.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>ac)- </font></b><font>Passados um ou dois dias, o Autor com umas postura mais firme voltou a dizer à Ré para trazer de volta o que tinha levado para o apartamento, mas a Ré voltou a recusar trazer o tinha levado (se tinha apropriado) e fê-lo com agressividade aos empurrões e pontapés ao Autor e aos “berros” chamava-lhe nomes ofensivos de toda a espécie (art.º 38.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>ad)- </font></b><font>O Autor quase não reagiu dada a sua idade e saúde frágil (art.º 39.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>ae)- </font></b><font>Ao mesmo tempo que a Ré agredia o Autor, exigia que lhe desse o jogo de chaves que tinha do apartamento de “Seixas” e também a cópia da contrato de compra e venda que o autor tinha na sua posse, e dizia que era tudo dela (art.º 40.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>af)- </font></b><font>Após a discussão, o Autor referiu à Ré que se ela continuasse a tratá-lo daquela forma, lhe ia desfazer a “venda” do apartamento de Seixas ao que ela(Ré) respondeu que nunca mais o podia fazer e que ela não andava a dormir e para sair da sua frente que já não o podia ver e que não estava para aturar velhos (art.º 41.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>ag)- </font></b><font>A Ré saiu pela porta fora e foi residir para a fracção que lhe foi “vendida” e ainda avisou o Autor que não tentasse ir buscar alguma coisa que o atirava pelas escadas abaixo (art.º 42.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>ah)- </font></b><font>O Autor também deu falta da carteira e outros objectos valiosos e ainda apresentou queixa pelas agressões e furto, mas o processo foi arquivado (art.º 43.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>ai)- </font></b><font>Não houve venda nem nunca esteve na mente de ambos fazer uma verdadeira compra e venda e a intenção de ambos residia em simular a venda para retirar ao filho do Autor toda e qualquer possibilidade de redução por inoficiosidade de uma doação ou deixa testamentária (art.ºs 44.º e 49.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>aj)- </font></b><font>Todo o recheio que existe dentro da fracção pertence ao Autor (art.º 46.º da p.i.); </font>
</p><p><b><font>ak)- </font></b><font>A Ré comprometeu-se a cuidar do Autor até ao final da vida e, voluntariamente, depois de apanhar a fracção em seu nome, não quis cumprir (art.ºs 47.º e 48.º da p.i.); BCMN </font>
</p><p><b><font>al)- </font></b><font>A Ré desempenhava o seu trabalho com gosto, dedicação e o máximo de zelo. Para si, era extremamente gratificante, na medida em que se sentia útil ao Autor e solidária para consigo (art.º 8.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>am)- </font></b><font>A Ré só saía do trabalho às 17:00 Horas, voltando ainda a casa do Autor amiúde para ver se estava tudo bem e acautelar um ou outro pormenor que pudesse estar em falta (ver se as portas estavam todas fechadas, saber se o Autor precisava de alguma coisa etc.) (art.º 9.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>an)- </font></b><font>À medida que o tempo passava, a Ré ia estabelecendo as suas rotinas em função do Autor, atendendo sempre às suas necessidades e vontades, estando e mostrando-se sempre disponível para fazer o que o Autor lhe pedisse, a qualquer momento (art.º 10.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>ao)- </font></b><font>O Autor estava ao corrente desta separação da Ré, e sempre lhe ia dizendo que não se preocupasse, dando-lhe apoio nas várias conversas que mantinham durante a “jornada de trabalho” da Ré (art.º 12.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>ap)- </font></b><font>Foi então que o Autor se disponibilizou a auxiliar a Ré, propondo-lhe que pernoitasse em sua casa, já que lá passava todo o dia, tendo a Ré aceitado (art.º 13.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>aq)- </font></b><font>O Autor dissuadia a Autora ter um trabalho fora de casa, dizendo-lhe que “</font><i><font>a punha dali para fora” </font></i><font>se a Ré insistisse nessa ideia, algo que a Ré não entendia nem pretendia, até porque não havia motivos para isso (art.º 22.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>ar)- </font></b><font>O Autor começou a falar à Ré na sua vontade em vender-lhe a Fracção em questão juntamente com o respectivo recheio que esta tivesse à data da escritura, mas que como sabia que a Ré não teria dinheiro para lha pagar, o preço desta venda corresponderia ao valor do tempo de dedicação e trabalho que a Ré tinha prestado ao Autor, até então, diariamente e 24 horas/dia durante quase 2 anos (art.º 24.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>as)- </font></b><font>A Ré considerou a proposta justa e aceitou-a (art.º 25.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>at)- </font></b><font>A Ré deslocou-se ao escritório da Sra. Solicitadora para realizar o contrato de compra e venda referido em 10) por iniciativa do Autor (art.º 26.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>au)- </font></b><font>Com o passar do tempo, a Ré começou a notar alguma animosidade por parte do BCMN Autor para com as filhas menores da Ré, situação que sempre desvalorizou até que o Autor quis dar uma estalada na sua filha mais nova (art.º 28.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>av)- </font></b><font>A Ré não gostou da situação e advertiu o Autor de que não voltasse a fazê-lo, dizendo-lhe que pretendia educar as suas filhas na base do respeito e não da violência ou da intimidação física das crianças (art.º 29.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>aw)- </font></b><font>A partir de então, desse episódio, a harmonia que existia entre si, Autor e as suas filhas pareceu vir a desaparecer e rapidamente o Autor começa a ter um comportamento de intolerância e rejeição das crianças, menores (art.º 30.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>ax)- </font></b><font>A Ré continuou a tratar o Autor com total disponibilidade e humanidade – o que sempre fez, procurando que todos vivessem felizes, em harmonia e com afecto uns pelos outros (art.º 31.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>ay)- </font></b><font>A Ré, apercebendo-se de que o Autor não gostava muito do contacto com as crianças, algo que era novidade para si até ao episódio que se relata, pedia com frequências às filhas para falaram baixo, brincarem sem fazer barulho (…) pedido a que as filhas, apesar da sua tenra idade, atendiam (art.º 32.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>az)- </font></b><font>A Ré tudo fazia em prol do bem-estar do Autor, pessoa que muito estimava, mas tudo parecia não chegar (art.º 33.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>ba)- </font></b><font>O Autor levou a mal a “chamada de atenção” da Ré e desde então, a relação “laboral” e de companheirismo entre Autor e Ré e deste para com esta, ficou completa e irreversivelmente inquinada, parecia que o Autor se pretendia “ver livre da Ré e das suas filhas” (art.º 37.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>bb)- </font></b><font>A partir de então, o Autor começou a falar à Ré na possibilidade de esta e as suas filhas irem viver para a casa que o Autor havia vendido à Ré, algo que a Ré foi sempre desvalorizando e rejeitando, na esperança de que a atitude e comportamento hostil do Autor para com esta e as suas filhas mudasse (art.ºs 38.º e 39.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>bc)- </font></b><font>Os esforços da Ré revelaram-se totalmente infrutíferos (art.º 40.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>bd)- </font></b><font>O Autor não só não inflectia no seu comportamento distante e hostil, como agudizava BCMN a rejeição às crianças e por inerência à mãe, ora Ré (art.º 41.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>be)- </font></b><font>Foi neste contexto de mal estar generalizado em casa do Autor, que este ordenou à Ré que deixasse a sua casa e fosse juntamente com as suas filhas, viver para a casa que este lhe havia vendido (art.º 42.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>bf)- </font></b><font>E após inúmeras tentativas para dissuadir o Autor, a quem a Ré pretendia continuar a cuidar e servir por muitos mais anos, a Ré teve mesmo que sair de casa do Autor (art.º 43.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>bg)- </font></b><font>O Autor a expulsou de casa a Ré e as suas filhas e estas deixaram, contra vontade e com muita tristeza, a casa do Autor (art.º 44.º da contestação); </font>
</p><p><b><font>2.2. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:</font></b>
</p><p><font>a)</font><b><font> N</font></b><font>o</font><b><font> </font></b><font>documento particular de compra e venda da fracção autónoma pelo recorrente à recorrida, a Sr. Solicitadora escreveu:</font>
</p><p><i><font>"Pelo primeiro outorgante foi dito que pelo preço de sessenta mil euros, que já recebeu, vende à segunda outorgante, o seguinte"( .. ).</font></i>
</p><p><font>b ) O documentador não menciona que viu a recorrida pagar o valor da fracção autónoma ao recorrente nem outra percepção do pagamento refere.</font>
</p><p><font>c) Nada impede, por isso, que se impugne por qualquer meio essa declaração negocial documentada.</font>
</p><p><font>d)- Foi o que aconteceu em primeira instância com recurso à prova testemunhal, foi provado o nº 12 dos factos provados com a seguinte redação – </font><i><font>“ O autor não recebeu o preço da venda realizada através do contrato descrito em 10)”.</font></i>
</p><p><font>e) Fundamenta o Tribunal de 1ª instância o facto provado no n.12 dos factos provados: </font><i><font>“( ... ) o Tribunal estribou a sua convicção no depoimento da testemunha ..., filha da ré( ... )”.</font></i>
</p><p><font>f) E como a recorrida não tinha pago o preço da fracção condenou-a a pagar ao recorrente a quantia de €60.000,00 (sessenta mil euros).</font>
</p><p><font>g) O Tribunal recorrido reverteu a decisão com o fundamento de que não é admitida prova testemunhal de declarações negociais reduzidas a escrito.</font>
</p><p><font>h) Entendeu o Tribunal recorrido que o meio de prova de declarações negociais reduzidas a escrito só pode ser documento escrito ou haver um princípio de prova escrita.</font>
</p><p><font>i) Ao arrepio do entendimento do Tribunal recorrido situa-se a jurisprudência dominante, nomeadamente a decisão dos Ac. do STJ indicados nas alegações, onde em todos eles é admitida prova testemunhal sobre declarações negociais reduzidas a escrito.</font>
</p><p><font>j) Também Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, volume I, relativamente ao preceituado no artigo 393° do CC., dizem: </font><i><font>“Nada impede que se recorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou os vícios de vontade, com base nos quais se impugna a declaração documentada”.</font></i>
</p><p><font>1) O inserto no artigo 24 da contestação, pelas razões apontadas nas alegações, ao contrário do entendimento do Tribunal recorrido, não configura uma dação em pagamento e muito menos a recorrida tinha um salário de mais de €3.000,00/mês pelas razões apontadas nas alegações.</font>
</p><p><font>m) O Tribunal recorrido ao decidir de forma diversa da primeira instância ao não admitir prova testemunhal de declarações negociais reduzidas a escrito, no caso sobre a declaração do recorrente constante do documento particular de compra e venda, faz uma errada aplicação e interpretação dos artigos, 837, 347°, 358° n°2, 359°, 363°, 369°, 371°, 372°, 376° e 393°, todos de Código Civil.</font>
</p><p><font>Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão da Relação, repondo a decisão de 1 ª instância,</font>
</p><p><b><font>2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:</font></b>
</p><p><font>1.Entre recorrente e recorrida foi celebrada escritura de compra e venda da fracção melhor identificada no nº 10 dos factos provados.</font>
</p><p><i><font>2.</font></i><font>Dessa escritura consta </font><i><font>"Pelo primeiro outorgante foi dito que pelo preço de sessenta mil euros, que já recebeu, vende à segunda outorgante, o seguinte( ... )".</font></i>
</p><p><font>3.O recorrente vem dizer que apesar de ter declarado que recebeu o preço da venda da fracção, a Ré nunca lhe pagou o preço.</font>
</p><p><font>4.Na sua contestação, artigo 24º, a recorrida reconhece não ter dinheiro para pagar o valor do apartamento com dinheiro, afirmando que esta e o recorrente acordaram que o preço da fracção seria pago com o trabalho/serviços que a recorrida havia desempenhado para e por conta do recorrente, 24 horas por dia, durante cerca de 2 anos, já que não tinha recebido nenhum dinheiro por tal trabalho.</font>
</p><p><font>s.Em sede de audiência de julgamento, a testemunha ..., filha da recorrida, afirmou que a sua mãe nunca pagou o preço daquela fracção ao Autor (porque não tinha dinheiro) e que nunca ouviu o A. dizer que a referida fracção se destinava a pagar ou a compensar o trabalho e os cuidados que a Ré lhe prestou.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font>Considerando, com base neste depoimento, o Tribunal de primeira instância que </font><i><font>"O Autor não recebeu o preço da venda realizada através do contrato descrito em 10 ( ... )"</font></i><font>, condenando assim a recorrida a efectuar o pagamento de 60.000 Euros ao recorrente.</font>
</p><p><b><i><font>7.</font></i></b><font>A recorrida entende que o depoimento da testemunha Daniela não é legalmente admissível nem o conteúdo do mesmo poderia levar à conclusão a que a Mmª Juiz chegou, uma vez que a testemunha quando questionada pela Mmª Juiz sobre se alguma vez ouviu o recorrente dizer que o apartamento era para compensar a sua mãe pelo trabalho respondeu </font><i><font>"É assim eu nunca ouvi porque o que eles falavam falavam en | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ETKqu4YBgYBz1XKv3CtS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1):</font><br>
<br>
<font>AA propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB e esposa, CC, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, seja declarado nulo o contrato de mútuo celebrado entre o autor e o réu [1], seja declarado o proveito comum do casal em relação à dívida resultante do dinheiro entregue pelo autor ao réu marido [2] e, por via disso, sejam estes, solidariamente, condenados a restituir ao autor a importância entregue, no montante de €27.000,00, acrescida dos juros de mora [3].</font><br>
<font>Na contestação, os réus, na parte que ainda interessa considerar, defendem-se por impugnação, negando a existência de qualquer empréstimo e solicitando a condenação do autor como litigante de má fé.</font><br>
<font>Na réplica, o autor sustenta que são os réus quem litiga de má fé e, como tal, devem ser condenados, em multa exemplar e em indemnização, bem assim como nas despesas e honorários dos mandatários e técnicos.</font><br>
<font>A sentença julgou a acção improcedente e, igualmente, os incidentes de litigância de má-fé.</font><br>
<font>Desta sentença, o autor interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação procedente, no tocante ao recurso de facto, e improcedente, no tocante ao recurso de direito, confirmando a decisão impugnada.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Lisboa, o autor interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, em termos de a acção dever ser julgada procedente, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:</font><br>
<font>1ª – O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, art. 762º do Código Civil.</font><br>
<font>2ª – Do acordo firmado o recorrente obrigou-se a preencher em nome do recorrido um cheque e enviar o dinheiro mutuado via postal para local definido pelo recorrido.</font><br>
<font>3ª - O Tribunal a quo</font><i><font> </font></i><font>fez</font><i><font> </font></i><font>uma errada interpretação dos pressupostos do art. 1143° do CC, quando não põe em causa a existência de um acordo de contrato de mútuo.</font><br>
<font>4ª - A dúvida que o Tribunal a quo</font><i><font> </font></i><font>mantém e justifica para dar como improcedente a acção, é se foi o recorrido quem recebeu o valor do mútuo.</font><br>
<font>5ª - No entendimento do recorrente tal questão ou requisito não é pressuposto para a existência de contrato de mútuo e para o sucesso da presente acção, na perspectiva focada pela douta sentença da existência de um contrato real, manifestada pela transferência da posse.</font><br>
<font>6ª - Veja-se que o recorrente encontrava-se ausente em Castelo Branco, cfr. doc. 1 e 2, distante do local onde se encontrava o recorrido e do local estipulado para a entrega do bem em Lisboa, e procedeu à entrega da quantia mutuada remetendo-a por intermédio de empresa de transportes para o domicílio profissional do recorrido.</font><br>
<font>7ª - Conforme o acordo e as instruções do recorrido.</font><br>
<font>8ª - Ora o contrato de mútuo, como qualquer contrato é um acordo de vontades, no sentido de uma parte emprestar á outra dinheiro com a obrigação de restituir.</font><br>
<font>9ª - Não se está assim perante uma promessa de empréstimo.</font><br>
<font>10ª - Elemento essencial ao contrato de mútuo, é assim, a entrega da coisa - dinheiro.</font><br>
<font>11ª - Ora o que o recorrente entende, dos factos e da prova que foram apresentados e apreciados nos autos, é que procedeu á entrega da coisa.</font><br>
<font>12ª - Daí que o recorrente tenha efectuado a sua prestação, entregou a coisa.</font><br>
<font>13ª - No caso, não tem de haver identidade entre o mutuário e quem recebe a prestação, portanto a coisa foi endereçada ao recorrido e cabia-lhe a ele providenciar pela recepção, se terceiros receberam por ele, é algo a que o recorrente é estranho, algo que não lhe pode ser oponível, e o art. 1143º do CC não o exige, como na verdade veio a suceder na interpretação efectuada pela douta sentença em crise.</font><br>
<font>14ª – Já que estamos no âmbito dos direitos relativos.</font><br>
<font>15ª – Portanto a douta sentença violou o disposto no art. 1143º do Código Civil.</font><br>
<font>Os réus não apresentaram contra-alegações.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, um novo facto, sob o nº 21., com base no preceituado pelos artigos 373º, nº 1 e 376º, nº 1, do Código Civil (CC), 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:</font><br>
<font>1. O autor preencheu e assinou o cheque n.º ..., sobre conta bancária do Banco I... do F..., SA, à ordem e em nome de BB, pelo montante de €47000,00 (quarenta e sete mil euros), datado de 24 de Julho de 2002 - A).</font><br>
<font>2. No dia 24 de Julho de 2002, AA remeteu missiva urgente, através da empresa M..., dirigida a BB, para a morada Rua M... F... de F..., ...-..., 1... Lisboa - B).</font><br>
<font>3. Esta missiva foi recebida na morada do destino, a 25 de Julho de 2002 - C).</font><br>
<font>4. Na Rua M... F... de F..., ...-..., 1... Lisboa, está instalada a EE- M... - Comércio Automóvel, Lda. - D).</font><br>
<font>5. No verso do cheque, referido em A), encontra-se aposta assinatura manuscrita que se lê BB - E).</font><br>
<font>6. O cheque n.º ... foi apresentado à cobrança, no dia 25 de Julho de 2002, e pago por desconto na conta sacada - F).</font><br>
<font>7. Do montante, referido em A), ao autor não foram restituídos €27000,00 (vinte e sete mil euros) - G).</font><br>
<font>8. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Junho de 2005, recebida pelo réu, a 20 de Junho de 2005, o autor interpelou o réu para que procedesse à restituição do remanescente em débito de € 27.000,00, decorrentes do empréstimo de €47.000,00 que, a seu pedido, foi acordado (…), em Julho de 2002 (…), no prazo de 10 (dez dias - H).</font><br>
<font>9. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 1 de Julho de 2005, recebida pelo réu, a 5 de Julho de 2005, o autor solicitou ao réu a restituição de € 27000,00 (vinte e sete mil euros), no prazo de 5 dias, após a sua recepção - I). </font><br>
<font>10. No dia 24 de Julho de 2002, BB pediu a AA que lhe emprestasse €47 000,00 (quarenta e sete mil euros) - 1º.</font><br>
<font>11. Autor e réu acordaram que o dinheiro seria restituído, no prazo de quinze dias – 3º.</font><br>
<font>12. Em cumprimento do acordado, o autor remeteu ao réu o cheque n.º 58917029, no dia 24 de Julho de 2002, por missiva urgente, através da empresa DD-M..., dirigida a BB, para a morada Rua M... F... de F..., 3-A, 1...Lisboa - 4º.</font><br>
<font>13. O réu é sócio da EE-“M... - Comércio Automóvel, Lda.”, tendo sido registada a cessação das suas funções de gerente, em 17 de Dezembro de 2003, por ter renunciado, em 1 de Abril de 2002 - 6º.</font><br>
<font>14. No dia 8 de Novembro de 2002, foram depositados € 5000,00 (cinco mil euros) na conta bancária, titulada em nome do autor, com o n.º ..., do FF-Banco C... P... - 9º.</font><br>
<font>15. No dia 21 de Novembro de 2002, foram depositados € 7500,00 (sete mil e quinhentos euros) na conta bancária, titulada em nome do autor, com o n.º ..., do FF-Banco C... P... - 10º.</font><br>
<font>16. No dia 7 de Março de 2003, foram depositados € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) na conta bancária, titulada em nome do autor, com o n.º ..., do FF-Banco C...P... - 11º.</font><br>
<font>17. No dia 8 de Junho de 2005, o autor interpelou, pessoalmente, o réu, para que lhe pagasse os € 27 000,00 (vinte e sete mil euros) em falta, no prazo de 10 dias - 13º.</font><br>
<font>18. O réu respondeu à carta do autor de 1 de Julho de 2005, em 7 de Julho de 2005 (cf. fls. 80 a 83).</font><br>
<font>19. O número e inscrição .../0,05/11/98 O..., constantes do verso do cheque n.º ..., correspondem ao bilhete de identidade do cidadão GG (cf. fls. 23 e 256).</font><br>
<font>20. Mostra-se registado, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, pela Ap. .../..., o contrato de sociedade comercial com a firma EE-“M... – Comércio Automóvel, Lda.”, com sede na rua M...de F... B..., n.º ... A, B..., Lisboa, figurando como sócios BB, HH e GG - Certidão de folhas 141.</font><br>
<font>21. No verso do cheque, aludido em 1. [A] e 5. [E], encontra-se aposta, em atravessado, a assinatura manuscrita do réu “BB” e, na horizontal, a assinatura manuscrita do sócio “GG”, referido em 20. – Documento de folhas 23.</font><br>
<font> *</font><br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão da entrega do dinheiro ou da coisa no contrato de mútuo.</font><br>
<font>II – A questão do pedido formulado na acção.</font><br>
<br>
<font> I. DA ENTREGA NO CONTRATO DE MÚTUO</font><br>
<br>
<font>I. 1.Dispõe o artigo 1142º, do Código Civil (CC), que o contrato de mútuo é aquele “pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.</font><br>
<font>A noção contida neste artigo coincide, praticamente, com aquela que ao mútuo foi dada pelo artigo 1813º, do Código Civil Italiano, que lhe serviu de fonte inspiradora e onde se preceituava que “o mútuo é o contrato pelo qual uma parte entrega a outra uma determinada quantidade de dinheiro ou de outra coisa fungível e esta se obriga a restituir outra coisa do mesma espécie e qualidade”.</font><br>
<font>Quer isto dizer que o legislador nacional do Código Civil de 1966, que tão bem conhecia o homólogo instituto italiano do mútuo, reproduziu, praticamente, «ipsis verbis», a noção de contrato de mútuo que deste último constava, com a particularidade de ter substituído a expressão «entrega» por «empréstimo», não obstante, a propósito do comodato, que é outra das modalidades, como o mútuo, do contrato de empréstimo, continuar a utilizar o termo «entrega» (2).</font><br>
<font>Assim sendo, afigurar-se-ia, numa análise mais simplista, que o Código Civil Português teria tomado partido na controvérsia da classificação dos negócios jurídicos quanto à sua constituição [contratos «quoad constitutionem»], entre os denominados contratos reais e os contratos consensuais, de modo a exigir que a perfeição dos primeiros esteja dependente, para além do consenso das partes, formalizado ou não, da pratica de um acto material de entrega de certa coisa, como acontece na hipótese do mútuo(3), e, ao afastar a expressão «entrega» para adoptar o termo «empréstimo», tivesse querido incluir o contrato de mútuo, no âmbito da sistematização dos contratos consensuais.</font><br>
<font>Não obstante esta alteração terminológica, não foi isto o que aconteceu, porquanto o mútuo é, pela sua própria natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa com a entrega da coisa, tendo-se o legislador nacional mantido fiel à doutrina romanista que, apesar de já não desempenhar hoje, pelo menos, quanto ao mútuo, ao depósito e ao comodato, uma qualquer função útil, isto é, não corresponder a qualquer interesse relevante, específico daqueles tipos negociais (4), e de se traduzir num preconceito resultante de uma aceitação passiva da entrega, continua a considerar a tradição como um elemento constitutivo do próprio contrato real em si, e não apenas como condição de eficácia do contrato já existente (5), não se tratando da execução do acordo, do cumprimento da obrigação, mas antes da existência do próprio contrato (6).</font><br>
<font>Porém, o contrato tipificado de mútuo, tal como está formatado no artigo 1142º, do CC, pode, por consenso das partes, firmado ao abrigo do princípio da liberdade negocial, consagrado pelo artigo 405º, do CC, constituir-se, por simples acordo, como um contrato atípico de mútuo, quando um dos contraentes se obriga a entregar dinheiro ou outra coisa fungível ao outro, ficando este vinculado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (7).</font><br>
<font>Efectivamente, no contrato de abertura de crédito, em que uma das partes, em regra, um Banco se obriga a conceder a outra crédito, até certo limite, em determinadas condições, cabendo ao creditado decidir se, quando e em que termos vai utilizar o benefício posto à sua disposição, que se trata de um contrato que se completa com o mero consenso das partes, sem necessidade da entrega de dinheiro ou outra coisa, nele se incorporando, quando o creditado utiliza o crédito que lhe foi concedido, levantando o dinheiro à conta da soma posta à sua disposição, não um contrato de mútuo, mas antes uma relação obrigacional de mútuo que teria por fonte o exercício do direito potestativo que o contrato de abertura de crédito conferiu a uma delas (8).</font><br>
<font>Assim sendo, o acórdão recorrido que subscreveu a sentença da 1ª instância, na esteira da doutrina tradicional que considera a tradição, material ou simbólica da coisa, um elemento constitutivo e integrante do contrato de mútuo, para além do consenso das partes, e não um acto de mera execução, entendeu que “o contrato só se perfaz com a efectiva entrega da coisa mutuada”.</font><br>
<font>E porque, na visão das instâncias, “não está demonstrado que o réu tenha visto a quantia em causa integrar o seu património ou que, pelo menos, por algum momento, dela tenha tido disponibilidade, não se pode sem essa comprovação, considerar o mútuo como celebrado”.</font><br>
<font>E não podendo a função económico-social do negócio ser dissociada do próprio conteúdo do mútuo, a entrega ao mutuário para que este lhe dê a utilização desejada projecta-se no conteúdo do mútuo (9), implicando, assim, uma antecipação do momento executivo do contrato para o seu momento estipulativo (10).</font><br>
<font>I. 2. Efectuando uma síntese da factualidade relevante para a resolução desta questão, importa reter que, no dia 24 de Julho de 2002, o réu marido pediu ao autor que lhe emprestasse a quantia de €47000,00, tendo acordado na sua restituição, no prazo de quinze dias.</font><br>
<font>Assim, em cumprimento do pactuado, ainda nesse mesmo dia, o autor preencheu e assinou o cheque n.º ..., sobre o II-Banco I... do F..., SA, à ordem e em nome do réu, no montante de €47000,00, que, no próprio dia, em correio urgente, remeteu ao mesmo, para a morada, sita na Rua M... F... de F..., 3-A, 1... Lisboa, onde foi recebido e apresentado à cobrança, no dia imediato, tendo sido pago, por desconto na conta bancária sacada.</font><br>
<font>Tendo sido depositadas as importâncias de €5000,00, €7500,00 e €2500,00, numa conta bancária titulada em nome do autor, nos dias 8 e 21 de Novembro de 2002 e 7 de Março de 2003, respectivamente, não lhe foi restituída a quantia de €27000,00, referente ao montante do empréstimo, pelo que este interpelou o réu para que procedesse à restituição daquele remanescente em débito, em prazo fixado, nos dias 8 e 20 de Junho e 5 de Julho de 2005.</font><br>
<font>No verso do cheque, encontra-se aposta a assinatura manuscrita do réu BB, apesar do número e inscrição .../0,05/.../... O..., constantes do mesmo, corresponderem ao bilhete de identidade do cidadão GG, cuja assinatura manuscrita consta do mesmo local, sendo certo que este último e HH eram sócios de EE-“M... - Comércio Automóvel, Lda.”, conjuntamente com o réu, que viu registada a cessação das respectivas funções de gerente, por renúncia, em 17 de Dezembro de 2003.</font><br>
<font> O cheque de €47000,00, representativo do empréstimo, foi recebido, na sede da EE-“M... - Comércio Automóvel, Lda.”.</font><br>
<font>I. 3. Assim sendo, a proposta de empréstimo apresentada pelo réu BB, a sua aceitação pelo autor e o cheque provisionado no montante solicitado que emitiu a favor daquele para a satisfazer, traduzem um procedimento normal de concessão de mútuo.</font><br>
<font>Efectivamente, o autor preencheu, assinou e entregou ao réu, remetendo-o para o domicílio convencionado entre ambos, um cheque em nome deste e à sua ordem, no montante de €47.000,00, onde, no respectivo verso, o réu apôs a sua assinatura, tendo-o, em seguida, entregue a GG que, no mesmo verso do cheque, colocou a sua assinatura, apresentando-o a cobrança, no dia 25 de Julho de 2002, tendo-lhe o mesmo sido pago, por desconto na conta sacada.</font><br>
<font>Nos termos do disposto pelos artigos 1º e 2º, da Lei Uniforme Sobre Cheques (LUC), o cheque é um título de crédito que enuncia uma ordem dada por uma pessoa (sacador) a um banco (sacado), para que este pague determinada quantia, por conta de dinheiros depositados, ou, mais precisamente, um título cambiário, à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstracto, que contém uma ordem incondicionada de pagar, à vista, a soma nele inscrita, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis (11).</font><br>
<font>Emitir um cheque é pô-lo em circulação, ou seja, consiste numa operação complexa que se desdobra no preenchimento da declaração cartular, na subscrição da mesma e na subsequente entrega do título ao portador imediato, abrindo mão do mesmo, com a perda dos correspondentes direitos que entram na esfera patrimonial do beneficiário.</font><br>
<font>A subscrição da declaração cartular pelo sujeito cambiário cria, desde logo, para o mesmo uma obrigação cambiária que, embora perfeita, vê os seus efeitos suspensos, tendo a sua eficácia dependente da entrada do cheque em circulação que, mais do que uma «conditio iuris», é um elemento essencial à própria validade da obrigação (12).</font><br>
<font>Estipula o artigo 5º, da LUC, que “o cheque pode ser feito pagável: [1] a uma determinada pessoa, com ou sem cláusula expressa «à ordem»; [2] a uma determinada pessoa, com a cláusula «não à ordem», ou outra equivalente;…”.</font><br>
<font>Assim sendo, tratando-se de um cheque nominativo, porque contém o nome do beneficiário da ordem de pagamento, o mesmo só a ele pode ser pago e não a outrem que no título não esteja, expressamente, mencionado.</font><br>
<font>I. 4. Dispõe, igualmente, o artigo 14º, da LUC, no seu §1º, que “o cheque estipulado pagável a favor duma determinada pessoa, com ou sem cláusula expressa «à ordem», é transmissível por via de endosso”.</font><br>
<font>E o endosso consiste numa declaração cambiária que, normalmente, tem os efeitos de transmitir o título, garantir ao portador a sua aceitação e pagamento e justificar a sua posse (13), transferindo para o transmissário os direitos emergentes do mesmo título.</font><br>
<font>Porém, o endosso, enquanto acto translativo do crédito cambiário representado pelo cheque, sendo o modo normal de circulação deste, e apenas os títulos à ordem são endossáveis, não fica completo com a simples declaração exarada no título ou no seu anexo, devidamente subscrita pelo transmitente, porquanto esta deve ser acompanhada ou completada pela entrega ou tradição do próprio título [«traditio»] (14).</font><br>
<font>E a declaração do endosso é escrita, por via de regra, no verso do título ou no anexo, devidamente assinada pelo endossante, com a designação do nome do beneficiário do endosso, ou, então, objectiva-se, através de uma simples assinatura ou de ficar em branco o espaço reservado à indicação do endossado, como acontece na hipótese do endosso em branco «stricto sensu», ou endosso incompleto, escrita nas cosas do título ou na folha anexa, completando-se os requisitos formais do endosso com a entrega ou tradição do cheque.</font><br>
<font>Neste caso, o detentor do cheque com endosso em branco é o seu portador legítimo, podendo preencher esse espaço livre com o seu nome, nos termos do disposto pelo artigo 17º, § 2º, nº 1, da LUC.</font><br>
<font>Segundo preceitua ainda o artigo 17º, § 1º, da LUC, “o endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque”, ou seja, os direitos cambiários incorporados no cheque, com autonomia, colocando o respectivo portador na situação de credor originário, isto é, de beneficiário da ordem de pagamento inscrita no título.</font><br>
<font>Por seu turno, a declaração de endosso, enquanto desenvolvimento da ordem do sacador, na qual vem apenas substituir a indicação do beneficiário, tendo em conta o seu carácter acessório, deve ser, pura e simples, atento o preceituado pelo artigo 15º, § 1º, da LUC, e não condicionada, relativa à totalidade do crédito, uma vez que a respectiva soma cambiária é indivisível(15).</font><br>
<font>Deste modo, a entrega do cheque pelo autor, a favor do réu, cujo montante viria a ser descontado pela entidade bancária sacada que o pagou a terceiro, seu legítimo portador, em consequência de endosso realizado pelo seu inicial beneficiário, traduz a concretização da auto-regulamentação dos interesses das partes constante da proposta de empréstimo e da correspondente aceitação, sendo suficiente para qualificar o acordo celebrado como um contrato de mútuo.</font><br>
<font>A operação de desconto bancário efectuada pelo réu, a favor de um terceiro, GG, seu consócio na empresa EE“M... - Comércio Automóvel, Lda.”, cujos contornos não ficaram, totalmente, esclarecidos, não afasta a caracterização do negócio originário celebrado entre as partes como um contrato de mútuo tipificado na lei, como acaba de se defender, porquanto o autor renunciou, temporariamente, à disponibilidade da quantia de €47.000,00, que cedeu ao réu mutuário, para que este pudesse fruir da mesma, com a obrigação de a restituir, no final do período convencionado.</font><br>
<br>
<font> II. DO PEDIDO</font><br>
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<font>II. 1. Um dos segmentos do pedido consiste na declaração de nulidade do contrato de mútuo celebrado com o réu, com a consequente condenação deste a restituir ao autor a importância entregue, no montante de €27.000,00, acrescida dos juros de mora.</font><br>
<font> Estipulava, porém, o artigo 1143º, do CC, na versão resultante do DL nº 343/98, de 6 de Novembro, aplicável, que “o contrato de mútuo de valor superior a 20 000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2000 euros se o for por documento assinado pelo mutuário”.</font><br>
<font>Efectivamente, no caso em apreço, o contrato de mútuo referente ao quantitativo de €47000,00 tornou-se perfeito, no dia 25 de Julho de 2002, não se mostrando, porém, reduzido a escritura pública, porquanto teve como único documento de suporte que o titulou um cheque, de igual montante.</font><br>
<font>Assim sendo, trata-se de um contrato nulo, por inobservância da forma, legalmente, exigível, o que aqui se declara, oficiosamente, com efeito retroactivo, com o consequente dever de restituição pelo mutuário de tudo o que lhe foi prestado pelo mutuante, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1143º, 219º, 220º, 286º e 289º, nº 1, todos do CC.</font><br>
<font>Deste modo, declarada a nulidade do negócio jurídico de mútuo, a obrigação de restituição da quantia em dinheiro, a cargo do réu, em consequência do negócio viciado, funda-se no preceituado pelo artigo 289º, nº 1, não tendo como fundamento o enriquecimento sem causa, atenta a natureza subsidiária deste instituto, por força do preceituado pelo artigo 474º, ambos do CC (16). </font><br>
<font>II. 2. Por fim, o autor formula, igualmente, o pedido de que seja declarado o proveito comum do casal em relação à dívida resultante do dinheiro entregue pelo autor ao réu marido e que, por via disso, ambos sejam, solidariamente, condenados a restituir ao autor a importância entregue, no montante de €27.000,00, acrescida dos juros de mora.</font><br>
<font>Estipula o artigo 1691º, nº 1, c), do CC, que “são da responsabilidade de ambos os cônjuges: as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração”.</font><br>
<font>Não se mostrando junta aos autos a certidão de casamento dos réus, e nem sequer bastaria que fossem casados, à data da propositura da acção, para se concluir, sem mais, pela comunicabilidade da dívida, a qual, para fundamentar o proveito comum, pressupõe que tenha sido contraída na constância do matrimónio.</font><br>
<font>E nem, por outro lado, foram alegados factos que permitam concluir que o réu fosse o cônjuge administrador e que tenha actuado, no âmbito dos seus poderes de administração, atento o estipulado pelos artigos 1678º e 1691º, nº 1, c), do CC.</font><br>
<font>É que, cabendo, normalmente, a administração dos bens do casal ao marido e à mulher, para se saber se uma determinada dívida contraída por um dos cônjuges pode considerar-se de responsabilidade comum, à luz da mencionada alínea c), do nº 1, do artigo 1691º, do CC, é preciso averiguar se a mesma se encontra conexionada com os bens de que esse cônjuge tem a administração, o que depende da aplicação, ao caso concreto, das normas constantes dos artigos 1678º e 1679º, do CC (17).</font><br>
<font>Efectivamente, sendo contraída pelo marido ou pela mulher, no exercício das suas funções de administrador, a dívida é, igualmente, da responsabilidade comum.</font><br>
<font>A isto acresce que, impondo-se ao cônjuge devedor que aja, "nos limites dos seus poderes de administração", há que considerar que os poderes de administração dentro do casamento são mais amplos do que os poderes dos vulgares administradores de bens alheios, razão pela qual o cônjuge que se encontra a administrar um bem comum, ou um bem próprio do outro, por força de uma atribuição legal, como a que decorre do preceituado pelo artigo 1678.º, nº2, do CC, tem poderes muito amplos, que só terminam, «grosso modo», nos limites impostos pela necessidade de pedir consentimento ao outro para a prática de certos actos, sob pena de ilegitimidade.</font><br>
<font>Na verdade, a dívida será da responsabilidade exclusiva do cônjuge devedor, se este, contra o disposto pelo princípio básico da proporcionalidade das possibilidades reais de cada um, contemplado pelo artigo 1676º, do CC, ultrapassar nos gastos os usos e a condição dos cônjuges, em termos que, manifestamente, exorbitem das suas capacidades económicas (18).</font><br>
<font>Mas, não se tendo efectuado a prova do matrimónio, nem, consequentemente, como é óbvio e redundante, que a dívida foi contraída na constância do casamento, ficaria, de todo o modo, sempre prejudicada a apreciação da questão do proveito comum do casal.</font><br>
<font>Por outro lado, a efectiva, que não apenas presumida, existência do património comum é, com evidência, uma conclusão de direito a extrair do regime de bens do casal. </font><br>
<font>Contudo, sendo desconhecida a data, mas, também, o regime de bens do casamento dos réus, pode nem sequer haver património comum, como acontece se o regime de bens do casal for o da separação, hipótese em que, igualmente, inexiste a pretendida responsabilidade solidária, conforme preceitua o artigo 1695º, nº 2, do CC, para além de que se não vigorar o regime da comunhão de bens, a dívida será da exclusiva responsabilidade do cônjuge que a contraiu, não obstante ter sido aplicada em proveito comum do casal(19).</font><br>
<font>Porém, determinar se uma dívida foi aplicada, em proveito comum, implica, ao mesmo tempo, uma questão de facto, isto é, averiguar o destino dado ao dinheiro, e uma questão de direito, ou seja, decidir sobre se, em face desse destino, a dívida foi ou não contraída em proveito do casal, preenchendo o conceito legal, o que a reconduz a uma questão de natureza mista ou complexa(20). </font><br>
<font>A expressão legal «proveito comum» traduz-se, assim, num conceito de natureza jurídica, que deve ser preenchido, através dos factos materiais indicadores daquele destino, a alegar, em sede de petição inicial, e, como tal, não, directamente, quesitável (21), constituindo um mero enunciado de conceitos que encerram conclusões que só ao julgador compete tirar, em face da prova produzida.</font><br>
<font>E, estabelecendo a lei que o proveito comum do casal, em princípio, se não presume, com excepção da hipótese contemplada pelo artigo 15º, do Código Comercial, atento o estipulado pelo artigo 1991º, nº 3, do CC, deve o credor, para responsabilizar ambos os cônjuges pelo pagamento da dívida, nos termos do preceituado pelo artigo 1691º, nº 1, c), do CC, articular factos que determinem a existência do proveito comum, conforme resulta do disposto nos artigos 467º, nº 1, d), 264º, nº 1, 193º, nº 2, a), 288º, nº 1, b) e 488º, do CPC, os quais, uma vez incluídos na base instrutória, têm de ser provados por quem os invocou.</font><br>
<font>Com efeito, sendo o conceito de património comum de natureza jurídica, desde logo, porque anda associado ao conhecimento da data do casamento e do respectivo regime de bens, e sendo certo que, tão-só, se pode falar em bens comuns se o casamento for celebrado no regime da comunhão geral ou, tratando-se do regime da comunhão de adquiridos, após a realização do contrato, a sua aquisição não dispensa o silogismo judiciário e o recurso a actividade interpretativa, em conformidade com o estabelecido pelos artigos 1722.º a 1734.º, do CC.</font><br>
<font>Por seu turno, admitindo, por comodidade de raciocínio académico, que os réus sejam casados um com o outro, ficaria sempre por demonstrar a existência dos pressupostos que a lei exige para a responsabilidade de ambos os cônjuges pelas dívidas contraídas por um deles, ao abrigo do disposto no artigo 1691.º, nº1, c), do CC.</font><br>
<font>Com efeito, diversamente do que sucede nos casos contemplados nas alíneas b) e d), do normativo legal em presença, em que, verificado o restante circunstancialismo nelas previsto, a dívida geradora da responsabilidade comum pode ser contraída, por qualquer dos cônjuges, no caso em apreço, tal só pode suceder se a dívida for assumida na constância do matrimónio e pelo cônjuge administrador, o que tudo terá de passar, como é óbvio, pelo conhecimento de que o casamento é anterior à contracção da dívida e que, pelo menos, vigora entre os cônjuges um regime diferente do da separação de bens, de acordo com a disciplina ínsita nos artigos 1678.º, 1690.º, nº 2 e 1695.º, nº 2, todos do CC.</font><br>
<font>Para que a dívida efectuada por um dos cônjuges seja da responsabilidade de ambos, como resulta da previsão legal constante do artigo 1691º, nº 1, c), do CC, na situação que contende com a causa de pedir da acção, importa que a mesma tenha sido contraída na constância do matrimónio [1], pelo cônjuge administrador [2], em proveito comum do casal [3] e nos limites dos seus poderes de administração [4].</font><br>
<font>Em suma, o autor omitiu o ónus de alegar, para provar, os factos de que pudesse concluir-se pelos apontados requisitos da responsabilidade de ambos os cônjuges pelas dívidas comuns, enquanto pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento, a cargo de ambos, cujo incumprimento determina a improcedência da sua pretensão.</font><br>
<font>Assim sendo, por falta de alegação de factos que, uma vez provados, pudessem fazer concluir da responsabilidade da ré esposa pela dívida accionada, com base no estipulado pelo artigo 1691º, nº 1, c), do CC, e, portanto, da responsabilidade solidária de ambos os cônjuges, improcede o pedido de condenação daquela ré.</font><br>
<font>Procedem, assim, apenas, em parte, as conclusões constantes das alegações de revista do autor.</font><br>
<br>
<font>CONCLUSÕES:</font><br>
<br>
<font>I - A entrega, material ou simbólica, da coisa ou do dinheiro continua a ser, para a doutrina tradicional, um elemento constitutivo do contrato real em si, como acontece com o mútuo, para além do consenso das partes, e não apenas uma condição de eficácia do contrato já existente, não se tratando da execução do acordo, do cumprimento da obrigação, mas da existência do próprio contrato com a qual se completa.</font><br>
<font>II - O contrato tipificado de mútuo pode, por consen | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EjJ_u4YBgYBz1XKvjhIk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1 – Relatório.</font></b>
</p><p><font>No Tribunal da Relação de Lisboa, As autoras, </font><b><font>AA e BB,</font></b><font> deduziram acção de anulação de sentença arbitral contra as rés, </font><b><font>CC,</font></b><font> representada pela respectiva entidade gestora, </font><b><font>DD.</font></b><font> E </font><b><font>EE.,</font></b><font> requerendo a anulação da sentença arbitral proferida no processo nº. 23/2014/INS/AP, que correu termos no Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa/Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, por ter sido proferida com contradição nos fundamentos de facto entre si, ter sido proferida com contradição entre os fundamentos e a decisão e ter conhecido de questões de que não podia conhecer.</font>
</p><p><font>Citadas as rés, vieram a CC e a DD., deduzir a sua oposição, pugnando pela improcedência da acção de anulação.</font>
</p><p><font>A ré EE., foi citada na pessoa do seu administrador de insolvência, com junção de procuração outorgada a mandatário judicial, mas não deduziu qualquer oposição.</font>
</p><p><font>As autoras apresentaram articulado de resposta às excepções deduzidas pelas rés contestantes, pugnando pela improcedência das mesmas.</font>
</p><p><font>Por ter entendido que não havia prova a produzir e que se justificava a decisão liminar, o relator no Tribunal da Relação proferiu decisão sumária, julgando improcedente a acção de anulação de sentença arbitral.</font>
</p><p><font>Tendo as autoras reclamado para a conferência, foi, então, proferido acórdão, que manteve a decisão singular proferida pelo relator.</font>
</p><p><font>Inconformadas, as autoras interpuseram recurso de revista daquele acórdão.</font>
</p><p><font>Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><b><font>2 – Fundamentos.</font></b>
</p><p><b><font>2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><font>1. As Demandantes, por um lado, e as Demandadas, por outro lado, celebraram, em 2010.06.23, um contrato pelo qual, entre outras estipulações, acordaram na compra pela EE (à data da celebração deste contrato, denominada DD à AA das acções representativas da totalidade do capital social da sociedade FF.</font>
</p><p><font>2. A celebração deste contrato foi feita em cumprimento de um contratopromessa, celebrado entre a CC, representada pela GG, S.A., por um lado, e pela AA (adiante abreviadamente designada por AA, por HH e por II, por outro lado, em 2010.03.03, que tinha por objecto a promessa de compra e venda das referidas acções.</font>
</p><p><font>3. Nos termos da Cláusula Quinze do contrato de compra e venda de acções, ex vi do disposto na Cláusula Vigésima Sétima, nº. 3, do Contrato Promessa referido no artº. 2º consta a seguinte convenção de arbitragem:</font>
</p><p><font>a. Todos os litígios emergentes da execução e interpretação deste Contrato, nomeadamente quaisquer litígios relacionados com a sua existência, validade ou resolução ("Litígio"), as Partes envidarão esforços razoáveis para promoverem a resolução amigável do Litígio.</font>
</p><p><font>b. Caso uma das Partes notifique a outra de um Litígio, e as Partes não consigam resolver amigavelmente esse Litígio nos 30 (trinta) dias seguintes à recepção da respectiva notificação, qualquer uma das Partes poderá dar início a um processo arbitral a instalar e tramitar processualmente junto do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa - Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, ou pelo que lhe venha a suceder, de acordo com as respectivas regras de arbitragem e conciliação, normas de processo e regulamento emolumentares.</font>
</p><p><font>c. O processo arbitral terá lugar em Lisboa, e sem que haja recurso da respectiva decisão.</font>
</p><p><font>d. No decurso da arbitragem as Partes permanecerão obrigadas ao cumprimento das suas obrigações contratuais, ficando bem claro que a resolução ou caducidade do presente Contrato não determina a resolução ou caducidade do compromisso arbitral ou da arbitragem que esteja eventualmente em curso.</font>
</p><p><font>e. É de 2 (dois) anos, contado desde o conhecimento do facto controvertido, o prazo máximo para qualquer uma das Partes iniciar o procedimento arbitral. "</font>
</p><p><font>4. A celebração do contrato-promessa identificado em 2) foi objecto de prolongada e dificil negociação entre as Partes.</font>
</p><p><font>5. Assim, em 2009.10.26 e 2009.11.20, o CC apresentou 2 (duas) propostas vinculativas de aquisição aos Senhores HH e II, por si e, este último, na qualidade de representante da AA, detentora da totalidade das acções representativas de capital social da FF.</font>
</p><p><font>6. Desde esse momento até efectiva concretização da compra e venda da FF, as Partes mantiveram múltiplos contactos (telefonemas, emails e reuniões) com o objectivo de acordarem todos os aspectos considerados indispensáveis à efectivação da mesma. </font>
</p><p><font>7. A demorada e aturada negociação que as Partes levaram a cabo Justifica-se, por um lado, pela complexidade intrínseca a este tipo de operações e, por outro, pela relevância de que este negócio se revestia para as Demandantes.</font>
</p><p><font>8. No que se refere à BB (adiante abreviadamente designada por BB), o respectivo capital social é integralmente detido pela AA e por II, na proporção de 99,81 % por aquela e de 0,19% por este.</font>
</p><p><font>9. A intervenção da BB nesta transacção em apreço decorreu do facto de, em conformidade com o contrato-promessa acima referido e nos termos impostos pelas Demandadas, esta sociedade ter incorporado, por cisãofusão, os activos imobiliários que integravam o património da FF, fossem em propriedade ou fossem em locação financeira, e, subsequentemente, ter disponibilizado alguns desses activos à identificada FF, mediante arrendamentos e/ou subarrendamentos, tudo conforme previsto, em execução e em cumprimento do Contrato Promessa celebrado em 2010.03.03.</font>
</p><p><font>1O. Entre a celebração do contrato promessa e a do contrato prometido, por escritura pública celebrada em 2010.05.28, com registo em 2010.06.01, a FF e a BB foram objecto de uma operação de cisão-fusão, nos termos da qual se promoveu a transferência da primeira para a segunda de todo o activo imobiliário que integrava o respectivo património, em propriedade ou em locação financeira, conforme previsto no âmbito da proposta vinculativa apresentada pela la. Demandada, em Novembro de 2009 e cujos termos estavam já previstos no âmbito do contrato-promessa.</font>
</p><p><font>11. Antes da cisão-fusão, a FF era</font>
</p><p><font>a. Subarrendatária dos designados "JJ", correspondentes ao prédio urbano, situado em ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o número 3.824 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5.824, com área total de 3.475m2; e ao prédio urbano, situado em ..., da freguesia e Concelho de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o número 3.825 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5.823, com área total de 5.089 m2, sendo deles locatária financeira a Demandante AA;</font>
</p><p><font>b. Proprietária do designado "Imóvel Operacional", correspondente ao prédio urbano sito na Rua ... (...), descrito sob o n.º ..., da freguesia de ..., registado na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos e inscrito na matriz sob o artigo 1.723;</font>
</p><p><font>c. Locatária financeira do designado "Imóvel da Sede", correspondente ao prédio sito na Rua ..., descrito sob o número 2626, na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1723, da freguesia da ..., com uma área total de 13.500 m2, composto por dois armazéns e escritório com 2.400 m2 e logradouro com 11.000 m2.</font>
</p><p><font>12. Em consequência da cisão-fusão, os activos imobiliários descritos nas alíneas b. e c., correspondentes à propriedade do "Imóvel Operacional" e à posição contratual de locatária financeira do "Imóvel da Sede", foram transmitidos à BB e a AA manteve-se como senhoria do imóvel identificado na alínea a).</font>
</p><p><font>13. As Partes, ao negociarem o preço devido pela aquisição da totalidade do capital social da FF, optaram por acordar que a sua composição assentaria numa componente certa e numa componente incerta ( cfr. CI. 4.º, 5.</font><sup><font>0 </font></sup><font>e 6.</font><sup><font>0 </font></sup><font>do CPCV e CI. 7.3 do CCV), bem como num conjunto de outros valores devidamente especificados nas três alíneas da CI. 4 do CPCV.</font>
</p><p><font>14. As partes acordaram num acréscimo ao preço no valor de€ 100.000,00 (cem mil euros), a que se refere a alínea (iii) da referida Cláusula Quarta, decorrente de um «( ... ) adiantamento feito pela FF à FHM ( ... ), o qual apenas se verificaria «( ... ) caso venha a ser reconhecido e pago por esta.», ou seja pela FHM.</font>
</p><p><font>15. A sociedade alienada - a FF -, era, até à data da transacção, directa e indirectamente, a fonte dos proveitos da Demandante AA e do seu sócio II.</font>
</p><p><font>16. Quer por via da distribuição de dividendos à sua sócia única, a AA de que aquele II é o único sócio.</font>
</p><p><font>17. Quer pelo facto de nela - na FF - HH e II exercerem então funções de administração.</font>
</p><p><font>18. Bem como pela circunstância de vários outros membros da família daqueles HH e II exercerem funções na FF, na qualidade de trabalhadores dependentes, designadamente as filhas de II, irmãs de HH, e o cônjuge de uma destas.</font>
</p><p><font>19. Era essencial para as Demandantes e para os seus sócios salvaguardar que a efectivação da venda da FF assegurasse um nível de rendimento que lhes permitisse encarar o futuro com tranquilidade.</font>
</p><p><font>20. Era essa, pois, uma condição fundamental em que, na perspectiva das Demandantes, assentavam todos os demais pressupostos da transacção.</font>
</p><p><font>21. Sendo do perfeito conhecimento das Demandadas a essencialidade para as Demandantes dessa condição fundamental e dos respectivos pressupostos.</font>
</p><p><font>22. Por iniciativa das Demandadas, a transmissão do capital social da FF não compreendia a transmissão (e correspondente valorização) dos activos imobiliários de que aquela sociedade era, à data, titular, em propriedade ou em locação financeira, nem os direitos de arrendamento sobre outros imóveis.</font>
</p><p><font>23.Tal configuração acabou por ser aceite pelas Demandantes.</font>
</p><p><font>24.O modelo de transacção veio a ser aceite pelas Demandantes, com base nos pressupostos enumerados pela proposta vinculativa apresentada em Novembro de 2009 ( cfr. docº. n. º 6), ulteriormente plasmada no contrato promessa (cfr. docº. n. º 2) e confirmada pelo</font><sup><font> </font></sup><font>contrato prometido ( cfr. doc n. º 1 ).</font>
</p><p><font>25. Entre esses pressupostos estava a rentabilização dos activos e direitos imobiliários não transmitidos.</font>
</p><p><font>26. Essa rentabilização consistiu na contrapartida pela não transmissão (e inerente valorização) dos activos e direitos imobiliários, acarretando, pois, uma diminuição do preço ( cfr. doc. n. º 8).</font>
</p><p><font>27. Isto é, a não integração dos activos e direitos imobiliários, em propriedade ou em locação financeira, no património da sociedade a alienar e a consequente não repercussão no preço do respectivo valor e capacidade de gerarem rendimentos, tinha por contrabartida que o proveito susceptível de ser gerado por aqueles imóveis ficasse na esfera das Demandantes.</font>
</p><p><font>28. Por cartas datadas de 2012.09.18 e 2012.10.31, relativas, respectivamente, aos subarrendamentos dos "JJ" e ao arrendamento e subarrendamento do "Imóvel da Sede" e do "Imóvel Operacional", a FF denunciou tais contratos de arrendamento e subarrendamento, tendo as denúncias produzido efeitos em 2013.01.31 e em 2013.02.28, respectivamente.</font>
</p><p><font>29. Em reacção a essas denúncias, as Demandantes AA e BB remeteram, respectivamente, as cartas datadas de 2012.10.24 e 2012.11.30, dirigidas à FF bem como às demandadas EE e CC.</font>
</p><p><font>30. A Demandada EE reagiu nos termos das cartas datadas de 2012.11.22 e 2013.01.14.</font>
</p><p><font>31. A Demandada CC reagiu nos termos das cartas datadas 2013.01.07 e 2013.01.15.</font>
</p><p><font>32. Após a recepção das cartas acima identificadas, a AA e a BB procederam ao envio das comunicações juntas sob os Docºs. n.ºs 21 e 22 do requerimento de 02.04.2015.</font>
</p><p><font>33. Por deliberação de 2014.03.28, objecto de registo em 2014.04.09, pela AP. 86/20140409, foi aprovada a fusão da FF por incorporação na Demandada EE, mediante a transferência global do património daquela para esta, incluindo todos os direitos e obrigações.</font>
</p><p><font>34. A CC é titular da totalidade das acções representativas do capital da DD, S.A. (Cfr. Doc.º n.</font><sup><font>0</font></sup><font>10 junto com o requerimento de 2015.04.02 - p. 4 e 7); a EXPLOGON, SGPS, S.A. é titular da totalidade das acções representativas de capital da EE, S.A. (Doc. n.º 10 junto com o requerimento de 2015.04.02 - p. 4 e 7); a EE era, em 2012, titular da totalidade das acções representativas de capital da FF (Cfr. Doc.º n.º 139 junto com o requerimento de 2015.04.02);</font>
</p><p><font>35. A FF partilhava à data das denúncias dos subarrendamentos e arrendamento com a CC, A DD, S.A. E EE, S.A os membros dos seus órgãos de administração, que são as mesmas pessoas físicas (Cfr. Doc.ºs 11, 12, 13 e 14 juntos com o requerimento de 2015.04.02);</font>
</p><p><font>36. A decisão de denunciar os contratos foi adoptada numa lógica de grupo de sociedades, como aquela que integra a identificada FF, totalmente dominada pela Demandada EE, por sua vez, igualmente totalmente dominada pela Demandada DD, a qual, por fim, foi constituída pela (única) accionista CC.</font>
</p><p><font>37. [ As Demandadas] manifestaram expressamente concordância com a conduta da FF de denunciar os contratos de arrendamento e de subarrendamento, o que, aliás, resulta evidente da circunstância desta partilhar, ou ter partilhado à data, com as Demandadas, os membros dos seus órgãos de administração, que são as mesmas pessoas físicas.</font>
</p><p><font>38. Por cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 2013.08.30, as Demandantes notificaram as Demandadas de que pretendiam submeter a arbitragem o litígio emergente da celebração e execução do contrato de compra e venda das acções representativas da totalidade do capital social da "FF, S.A.".</font>
</p><p><font>39. Em 2013.09.25, realizou-se a reunião entre Demandantes e Demandadas com vista à resolução amigável do litígio, não tendo sido alcançado qualquer acordo.</font>
</p><p><font>40. As Demandadas não têm qualquer intenção de pagar à AA o valor de 100.000,00.</font>
</p><p><font>41. A FHM reconheceu a existência do valor relativo a suprimento accionista no montante de € 100.000,00.</font>
</p><p><font>42. Em consequência directa da denúncia dos contratos de arrendamento e subarrendamento, as Demandantes AA e BB deixaram de auferir, desde a datas das denúncias, as quantias de:</font>
</p><p><font>a.€ 12.500,00 mensais, correspondentes às rendas dos "Imóveis de Benavente";</font>
</p><p><font>b.€ 15.000,00 mensais, correspondentes à renda do "Imóvel da Sede";</font>
</p><p><font>c.€ 6.500,00 mensais, correspondentes à renda do "Imóvel Operacional".</font>
</p><p><font>43. As Demandadas AA e BB passaram a ter de suportar custos, designadamente com água, luz e serviços de vigilância, que não teriam de suportar caso os contratos em causa ainda estivessem em vigor.</font>
</p><p><font>44. A renda paga pelo imóvel operacional era igual à renda mensal paga pelo terceiro subarrendatário parcial do Imóvel da Sede, ou seja, de €6.500,00.</font>
</p><p><font>45.O Imóvel Operacional foi alienado em 7 de Maio de 2013.</font>
</p><p><font>46.Em Fevereiro de 2003 a AA arrendou à FHM parte de um dos "JJ", com a renda mensal de € 2.500,00 até Setembro de 2013 e de € 1.250,00 a partir 9 de Outubro de 2013.</font>
</p><p><font>47.Desde Julho de 2014 que a FHM não paga a renda.</font>
</p><p><font>48. LL, na qualidade de sócio e gerente de facto das Demandantes, aceitou, por diversas vezes, a redução da renda a inquilinos, como sucedeu com a sociedade FHM.</font>
</p><p><font>49. Em Março de 2013, a BB arrendou a uma outra entidade - LVTEC - parte do "Imóvel da Sede", a qual é uma sociedade especialmente relacionada com as Demandantes e com os seus accionistas, recebendo uma renda de € 200,00 nos meses de Março e Abril de 2013 e de € 1.000,00 desde então.</font>
</p><p><font>50. Em Junho de 2013, a BB arrendou à LASO uma outra parte do "Imóvel da Sede, em contrapartida de uma renda mensal de € 2.250,00.</font>
</p><p><font>51. Uma outra parte do Imóvel da Sede está arrendada desde Outubro de 2014 à sociedade MM, cujo presidente é NN, por um valor de € 2.500 mensais, prevendo-se que o contrato cesse em final Setembro de 2015.</font>
</p><p><b><font>2.2. As recorrentes rematam as suas alegações com as seguintes conclusões:</font></b>
</p><p><font>1 - O presente recurso é interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente a presente acção de anulação da sentença arbitral proferida em 2015.11.17.</font>
</p><p><font>II - Os fundamentos que estiveram na base da decisão do Tribunal a quo de julgar improcedente a presente acção são os expostos na decisão singular proferida, porquanto aquele remeteu para esta "nos seus precisos termos".</font>
</p><p><font>III - Nesta medida, apenas está em causa no presente recurso a discordância das Recorrentes em relação à conclusão do Tribunal a quo de que não se verificariam as contradições invocadas e bem assim de que o Tribunal Arbitral não teria conhecido na sentença arbitral de questões de que não podia ter conhecido, pois que quanto ao resto o Tribunal a quo deu razão às Recorrentes</font>
</p><p><font>IV - Entendem as Recorrentes, desde logo, que o acórdão proferido é nulo, por falta de fundamentação ou, caso assim não se entenda, ininteligível e por omissão de pronúncia, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do Códlgo de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação ex vi do art.º 666.º do aludido Código.</font>
</p><p><font>V - Na pretensa fundamentação da sua decisão, o Exmo. Senhor Juiz Desembargador, confirmada pelo Tribunal a quo, aquele limita-se a negar a existência das contradições e de excesso de pronúncia, sem fundamentar a sua decisão. Não se trata de fundamentação insuficiente, mas verdadeiramente inexistente.</font>
</p><p><font>VI - A parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a decisão e tem também essa necessidade para poder impugnar, quando seja admissível o recurso, o fundamento ou fundamentos perante o Tribunal Superior. Tal corresponde também a uma necessidade do Tribunal Superior, porquanto este precisa, igualmente, de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso.</font>
</p><p><font>VII - Com as devidas adaptações que se impõem, atendendo ao objecto circunscrito da acção de anulação, que não compreende a reapreciação da matéria de facto ou do mérito, é possível extrair do art.º 154.º e 607.º do Código de Processo Civil, que: (i) na fundamentação, o Tribunal a quo não se deve limitar a aderir aos fundamentos invocados, seja pela outra parte, seja pelo Tribunal arbitral, na decisão sobre o pedido de aclaração; (ii) deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas corrlspondentes, concluindo pela decisão.</font>
</p><p><font>VIII - No caso específico que aqui nos ocupa da acção de anulação, sendo o Tribunal da Relação chamado a verificar a existência ou não dos específicos fundamentos da pretendida anulação, o cumprimento do dever de fundamentação pressupunha que o Tribunal explicitasse, em caso de improcedência da acção, porque é que os mesmos não se verificam no caso concreto e não apenas que não verificam.</font>
</p><p><font>IX - Não o tendo feito, o acórdão proferido é nulo, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea c) ou, caso assim não se entenda, na alínea d), do Código de Processo Civil, nulidade essa que aqui expressamente se argui.</font>
</p><p><font>X - Acresce que o Tribunal a quo também não se pronunciou sobre todas as contradições da fundamentação invocadas pelas Recorrentes, como lhe competia, nos termos do art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>XI - Concretamente, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre: a) a contradição invocada entre o facto não provado n.º 5 do Tema de Prova I com os factos provados n.ºs 10 e 11 do Tema de Prova I (art.ºs 83.º a 85.º da petição inicial); (ii) a contradição entre a fundamentação da decisão negativa quanto aos factos não provados 2, 3 e 4 do Tema de Prova I com os factos provados 10, 11, 12 e 13 do Tema de Prova I (86.º a 100.º da petição inicial); e c) a contradição entre a fundamentação da decisão negativa dos factos não provados 1, 6 e 7 e os factos provados n.ºs 10, 11, 12 e 13 dos factos provados 10, 11, 12 e 13 do Tema de Prova I (art.º 112.º a 136.º da petição inicial).</font>
</p><p><font>XII - Integrando as referidas contradições a causa de pedir, a ausência de pronúncia em relação às mesmas determina a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, nulidade essa que aqui expressamente se argui.</font>
</p><p><font>XIII - Na pretensa fundamentação do acórdão recorrido, e a propósito de algumas das contradições invocadas - aquelas sobre as quais se pronunciou -, o Tribunal refere, mais do que uma vez, que se está perante uma discordância quanto ao apuramento dos factos e descontentamento com a decisão proferida, mas não é disso que se trata.</font>
</p><p><font>XIV - Não é só a fundamentação de direito que deve ser adequada, coerente e inteligível, sob pena de constituir fundamento de anulação da sentença arbitral, mas também a fundamentação de facto, assistindo, assim, às partes o direito de, no âmbito de acção de anulação arbitral, invocar a não coerência interna da fundamentação de facto, sem que tal possa ser visto como qualquer pretensão de reapreciação de decisão de facto.</font>
</p><p><font>XV - E o Tribunal estadual tem o dever de conhecer e verificar a existência de contradições na decisão da matéria de facto, enquanto fundamentação, por se estar dentro dos seus poderes de cognição e sem que isso implique também uma reapreciação da decisão de facto.</font>
</p><p><font>XVI - Os fundamentos de anulação da sentença arbitral são restritos, mas, estando-se perante algum deles, o Tribunal não deve abster-se de os conhecer, com a profundidade que se revela necessária e que se lhe exige, sob pena de tornar insindicável a sentença arbitral.</font>
</p><p><font>XVII - Quanto à contradição entre os factos provados em 8 e 9 do tema de prova I e o não provado 1 do mesmo tema de prova, por um lado, e o facto assente na alínea k), não podem as Recorrentes conformar-se com a conclusão de que não existe contradição.</font>
</p><p><font>XVIII - O Tribunal Arbitral considerou, assim, assente que foi por imposição das Recorridas que se verificou a retirada dos imóveis do património da FF (cisão) e posterior incorporação noutra sociedade, pelo que se, aquando do aludido facto assente, considerou que a cisão foi imposta pelas Recorridas, não pode depois considerar que foi por iniciativa destas e não por sua imposição, sem entrar em contradição.</font>
</p><p><font>XIX - Quanto a pretensa fundamentação do Tribunal dir-se-á que: (i) não há "versão final encontrada e mencionada em K)", porquanto o aludido facto foi alegado pelas Recorrentes no art.º 19 do requerimento de arbitragem e considerado assente sem tirar nem pôr; (ii) se a justificação para a não existência das contradições invocadas se faz repetindo as contradições em que o Tribunal Arbitral caiu, a acção de anulação deixa de ter o seu propósito e não estamos aqui a fazer nada; (iii) "termos impostos" não é, nem aqui, nem em qualquer outro lado, sinónimo de "termos negociados", como pretendeu o Tribunal Arbitral; (iv) tal interpretação não tem qualquer adesão no facto assente na alínea K), porquanto o que nele se refere é que a cisão e fusão por incorporação se verificou em conformidade com o contrato promessa e nos termos impostos pelas Recorridas.</font>
</p><p><font>XIX - Quanto à contradição entre os factos provados 10, 11, 12 e 13 e os não provados 2, 3 e 4 do tema de prova I a mesma é evidente, não assistindo razão ao Tribunal a quo.</font>
</p><p><font>XX - Com efeito, se é verdade que os factos não provados é como se não tivessem sido alegados, não se pode aceitar que os mesmos não sejam passíveis de suscitar qualquer questão de contrariedade, pois que os mesmos são, à semelhança dos factos provados, objecto de uma decisão do Tribunal, que os considera não provados, e essa decisão pode estar em contradição - como está - com a decisão que considera concomitantemente provados outros factos, designadamente por a prova desses factos pressupor necessariamente a prova dos factos que o Tribunal considerou não provados.</font>
</p><p><font>XXI - Da leitura que o Tribunal a quo fez da decisão da matéria provada concluiu que o Tribunal Arbitral considerou provado, conforme decorre do trecho citado e já tinha sido evidenciado pelas Recorrentes na petição inicial da presente acção e na reclamação para a conferência, que: (i) o modelo de transacção veio a ser aceite pelas demandantes, com base nos pressupostos enumerados pela proposta vinculativa apresentada em Novembro de 2009; (ii) que entre os pressupostos com base nos quais as autoras aceitaram o modelo de transacção se encontrava a rentabilização dos imóveis não transmitidos; (ii) que a rentabilização consistiu na contrapartida pela não transmissão dos activos e direitos imobiliários, acarretando uma diminuição do preço; (iii) que essa rentabilização era uma contrapartida a favor das autoras e constava dos contratos.</font>
</p><p><font>XXII - A contradição entre a referida factualidade e a conclusão de que, não obstante, essa rentabilização não é uma contraprestação a cargo das Recorridas, não só existe, como é manifesta.</font>
</p><p><font>XXIII - Com efeito, (i) perante a proposta vinculativa de Novembro de 2009, para a qual se remete no facto provado n.º 10 do Tema de Prova I, o Tribunal Arbitral considerou que quando aí se falava em celebração de contratos de arrendamento estava em causa a rentabilização dos imóveis: (ii) o pressuposto da rentabilização dos activos e direitos imobiliários não transmitidos traduzia-se, nos termos da proposta, na celebração de contratos de arrendamento "em termos a definir entre as partes" e que não deveriam ter um "período inferior a 10 anos"; (iii) o Tribunal Arbitral considerou que </font><u><font>foi com base, entre outros, nesse pressuposto que a Recorrida aceitou o modelo de transacção </font></u><font>- que excluía do perímetro da transacção os direitos e activos imobiliários -; (iv) </font><a><font>considerou também provado que essa proposta passou para os contratos </font></a><font>, </font><u><font>e o Tribunal a quo confirmou ser isso o que resulta da factualidade provada.</font></u>
</p><p><font>XXIV - Atento o exposto, tal rentabilização teria de ser necessariamente alcançada no quadro dos contratos de cuja celebração foi pressuposto e não a alcançar individualmente pelas Autoras, não se sabe em que termos e sem qualquer ligação aos instrumentos contratuais que vieram a ser subscritos em execução e em resposta a esses pressupostos de contratação.</font>
</p><p><font>XXV - Se a rentabilização, nos termos da proposta, era através de contratos de arrendamento dos imóveis </font><i><font>"em termos a definir entre as partes"</font></i><font>, não poderia ser logicamente através da venda ou locação a terceiros, porque a venda ou arrendamento a terceiros nunca poderia ser objecto dos tais "termos a definir entre as partes", ou seja, do contrato a celebrar entre Recorrentes e Recorridas.</font>
</p><p><font>XXVI - O Tribunal Arbitral considerou provado que a rentabilização era uma contrapartida pela exclusão dos imóveis do perímetro da transacção e diminuição do preço a favor das Recorrentes, sendo que contrapartida pressupõe necessariamente uma prestação a cargo de quem a dá.</font>
</p><p><font>XXVII - E se esta foi pressuposto da aceitação pelas Recorrentes do modelo de transação, é porque não está em causa a possibilidade que o proprietário sempre tem de rentabilizar os seus bens nos termos em que entender.</font>
</p><p><font>XXVIII - O Tribunal Arbitral não considerou provado que a contrapartida da exclusão e da diminuição do preço era a permanência dos imóveis na esfera das Recorrentes com a possibilidade de rentabilização, </font><b><u><font>mas a própria rentabilização através de contratos de arrendamento em termos a definir pelas partes e por período não inferior a 10 anos,</font></u></b><u><font> </font></u><font>pelo que, nos termos em que o Tribunal considerou provados os factos, a referida exclusão dos imóveis do perímetro da transacção com a consequente diminuição do preço foi substituída, sim, por um determinado rendimento, e considerando que a rentabilização era a que constava da proposta vinculativa e aí se referia que o contrato de arrendamento não deveria ter período inferior a 10 anos, era essa no mínimo a duração da rentabilização.</font>
</p><p><font>XXIX - É absolutamente insustentável que no âmbito de um contrato com prestações recíprocas e sinalagmáticas, em que as prestações de cada um encontram equivalente na do outro, se possa dizer que se assumiu a rentabilização dos imóveis como fundamento da diminuição do preço, mas que essa rentabilização não ficou a cargo de quem viu o preço a pagar ser-lhe diminuído.</font>
</p><p><font>XXX - Os factos provados 10, 11, 12 e 13 do Tema de Prova I também se encontram em contradição com o facto não provado n.º 5 do Tema de Prova I.</font>
</p><p><font>XXX - Com efeito, se se considerou provado que as Recorrentes aceitaram o modelo de transacção com base nos pressupostos constantes da Proposta Vinculativa de Novembro de 2009 e, entre esses, estava a rentabilização dos direitos e activos imoblliários, é porque esta rentabilização - que ficando os imóveis na esfera das Demandantes apenas poderia ser a favor e em benefício destas - foi essencial para a tomada de decisão de celebração do contrato-promessa e do contrato prometido.</font>
</p><p><font>XXXI - Quanto à contradição entre os factos não provados n.ºs 1, 6 e 7 do tema de prova II e os factos provados n.ºs 10, 11, 12 e 13 do tema de prova I, a mesma, também contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, é manifesta.</font>
</p><p><font>XXXII - Em momento algum as Recorrentes invocaram que a fundamentação da sentença arbitral era insuficiente, mas antes que era contraditória, incoerente e inteligível, o que é bem diferente.</font>
</p><p><font>XXXIII - Perante o já exposto em sede da contradição b) </font><a><b><font>e a própria reprodução do Tribunal a quo do que considera ter sido o entendimento que o Tribunal Arbitral considerou provado </font></b></a><font> é manifesto que o Tribunal considerou provado que a exclusão dos activos imobiliários teve como contrapartida a rentabilização dos activos e direitos imobiliários nos termos constantes da proposta vinculativa, ou seja, por período não inferior a 10 anos e que essa rentabilização prevista na proposta vinculativa era "uma contrapartida a favor das autoras" e ficou a "</font><u><font>constar dos contratos</font></u><font>", nas exactas palavras do Tribunal a quo.</font>
</p><p><font>XXXIV - Mas se se considerada provada a referida factualidade, tem necessariamente de se considerar provado, </font><u><font>sob pena de contradição, </font></u><font>que: (i) foi assumido pelas partes que, em contrapartida da exclusão dos imóveis do perímetro de transacção, as Demandantes beneficiariam do pagamento das rendas devidas pelos arrendamentos e subarrendamentos do "Imóvel da Sede", do "Imóvel Operacional" e dos "Imóveis de Benavente" pelo período mínimo de 10 (dez) anos; (ii) Que tal compromisso não sofreu qualquer alteraçã | [0 0 0 ... 0 0 0] |
0jKSu4YBgYBz1XKvIRyo | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><b><font> </font></b></div><br>
<b><font> Recurso de Revista nº 4583/07.6TBALM.L2.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a><div><br>
<b><font> </font></b></div><br>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></p><div><br>
<font> </font>
<p><font> </font></p></div><br>
<b><font> I – RELATÓRIO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA, </font></b><font>residente em …, ..., Almada,</font><b><font> </font></b><font>intentou acção declarativa, sob a forma ordinária, contra o</font><b><font> Município de Almada</font></b><font>, pedindo:</font>
</p><p><font>- se declare ser o autor o legítimo proprietário das parcelas e edificações dos autos;</font>
</p><p><font>- se condene o réu Município de Almada a reconhecer tal direito e a abster-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício e que, em consequência:</font>
</p><p><font>- se declare ser o autor legítimo enfiteuta/rendeiro/utilizador/possuidor dos seus invocados direitos; e</font>
</p><p><font>- se condene o réu Município de Almada/CM Almada a reconhecer ao autor os referidos direitos e, por via desse reconhecimento, declarar judicialmente a enfiteuse, por usucapião, seguindo-se, depois, os trâmites legais relativos à extinção da enfiteuse em causa, colocando o autor na situação de pleno proprietário, radicando a propriedade plena no enfiteuta, na linha expressamente confirmada pela Constituição.</font>
</p><p><font>Alega, para tanto, em síntese, que é rendeiro/enfiteuta/cultivador directo das "T...", sitas na freguesia da ..., concelho de Almada, há mais de setenta anos.</font>
</p><p><font>O Município de Almada/Câmara Municipal de Almada comprou, por escrituras de 16/11/71 e 17/3/72, a chamada "...", vulgo "T...".</font>
</p><p><font>O autor, por si e seus antecessores, é enfiteuta/arrendatário das referidas "terras" por contrato verbal, celebrado há mais de 200 anos.</font>
</p><p><font>O autor tem direito a cultivar as referidas terras e à passagem pelo caminho ali existente há mais de duzentos anos, pois paga a respectiva renda, a ser indemnizado por benfeitorias, e igualmente lhe assiste o direito de retenção até ser efectivamente indemnizado e a ser declarada judicialmente a enfiteuse, por usucapião, seguindo-se depois os trâmites legais relativos à extinção da enfiteuse em causa, colocando o autor na situação de pleno proprietário.</font>
</p><p><font>Aos olhos de todos, o autor e antepossuidores permaneceram em detenção e fruição plena do acesso às T..., dos terrenos que cultiva e das benfeitorias por si e seus antepassados efectuados, posse essa ininterrupta, pacífica, de boa fé, titulada, sem qualquer turbação, pelo que se não tivessem adquirido esses direitos por qualquer título, sempre o autor os teria adquirido por acessão e usucapião, que expressamente invoca.</font>
</p><p><font>A CM senhoria não pode diminuir, sem o acordo do autor/rendeiro/enfiteuta/cultivador directo, a extensão da coisa locada ou acesso às T..., pois tal resulta em prejuízo manifesto da dimensão, da utilização e aproveitamento da sua exploração agrícola.</font>
</p><p><font>Regularmente citado, o réu contestou impugnando a factualidade vertida na petição inicial, acrescentando, além do mais que não poderá aceitar-se a alegação de que o autor é “rendeiro/cultivador directo/enfiteuta” das “T...”, pois verdadeiramente não se sabe quais são essas terras, uma vez que o próprio autor não as identifica.</font>
</p><p><font>Também não é verdadeiro que o autor seja por si e seus antecessores arrendatário das referidas terras por contrato verbal celebrado há mais de 200 anos, pois que o autor, à semelhança de muitas outras pessoas, aproveitando-se da contestação ao direito de propriedade que atravessou o País depois do 25 de Abril de 1974 e as mudanças ocorridas na administração local, ocupou uma parcela das “T...”, passou a intitular-se rendeiro e sublocou a sua exploração.</font>
</p><p><font>A Câmara Municipal sempre se recusou a receber rendas pela exploração das “T...”, pelo que se o autor pagou alguma quantia a título de renda tê-lo-á feito de livre e espontânea vontade, provavelmente através de depósitos na Caixa Geral de Depósitos.</font>
</p><p><font>Há mais de 30 anos que o autor não explora quaisquer terras no local denominado “T...”, pois, à semelhança de todos os outros rendeiros que em 74 ficaram no local, entregou a terceiros, mediante o recebimento de rendas, a exploração dos terrenos.</font>
</p><p><font>Actualmente, quem ainda cultiva aquelas terras são indivíduos que nada têm a ver com o autor ou com as demais pessoas a que se faz referência na petição inicial.</font>
</p><p><font>Nunca a Câmara Municipal de Almada autorizou e muito menos incentivou a construção no local de edificações. Todos os que nesse, como noutros locais, construíram clandestinamente, sabiam, porque foram por várias vezes advertidos pela autarquia, que aquelas construções teriam que ser demolidas, por serem ilegais e porque os terrenos pertenciam à Câmara. De todo o modo, as construções que actualmente existem no local, têm um valor de mercado de € 0 (zero euros), pois são clandestinas, sendo insusceptíveis de legalização.</font>
</p><p><font>No local, não existiu, nem existe, caminho algum. Existiu, sim, em tempos, um atravessadouro servindo as “T...”, no entanto, há já alguns anos, o atravessadouro foi abolido tendo a Câmara Municipal de Almada procedido à construção, em sua substituição, de uma azinhaga (caminho público) que passou a servir as “T...”.</font>
</p><p><font>O autor não permaneceu, por isso, na detenção e fruição do acesso à passagem, visto esta constituir um atravessadouro público, logo insusceptível de apropriação individual devido a este carácter.</font>
</p><p><font>Concluiu pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font>De fls. 114 a 189 e 190 a 200, o autor juntou, respectivamente, Pareceres do Prof. Menezes Cordeiro e do Eng. Alberto Alarcão.</font>
</p><p><font>Foi proferido despacho saneador, no qual se considerou ser o réu parte ilegítima, absolvendo-o da instância. O autor agravou e o Tribunal da Relação, por Acórdão de 25/06/2009, inserto a fls. 431/444, revogou essa decisão considerando o réu parte legítima.</font>
</p><p><font> Elaborado novo despacho saneador, foi fixada a matéria assente e organizada a base instrutória, sem reclamação.</font>
</p><p><font>Foi proferido despacho que não admitiu o rol de testemunhas apresentado pelo réu, a fls. 536, por intempestivo, nos termos do art. 8.º, nº 5, do DL nº 108/2006, de 8 de Junho. </font>
</p><p><font>Ultrapassadas outras vicissitudes processuais que no momento não importam, o réu juntou dois Pareceres, um do Prof. Gomes Canotilho e Dr. Abílio Vassalo Abreu, de fls. 597 a 909, e outro do Prof. Jorge Bacelar Gouveia de fls. 910 a 988, titulado de A </font><i><font>Abolição da Enfiteuse relativa a prédios rústicos à luz da Constituição da República Portuguesa de 1976</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença na qual se julgou a acção procedente declarando-se “</font><i><font>o direito de propriedade do Autor sobre a parcela que integra duas parcelas designadas talhões 17 e 19 e está inserida no lote 2, grupo B, confronta a Norte com talhões 8 e 9, sul com talhão 20, a nascente com caminhos de acesso e a poente com malha urbana, condenando-se o réu a reconhecer esse direito</font></i><font>” (fls. 1146/1152).</font>
</p><p><font>Inconformado, apelou o réu, e a Relação de Lisboa, por unanimidade, no acórdão de 16/01/14, decidiu negar provimento ao agravo que fora interposto por não ter sido atendido o seu requerimento probatório, com fundamento na circunstância de se estar perante processo a que se aplica o regime experimental aprovado pelo DL n° 108/2006, de 8/06, e julgar procedente a apelação, em consequência revogando a sentença recorrida e absolvendo o réu do pedido.</font>
</p><p><font>Foi a vez de o autor se mostrar irresignado pedindo revista. Das alegações que apresentou, com as quais requereu a junção de um Parecer Técnico - Económico Agrário sobre Capital Benfeitorias em Agricultura, de Alberto de Alarcão (fls. 1436 a 1446), tirou conclusões que não observavam o estabelecido no art. 685.º-A do CPC, com correspondência no art. 639.º do Novo Código de Processo Civil (NCPC), introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26/06, razão pela qual foi convidado a completá-las em ordem cumprir com o disposto no citado normativo.</font>
</p><p><font>Veio fazê-lo apresentando e formulando as seguintes conclusões de fls. 1570 a 1575:</font>
</p><p><font>1ª - Dão-se aqui por integradas e reproduzidas, para todos os devidos legais efeitos, os conteúdos/teores das referidas alusões às opções feitas nas Instâncias pelos Pareceres juntos, da referida DECISÃO/ACÓRDÃO do TR PORTO de 08-11-2010, bem como do aludido estudo de CARACTERIZAÇÃO SOCIO-CULTURAL DOS AGRICULTORES DAS T... nos indicados sítios da internet;</font>
</p><p><font>2ª - Outrossim se mantém, nos exatos termos, as considerações tecidas sobre a condição de enfiteuta do A./Recorrente e o conteúdo do Parecer Técnico Económico Agrário sobre o Capital Benfeitorias em Agricultura pelo Investigador e Professor Coordenador Alberto de Alarcão junto aos autos em 09-02-2014, a fls. 1377 a 1387;</font>
</p><p><font>3ª - O A./recorrente louva-se também no douto ACÓRDÃO do TC n.º 159/2007, de 06-03¬2007 inserido no mencionado sítio da internet, referenciado na Conclusão Décima terceira.</font>
</p><p><font>4ª - E, uma vez que o presente recurso de REVISTA já foi admitido por DESPACHO proferido em 16-10-2014, refª 7740299, a fls. 1559, subsiste o demais do petitório recursivo no sentido de a REVISTA ser julgada procedente por provada, concedendo-a, com as legais consequências, revogando o ACÓRDÃO do TRLx de 16-01-2014, de fls. , e repristinando a sábia Sentença do TJ Almada de 18-01-2013, de fls. , porque legal e constitucional;</font>
</p><p><font>5ª - Aliás, na discussão de direito constitucional intertemporal, o Parecer encabeçado pelo Professor Gomes Canotilho não chega à conclusão da inconstitucionalidade do DL 195-A/76, de 16-3;</font><br>
<font>6ª - Donde, na abordagem do presente caso, em sede de análise dos factos e aplicação do direito, isto é, na fundamentação de direito, é imperioso aflorar o regime legal da enfiteuse que sofreu profundas vicissitudes com a publicação de várias disposições, pois uma delas alargou o conceito de usucapião para efeitos de aquisição do domínio útil, pelo que importa abordar com algum pormenor, o que teve lugar.</font><br>
<font>Esquematicamente, temos o seguinte quadro sinóptico:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><font>Cód. Civil 66</font></td><td><font>DL 547/74</font></td><td><font>CONST/76</font></td><td><font>REV/82</font></td><td><font>Lei 22/87</font></td><td><font>Lei 108/97</font></td><td><font>Ac. TRP</font></td><td><font>Ac. TC</font></td></tr>
<tr><td><font> </font></td><td><font>25-10</font></td><td><font> </font></td><td><font>Lei 1/82</font></td><td><font>24-6</font></td><td><font>16-9</font></td><td><font>08-11-10</font></td><td><font>159/07</font></td></tr>
<tr><td><font> </font></td><td><font>DL 195-A/76</font></td><td><font> </font></td><td><font>30-9</font></td><td><font> </font></td><td><font> </font></td><td><font> </font></td><td><font> </font></td></tr>
<tr><td><font> </font></td><td><font>16-3</font></td><td><font> </font></td><td><font> </font></td><td><font> </font></td><td><font> </font></td><td><font> </font></td><td><font> </font></td></tr>
</tbody></table>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7ª - As referidas Leis são constitucionais e de aplicação imediata (art. 18.- da CRP), devendo ter-se em conta a ampliação do conceito de usucapião e a facilitação da sua prova/demonstração;</font>
</p><p><font>II. ANÁLISE DOS FACTOS</font>
</p><p><font>8ª - O Tribunal firmou a sua convicção no depoimento das testemunhas BB, CC, DD, EE e FF, todas elas com parcelas no local, conhecedores da parcela ocupada pelo Autor, mais revelando conhecimento do modo como tal parcela passou a ser explorada pelo Autor e bem assim o que nela se cultiva, mais revelando conhecimento como era explorada pelos seus pais e avós, todos referindo que sempre pagaram rendas, inicialmente ao sr. GG e após a aquisição pela Câmara passaram a depositar após a recusa desta em as receber.</font>
</p><p><font>Já no que respeita ao valor da parcela e suas edificações a convicção do Tribunal firmou-se no relatório pericial a fls. 1011 a 1042.</font>
</p><p><font>III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO</font>
</p><p><font>9ª - Peticiona o Autor que seja declarada judicialmente o direito de propriedade sobre a parcela de terreno que ocupa e pertence ao réu, com base na aquisição da enfiteuse por usucapião e subsequente extinção legal deste direito e a convolação em propriedade plena;</font>
</p><p><font>10ª - E verifica-se a procedência da sua pretensão:</font>
</p><p><font>Efetivamente, o Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, aboliu a enfiteuse sobre prédios rústicos, transferindo a propriedade plena para o titular do enfiteuta. A Lei n.º 22/87, de 24 de junho aditou ao artigo 1° do diploma anteriormente referido os seguintes pressupostos especiais para a constituição da enfiteuse por usucapião, que teria de ser reconhecida notarial ou judicialmente:</font>
</p><p><font>- titularidade do domínio útil da terra;</font>
</p><p><font>- decurso, à data de 16 de março de 1976, dos prazos legais de usucapião;</font>
</p><p><font>- pagamento de prestação anual ao senhorio;</font>
</p><p><font>- realização de benfeitorias em pelo menos metade do valor da terra inculta, sem atender a eventual aptidão para fins não agrícolas.</font>
</p><p><font>Mais tarde, com a Lei n.º 108/98, de 16 de setembro, aquele diploma original voltou a ser alterado nos requisitos para a constituição da enfiteuse por usucapião, mantendo-se a necessidade de reconhecimento notarial ou judicial, nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>11ª - Os diplomas legais ora referidos criaram uma forma especial de aquisição por usucapião, com requisitos menos exigentes do que os previstos em geral para essa forma de aquisição do direito, designadamente dispensando a prova da existência de uma relação enfitêutica, da inversão do título, nos casos em que a posse se iniciou numa relação de arrendamento, e até do animus de atuação na convicção de exercício de direito próprio como enfiteuta, que era exigido no n.º 5, al. a) do preceito, na redação introduzida pela Lei n.º 22/87, mas que entretanto foi eliminada. No mesmo sentido, admitindo a aquisição por enfiteuse num caso em que o título da posse é precisamente o arrendamento, pode consultar-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de novembro de 2010;</font>
</p><p><font>12ª - Ou seja, independentemente da existência ou validade do título inicial constitutivo ou transmissivo da posse (cfr. art. 2.º da Lei n.º 108/97), e até de se estar ou não na presença de uma relação jurídica com natureza enfitêutica, para se operar a aquisição por usucapião da enfiteuse basta a prova do cultivo da terra mediante o pagamento de uma prestação anual, desde 15 de março de 1946 até 16 de março de 1976, e da realização de benfeitorias de valor superior a pelo menos metade do valor da parcela ou do prédio;</font>
</p><p><font>13ª - Ora vistos os requisitos legais para a aquisição da enfiteuse por usucapião e percorridos os factos que resultaram provados temos que in casu o Autor logrou provar a verificação de todos os requisitos, com efeito logrou provar:</font>
</p><p><font>- já provou explorar a parcela identificada nos autos e mediante o pagamento de uma renda há mais de quarenta anos e reportados à data de 1976;</font>
</p><p><font>- mais provou que tal parcela lhe adveio dos seus antecessores que exploravam tal parcela havia mais de cem anos e também mediante o pagamento da renda; e por último provou;</font>
</p><p><font>- a realização de benfeitorias no prédio, cujo valor excede a metade do valor da parcela;</font>
</p><p><font>14ª - Posto isto é de concluir ser de reconhecer a aquisição da enfiteuse por usucapião, nos termos referidos, e bem assim declarar o Autor proprietário da parcela em questão, por concentração na sua titularidade dos domínios direto e útil, atento o disposto no artigo l.º do mencionado Decreto-Lei n.º 195-A/76;</font>
</p><p><font>IV. ALTERAÇAO/ANULAÇÃO DA DEClSÃO/ACORDÃO DO TRLX</font>
</p><p><font>15ª - Pelo exposto, deve julgar-se a presente ação procedente por provada e, em consequência, decidir-se julgar procedente o pedido formulado e declarar-se o direito de propriedade do Autor sobre a parcela que integra duas parcelas designadas talhões 17 e 19 e está inserida no lote 2, grupo B, confronta a Norte com os talhões 8 e 9, Sul com o talhão 20 a Nascente com caminhos de acesso e a Poente com malha urbana, condenando-se o réu a reconhecer tal direito;</font>
</p><p><font>V. ÓNUS CONCLUSIVO</font>
</p><p><font>A. INDICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS</font>
</p><p><font>16ª - O A./recorrente defende que o DL 195-A/76, de 16-3, com as alterações introduzidas pela Lei 22/87, de 24-6 e pela Lei 108/97, de 16-9 é diretamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas (art. 18.º da CRP), conforme supra referido na Conclusão Sétima, motivo por que foi violada a norma do art. 18.º da Lei Fundamental (Ac. TR Porto de 08-11¬2010; e Ac. do TC 159/07).</font>
</p><p><font>Donde, foi violada expressamente a norma do art. 1.º do mencionado DL 195-A/76, de 16-3 com as alterações que lhe foram introduzidas;</font>
</p><p><font>17ª - Também a aplicação arqueológica do Código de Seabra de 1867 e dos art.ºs 1491.º a 1523.º do Cód. Civil/66, revogados pelos DL's 195-A/76, de 16-3 e 223/76, de 2-4 enferma de ilegalidade;</font>
</p><p><font>18ª - É manifesto que os arrendamentos de muita longa duração por 100 anos ou tempo superior, como sucede in casu em que há benfeitorias consideráveis, devidamente quantificadas são equiparáveis à ENFITEUSE, motivo por que foi violada também a norma do art. 1287.º do Cód. Civil;</font>
</p><p><font>B. O SENTIDO COM QUE AS NORMAS QUE CONSTITUEM FUNDAMENTO JURÍDICO DA DECISÃO RECORRIDA DEVIAM TER SIDO INTERPRETADAS E APLICADAS</font>
</p><p><font>19ª - A este item já foi respondido supra nas Conclusões nona, décima, décima primeira, décima segunda, décima terceira e décima quarta;</font>
</p><p><font>C. FACE AO ERRO NA DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL, QUAL A NORMA JURÍDICA QUE DEVIA TER SIDO APLICADA</font>
</p><p><font>20ª - Deviam ter sido aplicadas as seguintes normas:</font>
</p><p><font>- art. 1.º do DL 195-A/76, de 16-3, com as sucessivas novas redações;</font>
</p><p><font>- art. 1287.º do Código Civil/66; e</font>
</p><p><font>- art. 18.º da Lei Fundamental/CRP.</font>
</p><p><font>Mais deviam ter sido tomadas em consideração, entre outros, os seguintes ACÓRDÃOS:</font>
</p><p><font>- Ac. do TC 159/07;</font>
</p><p><font>- Ac. do TR Porto de 08-11-2010; e</font>
</p><p><font>- Ac. do STJ de 22-02-2011, da 6.ª Secção, no Proc. 200359/1994.El.SI -REVISTA, de que foi relator o Ex.mo CONSELHEIRO J. A. FERNANDES.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O réu/recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido. </font>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>ª</font></div><br>
<font>As conclusões do recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684.º nº 3 e 685.º-A, nº 1, do Código de Processo Civil</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> - CPC daqui por diante) – consubstanciam as seguintes questões: </font>
<p><font>a) Se é de reconhecer ao autor a aquisição da enfiteuse por usucapião, e bem assim declará-lo proprietário da parcela em questão;</font>
</p><p><font>b) Se foi violada a norma do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa.</font>
</p><p><a></a><a></a><font> ª</font></p><div><br>
<b><font>II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No acórdão recorrido foi considerada assente, em definitivo, a seguinte matéria fáctica: </font>
</p><p><font>«A) Estão já assentes por documento e por acordo os seguintes factos:</font>
</p><p><font>1. Por escrituras públicas de compra e venda em 16/11/1971 e 17/03/1972, o Réu adquiriu a particulares a chamada “...”, vulgo “T...”, com a área de 67.587,75 m2 e 270.350,00 m2, respectivamente descritas na Conservatória do Registo Predial de … sob os nº …, …, …, …, …, …, …, …, … e …, freguesia da ..., concelho de Almada – Alínea A) da matéria de facto assente;</font>
</p><p><font>2. À data existiam explorações agrícolas nos terrenos referidos em 1. – Alínea B) da matéria de facto assente;</font>
</p><p><font>3. Em 17 de Julho de 1972, o Réu dirigiu, aos cultivadores, cartas registadas com A/R para estes entregarem as terras arrendadas em 30 de Setembro seguinte - Alínea C) da matéria de facto assente;</font>
</p><p><font>4. Os cultivadores não entregaram as terras por considerarem que as podiam reter até serem pagos dos melhoramentos que nelas fizeram – Alínea D) da matéria de facto assente;</font>
</p><p><font>B) Da audiência de julgamento resultaram Provados os seguintes Factos:</font>
</p><p><font>5. O Autor há mais de setenta anos e os seus antecessores há mais de cem anos, têm vindo a explorar e cultivar directamente uma parcela do prédio referido em 1. supra, com a área total de 51.795 m2 e com área de construção de 918,64 m2 –artigo 1º da Base Instrutória;</font>
</p><p><font>6. E, após GG se intitular o proprietário das T..., mediante o pagamento a este de contrapartida anual de valor não concretamente apurado – artigo 2º da Base Instrutória;</font>
</p><p><font>7. Aos olhos de todos, pacificamente, e, até à ocorrência referida no ponto 3 da matéria de facto, sem oposição de ninguém - artigo 3º da Base Instrutória;</font>
</p><p><font>8. A referida parcela integra duas parcelas designadas talhões 17 e 19 e está inserida no lote 2, grupo B, confronta a Norte com talhões 8 e 9, sul com talhão 20, a nascente com caminhos de acesso e a poente com malha urbana, como consta dos docs. de fls. 397-400 e 400-410 que aqui se dão por reproduzidos – artigo 4º da Base Instrutória.</font>
</p><p><font>9. Pelo acesso às T... passam bicicletas, motorizadas, camionetas carregadas de adubos e detritos orgânicos, quaisquer materiais para obras ou trabalhos e o produto agrícola para ser vendido nos mercados da ..., Almada e Lisboa – artigo 5º da Base Instrutória;</font>
</p><p><font>10. Foi o Autor que, há mais de 70 anos, fez uma horta irrigada na referida parcela, onde produz tomate, cenoura, nabo, couve-flor, couve portuguesa, couve lombarda, alface, pimento, feijão verde, batata, cebola e milho de regadio – artigo 6º da Base Instrutória;</font>
</p><p><font>11. E desde essa altura, os referidos produtos são vendidos diariamente, durante todo o ano, nos mercados dos concelhos de Almada e Lisboa – artigo 7º da Base Instrutória;</font>
</p><p><font>12. O caminho bicentenário que dá acesso à referida parcela tem uma corrente metálica suspensa entre dois pilares com um dístico proibindo a entrada a estranhos e foi feito pelos antecessores do Autor – artigo 8º da Base Instrutória;</font>
</p><p><font>13. Está exclusivamente afecto à actividade do Autor e é utilizado por si – artigo 9º da Base Instrutória;</font>
</p><p><font>14. Tem acesso à via pública – artigo 10º da Base Instrutória;</font>
</p><p><font>15. Durante os últimos 70 anos AA e o Autor, erigiram edificações para habitação e apoio à sua actividade agrícola na parcela referida em 5., com autorização do Réu – artigo 11º da Base Instrutória.</font>
</p><p><font>16. O Autor e os seus antecedentes (pais e avós) viveram e habitavam na referida parcela referida em 5. supra – artigo 12º da Base Instrutória.</font>
</p><p><font>17. A parcela tem actualmente o valor de 68.015,00 euros valendo há cerca de quarenta anos, não sendo cultivada – 1.329 euros – artigo 13º da Base Instrutória</font>
</p><p><font>18. As edificações instaladas na parcela valem actualmente 251.029,00 euros, valendo há cerca de quarenta anos 4.903,00 euros – artigo 14º da Base Instrutória.</font>
</p><p><font>19. O autor habita no local e cultiva a parcela referida em 5.– artigo 15º da Base Instrutória.</font>
</p><p><font>20. A Ré sempre se recusou a receber rendas pela exploração das T... – artigo 17º da Base Instrutória</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A) </font><u><font>Se é de reconhecer ao autor a aquisição da enfiteuse por usucapião, e bem assim declará-lo proprietário da parcela em questão</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nesta acção, como acima se anotou, peticiona o autor/recorrente, que:</font>
</p><p><font>- se declare ser o legítimo proprietário das parcelas e edificações dos autos;</font>
</p><p><font>- se condene o réu/Município de Almada a reconhecer tal direito e a abster-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício e que, em consequência:</font>
</p><p><font>- se declare ser o autor legítimo enfiteuta/rendeiro/utilizador/possuidor dos seus invocados direitos; e</font>
</p><p><font>- se condene o réu Município de Almada/CM Almada a reconhecer ao autor os referidos direitos e, por via desse reconhecimento, declarar judicialmente a enfiteuse, por usucapião, seguindo-se, depois, os trâmites legais relativos à extinção da enfiteuse em causa, colocando o autor na situação de pleno proprietário, radicando a propriedade plena no enfiteuta, na linha expressamente confirmada pela Constituição.</font>
</p><p><font>A sentença proferida na 1ª instância julgou procedente o petitório formulado declarando “</font><i><font>o direito de propriedade do Autor sobre a parcela que integra duas parcelas designadas talhões 17 e 19 e está inserida no lote 2, grupo B, confronta a Norte com talhões 8 e 9, sul com talhão 20, a nascente com caminhos de acesso e a poente com malha urbana, condenando-se o réu a reconhecer esse direito</font></i><font>” (fls. 1146/1152).</font>
</p><p><font>Todavia, esta solução não foi acolhida pela Relação que a revogou, negando procedência ao pedido do autor e dele absolvendo o réu Município de Almada/CM Almada.</font>
</p><p><font>Naturalmente dissente o autor, procurando a repristinação da decisão da 1ª instância, cuja fundamentação jurídica recuperou integralmente para textualizar a sua argumentação recursiva.</font>
</p><p><font> Em síntese, assenta ela nos seguintes pilares:</font>
</p><p><font>- o DL n.º 195-A/76, de 16/03, que aboliu a enfiteuse sobre prédios rústicos, transferindo a propriedade plena para o titular do domínio útil, e as Leis n.º 22/87, de 24/06 e n.º 108/98, de 16/09, criaram uma forma especial de aquisição por usucapião, com requisitos menos exigentes do que os previstos em geral para essa forma de aquisição do direito, designadamente dispensando a prova da existência de uma relação enfitêutica, da inversão do título, nos casos em que a posse se iniciou numa relação de arrendamento, e até do “</font><i><font>animus</font></i><font>” de actuação na convicção de exercício de direito próprio como enfiteuta;</font>
</p><p><font>- independentemente da existência ou validade do título inicial constitutivo ou transmissivo da posse (cfr. art. 2.º da Lei n.º 108/97), e até de se estar ou não na presença de uma relação jurídica com natureza enfitêutica, para se operar a aquisição por usucapião da enfiteuse basta a prova do cultivo da terra mediante o pagamento de uma prestação anual, desde 15 de Março de 1946 até 16 de Março de 1976, e da realização de benfeitorias de valor superior a pelo menos metade do valor da parcela ou do prédio;</font>
</p><p><font>- o autor logrou provar a verificação de todos os requisitos, com efeito:</font>
</p><p><font>- provou explorar a parcela identificada nos autos, e mediante o pagamento de uma renda, há mais de quarenta anos e reportados à data de 1976;</font>
</p><p><font>- mais provou que tal parcela lhe adveio dos seus antecessores que a exploravam havia mais de cem anos e também mediante o pagamento da renda; </font>
</p><p><font>- por último provou a realização de benfeitorias no prédio, cujo valor excede a metade do valor da parcela.</font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>A enfiteuse, também designada aprazamento ou aforamento, era um direito real menor que estava regulado nos artigos 1491.º a 1523.º do Código Civil (a que pertencerão os normativos doravante citados sem expressa menção de origem) e estava definida no art. 1491.º pela seguinte forma: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. Tem o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse o desmembramento do direito de propriedade em dois domínios, denominados directo e útil. </font></i>
</p><p><i><font>2. O prédio sujeito ao regime enfitêutico pode ser rústico ou urbano e tem o nome de prazo. </font></i>
</p><p><i><font>3. Ao titular do domínio directo dá-se o nome de senhorio; ao titular do domínio útil, o de foreiro ou enfiteuta</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Qualquer dos dois domínios se podia adquirir por usucapião, mas a usucapião do domínio directo pelo enfiteuta dependia da inversão do título da posse (cf. art. 1290.º), visto ele ser possuidor em nome próprio apenas do domínio útil, pois que do domínio directo é possuidor em nome alheio</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>. Usucapindo o enfiteuta o domínio directo, ocorreria confusão dos dois domínios na mesma pessoa, com a consequente extinção da enfiteuse e surgimento do direito de propriedade na titularidade do enfiteuta.</font>
</p><p><font>A enfiteuse era de sua natureza perpétua, sem prejuízo do direito de remição, sendo tidos como arrendamento os contratos que fossem celebrados com o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse, mas estipulados por tempo limitado (art. 1492.º), podendo ser constituída por contrato, testamento ou usucapião (art. 1497.º). </font>
</p><p><font>O prazo e o domínio directo eram indivisíveis (nº 1 dos arts. 1493.º e 1495.º), o senhorio tinha direito, além do mais, a receber anualmente o foro (art. 1499.º, al. a)), e o enfiteuta a usar e fruir o prédio como coisa sua (al. a) do art. 1501.º).</font>
</p><p><font>A enfiteuse sobre prédios rústicos foi abolida pelo DL 195-A/76, de 16/03</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>/</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>, em cujo preâmbulo se fez constar a sua </font><i><font>ratio</font></i><font>:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Através da forma jurídica da enfiteuse têm continuado a impender sobre muitas dezenas de milhares de pequenos agricultores encargos e obrigações que correspondem a puras sequelas institucionais do modo de produção feudal.</font></i>
</p><p><i><font>Com efeito, encontram-se ainda hoje extremamente generalizados os foros, podendo referir-se que só o Estado, segundo estimativas feitas pela Direcção-geral da Fazenda Pública, é titular de domínios directos que atingem cerca de 400 000, ultrapassando o seu valor 1 milhão de contos.</font></i>
</p><p><i><font>Uma política agrária orientada para o apoio e a libertação dos pequenos agricultores não pode deixar de integrar a liquidação radical de tais relações subsistentes no campo.</font></i>
</p><p><i><font>Previu-se, no entanto, a particularidade de situação dos pequenos senhorios, tendo-se adoptado uma solução que permitirá ao Estado identificar rapidamente tais situações</font></i><font>.”.</font>
</p><p><font>Com esse propósito no seu art. 1.º estabeleceu que:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. É abolida a enfiteuse a que se acham sujeitos os prédios rústicos, transferindo-se o domínio directo deles para o titular do domínio útil. </font></i>
</p><p><i><font> 2. Nos contratos de subenfiteuse de pretérito a propriedade plena radica-se no subenfiteuta. </font></i>
</p><p><i><font>3. Serão oficiosamente efectuadas as correspondentes operações de registo</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>O DL n.º 195-A/76, de 16/03, foi alterado pelo DL n.º 546/76, de 10/07, que, dando uma nova redacção ao n.º 3 do artigo 1.º, veio estabelecer a gratuitidade das operações de registo a que, oficiosamente, a extinção da enfiteuse dava lugar, e, mais significativamente, pelas Leis n.ºs 22/87, de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
0jKVu4YBgYBz1XKvkB5A | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Processo n.º 11148/12.9YIPRT-A.L1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>I – </font></b><font>Em oposição a requerimento de injunção que contra ela moveu </font><b><font>AA, Lda.</font></b><font>, </font><b><font>BB – Produtos Farmacêuticos, S.A.</font></b><font> invocou, além do mais, a excepção peremptória da compensação, requerendo, ainda, a suspensão dos autos, por questão prejudicial.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Caracterizando a dita excepção, disse, em suma, ter demandado civilmente a aqui autora, em acção penal onde se discute a elaboração pelos aí arguidos, de facturas falsas, pedindo a condenação daquela e de outros a pagarem-lhe indemnização cível; pelo que, sendo titular de direito de crédito sobre a exequente, pretende que, ao abrigo do disposto no art. 847.º do C. Civil, se opere a compensação entre esse seu direito e o crédito invocado na execução; mais alegou que deve ser decretada a suspensão da instância para que, primeiro, seja judicialmente reconhecido o seu direito de crédito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em resposta, a autora disse, em resumo, não aceitar a compensação, por nada dever à executada; que se não encontra pendente nenhum pedido cível que a executada tenha deduzido contra ela, além de que, para que pudesse proceder qualquer compensação, a executada teria de ter alegado nestes autos os factos em que funda o seu alegado direito de crédito, o que não fez.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foi proferido despacho saneador, onde se considerou, com apelo ao disposto no art. 853.º do Código Civil, estar excluída a pretendida compensação, já que o crédito invocado pela executada provirá de facto ilícito doloso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Julgou-se tal excepção improcedente e indeferiu-se a requerida suspensão da instância por causa prejudicial.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Apelou a Ré, sem sucesso, porquanto a Relação, embora com fundamentação diversa, manteve a decisão </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Continuando inconformada, veio a Ré interpor recurso de revista excepcional, a qual foi admitida. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>São as seguintes as conclusões formuladas pela Ré no seu recurso:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1.Da Admissibilidade do Recurso de Revista Excepcional</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>São três os requisitos de que depende a admissibilidade do recurso de revista excepcional, nomeadamente (i) que se encontrem reunidos os requisitos previstos para o recurso de revista "normal", (ii) que o Tribunal da Relação tenha confirmado, sem voto de vencido, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.a Instância ("dupla conforme"), e (iii) que se verifique, pelo menos, uma das condições elencadas no n.º 1 do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><font>2. Encontram-se preenchidos, no caso em apreço, os requisitos gerais de que depende a admissibilidade da revista – considerada como revista "normal" –, quer quanto ao valor da causa e do montante da sucumbência da parte (tal como previstos no artigo 678.°, n.º 1 do CPC) quer quanto ao de ser o presente recurso interposto de acórdão da Relação proferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 691.º do CPC (cfr. artigo 721.º do CPC). </font>
</p><p><font>3. Encontra-se também preenchido o requisito da "dupla conforme", na medida em que o Acórdão ora recorrido confirmou na íntegra (e ainda com que diferente fundamento) a sentença proferida pela 1.ª Instância, negando provimento à apelação interposta pelo Recorrente. </font>
</p><p><font>4. Por fim, encontram-se igualmente verificadas as condições elencadas nas alíneas a) e c) n.º 1 do artigo 721.º-A do CPC, ambas sendo, portanto, fundamento do presente recurso. Vejamos: </font>
</p><p><font>5. Está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, (cfr. alínea a), nº 1, artigo 721.º-A do CPC), na medida em que tem vindo a mesma a ser tratada, pela doutrina, de forma não consensual, verificando-se a existência de duas correntes jurisprudenciais sobre o thema decidendum (cfr. o douto Acórdão recorrido, por um lado, e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 19.01.2010 e o Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.05.2011, por outro). </font>
</p><p><font>6. Com efeito, entendeu o douto Acórdão recorrido que o crédito da Recorrente, compensante, não seria judicialmente exigível, porquanto o mesmo não havia sido previamente reconhecido em juízo. Consequentemente, não poderia a Recorrente pretender operar, através dele, a compensação de créditos. </font>
</p><p><font>7. Não obstante, nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Tribunal da Relação do Porto, acima referidos, entendeu-se que a lei não faz depender a compensação do facto do crédito do compensante estar já judicialmente reconhecido. Pelo que, mesmo nesses casos, pode o compensante fazer operar a compensação de créditos. </font>
</p><p><font>8. Está, portanto, em causa nos presentes autos uma questão jurídica controversa, por debatida, e importante para propiciar uma melhor aplicação do direito, por estar em causa um segmento jurídico relevante (note-se que está em causa definir concretamente, com rigor e precisão, os requisitos de um instituto tão elementar (e recorrente), como seja o da compensação de créditos). </font>
</p><p><font>9. Trata-se, por outro lado, de uma questão de especial relevo jurídico, que requer um estudo aprofundado e um especial esforço interpretativo, na medida em que a mesma implica não só a reconstituição do pensamento do legislador, como também o ponderar da melhor solução jurídica, face à unidade do sistema jurídico como um todo. </font>
</p><p><font>10. Por fim, não se pode negar que esta é uma questão que se impõe a um número indeterminado de sujeitos de direito, porquanto a existência de créditos e contra-créditos é uma decorrência inevitável da vida em sociedade, tal como a conhecemos, sendo o recurso à respectiva compensação uma situação por demais recorrente. A compensação apresenta-‑se, assim, como um instituto transversal a todos os ramos do direito. </font>
</p><p><font>11. Encontra-se, portanto, verificado o requisito a que se reporta a alínea a) do n.º 1 do artigo 721º-A do CPC, devendo o presente recurso de revista excepcional ser admitido, desde logo, com base neste pressuposto.</font>
</p><p><font>12. A presente revista excepcional é também admissível com base na alínea c) do nº 1 do artigo 721º-A do CPC, porquanto o Acórdão recorrido se encontra em clara e inegável contradição com outros dois Acórdãos, já transitados em julgado e proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito: o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.01.2010, proferido no âmbito do Proc. n.º 139152/08.8YIPRT.P1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.05.2011, proferido no âmbito do Processo n.º 268/04.3TCSNT.L1-2, não tendo, até ao momento sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão em apreço. </font>
</p><p><font>13. A questão fundamental que se coloca nos presentes autos é precisamente a de saber se por "crédito judicialmente exigível", tal como previsto no artigo 847.º do CC, se deve entender apenas o crédito que haja sido previamente reconhecido em tribunal, ou se, ao invés, tal conceito se basta com o crédito susceptível de ser reclamado em tribunal (independentemente de o mesmo ter sido previamente reconhecido em juízo ou não). </font>
</p><p><font>14. Entendeu o Tribunal recorrido, por um lado, que "o crédito invocado pela ré, compensante, não estando reconhecido, não é judicialmente exigível nos termos expostos, pelo que não pode pretender-se operar, através dele, a compensação de créditos."</font>
</p><p><font>15. Tal entendimento, porém, é frontalmente contraditório com aquele que se encontra plasmado no primeiro "acórdão fundamento" – o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.01.2010 – onde se decidiu que o crédito da ré era judicialmente exigível, ainda que não houvesse sido previamente reconhecido em juízo, podendo a ré, nessa sequência fazer operar a compensação de créditos. </font>
</p><p><font>16. Por outro lado, o entendimento do Tribunal a quo é também frontalmente contraditório com o entendimento sustentado no segundo "acórdão fundamento" – o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 19.05.2011 – no qual também se decidiu que a lei não faz depender a compensação do facto do crédito do compensante estar já judicialmente reconhecido, ou seja, estar previamente reconhecido em Tribunal, entendendo-se poder a ré proceder à compensação do seu crédito sobre a autor com aquele que esta detinha sobre ela. </font>
</p><p><font>17. Os dois Acórdãos supra referidos e apontados como encontrando-se em contradição com o Acórdão recorrido, já transitaram em julgado, foram proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no domínio da mesma legislação e sobre as mesmas questões fundamentais de direito, não tendo sido proferido Acórdão de Uniformização da Jurisprudência, pelo que se encontram também verificados os requisitos previstos na alínea c), do n.º 1, do artigo 721.º-A do CPC, razão pela qual se considera verificado, também, este pressuposto de admissibilidade do presente recurso de revista excepcional. </font>
</p><p><font>18. Em face do exposto, deverão considerar-se verificados os requisitos de que depende a admissibilidade do recurso de revista excepcional invocados pela Recorrente, e, consequentemente, deverá o presente recurso ser admitido. </font>
</p><p><font>19.Do Mérito do Recurso </font>
</p><p><font>20. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 23.04.2013, o qual, negando provimento à apelação interposta pela ora Recorrente, decidiu julgar improcedente a excepção de compensação invocada pela Recorrente, porquanto entendeu faltar um dos requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 847.º do CC: ser o crédito judicialmente exigível. </font>
</p><p><font>21. A Lei não faz depender a compensação do facto do compensando estar judicialmente reconhecido, ou seja, previamente reconhecido em Tribunal. </font>
</p><p><font>22. O "crédito judicialmente exigível", para efeitos de compensação, será o crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento, independentemente de o mesmo ter sido previamente reconhecido em juízo ou não. Isto é, será todo o crédito que possa ser reclamado em tribunal, seja em acção declarativa, seja em acção executiva. </font>
</p><p><font>23. Para efeitos do funcionamento do mecanismo da compensação, a exigibilidade judicial do crédito activo (tal como imposta pelo n.º 1 do artigo 847.º do CC) e o reconhecimento judicial do mesmo, são realidades distintas: a primeira é requisito da declaração de compensação; a segunda é condição da sua eficácia. </font>
</p><p><font>24. Nada indica que o legislador tenha pretendido que o crédito declarado para compensação já deva ter sido declarado judicialmente. Isso seria fazer equivaler a noção de "crédito exigível judicialmente" à noção de crédito apto a servir de título executivo, o que seria de todo inaceitável. </font>
</p><p><font>25. Outra interpretação, que não esta, constituiria uma abusiva e errada interpretação da função primordial dos tribunais e do princípio de economia processual: se o direito de crédito que o réu declara para compensação estivesse já reconhecido judicialmente, então tê-lo-ia executado judicialmente, não fazendo sentido que estivesse a aguardar a propositura da acção pelo autor para contrapor o seu crédito por compensação. </font>
</p><p><font>26. Constituiria verdadeiro paradoxo aceitar-se o exercício, pelo credor passivo, do seu direito de crédito, através da competente acção de cumprimento, e exigir-se ao declarante da compensação na mesma acção (réu) que a invocação em juízo do seu crédito carecesse de reconhecimento judicial prévio». </font>
</p><p><font>27. Deve atender-se ao crédito que a Recorrente detém sobre a Recorrida para efeitos de compensação, ainda que o mesmo esteja dependente de decisão judicial a proferir num futuro próximo, porquanto o mesmo não </font><i><font>(sic)</font></i><font> </font>
</p><p><font>28. O crédito alegado pela Recorrente funda-se, em bom rigor, no instituto do enriquecimento sem causa, tal como previsto nos artigos 473.º e seguintes do CC. </font>
</p><p><font>29. A obrigação da Recorrida não pressupõe a apreciação de quaisquer factos que constituam seu pressuposto e que tenham de ser analisados e apreciados pelo julgador, porquanto, enquanto fundada na figura do enriquecimento sem causa, é um facto que existe por si só e que, nessa medida, é susceptível de prova directa. </font>
</p><p><font>30. Nestes termos, o crédito alegado pela Recorrente (e a respectiva obrigação da Recorrida) existe independentemente de qualquer decisão que o declare – porquanto tem a sua fonte em acto pré-existente –, sendo que a decisão a proferir (no que concerne a este aspecto) limitar-se-á a reconhecer a existência desse crédito. </font>
</p><p><font>31. A obrigação da Recorrida de restituir à Recorrente a quantia com que injustamente se locupletou é independente da responsabilidade penal e/ou civil que venha a ser apurada, quanto aos Arguidos, no âmbito do processo-crime n.º 7132/08.5TDLSB. </font>
</p><p><font>32. É forçoso concluir que, contrariamente ao decidido no Acórdão recorrido, o crédito alegado pela ora Recorrente é judicialmente exigível, podendo (e devendo) a Recorrente fazer operar a compensação, pelo que o douto Acórdão recorrido violou de forma flagrante o disposto nos artigos 847.º do CC e nos artigos 493.º. n.º 3 e 496.º, ambos do CPC. </font>
</p><p><font>33. Ainda que assim não se entendesse – o que de forma alguma se concede e por mera cautela se pondera – sempre seria de atender à decisão judicial a proferir no âmbito do processo-crime acima mencionado no que toca ao pedido de indemnização civil intentado pela ora Recorrente contra a Recorrida, deferindo-se o pedido de suspensão da instância por causa prejudicial formulado pela Recorrente. </font>
</p><p><font>34. Uma causa é prejudicial em relação a outra quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar na primeira possa influir ou afectar o julgamento ou decisão da segunda, nomeadamente modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser à mesma. </font>
</p><p><font>35. A condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização à Recorrente por danos patrimoniais no valor de € 525.210,52, ou, pelo menos, € 180.000,00 – ainda assim, sempre superior ao crédito ora peticionado no montante de € 118.627,14 – revela-se de somais (</font><i><font>sic</font></i><font>) relevância para a determinação da eventual aplicação do instituto da compensação. </font>
</p><p><font>36. Para que a decisão da presente instância compreenda a totalidade dos factos e conduza a uma solução justa e adequada, deverá a mesma ser adoptada após a decisão sobre a questão prejudicial da definição do montante líquido em dívida pela Recorrida à Recorrente. </font>
</p><p><font>37. Face ao exposto, mal andou o Tribunal a quo ao indeferir a suspensão da instância requerida pela Recorrente, tendo violado, nessa medida, o disposto no artigo 279.º, n.º 1 do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Conclui no sentido da admissão e provimento do recurso, revogando-se a decisão recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A A-recorrida apresentou a seguinte resposta:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Não se encontram preenchidos os fundamentos contidos nas alíneas a) e c) do artigo 721.º-A do CPC, devendo o recurso de revista excepcional interposto pela Recorrente ser rejeitado. </font>
</p><p><font>2.O presente recurso vem interposto do Douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.04.2013, o qual seguindo o entendimento do Tribunal a quo – embora com fundamento diverso – concluiu pela (i) improcedência da excepção de compensação de créditos invocada pela Recorrente em sede de oposição à injunção, por o contracrédito não ser exigível judicialmente e, bem assim, (ii) indeferiu a suspensão da instância por causa prejudicial aí requerida; </font>
</p><p><font>3. Quanto à improcedência da excepção de compensação de créditos, o Douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa procedeu bem ao entender que o crédito da Recorrente não é judicialmente exigível, porquanto, a Recorrente, (ora credora) não está em condições de obter a sua realização coactiva, instaurando a respectiva execução, sendo este o entendimento maioritário e correcto que tem sido defendido pela doutrina e jurisprudência sobre a interpretação do requisito “crédito judicialmente exigível";</font>
</p><p><font>4. Quanto à alegada prejudicialidade do processo crime com a questão dos presentes autos, é evidente que a questão a ser discutida no processo-crime não tem qualquer prejudicialidade com estes autos. </font>
</p><p><font>5. Entre a presente acção e o processo crime aludido pela Recorrente não só não existe um concurso de causas (uma capaz de ser prejudicial da outra), como também não existe aquela coincidência parcial de objectos, típica e própria da prejudicialidade e, por isso, não é susceptível a situação dos autos de enquadramento na moldura do artigo 279º, n.º 1, do CPC, com a decorrente suspensão da instância. </font>
</p><p><font>6. Por último, refira-se, que não faz qualquer sentido pretender que esta acção aguarde pela decisão judicial de reconhecimento ou não desse crédito por responsabilidade civil extracontratual, uma vez que a exigibilidade do contra crédito da Recorrente tem de verificar-se no momento em que a mesma (como compensante) declara a compensação, o que não se verifica in casu. </font>
</p><p><font>7.Por todo o exposto, deverá o douto acórdão sindicado ser mantido, por não merecer qualquer reparo. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Conclui pela não admissão do recurso e, a assim se não entender, pela sua improcedência.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Formação admitiu a revista extraordinária.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II –</font></b><font> Fundamentação</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A) De Facto</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os factos a considerar são os referidos em sede de relatório.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B) De Direito</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> O objecto do recurso é, de acordo com a jurisprudência uniforme, balizado pelas conclusões do recorrente, como decorre, de resto, do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por outro lado, os recursos destinam-se a modificar decisões e não a discutir questões novas, pelo que apenas se considerarão as questões abordadas no acórdão da Relação e ora impugnadas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> A única questão objecto do recurso é a de compensabilidade do contra-‑crédito da recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Fora de apreciação a questão da admissibilidade do recurso excepcional, dada a força vinculativa da decisão da Formação que o admitiu (n.º 1 do artigo 721-A do CPC).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sobre a compensação dir-se-á previamente o seguinte.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, </font><i><font>como subrogado dele</font></i><font>, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-‑se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito liberando-se do seu débito, por uma espécie de </font><i><font>acção directa</font></i><font> (PIRES DE LIMA e A. VARELA, </font><i><font>Código Civil Anotado,</font></i><font> II Volume, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, p.130).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para que a extinção da dívida por compensação possa ser oposta ao credor, exige-se a verificação dos requisitos enunciados nos artigos 837.°e ss. do C. Civil e assim identificados por MENEZES CORDEIRO (</font><i><font>Direito das</font></i><font> </font><i><font>Obrigações</font></i><font>, vol. 2.º, AAFDL, p. 219).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>a) a existência de dois créditos recíprocos;</font>
</p><p><font>b) a exigibilidade (forte) do crédito do autor da compensação;</font>
</p><p><font>c) a fungibilidade e a homogeneidade das prestações;</font>
</p><p><font>d) a não exclusão da compensação pela lei;</font>
</p><p><font>e) a declaração de vontade de compensar.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos do n.º 1 do art. 848.° do Código Civil, a compensação torna-se efectiva, mediante declaração de uma das partes à outra.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pode assim afirmar-se, como o faz o PROF. ALMEIDA COSTA (</font><i><font>Direito das</font></i><font> </font><i><font>Obrigações</font></i><font>, 11.ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, p. 1100), que a compensação não opera "ipso jure", isto é, automaticamente; é necessária a manifestação de vontade de um dos credores/devedores no sentido da extinção dos dois créditos recíprocos</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A compensação reveste a configuração de um direito potestativo que se exercita por meio de um negócio unilateral; e a importância desta declaração é decisiva, porquanto prescreve o art. 854.º do C. Civil que "feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis".</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Quer isto dizer que, verificando-se os demais requisitos da compensação, é a partir do momento da ocorrência da declaração de compensação que se opera a mútua extinção dos créditos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A importância desta proposição é posta em evidência por ANTUNES VARELA (</font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, II, 7.ª ed, p. 223): é que...a extinção recíproca dos créditos depende da declaração de compensação, embora esta possa ser emitida, na generalidade dos casos por um ou outro dos interessados. Isto significa, além do mais, que, enquanto não houver a declaração compensatória, cada um dos créditos continua a poder ser validamente satisfeito ou extinto por qualquer dos outros modos de extinção das obrigações (cumprimento, dação em cumprimento, consignação em depósito, execução forçada, etc.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E, a declaração compensatória é, pelo próprio teor e espírito do n.º 1 do referido art. 848.º, uma declaração receptícia, ou seja, uma declaração que carece de ser dada a conhecer ao destinatário (art. 224.º do C. Civil), que tanto pode ser feita por via judicial, como extrajudicialmente (cfr. RUI ALARCÃO, A </font><i><font>Confirmação dos Negócios Anuláveis, </font></i><font>Atlântida Editora, Coimbra, p. 180).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No primeiro caso, pode ser efectuado por meio de notificação judicial avulsa (art. 261.° do C. P. Civil), exclusivamente destinada a levar ao conhecimento da outra parte a intenção do compensante, ou por via de acção judicial, seja através da petição inicial, seja através da contestação. Quando a compensação é invocada na acção judicial pelo réu, ela pode ser aposta por via de excepção ou como reconvenção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A iliquidez de qualquer das obrigações não impede a compensação (artigo 847.º, n.º 3, do Código Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A posição do acórdão recorrido, no ponto que aqui importa, é a seguinte:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«Falta…um dos requisitos exigidos no citado n.º 1 do art. 847.º, sem o qual não pode a ré impor à autora a compensação pretendida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Segundo a alínea a) deste preceito, para que o devedor possa livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, necessário é que o seu crédito – o chamado contra crédito –, no momento em que a compensação é declarada, seja exigível judicialmente e que não proceda contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Importa saber o que é, para este efeito, um crédito exigível judicialmente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Segundo Antunes Varela () "Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coativa do crédito (contra crédito) que se arroga contra este", ideia que o dito preceito legal concretiza, "explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma exceção, perentória ou dilatória, de direito material, dizendo-se "judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à ação de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817º)."</font>
</p><p><font>A obrigação de indemnização por ilícito extracontratual, a que a autora estará sujeita perante a ré, não está ainda reconhecida, pelo que não pode falar-se na sua existência, nem na sua realização coativa ao abrigo do art. 817º do CC, em caso de não satisfação voluntária.</font>
</p><p><font>"A necessidade de a dívida compensatória ser exigível no momento em que a compensação é invocada afasta, por sua vez, a possibilidade de, em ação de condenação pendente, o demandado alegar como compensação o crédito de indemnização que se arrogue contra o demandante, com base em facto ilícito extracontratual a este imputado, enquanto não houver decisão ou declaração que reconheça a responsabilidade civil do arguido. Embora a dívida retroaja neste caso os seus efeitos ao momento da prática do facto, ela não é obviamente exigível enquanto não estiver reconhecida a sua existência" ().</font>
</p><p><font>Na mesma linha se pronunciam Menezes Cordeiro () e Menezes Leitão (), entendendo que o crédito é judicialmente exigível, quando, no momento em que pretende operar a compensação, o compensante esteja em condições de opor ao devedor a realização coativa do seu crédito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Este entendimento tem vindo igualmente a ser adotado na nossa jurisprudência, dizendo-se lapidarmente no acórdão da Relação do Porto de 19.01.2006 () que o "legislador ao usar a expressão "exigível" se quis referir a um crédito certo, seguro, e não meramente hipotético ou eventual. Enquanto não estiver reconhecido o crédito, não pode o mesmo servir de sustento a uma compensação de "créditos". E parece claro que não é nesta demanda que tal reconhecimento do crédito pode ter lugar, (...), pois o contra crédito já tem de estar definido – para poder ser exigível – no momento em que se alega a compensação...de créditos." ()</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pese embora, havendo jurisprudência diversa – designadamente os arestos citados pela apelante –, porque entendemos ser esta a posição correta, concluímos que o crédito invocado pela ré, compensante, não estando reconhecido, não é judicialmente exigível nos termos expostos, pelo que não pode pretender-se operar, através dele, a compensação de créditos.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No acórdão-fundamento defende-se posição oposta, embora substancialmente, com base na mesma doutrina:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«…para que a compensação se possa verificar é, ainda, necessário que o crédito do declarante seja judicialmente exigível e que o devedor não lhe possa opor qualquer excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; assim, só poderão ser compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação, não podendo ser compensados créditos de obrigação natural, nem efectuada a compensação se o crédito ainda não estiver vencido, ou a outra parte puder recusar o cumprimento através da excepção do não cumprimento do contrato ou da prescrição ().</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ensinava Antunes Varela () que se diz «judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor», requisito que não se verifica nas obrigações naturais, por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda se não tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Menezes Cordeiro () menciona que a exigibilidade como requisito da compensação traduz a necessidade de que os créditos em presença possam ser cumpridos e que quanto ao crédito activo isso implica:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>« – que seja válido e eficaz; </font>
</p><p><font>– que não seja produto de obrigação natural; </font>
</p><p><font>– que não esteja pendente de prazo ou de condição; </font>
</p><p><font>– que não seja detido por nenhuma excepção; </font>
</p><p><font>– que possa ser judicialmente actuado; </font>
</p><p><font>– que se possa extinguir por vontade do próprio».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Saliente-se que a lei não faz depender a compensação do facto do crédito do compensante estar já judicialmente reconhecido, ou seja, estar previamente reconhecido em Tribunal ().</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não se perspectiva, pois, no caso dos autos, a falta do requisito a que nos reportamos, pelo que se entende poder a R. proceder à compensação do seu crédito sobre a A. com aquele que esta detinha sobre ela. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tenhamos em consideração que a iliquidez da dívida não impede a compensação – n.º 3 do art. 847 do CC; a compensação opera, podendo o exacto montante compensado ser relegado para momento posterior, nos termos do n.º 2 do art. 661 do CPC»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em recente acórdão deste tribunal, proferido também em recurso de revista excepcional (proferido em 14.03.2013, no processo 4867/08.6TBOER-A.L1.S1) decidiu-se que “[n]a fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa”().</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com efeito, “a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível ()”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pois, “só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”, pelo que “estando o crédito que a ré apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação”().</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como se constata, neste acórdão, aborda-se a questão da compensação em processo executivo e nele se conclui não haver lugar à reconvenção nem à compensação, se não previamente reconhecido o contra-crédito e nunca na oposição à execução. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nele são referenciados, como exemplos da jurisprudência que sujeita a possibilidade da compensação ao prévio apuramento do crédito a compensar, os acórdãos deste Tribunal de 26.04.2012, Revista n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1, de 18 de Janeiro de 2007, Revista 4519/06 – 2ª Secção, de 22.06.2006, Revista n.º 610/06 – 2ª Secção, de 14.12.2006, Revista n.º 3861/06 – 6ª Secção, de 29.03.2007, Revista n.º 558/07 e de 28/06/2007, Revista 2607/06 – 7ª Secção).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No acórdão atrás referido de 14.12.06 são ainda citados, no mesmo sentido, os acs. de 21.11 | [0 0 0 ... 0 0 0] |
-jJ4u4YBgYBz1XKv6A1M | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>1)</font><b><font> AA, Lda </font></b><font>intentou a presente acção contra </font><b><font>BB, SA </font></b><font>e</font><b><font> Município de Lisboa </font></b><font>(chamado como</font><b><font> </font></b><font>interveniente principal), pedindo que a R BB seja condenada a pagar-lhe o montante de € 300.000, como indemnização pela afectação exclusiva de 2 lugares de estacionamento do parque que construiu ao abrigo do direito de superfície e pelo exercício da servidão da passagem para serviço e acesso à Subestação Eléctrica da concessão da R. Subsidiariamente, pediu a condenação do Município a pagar-lhe, na parte proporcional, a indemnização formulada contra a R BB pela redução do rendimento desse parque, resultante da diminuição da área que ficou impedida de explorar e demais prejuízos, caso se provasse que foi o chamado que promoveu e decidiu, em exclusivo ou em comparticipação, constituir servidão de acesso à subestação eléctrica da R BB, através do edifício da A, com ocupação permanente de uma parte deste.</font><br>
<font>Para tanto, a A alegou, em síntese:</font><br>
<font>- É dona de um parque subterrâneo que explora e por si construído horizontalmente em terreno do Município mediante acordo celebrado com este, tendo em vista 499 lugares de estacionamento; </font><br>
<font>- Tal construção contornou horizontalmente uma subestação eléctrica (SE) da R BB, lá instalada e afecta ao serviço público de distribuição de energia eléctrica, que foi salvaguardada pelo projecto de obra aprovado pela CML;</font><br>
<font>- No contrato de constituição do direito de superfície não constava que a obra da A ficasse onerada por qualquer servidão de passagem ou de estacionamento de veículos ou pessoas em benefício dessa SE e no projecto aprovado pela CML mantinha-se o acesso à mesma por vãos existentes na laje de cobertura, tipo alçapão; </font><br>
<font>- Na fase final da obra da A, a R BB submeteu a aprovação um projecto de alteração para abertura de acesso à SE através da cave -2, criando um novo acesso lateral, ao nível e através do piso -2, dotado de uma antecâmara, que implicava a anulação de um lugar de estacionamento; </font><br>
<font>- A A manifestou a sua concordância a essa alteração, condicionando-a ao ressarcimento pela ocupação do lugar de estacionamento, não tendo a R BB negado a legitimidade dessa sua pretensão; </font><br>
<font>- Para acesso e passagem para a SE a R BB acabou por afectar ao seu uso exclusivo dois lugares de estacionamento, por imposição das entidades que aprovaram a alteração; </font><br>
<font>- A R BB nunca comunicou a sua rejeição ou reserva à pretensão indemnizatória da A e, iniciada por esta a exploração do parque em 1-10-2001, a A interpelou a R para proceder ao pagamento da compensação monetária constante da proposta de protoloco de acordo, cujo pagamento a R recusou; </font><br>
<font>- Na sequência, a A propôs no Tribunal de Braga a acção judicial nº 637/03.6TBBRG, reclamando da R o pagamento da referida compensação, a qual foi definitivamente julgada improcedente por não se ter provado que a R se tivesse obrigado a pagá-la, apesar de conhecer a intenção da A de que houvesse lugar a tal retribuição;</font><br>
<font>- A A intentou, então, acção de reivindicação (1922/04.5TVLSB) contra a R BB, pedindo que esta fosse condenada a reconhecer o seu direito em relação aos 2 lugares de estacionamento por ela ocupados, com a consequente condenação a restituir-lhos e a pagar-lhe a indemnização pelo dano resultante da ocupação, bem como a reconhecer que a edificação não se encontrava onerada por qualquer servidão de passagem em favor da subestação da R.</font>
<p><font>- A A invocou, ainda, na sua PI o acórdão deste STJ de 4-05-2010 [proferido no âmbito do referido processo 1922/04 (com cópia a fls. 86-101)], mediante o qual foi decidido julgar improcedentes os pedidos de restituição, de indemnização e de reconhecimento da inexistência de servidão de passagem, que a A aí formulara contra a R BB, ao abrigo do seu direito de superfície. </font><br>
<font> </font>
</p><p><font>2) As RR contestaram, alegando que o novo acesso se tornou necessário naqueles moldes e foi construído antes do parque terminado e de iniciada a sua exploração, pelo que os 2 lugares nunca chegaram a existir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3) A Sra. Juíza veio a proferir no saneador decisão sobre o mérito da causa, julgando a acção improcedente e absolvendo as RR dos pedidos formulados pela A.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4) A A interpôs apelação dessa sentença, que foi confirmada pela Relação de Lisboa por acórdão de que a A veio interpor recurso de revista, com fundamento em ofensa do caso julgado [art. 629º nº 2 a) do CPC </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>] e contradição com acórdão do STJ já transitado (art. 672º nº 1 c)].</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5) O Sr. Desembargador Relator, considerando verificada a dupla conformidade entre as decisões de ambas as instâncias, admitiu a revista excepcional. Porém, a Formação deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do art. 672º entendeu não ser relevante a questão da dupla conforme para o sistema especial de filtragem previsto no citado art. 629º nº 2 a), a hipótese dos autos, e que este prevalece sobre o sistema geral contido naquele art. 672º, pelo que decidiu não admitir a revista excepcional e determinar que os autos fossem distribuídos como recurso de revista normal. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6) Este Tribunal, mediante acórdão de 27-04-2017 (fls. 848-864), depois de considerar que a Relação confirmara, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão de 1ª instância, decidiu não tomar conhecimento do recurso de revista por não estar demonstrado o primeiro dos fundamentos em que a recorrente assentava a sua pretendida admissibilidade, a ofensa do caso julgado [art. 629º nº 2 a)], quanto à violação, quer da autoridade do caso julgado formado na revista nº 1922/04.5TVLSB.S1, quer do alegado caso julgado formal advindo dos despachos de 8-05-2014 – complementado com o de 14/5 subsequente – e de 12-11-2014.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7) Na sequência, a recorrente veio requerer (fls. 871-880) a apreciação preliminar sumária da verificação do segundo pressuposto invocado (art. 672º) para o conhecimento do objecto do recurso, como revista excepcional. Deferida tal apreciação à Formação prevista no nº 3 do art. 672º, esta acolheu a pretensão formulada e decidiu admitir o recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672º nº 2 c), por entender haver contradição entre o acórdão da Relação recorrido e o acórdão do STJ, já transitado, de 5-05-2005 (p. 05B691). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8) A recorrente delimitou o objecto do recurso de revista com conclusões em que, para além da questão da violação do caso julgado, já definitivamente defrontada naquele acórdão de 27-04-2017, suscitava as questões de saber se o acórdão recorrido sofria de nulidades por: </font>
</p><p><font>- Omissão de pronúncia sobre a questão de os factos julgados provados nas ações 637/03.6TBBRG e 1922/04.5TVLSB terem sido tidos por assentes nesta acção, com violação dos princípios que regulam a prova e sem julgamento ou qualquer análise crítica justificativa;</font>
</p><p><font>- Conhecimento de questão de que nele não se podia tomar conhecimento (ao considerar, em aditamento aos fundamentos da sentença, que a A, por transação, renunciara a ser indemnizada pelo Município).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9) Este Tribunal, por acórdão de 17/10/2017, decidiu anular o acórdão recorrido e determinar a devolução dos autos ao Tribunal da Relação para que, nos termos que indicou, conhecesse do objecto da apelação na parte correspondente à arguida omissão de pronúncia quanto à questão de o julgamento de direito se estribar nos factos tidos por assentes nas acções nºs 637/03.6TBBRG e 1922/04.5TVLSB, que a ora A intentara anteriormente, sendo que na primeira não interviera o ora demandado Município de Lisboa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>10) Por acórdão sequentemente proferido em 13/11/2018, a Relação, cumprindo o determinado quanto à supressão da aludida omissão, consignou, de novo, como assentes os factos como tal julgados nas aludidas acções nºs 637/03.6TBBRG e 1922/04.5TVLSB, por entender dever acatar-se a autoridade do caso julgado formado pelo decidido em tais acções, uma vez que os respectivos objectos se inscrevem, como pressupostos indiscutíveis, no objecto desta posterior acção. </font>
</p><p><font>E, na sequência, decidiu manter a decisão de 1ª instância por ter concluído que essa factualidade não confere à A o pretendido direito a indemnização, uma vez que não se lhe afigurou que lesasse direitos ou legítimas expectativas da mesma «</font><i><font>a mudança da servidão, por imposição da construção do parque de estacionamento subterrâneo e das obras de requalificação da Praça da Figueira, passando o acesso à SE da R BB a ser feito horizontalmente e implicando, na fase de construção e antes de iniciada a exploração do parque, a supressão de dois lugares de estacionamento no piso -2</font></i><font>», porquanto «</font><i><font>quer a ocupação/afectação exclusiva de 2 lugares de estacionamento para permitir o acesso à SE da R BB, quer o exercício da servidão de passagem pela mesma R para serviço e acesso à SE não constituem fundamento para afirmação do direito</font></i><font>».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>11) Inconformada, a A interpôs novo recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> cujo objecto delimitou com extensas conclusões nas quais, depois de relembrar o atribulado percurso dos autos já sinopticamente exibido – tendo, designadamente, enunciado as questões já definitivamente defrontadas nos acórdãos deste Tribunal de 27/04/2017 e de 17/10/2017 –, recoloca as questões de saber se:</font>
</p><p><font>a) deve o processo ser remetido à 1ª instância, para julgamento dos factos alegados na presente acção, uma vez que não poderiam ser transpostos para esta os factos tidos por assentes nas precedentes acções;</font>
</p><p><font>b) a autoridade do caso julgado formado pelo decidido na acção 1922/04 de que que a edificação, quando a A já era dela proprietária superficiária, foi onerada com a constituição de uma servidão administrativa de passagem promovida pela R BB (com ocupação acessória de 2 lugares de estacionamento estende-se a este processo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>12) Contra-alegou o demandado Município de Lisboa, invocando a inadmissibilidade do recurso, ao abrigo do art. 671º nº 3.</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>Cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. </font><u><font>A inadmissibilidade do recurso</font></u><font>.</font>
</p><p><font>O demandado Município de Lisboa invoca a inadmissibilidade do recurso, por se verificar a “dupla conforme” das decisões das instâncias, mas sem razão.</font>
</p><p><font>Com efeito, no âmbito da sua competência exclusiva e definitiva, a Formação deste Supremo prevista no nº 3 do art. 672º, não obstante se verificar, então, essa dupla conformidade, decidiu admitir o primeiro recurso de revista, ao abrigo do art. 672º nº 2 c), por entender haver contradição entre o primeiro acórdão da Relação e um acórdão do STJ já transitado (de 5-05-2005). Na sequência, por acórdão de 17/10/2017, foi anulado esse acórdão da Relação e a esta remetido o processo para que conhecesse do objecto da apelação, na parte correspondente à questão de o julgamento de direito se estribar nos factos tidos por assentes nas acções nºs 637/03.6TBBRG e 1922/04.5TVLSB.</font>
</p><p><font>E é do acórdão sequentemente proferido pela Relação (em 13/11/2018) e que cumpriu o determinado que vem agora interposto este novo recurso de revista e não, naturalmente, do que, por ter sido anulado, ficou sem qualquer efeito.</font>
</p><p><font>Ora, é inevitável constatar que o acórdão que agora vem impugnado não é sobreponível à sentença de 1ª instância, precisamente por ter sido proferido em obediência ao decidido por este Tribunal e, por isso, como o próprio arguente o reconhece, ter suprido a omissão assacada ao anulado e decidido – bem ou mal, por agora não releva – a questão da atendibilidade dos factos apurados nas ações anteriormente julgadas, em face da autoridade de caso julgado.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>2. </font><u><font>A autoridade do caso julgado</font></u><font>.</font><br>
<font>Como é sabido, o âmbito do recurso, para além dos eventuais casos julgados formados nos autos, é confinado pelo objecto (pedido e causa de pedir) da acção, pela parte dispositiva da decisão impugnada desfavorável ao impugnante e pela restrição feita pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição e nas conclusões da alegação (art. 635º). Portanto, é em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada, das conclusões da alegação da recorrente e dos casos julgados entretanto formados que se determinam as concretas questões controversas que importa resolver. </font>
</p><p><font>Alega a recorrente que o acórdão recorrido sofre de ilegalidade por fazer assentar o julgamento de direito desta ação nos factos julgados provados nas acções anteriores (637/03.6TBBRG e 1922/04.5TVLSB) e de os reputar como fundamento para qualificar de “mera mudança de servidão” a abertura do novo acesso à SE da R BB no seu parque de estacionamento, quando, na acção 1922/04.5TVLSB, esses mesmos factos tinham levado o STJ a admitir (“em tese”) o direito da A à indemnização pelo exercício pela R BB do acesso à SE pela sua (nova) abertura através do parque da A, com a inerente ocupação de 2 lugares de estacionamento, como consubstanciando a constituição de uma servidão administrativa, que passou a onerar o direito [de propriedade superficiária] da A.</font>
</p><p><font>Contrariamente ao pretendido pela recorrente, a questão da autoridade do caso jugado formado pelo decidido na acção 1922/04.5TVLSB está já arrumada nos termos da resposta (negativa) obtida nestes autos no aludido acórdão de 27/04/2017, a que estamos vinculados pela razão inicialmente exposta, o que obsta a que se repondere a sua pretensão a que se tenha por adquirido neste processo que a edificação, quando já era dela proprietária superficiária, foi onerada com a constituição de uma servidão administrativa de passagem promovida pela R BB.</font>
</p><p><font>Porém, também defende a recorrente que, considerando-se não coberta pelo caso julgado a mencionada ponderação sobre a qualificação da abertura do dito acesso como constituição de servidão administrativa, </font><u><font>os autos prossigam para instrução e julgamento da matéria de facto alegada</font></u><font> nos articulados e que importam ao reconhecimento de que a serventia realizada pela R corresponde à constituição de uma servidão administrativa, por expropriação de facto. </font>
</p><p><font>E o certo é que, independentemente da qualificação jurídica que possa vir a ser definitivamente oferecida aos moldes em que o direito de propriedade superficiária da A sobre o edificado no solo pertencente ao demandado Município acabou por ficar onerado com a dita “serventia”, não se antolha, </font><i><font>in limine</font></i><font>, atendendo à matéria de facto alegada, a possibilidade de arredar a verosimilhança da existência do direito à indemnização exercido pela A, fundado na alteração/afectação do gozo proporcionado por esse seu direito, relativamente ao que lhe seria facultado pelos termos em que os outorgantes do contrato que o instituiu configuraram a extensão do conteúdo do respectivo gozo: com tal alteração, o acesso pela R BB aos seus equipamentos e instalações passou a exercer‑se através do parque da A e a impor a ocupação de 2 lugares de estacionamento, quando, nos termos de tal contrato, o mesmo seria feito através de aberturas (alçapões) existentes à superfície do solo (P..... e, por isso, em nada contenderia com o gozo proporcionado à A pelo seu direito sobre a edificação em toda a sua área, da qual já estava, antecipadamente, excluída a afecta às instalações daquela R.</font>
</p><p><font>Segundo tudo indicia, foi já no decurso dos trabalhos de construção do parque de estacionamento que foi tomada a decisão de que o acesso pela R BB às suas instalações passasse a ser feito horizontalmente – ou seja, dentro do dito parque –, por razões, naturalmente, estranhas à própria A porque ligadas à requalificação da superfície da Praça, à segurança e à (melhor) acessibilidade a tais instalações. </font>
</p><p><font>E a plausibilidade desse fundamento – aliás, admitida pela “tese” (apenas) aventada na decisão que este Tribunal proferiu nos autos 1922/04.5TVLSB – não se mostra ilidida, sem mais, com a </font><u><font>contrapartida</font></u><font> que esteja a ser paga pela A em função do número de lugares de estacionamento efectivamente explorados ou, sequer, com o teor da transação celebrada na acção administrativa (186/2003) entre o ora demandado Município e a A, apenas relativa ao valor dos </font><u><font>trabalhos realizados</font></u><font> na Praça da Figueira, à superfície ou subterrâneos.</font>
</p><p><font>Realmente, é de ponderar a argumentação aduzida pela recorrente com que sustenta, por um lado, que o alcance de tal transação se queda pelo valor dos trabalhos realizados – como o respectivo texto aparenta sugerir –, não abarcando a renúncia da A à indemnização pela afectação do seu direito de superfície, e, por outro, que o que estará em causa será a medida dessa afectação, sendo certo que no “deve e haver” a computar na delimitação do </font><i><font>quantum</font></i><font> que, eventualmente, seja arbitrado não poderá deixar de ser sopesado o montante da contrapartida (</font><i><font>cânon </font></i><font>superficiário) a que a A se encontre adstrita em função do número de lugares de estacionamento efectivamente explorados.</font>
</p><p><font>Ora, a questão da (indevida) transposição para estes autos dos factos tidos por assentes nas precedentes acções fora já suscitada na apelação (conclusões 11ª, 13ª, 21ª e 22ª), invocando a recorrente (então apelante), em relação a parte de tais factos, inexactidão e contradições com alguns dos alegados nesta acção </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font> e rejeitando a autoridade do caso julgado sobre os factos. </font>
</p><p><font>Sobre a referida transposição dos factos já ficou dito no acórdão deste Tribunal de 17/10/2017 que, não tendo havido, em qualquer das instâncias, julgamento sobre a matéria de facto ou qualquer análise crítica justificativa dessa opção, a mesma não poderia ser encarada como tendo sido determinada por uma putativa decisão implícita fundamentada na eficácia extraprocessual das provas produzidas nos anteriores processos, ao abrigo do princípio consagrado no art. 421º, nº 1, com a interpretação que lhe ofereceu o acórdão deste Tribunal de 5-05-2005 (p. 05B691), sendo que, de todo o modo, explicitou-se o entendimento de que, ainda que se pudesse configurar ter havido uma pronúncia implícita com tal alcance, subsistiria a questão da invocada violação dos princípios que regulam a prova pela decisão de 1ª instância – e, por consequência, também pela da Relação –, dado não ter havido julgamento. </font>
</p><p><font>Por outro lado, no mesmo acórdão também foi abordada a questão de tal determinação poder resultar de uma decisão, necessariamente implícita, fundamentada na autoridade do caso julgado, com que se pretendesse evitar a contradição de julgados, perante a existência de anteriores decisões, em concreto, potencialmente incompatíveis, o que pressuporia a decisão (transitada) de determinadas questões que já não poderiam agora voltar a ser discutidas.</font>
</p><p><font>Constata-se que no acórdão ora recorrido a Relação (re)emitiu a sua pronúncia sobre a pretensão formulada pela A na acção, depois de ter, de novo, corroborado a selecção dos factos tidos por assentes nas precedentes acções (637/03.6TBBRG e 1922/04.5TVLSB), invocando, agora, a autoridade do caso julgado formado pelo nelas decidido, por entender que, pela «</font><i><font>sua manifesta relação, conexão e prejudicialidade, em relação ao caso sub judice</font></i><font>», o respectivo «</font><i><font>objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto </font></i><font>[desta]</font><i><font> acção posterior»</font></i><font>: mantendo a matéria de facto que se considerara provada em 1ª instância, com ela concluiu que o direito à indemnização pretendida pela A não é conferido pela «</font><i><font>mudança da servidão, por imposição da construção do parque de estacionamento subterrâneo e das obras de requalificação da Praça da Figueira</font></i><font>».</font>
</p><p><font>É certo que, como já exposto nos anteriores acórdãos de 27-04-2017 de 17/10/2017, «</font><i><font>entendemos que os considerandos decisórios conducentes ao dispositivo de decisão proferida numa anterior acção poderão estar, ou não, abrangidos pelo caso julgado material, consoante o sentido e o alcance que a interpretação de tal decisão lhes fixe, a qual aferirá da eficácia do caso julgado, dela excluindo os julgamentos sobre questões de facto e de direito por ela não abarcados, ainda que integrem os fundamentos de tal decisão</font></i><font>». </font>
</p><p><font>Com efeito, ainda que no último de tais acórdãos não se tenha suprido a nulidade advinda da omissão de pronúncia sobre tal questão, por ser vedado pelo comando do art. 779º, não deixou de se enunciar, na conjugação de ambas essas decisões, o entendimento – expresso de modo que ousamos estimar claro – sobre os requisitos da inclusão pelo caso julgado material dos considerandos decisórios conducentes ao dispositivo de decisão proferida numa anterior acção.</font>
</p><p><font>Para evitar inútil reprodução, avocamos aqui esse entendimento quanto aos pressupostos da força de “</font><i><font>res judicata”</font></i><font> conferida ao conteúdo da decisão sobre as </font><u><font>questões ou pretensões</font></u><font> suscitadas e às respectivas premissas, se absolutamente determinantes, e à decorrente vinculação do tribunal, na acção subsequente, a tudo o que esteja coberto pela autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida na causa anterior </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. </font>
</p><p><font>Todavia, sempre reiteramos que o reconhecimento de tal força dependeria da constatação de que, nesta e em ambas as mencionadas acções anteriores, estaríamos perante a mesma relação jurídica, com os </font><u><font>mesmos sujeitos</font></u><font> e com evidente </font><u><font>conexão entre os objectos</font></u><font> de ambas as acções, ainda que não se verificasse inteira identidade quanto ao pedido e à causa de pedir nelas apresentadas. Depois, haveria que aferir se poderia ser tido por prejudicial, «</font><i><font>em relação ao caso sub judice</font></i><font>», o conteúdo de qualquer decisão proferida em tais acções sobre questões ou pretensões nelas suscitadas e das respectivas premissas se absolutamente dela determinantes </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font>
</p><p><font>Posto isto, estão fora dessa cogitação quaisquer decisões tomadas na acção 637/03.6TBBRG porque nela não intervieram os mesmos sujeitos da ora em apreciação.</font>
</p><p><font>Já no que concerne ao encadeamento verificado entre esta e a acção 1922/04.5TVLSB é certo que estamos perante a mesma relação jurídica, com os mesmos sujeitos e uma certa conexão entre os objectos de ambas as acções, embora sem identidade quanto ao pedido e à causa de pedir nelas aduzidas.</font>
</p><p><font>Relembramos que nessa acção (de reivindicação) nº 1922/04 foi decidido julgar improcedentes os pedidos que a A, ao abrigo do seu direito de superfície, aí formulara contra a R BB de restituição, de indemnização e de reconhecimento da inexistência de servidão de passagem. </font>
</p><p><font>Da fundamentação dessa decisão fazia parte o seguinte discurso argumentativo: [A alteração, determinando] «</font><i><font>a inutilização de dois lugares de estacionamento</font></i><font> (…) </font><i><font>apenas </font></i><i><u><font>terá sido</font></u></i><i><font> aceite pela A no pressuposto de um entendimento com a R e por forma a ficcionar-se uma avença permanente dos ditos dois lugares</font></i><font>» (…). </font><i><font>Não podendo, assim, discutir-se o direito da BB a aceder à subestação subterrânea através do parque, então em fase de conclusão dos trabalhos, também se não pode questionar o direito, </font></i><i><u><font>em tese</font></u></i><i><font>, da A ser indemnizada pelos prejuízos que derivam da limitação e não aproveitamento da utilidade própria do espaço concedido pela CML </font></i><font>(...) </font><i><font>isto justamente por as servidões necessárias para a prossecução do interesse público, no caso desempenhada pela referida subestação, dão direito a uma indemnização nos termos gerais definidos no actual Cód. das Expropriações – art° 8º – e nos termos específicos da legislação própria das instalações eléctricas</font></i><font>». E concluiu assim: «</font><i><font>A indemnização a que possa ter jus a A e que </font></i><i><u><font>não vamos aqui discutir o respectivo acerto e sustentação</font></u></i><i><font> com base nos lugares de estacionamento existentes e não taxados, terá, por isso, de </font></i><i><u><font>ser estruturada noutros moldes</font></u></i><i><font>, face a ser inviável a restituição pretendida</font></i><font>» (sublinhados nossos). </font>
</p><p><font> Esta “tese” sobre a hipotética indemnização a que a A pudesse ter </font><i><font>jus</font></i><font> veio, depois, a ser aclarada por acórdão proferido em 13-7-2010, nestes termos: «</font><i><font>não podendo o tribunal que, de resto não se pronunciou senão em termos teóricos sobre o direito da A, fazer valer ou poder fazer o direito à indemnização com base na eliminação de lugares de estacionamento previstos e da perda do inerente rendimento, porventura não compensável pelos existentes e não taxados no âmbito do contrato de concessão</font></i><font> (…)» </font>
</p><p><font>Com efeito, a factualidade tida por assente naquela acção baseou o juízo nela formulado quanto à improcedência da pretensão indemnizatória da A por a «</font><i><font>limitação e não aproveitamento da utilidade própria do espaço concedido pela CML</font></i><font>» advirem de uma servidão necessária para a «</font><i><font>prossecução do interesse público</font></i><font>», pelo que, se não se poderia questionar o direito, “em tese” ou “em termos teóricos”, de os prejuízos que derivam dessa limitação serem ressarcidos «</font><i><font>nos termos gerais definidos no actual Cód. das Expropriações – art° 8º - e nos termos específicos da legislação própria das instalações eléctricas</font></i><font>», a sua indemnização teria «</font><i><font>de ser estruturada noutros moldes</font></i><font>».</font>
</p><p><font>E, nesta acção, as instâncias consideraram, ainda que sem uma análise crítica, que essa factualidade seria para aqui transponível, tendo, depois, concluído que a mesma não conferiria à A o pretendido direito à indemnização, assim rejeitando liminarmente a plausibilidade de qualquer solução jurídica conducente ao reconhecimento desse direito, apesar de admitida, nos apontados moldes, pela decisão proferida na dita acção 1922/04.</font>
</p><p><font>Ora, repetimos, independentemente da qualificação jurídica que aqui se possa vir a adquirir para a limitação estabelecida ao gozo do direito de propriedade superficiária da A relativamente ao que seria facultado pelos termos estipulados no contrato que o instituiu, não vislumbramos qual possa ser a relação de prejudicialidade, que justifique a questionada importação de factos naquela assentes, entre as premissas determinantes de qualquer das decisões obtidas nessa acção 1922/04 e o objecto desta.</font>
</p><p><font>Na verdade, excluindo desta ponderação, à partida, a decisão sobre o pedido de restituição – relativamente à qual, obviamente, nenhuma dependência pode ter o objecto desta acção –, também quanto às demais decisões obtidas – de improcedência dos pedidos de indemnização e de reconhecimento da inexistência de servidão de passagem – não vemos qual possa ser a conexão relevante, para o efeito em apreço, entre as já sintetizadas premissas que as determinaram e o objecto desta acção.</font>
</p><p><font>Assim, a aferição do concreto conteúdo das decisões proferidas na acção 1922/04 sobre as questões ou pretensões nela suscitadas não permite corroborar a afirmação genérica emitida pela Relação de que o decidido nessa acção teria «</font><i><font>manifesta relação, conexão e prejudicialidade, em relação ao caso sub judice</font></i><font>».</font>
</p><p><font>Por conseguinte, deve o processo ser remetido à 1ª instância para que as questões colocadas pela pretensão indemnizatória deduzida pela A possam vir a ser ponderadas, sem a questionada importação, mas apenas com base nos factos articulados na presente acção e julgados assentes de entre os que forem objecto de seleção, à luz das regras de processo que a hão-de reger.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos estritos termos expendidos, procede o recurso e mostra-se prejudicado o conhecimento das demais sub-questões nele suscitadas.</font><br>
<font>*</font>
</p><p><u><font>Decisão</font></u><br>
<font>Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e, por consequência, decide-se revogar o acórdão recorrido, anular a sentença do Tribunal de 1ª instância e determinar a devolução a este dos autos para que, nos termos acima indicados, selecione os factos que importam para o conhecimento da pretensão indemnizatória deduzida pela A, apenas de entre os articulados na presente acção, seguindo-se, depois, os normais termos do processo. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Custas deste recurso pela parte vencida a final. </font><br>
<font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 14 Maio de 2019</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alexandre Reis (Relator)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lima Gonçalves</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Fátima Gomes</font>
</p><p><font>es</font>
</p><p>
</p><p><font>____________________________</font><font>_</font>
</p><p><a><u><font>[1]</font></u></a><font> Código a que pertencem todas as normas que se citarem sem indicação da respectiva fonte.</font>
</p><p><a><u><font>[2]</font></u></a><font> Segundo alegou a recorrente, além de se verificar alguma contradição entre os factos de cada uma das ações, a CML não foi parte na ação de 2003 e na presente acção adoptou uma posição contraditória com a dos factos mais relevantes para a qualificação da servidão constituída (exemplo dos artºs 14º, 15º e 21º da sua Contestação e Doc. 2 junto à mesma (o novo acesso não foi determinado pela A nem pela CML, antes foi determinado e promovido pela R e a Câmara não se responsabilizou nem assumiu resolver com a A eventuais alterações consequentes da oneração do parque com o novo acesso).</font>
</p><p><a><u><font>[3]</font></u></a><font> Lembrou-se, a título de mero exemplo, que, se uma acção de reivindicação for julgada improcedente por nela se ter provado uma factualidade que permita concluir ter sido cedido o gozo da coisa reivindicada mediante o pagamento de uma renda, não faria sentido que, entre as mesmas partes, numa posterior acção, por hipótese de despejo, se possa ter como controversa tal factualidade. </font>
</p></font><p><font><a><u><font>[4]</font></u></a><font> O que, como então se registou, não abarca os meros argumentos de «exegese jurídica ou de exposição doutrinária», pois o caso julgado apenas se destina a obstar decisões concretamente incompatíveis e não a colisão teórica de decisões.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
-jKOu4YBgYBz1XKvtxoC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>I – Relatório</font></b><font>.</font>
</p><p><font>AA, intentou acção ordinária, contra BB, pedindo que se declare: </font>
</p><p><font>Que o Réu BB não emprestou à Autora AA a quantia de 18.064.000$00 a que se refere a escritura pública outorgada no dia 22 de Dezembro de 2000, descrita na petição inicial; </font>
</p><p><font>Que o outorgante CC, na qualidade de procurador da Autora e no uso dos poderes que lhe tinham sido conferidos pela procuração junta a esta petição, ao confessar que a Autora é devedora ao Réu BB da quantia de 18.064.000$00, nos demais termos dessa escritura pública, e o Réu BB ao declarar que aceitava aquela declaração ou contrato, tinham conhecimento que isso não correspondia à verdade e que através da divergência entre essas declarações e a vontade real, pretendiam enganar terceiros; </font>
</p><p><font>e que se declare nulo o contrato celebrado através da referida escritura. </font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese, que: </font>
</p><p><font>- por procuração outorgada na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim e aí arquivada no 10.º Cartório, a Autora AA constituiu seu mandatário o seu filho DD, divorciado, a quem, entre outros, conferiu poderes para fazer e aceitar confissões de dívida, contrair empréstimos junto de quaisquer bancos, constituir hipotecas a favor de terceiros para garantia de quaisquer financiamentos ou empréstimos, penhorar ou hipotecar o prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...; </font>
</p><p><font>- a Autora tinha dois filhos, o citado CC e outro EE, falecido em Setembro de 1996, no estado de divorciado; </font>
</p><p><font>- àquele EE sucederam-lhe dois filhos, FF e GG, residentes em …, ..…, França, que da Autora são netos; </font>
</p><p><font>- a Autora é septuagenária e está internada num Lar da Terceira idade, sendo que o objectivo de constituir mandatário o seu filho CC era o de evitar deslocar-se aos mais diversos locais, tais como Repartições Públicas e Bancos; </font>
</p><p><font>- a Autora paga uma mensalidade no Lar onde se encontra e podendo supostamente necessitar de alguma intervenção cirúrgica ou tratamento médico e medicamentoso, passou a procuração em causa ao seu filho CC para poder contrair empréstimos e prestar garantias necessárias a esses empréstimos, e tudo exclusivamente no interesse da Autora e o seu valor utilizado na satisfação dessas necessidades; </font>
</p><p><font>- a Autora veio agora a saber que o CC mantinha negócios com o Réu JJ e este conhecedor da existência da indicada procuração e dos poderes que, através dela, eram conferidos ao CC, propôs a este que, através da competente escritura pública se confessasse devedor de determinada quantia e que, em garantia do seu pagamento fosse constituída hipoteca naquele prédio rústico atrás identificado; </font>
</p><p><font>- o CC e o Réu BB acabaram por combinar entre eles como capital em dívida o montante de 18.064.000$00 e declarar que a Autora devia ao Réu essa importância, proveniente do empréstimo. </font>
</p><p><font>O réu apresentou contestação, defendendo-se por excepção de ilegitimidade e caso julgado, bem como por impugnação. </font>
</p><p><font>Em síntese, invoca a ilegitimidade activa, porquanto a escritura pública em causa foi outorgada por DD na qualidade de procurador (e em representação) da sua mãe ora Autora, ou seja, os respectivos poderes de representação foram conferidos pela Autora ao seu filho CC através da procuração irrevogável no interesse exclusivo do procurador; assim, o titular do interesse relevante ao objecto da presente acção é o DD, razão pela qual a autora é parte ilegítima na presente acção; invoca ainda o Réu ilegitimidade passiva do Réu HH em relação ao pedido da alínea b) ao pretender-se uma declaração em relação ao CC que não foi demandado na presente acção; excepciona, ainda, o caso julgado, porque a Autora no processo n.º 414/97, nos autos de execução para pagamento e quantia certa com processo ordinário que lhe é movida pelo Banco II e, na sequência da penhora nos aludidos autos sobre o imóvel que fora objecto de penhora, regularmente citado na sua qualidade de credor com garantia real veio apresentar a reclamação de créditos contra a Autora com base no celebrado através de escritura pública referida no art. 16.º da p.i., mas por decisão proferida em 14.5.2003, no apenso B e já transitada em julgado foi o crédito do ora contestante julgado verificado e graduado em 2° lugar, logo a seguir ao crédito reclamado pelo M.ºP.º; no que concerne à cumulação de pedidos, o Réu sustenta que o pedido formulado pela Autora na alínea a) é incompatível com os formulados nas alíneas b) e c). </font>
</p><p><font>Conclui pedindo a condenação da Autora como litigante de má fé. </font>
</p><p><font>A autora respondeu às excepções. </font>
</p><p><font>A sentença – cfr. fls. 473 a 483 – proferida julgou a acção improcedente, absolvendo o réu dos pedidos que contra si haviam sodo formulados. </font>
</p><p><font>Interposto recuso de apelação – cfr. fls. – o Tribunal da Relação do Porto em decisão datada de 16 de Maio de 2013, decidiu julgar a apelação improcedente.</font>
</p><p><font>Após várias vicissitudes processuais – v.g. incidente de suspeição da Juíza Desembargadora relatora e incidente de habilitação de herdeiros – veio o ora recorrente apresentar recurso de revista, para o que ressuma o quadro conclusivo que a seguir queda extractado.</font>
</p><p><b><font>I.a. – Quadro conclusivo</font></b><font>.</font>
</p><p><u><font>Para o pedido de reforma do acórdão – cfr. fls. 872 a 882</font></u><font>. </font>
</p><p><font>“</font><i><font>Pelo que se requer a V.ªs Ex.ªs a reforma do acórdão nos seguintes termos:</font></i>
</p><p><i><font>1.º as testemunhas indicadas JJ e KK não são testemunhas do Réu, devendo ficar a constar que são testemunhas da Autora;</font></i>
</p><p><i><font>2.º que na audição dos seus depoimentos não existem elementos a confirmar a versão do Réu;</font></i>
</p><p><i><font>3.º as quais depuseram a confirmar a versão da Autora;</font></i>
</p><p><i><font>4.º a testemunha LL, arrolada pelo Réu, referiu que não se lembrava de nada, como funcionário do Cartório Notarial onde se realizou a escritura há alguns anos, e que já se encontrava reformado;</font></i>
</p><p><i><font>5.º a testemunha MM, arrolada pelo Réu, declarou que foi ele próprio que emprestou o cheque de fls. 350 e fls. 498 para ser emprestado o dinheiro ao referido procurador da Autora;</font></i>
</p><p><i><font>6.º o referido cheque de 15.000.000$00 foi junto pelo Réu para prova do empréstimo discutido nestes autos;</font></i>
</p><p><i><font>7.º o qual não foi emitido a favor do Procurador;</font></i>
</p><p><i><font>8.º que levantou directamente no PP BCP;</font></i>
</p><p><i><font>9.º tendo depositado 12.000.000$00 na sua conta;</font></i>
</p><p><i><font>10.º o fax da NN enviado pelo BB dirigido ao CC, exige o pagamento com os juros , no total de 17.920 contos, reporta-se a este e não ao outro empréstimo;</font></i>
</p><p><i><font>11.º nunca tendo existido qualquer outro cheque que titule o empréstimo ao procurador;</font></i>
</p><p><i><font>12.º não existe cheque, ou qualquer outro comprovativo de entrega de dinheiro do Réu à Autora;</font></i>
</p><p><i><font>Deverá ser considerado como provado que para além deste cheque não existe outro cheque;</font></i>
</p><p><i><font>13.º que nenhum cheque foi emitido pelo Réu a favor da Autora, por confissão deste porque isso resulta da própria alegação do Réu BB com a junção da prova em requerimento de 6 de Novembro de 2006;</font></i>
</p><p><i><font>14.º que o cheque em causa foi emitido a favor de DD no dia 8 de Abril de 1999 pelo Banco … sendo um cheque da conta do Sr. MM e esposa, OO.</font></i>
</p><p><i><font>15.º e que esse cheque foi levantado no banco em causa pelo procurador CC, que foi testemunha simultânea de Autora e Réu.</font></i>
</p><p><i><font>Por tudo isto, estão reunidos todos os elementos para que V. Exªs possam reformar o acórdão, nos termos expostos</font></i><font>.” </font>
</p><p><u><font>Para a modificação/revogação do acórdão recorrido – cfr. fls. 883 a 896</font></u><font>.</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1/ A sentença proferida na 1ª instância, mantida pelo Acórdão da Relação, considerou improcedente a acção, com fundamento nas respostas negativas aos quesitos 3º e 6º da Base Instrutória. </font></i>
</p><p><i><font>2/ Existe no processo prova testemunhal e documental que não foi tida em consideração pelo Tribunal recorrido e que impunha decisão diversa da proferida. </font></i>
</p><p><i><font>3/ No que se refere à apreciação da prova testemunhal, existe um erro manifesto do Tribunal recorrido quando refere que JJ e KK são testemunhas do Réu, o que não é verdade uma vez que as referidas testemunhas foram arroladas pela Autora. </font></i>
</p><p><i><font>4/ O Acórdão recorrido fez uma interpretação contrária, não só quanto aos depoimentos destas testemunhas como da própria posição processual, indicando-as como testemunhas da parte contrária, o que constitui um erro grosseiro e grave. </font></i>
</p><p><i><font>5/Estas testemunhas, no seu depoimento, referiram que a Autora não precisava de pedir dinheiro, tinha passado uma procuração para que o filho lhe tratasse das coisas se ela fosse operada, não tinha pedido dinheiro ao Sr. JJ, que nem conhecia e que nem tinha visto a cor do dinheiro, pois ela mandava-os fazer a actualização da caderneta e esse dinheiro nunca apareceu na caderneta. </font></i>
</p><p><i><font>6/ O Tribunal recorrido, salvo o devido respeito que é muito, errou ao não valorar o depoimento da testemunha DD, aqui Recorrente, a qual foi a única que teve uma participação directa nos factos em crise nos presentes autos, uma vez que outorgou a escritura de mútuo e hipoteca. </font></i>
</p><p><i><font>7/ O Tribunal Recorrido, salvo o devido respeito que é muito, errou ao valorar o depoimento de outras testemunhas que não tiveram participação directa nos factos, afirmando em Tribunal que não se recordavam do sucedido, nomeadamente o Senhor LL, funcionário no Notário da Póvoa de Varzim, local onde foi outorgada a escritura aqui em causa, o qual referiu, como não podia deixar de ser, que não se recordava de nada. </font></i>
</p><p><i><font>8/ Os depoimentos em causa e o cheque que titulou o negócio real demonstram de forma evidente que a escritura de mútuo consubstancia um negócio simulado, do conhecimento do Recorrido. </font></i>
</p><p><i><font>9/Existem nos autos elementos de prova documental, além de depoimentos, que só por si, implicam necessariamente decisão diversa da que foi proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não tomou em consideração e que o douto Tribunal desta Relação, de igual modo, não atentou na importância desses documentos. </font></i>
</p><p><i><font>10/ Salvo melhor opinião, os documentos juntos pela primitiva Autora seriam suficientes, de per si, para o Tribunal, verificando a inexistência de qualquer empréstimo por parte do Réu DD à Autora AA, ter decidido de modo diverso. </font></i>
</p><p><i><font>11/ O Tribunal recorrido entendeu que "O extracto e o cheque de fls. 387 e 388, nada tem a ver com o cheque emitido pelo Réu a favor da autora", existindo nesta decisão um manifesto lapso, porque jamais existiu um cheque emitido pelo Recorrido a favor da primitiva Autora. </font></i>
</p><p><i><font>12/ Nenhuma das partes alegou tal situação, nem mesmo o Recorrido que ao longo da sua douta contestação, mais não referiu que o dinheiro foi recebido pelo procurador e que esse facto não é relevante, atento os termos em que a procuração foi outorgada. </font></i>
</p><p><i><font>13/ O único cheque junto aos autos para provar um qualquer empréstimo é o cheque que o PP faz referência, no valor de 15.000.000$00, o qual foi levantado pelo procurador, aqui Recorrente, no balcão da Praça …, como consta do verso do referido cheque. Tendo de imediato depositado 12.000.000$00 no Banco QQ, o qual se situa na mesma rua. </font></i>
</p><p><i><font>14/ O douto Acórdão proferido entende que este cheque não tem nada a ver com o </font></i><i><u><font>cheque que o Réu emprestou à Autora,</font></u></i><i><font> o que é não exacto, uma vez que foi precisamente através deste cheque que foi feito o empréstimo ao CC, não existindo qualquer outro cheque. </font></i>
</p><p><i><font>15/ Foi o próprio BB que, para provar ter emprestado de facto o dinheiro, que juntou cópia deste cheque por requerimento de 6 de Novembro de 2006 e que requereu que fosse oficiado ao Banco para que juntasse cópia (frente e verso) e informasse a pedido de quem foi emitido. </font></i>
</p><p><i><font>16/ Segundo o ofício do Banco PP e conforme cópia que o Banco juntou aos autos, foi passado a favor do DD, emitido pelo Banco a pedido do MM e da sua esposa, OO, de acordo com as informações bancárias, a fls. 350 e 498, respectivamente, do processo. </font></i>
</p><p><i><font>17/ E que esse cheque foi levantado no banco em causa pelo procurador CC, que foi testemunha simultânea de Autora e Réu. </font></i>
</p><p><i><font>18/ Este cheque, que não foi minimamente valorado pelo Tribunal recorrido, prova de uma forma clara e inequívoca que o negócio de mútuo não foi celebrado com a Autora. </font></i>
</p><p><i><font>19/ Não existe qualquer outro elemento documental nos autos que prove qualquer mútuo do recorrido BB à Autora AA, o que revela que a escritura de mútuo e hipoteca consubstancia um negócio simulado. </font></i>
</p><p><i><font>20/ A simulação é do perfeito conhecimento do Recorrido, uma vez que este tem perfeito conhecimento que não emprestou qualquer quantia à AA. E ao não existir qualquer empréstimo por parte do Recorrido à AA, a escritura de mútuo e hipoteca só pode ter por base um negócio simulado. </font></i>
</p><p><i><font>21/ O Cheque é datado de 8 de Abril de 1999, tendo a escritura de confissão de divida sido outorgada em 22 de Dezembro de 1999, ou seja, cerca de oito meses após a emissão do cheque, o que mais uma vez revela a simulação do mútuo. </font></i>
</p><p><i><font>22/ Ao não entender o supra exposto, existiu uma errada interpretação da prova por parte do Tribunal, o qual, rectificando o erro cometido quanto à posição das testemunhas e fazendo referência ao cheque do PP …, apesar de ter sido junto pelo próprio Recorrido, altera a matéria de fato provada na 1ª instância, designadamente as respostas aos quesitos 3º e 6º </font></i>
</p><p><i><font>23/ Deste modo, há um manifesto lapso na douta sentença da 1ª instância que inquina todo o raciocínio, pelo que o douto Acórdão deste Tribunal, está viciado por esse lapso, partindo do princípio que o empréstimo era feito pelo Réu através de um cheque seu e não usando um cheque de terceiro. </font></i>
</p><p><i><font>24/ Devendo ser alterado o Acórdão, por necessidade de rectificação dos lapsos manifestos que foram cometidos e por conseguinte, ser alterada a matéria de facto, nos termos do disposto no art. 712º do CPC. </font></i>
</p><p><i><font>25/ Tais vícios de raciocínio e de interpretação da prova, constituem uma nulidade de julgamento, e como tal, a decisão deve ser reapreciada. </font></i>
</p><p><i><font>Sem prescindir, </font></i>
</p><p><i><font>26/ Ficou demonstrado que foi o Recorrente que recebeu o valor mutuado e que actuou conluiado com o ora Recorrido (BB). </font></i>
</p><p><i><font>27/ Ficou também demonstrado que o ora Recorrente actuou em conivência com o Recorrido para enganar e causar prejuízo à Autora originária. </font></i>
</p><p><i><font>28/ Ficou demonstrado que a quantia em causa foi entregue ao Recorrente, sendo intenção de ambos que o contrato em causa produzisse efeitos entre os mesmos, e apenas entre estes. De resto, o Recorrido tem pleno conhecimento que nunca emprestou qualquer quantia à AA. </font></i>
</p><p><i><font>29/ A escritura em crise nos presentes autos, mais não foi do que a formalização do negócio realizado em Abril de 1999 através da entrega do cheque que se encontra junto aos autos e que titula a referida quantia, </font></i>
</p><p><i><font>30/ O conluio entre o ora Recorrente e o Recorrido, para retirar do património da Autora originária o imóvel entregue como garantia no negócio simulado manifesta-se pelo facto de através da execução que corre termos sob processo o n.º 414/07 do 2º Juízo do Tribunal de ..., este último ter exigido o pagamento da quantia exequenda mediante a adjudicação do imóvel hipotecado. </font></i>
</p><p><i><font>31/ Sendo certo que o Recorrente usou em seu benefício e não em favor de sua mãe a quantia mutuada, sendo tal facto do conhecimento do Recorrido aquando da outorga da escritura que formalizou o negócio ocorrido meses antes. </font></i>
</p><p><i><font>32/ Assim, ao contrário do que refere o Acórdão recorrido verifica-se que o Recorrente, na qualidade de Procurador utilizou conscientemente a procuração para fins diversos extravasando os limites formais dos poderes que lhe foram conferidos, com conhecimento do Recorrido, sendo ineficaz o negócio jurídico celebrado nos termos do art. 269.º do C.C.. </font></i>
</p><p><i><font>33/ A verdade é única - o empréstimo foi feito ao CC e não á sua mãe, em Abril de 1999 e não em Dezembro de 2000, havendo também simulação na data da escritura de mútuo - e tendo sido adicionados os elevados juros de mais de 3.000 contos, </font></i>
</p><p><i><font>34/ Só passados vários meses, foi celebrado o falso contrato de mútuo em que o procurador se confessou, nessa qualidade devedor ao R, BB, aliás, como se este nessa data, tivesse emprestado à A, a verba mencionada na escritura, sendo do total conhecimento do R. BB que jamais emprestou dinheiro a nenhum deles, e o dinheiro entregue pelo cheque supra mencionado, foi entregue ao Recorrente e exclusivamente para este. </font></i>
</p><p><i><font>35/ Só mais tarde, se tendo convertido em mútuo, e com o objectivo de que fosse o património da A. a pagar ao R. o empréstimo feito ao procurador. </font></i>
</p><p><i><font>36/ É pois justa e necessária a anulação do Acórdão, face a todos os erros e lapsos cometidos quanto aos elementos probatórios. </font></i>
</p><p><i><font>37/ Há pois uma simulação objectiva e subjectiva do negócio pois não era intenção dos outorgantes concretizaram o negócio em causa ou qualquer outro negócio. </font></i>
</p><p><i><font>38/ Quer a declaração do Procurador quer a declaração do BB, são falsas, do seu total conhecimento e praticadas, para que se apoderasse de parte do património da Autora originária, como veio a acontecer na já citada execução. </font></i>
</p><p><i><font>39/ Pelo que, a escritura - seja quanto ao autor do empréstimo, seja quanto ao destinatário, ao momento do dito empréstimo, à quantia em causa - é uma falsidade, sempre com o intuito de defraudar o património da idosa AA e, consequentemente, diminuir o património da herança desta. </font></i>
</p><p><i><font>40/ A simulação constitui numa divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante por acordo entre declarante e declaratório e no intuito de enganar terceiros, conforme dispõe o art. 240º do Código Civil. </font></i>
</p><p><i><font>41/ Segundo a doutrina da confiança, a simulação é a divergência entre a vontade real e o sentido objectivo da declaração, e só produz a invalidade do negócio se for conhecida ou cognoscível do declaratário, tendo sido esta a tese adoptada pela sentença e pelo Acórdão em apreço, que consideram que só podia ser anulado o negócio desde que o Recorrido conhecesse que o dinheiro não era destinado à mandante. </font></i>
</p><p><i><font>42/ A procuração emitida a favor do BB pelo CC (a fls. 388) revela, na verdade, a coacção exercida sobre este, para que emitisse todas as declarações e mais algumas. </font></i>
</p><p><i><font>43/ Não se diga, como sucede com o Acórdão recorrido, de que poderíamos estar perante uma liberalidade da Autora ao Recorrente. </font></i>
</p><p><i><font>44/ O Acórdão recorrido cometeu um erro de raciocínio ao entender que houve um cheque para emprestar o dinheiro à mãe do ora Reclamante por parte do BB, não se apercebendo que, na realidade, o único cheque movimentado para este negócio de empréstimo, foi aquele que a esposa da testemunha MM emitiu, cuja cópia está junta aos autos pelo Réu, e que o Procurador CC depositou na sua conta. </font></i>
</p><p><i><font>45/ O cheque é a prova irrefutável, concludente sem quaisquer sombras de dúvida, que o empréstimo no valor de 15 mil contos foi destinado ao CC, no seu interesse e não no interesse da sua mandante. Cheque este cuja prova é determinante do destino do dinheiro ali mencionado, tendo posteriormente sido celebrada a escritura com o acréscimo de exorbitantes juros. </font></i>
</p><p><i><font>46/ Sobre a mesma situação jurídica, e sobre os mesmos factos que aqui são objecto de superior conhecimento, no processo 3523/06.4TBVCD do Tribunal de ..., que foi procedente na 1ª instância, o Tribunal da Relação de Guimarães, entendeu ouvir os depoimentos testemunhais e fazendo errada interpretação do depoimento da testemunha KK, que se referia ao carinho e confiança da A. nos filhos, á entrega e doação de um outro imóvel ao filho interpretou no sentido de que esta tinha aceitado e autorizado tal declaração da escritura aqui em apreço. </font></i>
</p><p><i><font>47/ Deverá ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a matéria de facto dada como provada, face às declarações e aos documentos juntos aos autos, e conceder- se a anulação da escritura, mútuo e hipoteca do bem em causa. </font></i>
</p><p><i><font>48/ Caso assim se não entenda, deve anular-se o Acórdão recorrido, atento os vícios supra referidos, e substituindo-o por outro que considere procedente a acção. </font></i>
</p><p><i><font>49/ O Acórdão recorrido, ao considerar que se trata de uma liberalidade, sem qualquer prova desse facto, e ao fazer errada alusão a depoimentos testemunhais, como se fossem testemunhas da outra parte, faz errada interpretação dos factos e do Direito, violando o principio constitucional contido no artº 13º da CRP – princípio da igualdade da Justiça, </font></i>
</p><p><i><font>50/ O Acórdão Recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 240º, 241º, 244º e 246º do Código Civil, bem como o artigo 655º do Código de Processo Civil.” </font></i>
</p><p><font>Não foram produzidas contra-alegações. </font>
</p><p><b><font>I.b. – Questões a merecer apreciação</font></b><font>.</font>
</p><p><font>As conclusões retidas no quadro conclusivo que se deixou extractado, consentem que se ressumam as sequentes questões:</font>
</p><p><font>a) – Reforma do acórdão recorrido; </font>
</p><p><font>b) – Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça em sede de matéria de facto;</font>
</p><p><font>c) – Pacto de Simulação.</font>
</p><p><font>d) – Constitucionalidade – artigo 13.º da CRP (principio da igualdade).</font>
</p><p><b><font>II. – Fundamentação</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.a. – De Facto</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Após reapreciação da decisão de facto, requestada pelo recorrente na apelação, o tribunal de apelação manteve a factualidade que vinha adquirida da 1.ª instância.</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1- Por procuração datada de 8 de Abril de 1999, outorgada na Secretaria Notarial da …, e aí arquivada no 1.º Cartório, a A., AA constituiu seu mandatário o seu filho DD, divorciado, a quem, entre outros, conferiu poderes para fazer e aceitar confissões de dívida, contrair empréstimos junto de quaisquer bancos, constituir hipotecas a favor de terceiros para garantia de quaisquer financiamentos ou empréstimos, penhorar ou hipotecar o prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial, sob o n.º ..., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido a fls. 7 a 10 (cfr. al. a). </font></i>
</p><p><i><font>II- A Autora tinha dois filhos: um o CC, outro, EE, falecido em Setembro de 1996, no estado de divorciado (cfr. al. b); </font></i>
</p><p><i><font>III- Ao EE sucederam-lhe dois filhos: FF e GG, que da Autora são netas (cfr. al. c). </font></i>
</p><p><i><font>IV - A Autora é septuagenária (cfr. al. d). </font></i>
</p><p><i><font>V - Por escritura pública, outorgada no dia 22 de Dezembro de 2000, exarado de fis. 10 a fls. 11-verso do Livro n.º 174 e de escrituras diversas do 1.º Cartório da Secretaria Notarial da …, o referido CC, outorgando na qualidade de procurador da Autora e no uso dos poderes que lhe tinham sido conferidos pela procuração junta a esta petição como documento n.º1 declarou (cfr. A). </font></i>
</p><p><i><font>VI- Que confessa devedora a aqui Autora ao aqui Réu da importância de dezoito milhões e sessenta e quatro mil escudos, que aquela recebeu do segundo a título e empréstimo (cfr. 1). </font></i>
</p><p><i><font>VII- O empréstimo vence juros à taxa anual de dez por cento, acrescido de quatro por cento no caso de mora (cfr. n.º2). </font></i>
</p><p><i><font>VIII- Os juros de capital em dívida serão pagos semestralmente, vencendo-se os primeiros juros em vinte e três de Maio de dois mil e um e os restantes nos semestres seguintes (cfr. n.º3). </font></i>
</p><p><i><font>IX- A amortização total do capital terá de ser efectuada até ao dia vinte e três de Abril do ano dois mil e três (cfr. n.º 4). </font></i>
</p><p><i><font>X- O incumprimento ou mora superior a um ano de quaisquer prestações juros, implicará, necessariamente, a imediata resolução do presente contrato e consequente execução da sua garantia, sem prejuízo da indemnização que for devida (cfr. n.º 5). </font></i>
</p><p><i><font>XI - Serão da responsabilidade da aqui A. todas as despesas judiciais e extra judiciais que o segundo outorgante tenha de suportar para conseguir a cobrança da quantia em dívida, bem como as emergentes do presente contrato e respectiva inscrição no registo predial (cfr. n.º 6). </font></i>
</p><p><i><font>XII- A devedora poderá, em qualquer momento, liquidar, total ou parcialmente, o capital em dívida desde que, simultaneamente liquide os juros já vencidos (cfr. n.º 7). </font></i>
</p><p><i><font>XIII- Para garantia do presente contrato o CC em nome da sua representada AA, hipoteca, a favor do Réu BB o prédio rústico no sítio da …, …, sito no lugar …, da freguesia de ..., do concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial desse concelho sob o número mil novecentos e sessenta e oito da mesma freguesia de ..., e nela registado a favor da sua constituinte pela inscrição G-dois e inscrito na matriz sob o artigo …, ao qual atribuem o valor de dezoito milhões e sessenta e quatro mil escudos (cfr. n.º 8). </font></i>
</p><p><i><font>XIV - Por sua vez, o Réu BB declarou que - aceitava aquele contrato nos termos aí exarados; que o CC e a Autora ficavam desonerados de quaisquer contratos de empréstimo que tenham outorgado com ele, com excepção do que acabavam de celebrar (cfr. al. f). </font></i>
</p><p><i><font>XV - A Autora está internada num Lar da terceira idade (cfr. al. g). </font></i>
</p><p><i><font>XVI- A Autora constituiu seu mandatário o filho CC para evitar ter de se deslocar às Repartições Públicas e aos Bancos (cfr. resposta ao quesito 2). </font></i>
</p><p><i><font>XVII- O DD, intervindo na qualidade de procurador da Autora AA declarou que aquela se confessa devedora ao segundo outorgante - BB, da quantia de dezoito milhões e sessenta e quatro mil escudos, que recebeu do segundo a título de empréstimo (cfr. resposta ao quesito 3). </font></i>
</p><p><i><font>XVII- E que em garantia desse pagamento fosse constituída hipoteca sobre o prédio rústico identificado em e), dos factos assentes (cfr. Resposta ao quesito 5). </font></i>
</p><p><i><font>XVIII- Com a celebração do contrato de mútuo com hipoteca sobre o imóvel diminui o valor deste, no montante mutuado, enquanto não for expurgada a referida hipoteca (cfr. resposta ao quesito 7)</font></i><font>.”</font>
</p><p><b><font>II.b. – De Direito</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.b.1. – Reforma do acórdão recorrido. </font></b>
</p><p><font>O recorrente pede a reforma do acórdão recorrido, em síntese, por: i) errónea afectação/imputação das testemunhas JJ e KK (foram-no ao Réu devê-lo-iam ter sido à Autora); ii) que na audição dos seus depoimentos não existem elementos a confirmar a versão do Réu, ao invés confirmaram a versão da Autora; iii) desconhecimento dos factos da testemunha LL, funcionário do Cartório Notarial; iv) declaração da testemunha MM de que tinha sido ele a emprestar o cheque para ser emprestado o dinheiro; v) o cheque foi junto para prova do empréstimo (discutido nos autos) e não foi emitido a favor do procurador que o terá levantado no PP e depositado 12.000.000$00 na sua conta; vi) um fax da NN, enviado pelo BB ao CC exigindo o pagamento de 17.920.000$00, “</font><i><font>reporta-se a este e não ao outro empréstimo</font></i><font>”; vii) não há outro cheque que titule o empréstimo ao procurador e não existe outro comprovativo de entrega de dinheiro do Réu à Autora; viii) nenhum cheque foi emitido pelo Réu a favor da Autora, por confissão deste, porque isso resulta da própria alegação do Réu BB com a junção da prova em requerimento de 6 de Novembro de 2006; ix) o cheque em causa foi emitido a favor de DD, no dia 8 de Abril de 1999, pelo Banco PP sendo um cheque da conta do Sr. MM e esposa, OO; x) que esse cheque foi levantado no banco em causa pelo procurador CC, que foi testemunha simultânea de Autora e Réu.</font>
</p><p><font>Basado neste arrazoado recorrente impetra a reforma do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Adrega que o pedido de reforma já obteve resposta no foro jurisdicional adequado, vale por dizer no tribunal de apelação – cfr. fls. 972. No despacho prolatado nesta sede escreveu-se a propósito do pedido impetrado pelo recorrente (sic): “</font><i><font>O pedido de reforma do acórdão de 16/5/2013 deduzido pelo recorrente DD conjuntamente com as alegações de revista apresentadas em 13/312015 substitui idêntico pedido que tinha sido formulado em 14/6/2013, o qual se encontra de fls. 661 a 700. </font></i>
</p><p><i><font>Ouvido o réu - o qual nada alegou - e na· impossibilidade de reunir em conferência os mesmos Juízes Desembargadores que proferiram o acórdão de 16/5/2013, visto o disposto nos arts. 669.º, n.º 3 e 668.º, n.º 4, ex vi art. 716.º, n.º 1</font></i><b><i><font>, </font></i></b><i><font>e art. 700.º, n.º 1, todos do antigo Código de Processo Civil, cumpre decidir esse pedido de reforma. </font></i>
</p><p><i><font>Não se divisa lapso manifesto no acórdão de 16/5/2013 na parte em que se relaciona com a resposta dada ao quesito 3 e com a resposta dada ao quesito 4. </font></i>
</p><p><i><font>Não tem significado para o sentido da decisão e dos respectivos fundamentos que as testemunhas JJ e KK tenham sido arrolados pela autora AA e não pelo réu. </font></i>
</p><p><i><font>O cheque bancário de 15.000.000 de escudos, sacado pelo Banco RR e copiado a fls. 385 e 386, e o depósito em numerário de 12.000.000 de escudos numa conta bancária, documentado a fls. 387, realmente não estão correctamente caracterizados nos fundamentos do acórdão, até porque não existe referência documental a qualquer cheque sacado directamente pelo réu em benefício da autora AA, mas daí não se extrai que as respostas dadas aos quesitos devam ser alteradas, nomeadamente as respostas aos quesitos 3 e 6. </font></i>
</p><p><i><font>Assim sendo e não se divisando elementos documentais ou outros que impliquem necessariamente decisão diversa daquela que foi proferida em 16/5/2013, indefere-se o pedido de reforma do acórdão. </font></i>
</p><p><i><font>O autor habilitado DD pagará cento e dois euros de taxa de justiça pelo pedido de reforma do acórdão</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Ainda assim, dir-se-á a propósito da figura jusprocessual da reforma de decisões judiciais, forrageando-nos na doutrina impressiva e lidimar expressa no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, que (sic): “</font><i><font>O nº 2 do artigo 669º do CPC (na redacção do DL nº 180/96, de 25 de Setembro e na esteira do DL nº 329/A/95, de 12 de Dezembro) </font></i><font>[</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>] </font><i><font>consagra a figura da reforma de mérito, traduzida na reapreciação do julgado pelo tribunal que proferiu a decisão.</font></i>
</p><p><i><font>Sendo a regra o esgotamento do poder jurisdicional do julgador, uma vez proferida a decisão (nº1 do artigo 666º), aquele j | [0 0 0 ... 0 0 0] |
AjKHu4YBgYBz1XKv3xdN | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><b><font>Processo principal nº 437/11.0TBBGC </font></b>
</p><p><font>1-1- </font><b><font>AA e mulher BB</font></b><font>, residentes na rua ..., ..., ..., propõem a presente acção declarativa de simples apreciação, sob a forma ordinária, para impugnar em juízo factos justificados por escritura pública, contra os RR., </font><b><font>CC </font></b><font>e mulher</font><b><font> DD</font></b><font>, residentes na Av. ..., ..., ....</font>
</p><p><font>Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que os RR., através de duas escrituras de justificação notarial, outorgadas a 23/3/2011, a primeira, e a 25/3/2011, a segunda, declararam a aquisição, a seu favor e por usucapião, do direito de propriedade sobre os prédios nelas referidos; tais declarações porém, são falsas, pois, por um lado, os prédios sempre pertenceram a EE, FF, durante a vida destes, e, depois, a GG, seu único e universal herdeiro, e, à morte deste, integraram a sua herança, vindo as suas herdeiras (sobrinhas) a alienar os respectivos quinhões ao ora A. marido. </font>
</p><p><font>Terminam </font><i><font>pedindo </font></i><font>que: </font>
</p><p><font>a) Devem declarar-se nulas e de nenhum efeito as escrituras de justificação notarial em que intervieram os RR., CC e DD, lavradas no cartório notarial a cargo do notário HH sito na Av. …, ..., exaradas, respectivamente, a fls. 49 a 51 v e 70 a 72 v. do livro de notas para escrituras diversas nº 21-G e juntas aos autos como docs. 1 e 3 relativamente aos prédios rústicos e urbano nelas referidos, designadamente, art. urbano 106 e arts. rústicos 0009, 0911, 0913, 0990, 0053, 0006, 0766, 0478, 0543, 0554, 0582, todos da freguesia de ... do concelho de .... </font>
</p><p><font>b) Declararem-se inexistentes os direitos justificados sobre os aludidos prédios. </font>
</p><p><font>c) Declarar-se a falsidade dos factos, cuja justificação se pretendeu através das referidas escrituras, não podendo os mesmos produzir quaisquer efeitos jurídicos, especialmente o de fundamentar o registo dos aludidos prédios na conservatória do registo predial. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Citados, os RR contestaram, em síntese, admitindo a outorga das duas escrituras de justificação em causa, excepcionando a simulação da venda dos quinhões, das herdeiras do GG para o A. marido, e, invocando que, até 1987, o EE, a FF e o GG eram os donos, em comum e sem determinação de parte ou direito, dos prédios justificados, por os terem adquiridos por usucapião; porém, em 1987, doaram-lhes, a eles RR., os prédios em causa, verbalmente e sob compromisso de lhes prestarem, os necessários cuidados e de saúde e pessoais, o que efectivamente, fizeram. Tal doação não deve surpreender, porque a R. passou a sua infância e adolescência com aqueles, sendo tratada como filha pelos dois primeiros e por irmã pelo terceiro, sendo que desde 1987 que estão na posse dos prédios por tempo e com as características necessárias e suficientes para ter operado a usucapião, pelo que as suas declarações, em sede de escrituras de justificação, são verdadeiras.</font>
</p><p><font>Com base nessa alegação, deduziram </font><b><font>reconvenção</font></b><font>, e face aos efeitos retroactivos da usucapião, pedem se anulem os negócios celebrados pelos AA relativamente a tais prédios o cancelamento dos respectivos registos.</font>
</p><p><font>Pugnam ainda pela consideração que a lide dos AA./reconvindos foi de má-fé, peticionando 10.000 € de indemnização e multa.</font>
</p><p><font>Concluem pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, e, em consequência, devem os AA/Reconvindos condenados a reconhecer que os RR./Reconvintes se são os únicos e exclusivos donos dos prédios urbano e rústicos id. nos arts. 3 e 7 da p.i., por os terem adquirido por usucapião, devendo, por isso, os AA absterem-se de praticar quaisquer actos lesivos ou perturbadores do direito dos. RR./Reconvintes, declarando-se a nulidade dos negócios celebrados pelos AA. relativos aos quinhões hereditários referidos em P) dos factos assentes e ordenando-se, ainda, a anulação e o cancelamento dos actos de registo promovidos pelos Reconvindos sobre os mesmos quinhões; e, ainda, pela condenação dos AA. como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a arbitrar aos RR, de montante não inferior a 10.000 €. </font>
</p><p><font>Os AA. replicaram, em síntese, sustentando a improcedência da arguida simulação, visto que a alienação dos quinhões foi querida e correspondeu à vontade real das alienantes e adquirente; no mais, reafirmam que os prédios (não só os justificados, mas sim todos os que constituíam o casal do EE e de FF) estiveram, sempre, na posse destes últimos e que, à sua morte, passaram para o GG, seu herdeiro testamentário universal, que lhes sucedeu na posse, até à sua morte ocorrida em 1/3/2011. Sustentam a inadmissibilidade do pedido reconvencional, atenta a natureza da acção e pugnam pela condenação dos RR./Reconvintes em litigância de má-fé, em multa e indemnização. </font>
</p><p><font>Terminam sustentando que deve improceder a simulação invocada pelos RR., devendo a reconvenção deduzida, atenta a natureza da presente acção (se simples apreciação negativa), ser considerada inadmissível e a acção julgada procedente, com condenação dos RR. como litigantes de má-fé em multa e indemnização a favor dos AA. e a fixar em conformidade com o disposto no art. 457º CPC. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por despacho de fls. 442, foi ordenada a apensação, aos presentes, dos autos de acções sumárias 731/11.0TBBGC (do então 2º J do TJ …) e 734/11.4TBBGC (do então 1º J do TJ de …), passando a constituir os apensos E) e C), respectivamente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Processo apenso E (731/11.0TBBGC): </font></b>
</p><p><font>Os mesmos AA., </font><b><font>AA</font></b><font> e mulher </font><b><font>BB</font></b><font>, moveram acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, aos mesmos RR., </font><b><font>CC</font></b><font> e mulher </font><b><font>DD</font></b><font>, alegando, em síntese, serem donos de vários prédios rústicos, que identificam, entre os quais os que correspondem aos arts. matriciais de ..., ..., 0543, 0478, 0582, 0766, 0006, 0009 e 0053, por terem adquirido, por escrituras públicas outorgadas a 25/3 e 26/3, ambos de 2011, os quinhões hereditários das herdeiras de GG, cuja herança aqueles prédios integravam, pois que, como único e universal herdeiro de EE (falecido a 30/6/96) e mulher FF (falecida a 27/3/06), sucedeu-lhes na posse dos prédios, que os falecidos havia mais de 20, 30, 40 e mais anos, cultivavam, tendo adquirido o respectivo direito de propriedade por usucapião, que os AA. invocam expressamente, alegando os pertinentes factos; mais alegaram actos de ocupação dos prédios por banda dos RR. </font>
</p><p><font>Concluem formulando os seguintes pedidos:</font>
</p><p><font>a) Declarar-se que os AA são donos e legítimos proprietários dos prédios rústicos id. e descritos nos arts. 1, 2 e 3 da petição inicial. </font>
</p><p><font>b) Condenar-se os RR, tendo como referência os mencionados prédios rústicos, a reconhecerem que os AA são titulares do correspondente direito de propriedade. </font>
</p><p><font>c) Condenar-se os RR a restituírem aos AA a posse dos imóveis id. pelos arts. 0543, 0478, 0582, 0766, 0006, 0009 e 0053. </font>
</p><p><font>d) Condenar-se os RR a absterem-se, de futuro, da prática de actos que impeçam, diminuam, estorvem, perturbem ou lesem a posse e o direito de propriedade dos AA sobre todos os prédios rústicos id. nos itens 1, 2 e 3 da petição inicial. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Citados, os RR contestaram, excepcionando a simulação da alegada aquisição dos quinhões, quer porque, pura e simplesmente, a mesma nunca ocorreu, quer porque, a ter ocorrido, foi por um preço diverso, sempre com o fim de enganar terceiros.</font>
</p><p><font>Sem prescindirem, aceitaram parte dos factos – designadamente que os prédios id. em 3) da p.i. integravam a herança do GG à data da usa morte – mas impugnaram os restantes, designadamente, os atinentes aos prédios id. no art. 2) da p.i. em relação aos quais sustentam que até 1987 eram propriedade em comum e sem determinação de parte ou direito de EE, a FF e o GG através da usucapião, que invocam e cuja factualidade alega pormenorizadamente. Porém, em 1987, doaram aos ora RR. os prédios id. em 2º da p.i., os prédios em causa, verbalmente e sob compromisso de lhes prestarem, aos três os necessários cuidados e de saúde e pessoais, o que os RR., efectivamente, fizeram., até face aos laços de afecto existentes entre a A. mulher e os RR., tratando os dois primeiros como pais e o terceiro como irmão, e sendo por eles assim considerada. A partir daquele ano, de 1987, e mercê da doação verbal, tal doação não deve surpreender, porque a R. passou a sua infância e adolescência com aqueles, sendo tratada como filha pelos dois primeiros e por irmã pelo terceiro sendo ainda certo que desde 1987 estão na posse dos prédios, em termos, que alegam devidamente, conducentes à aquisição por usucapião, cujos efeitos invocam por via de excepção material. </font>
</p><p><font>Pugnam, ainda, pela condenação dos AA como litigantes de má-fé em multa e em 10.000 € de indemnização. </font>
</p><p><font>Concluem pela improcedência da acção (excepto em relação aos id. em 3º da p.i.), e consequente absolvição do pedido. </font>
</p><p><font>Os AA responderam, pugnando pela improcedência da excepção de simulação, visto que a alienação dos quinhões correspondeu à vontade real das alienantes e adquirente; no mais, reafirmam que os prédios (não só os justificados, mas sim todos os que constituíam o casal do EE e de FF) estiveram, sempre, na posse destes últimos e que, à sua morte, passaram para o GG, seu herdeiro testamentário universal, que lhes sucedeu na posse, até à sua morte ocorrida em 1/3/2011, nos termos no essencial já constantes da réplica apresentada nos autos principais. </font>
</p><p><font>Deduzem, eles próprios, a litigância de má-fé dos AA., peticionando multa e indemnização </font>
</p><p><b><font>Processo apenso C (734/11.4TBBGC): </font></b>
</p><p><font>Os mesmos AA., </font><b><font>AA</font></b><font> e mulher </font><b><font>BB</font></b><font>, moveram acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, aos mesmos RR., </font><b><font>CC</font></b><font> e mulher </font><b><font>DD</font></b><font>, alegando, em síntese, serem donos de uma casa de habitação, devidamente identificada, por a mesma integrar a herança de GG, falecido a 1/3/2011, que lhe foi cedida pelas herdeiras daquele em negócio jurídico válido, sendo que o GG, por seu turno, como único e universal herdeiro, testamentário, sucedeu na posse (pormenorizando a necessária factualidade) da casa aos antigos donos, EE e FF, invocando que estes haviam adquirido por usucapião, concretizando a pertinente factualidade. Mais disseram beneficiar da presunção registral e, ainda, que no dia 1/4/2011, o R. marido arrombou a porta da casa, substituindo as fechaduras e impedindo os AA. de acederem à casa, o que os obrigou, a eles AA., perante tal esbulho violento, a lançarem mão do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, que constitui o apenso D, instrumental da presente acção. </font>
</p><p><font>Concluem formulando o seguinte pedido:</font>
</p><p><font>a) Declarar-se que os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio urbano id. e descrito em 1º da petição inicial. </font>
</p><p><font>b) Condenar-se os RR., tendo como referência o mencionado prédio urbano, a reconhecerem que os AA. são titulares do correspondente direito de propriedade. </font>
</p><p><font>c) Condenar-se os RR. a restituírem aos AA., de forma definitiva, a posse do prédio urbano supra referido. </font>
</p><p><font>Os RR. contestaram começando por excepcionar a nulidade por simulação da invocada alienação/aquisição dos quinhões, por banda das herdeiras do GG e por bando dos AA., respectivamente, por nenhum negócio ter sido celebrado ou, pelo menos, tê-lo sido por preço diverso do declarado, com o intuito de enganar ou o Estado ou os próprios RR. ou terceiros confinantes. No mais, impugnam o essencial da versão dos AA., e invocam que, em 1987, o EE, FF e GG doaram-lhes, a eles RR., verbalmente, a casa, com a condição, logo aceite, de cuidarem deles, o que s RR. fizeram, até à morte dos três, comportando-se, a partir de então, os RR. como donos, pormenorizando os factos pertinentes, e esclarecendo que deixaram que os doadores permanecessem na casa, por mera tolerância, pelo que, rematam, adquiriram por usucapião a titularidade do direito sobre ela. </font>
</p><p><font>Pugnam para que se considerem os AA como litigantes de má-fé. </font>
</p><p><font>Concluem, pedindo a improcedência da acção e a condenação dos AA. como litigantes de má-fé, em multa e em indemnização não inferior a 10.000 €. </font>
</p><p><font>Os AA. responderam, pugnando pela improcedência da invocada simulação, por o negócio documentado corresponder à vontade real das partes e impugnando a matéria atinente à usucapião, invocada pelos RR. sustentando que não houve a doação que alegam, sendo que, se o EE e mulher quisessem ter doado algo à R., o que nunca quiseram, tê-lo-iam feito por escritura pública, ou seja, respeitando a forma legal, tal como fizeram com o testamento outorgado a favor do GG, pois bem sabiam que a doação verbal nenhum valor tinha . </font>
</p><p><font>Pugnam pela condenação dos RR como litigantes de má-fé. </font>
</p><p><font>Concluem, pedindo que: </font>
</p><p><font>a) Devem as excepções – simulação e posse – deduzidas pelos RR ser julgadas improcedentes. </font>
</p><p><font>b) Ser a acção julgada procedente. </font>
</p><p><font>c) Serem os RR condenados como litigantes de má-fé em multa e indemnização a favor dos AA.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se realizado a audiência de discussão e julgamento.</font>
</p><p><font>No início desta verificando-se a existência de um despacho de selecção da matéria de facto para cada processo, no uso dos poderes de gestão processual, por despacho judicial exarado em acta (fls. 776 e 777), foi delimitado o objecto do litígio e, dentro da matéria constante dos três saneadores, seleccionou-se a constante da factualidade assente nos três processos e a constante da então base instrutória destes autos principais, e, ainda, a constante dos arts. 1, 7, 29 a 31, 33 a 40 da então base instrutória referente à matéria do apenso C) e a constante da matéria dos arts. 1, 2, 6, 9 a 15, 25, 33, 35 a 40, 50 a 55, 61 a 64, 66, 68, 77 da então base instrutória referente à matéria do apenso E). </font>
</p><p><font>Sobre o objecto assim fixado recaiu a actividade instrutória do tribunal. </font>
</p><p><font>Após o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>A) Julgar improcedente, por não provada, a excepção peremptória de simulação, suscitada pelos RR., nos presentes autos principais nº 437/11.0TBBGC e nos autos apensos nºs 437/11.0TBBGC-C) e 437/11.0TBBGC-E), absolvendo os AA. do pedido, quanto a ela. </font>
</p><p><font>B) Julgar improcedente, por não provada, a excepção peremptória de usucapião, suscitada pelos RR. nos autos apensos nºs 437/11.0TBBGC-C) e 437/11.0TBBGC-E, E), absolvendo os AA. do pedido, quanto a ela. </font>
</p><p><font>C) Julgar totalmente procedente por provada a acção destes autos principais, nº 437/11.0TBBGC, e, consequentemente: </font>
</p><p><font>1) Declarar validamente impugnadas, e por isso ineficazes e de nenhum efeito, designadamente para efeitos de registo, as escrituras de justificação notarial em que intervieram os RR., CC e DD, lavradas no cartório notarial a cargo do notário HH sito na Av. …, ..., exaradas, respectivamente, a fls. 49 a 51 v e 70 a 72 v. do livro de notas para escrituras diversas nº 21-G, relativamente aos prédios rústicos e urbano nelas referidos, concretamente, ao art. urbano 106 e aos arts. rústicos 0009, 0911, 0913, 0990,0053, 0006, 0766, 0478, 0543, 0554, 0582, todos da freguesia de ... do concelho de ..., por os factos constantes das declarações nelas prestadas não corresponderem à verdade. </font>
</p><p><font>2) Julgar totalmente improcedente a reconvenção deduzida nestes mesmos autos principais pelos RR./Reconvintes, pelo que absolvo os AA/Reconvindos dos pedidos formulados. </font>
</p><p><font>D) Julgar totalmente procedente por provada a acção que constitui o apenso nº 437/11.0TBBGC-C) e, consequentemente: </font>
</p><p><font>a) Declarar, e condeno os RR. a tal reconhecerem, que os AA. são os únicos titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de ... do concelho de ... sob o art. 106 e referido supra em III C) 1). </font>
</p><p><font>b) Condenar os RR. a restituírem aos AA., de forma definitiva, a posse do referido prédio urbano. </font>
</p><p><font>E) Julgar totalmente procedente por provada a acção que constitui a acção dos autos apensos nº 437/11.0TBBGC-E) e, consequentemente, </font>
</p><p><font>a) Declarar, e condeno os RR. a tal reconhecerem, que os AA. são os únicos titulares do direito de propriedade sobre os prédios rústicos descritos nos arts. 2º e 3 da p.i., </font>
</p><p><font>b) Condenar os RR. a entregarem aos AA. os seguintes prédios, que integram os descritos no art. 2º da p.i.: os inscritos na matriz rústica da freguesia de ..., do concelho de ..., sob os arts. 0543, 0478, 0582, 0766. 0006, 0009 e 0053. </font>
</p><p><font>c) Condenar os RR. a absterem-se, de futuro, da prática de actos que impeçam, diminuam, estorvem, perturbem ou lesem a posse e o direito de propriedade dos AA. sobre todos os prédios rústicos id. nos referidos arts. 2 e 3 da p.i. </font>
</p><p><font>F) 1- Não considerar ter ocorrido litigância de ma fé por parte dos AA, pelo que não se condenam em multa e se absolvem do pedido de indemnização contra eles formulado a tal título. </font>
</p><p><font>2. Como litigantes de má fé, condenar os RR. em 7 (sete) Ucs. de multa e no pagamento, a título de honorários, de 5.000 € (cinco mil euros), a entregar directamente ao Il. mandatário dos AA. (arts. 456º/1 e 2,-a) e b) e 457º/1-a) ambos do CPC).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. de apelação para o Tribunal da Relação de … tendo-se aí, por acórdão de 7-4-2016, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>1ª- Os Recorrentes interpuseram recurso de Apelação da aliás, douta sentença proferida nos autos pela 1ª instância, pretendendo em tal recurso, desde logo, sindicar a decisão proferida por aquele Tribunal sobre a matéria de facto. </font>
</p><p><font>2ª- Correspondendo à exigência legal, especificaram nas suas Alegações, os factos que os recorrentes consideram incorrectamente julgados, apresentaram a discussão dos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida e indicaram a decisão que no seu entender deveria ter sido proferida pela 1ª instância sobre as questões de facto concretamente impugnadas. </font>
</p><p><font>3ª- Finalmente, dado que os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova se consubstanciavam em declarações de parte ou depoimentos testemunhais que foram gravados, os Recorrentes indicaram com exactidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, consignando expressamente nas suas Alegações, a identificação dos autores das declarações e dos depoimentos em que assentaram a sua impugnação da decisão da matéria de facto, a especificação, por referência à gravação de áudio e às Actas das várias sessões de julgamento, das datas, horas, minutos e segundos em que tais declarações e depoimentos foram prestados e inclusivamente, a transcrição "</font><i><font>ipsis verbis</font></i><font>" de algumas dessas declarações e depoimentos. </font>
</p><p><font>4ª- Exigir que os Recorrentes na impugnação da matéria de facto, tivessem procedido, além de tudo o mais, à especificação das próprias passagens dos depoimentos em que fundam a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto, é fazer do julgamento da matéria de facto um espartilho e exigir uma segmentação que de todo são inadequadas e despropositadas no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, para a boa decisão da causa. </font>
</p><p><font>5ª - Não tem qualquer sentido lógico, nem ontológico, nem jurídico, admitir que uma simples frase, um concreto minuto de um depoimento de duas ou três horas, pode ou deve alterar a decisão de certa questão de facto, sobretudo, quando os factos em causa são tão extensos e simultaneamente, encadeados entre si, como sucede no caso concreto em apreciação. </font>
</p><p><font>6ª- Tal argumento constitui um contra-senso desprovido de qualquer razoabilidade e sensibilidade jurídica e viola o paradigma da correcta e adequada apreciação da prova. </font>
</p><p><font>7ª- Basta analisar as doutas contra-alegações oferecidas pelos AA./Recorrido, para constatar que a alegada falta apontada pelo douto aresto recorrido não impediu a contraparte de exercerem cabalmente o contraditório. </font>
</p><p><font>8ª- Quando esteja em causa, como sucedia nos autos, matéria de facto complexa e extensa, mais evidente se torna que qualquer depoimento testemunhal invocado pelos Recorrentes terá de ser apreciado antes de mais, na sua globalidade, em toda a sua extensão, para determinação desde logo, da sua razão de ciência, do seu conhecimento global ou meramente parcial dos factos, do seu conhecimento reiterado pela convivência com os próprios interessados ao longo de vários anos ou pelo contrário, meramente circunstancial e episódico. </font>
</p><p><font>9ª- Sem se proceder a tal avaliação de todos os depoimentos invocados, não se pode acreditar nem confiar que a mera apreciação de pequenos excertos dos referidos depoimentos, possa só por si, alterar o julgamento da matéria de facto e conduzir à sua modificação. </font>
</p><p><font>10ª- O que está em causa no vertente caso e em concreto, na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não é um mero juízo circunstancial, retirado de certos excertos que possam ser transcritos, dos depoimentos invocados, mas antes, a decisão diversa a que o Tribunal podia chegar, se procedesse à análise global dos depoimentos invocados. </font>
</p><p><font>11ª- Só com tal análise global será possível levar a cabo uma correcta, completa, cabal, justa e ponderada apreciação da matéria de facto impugnada, podendo e devendo ser revertida a decisão da 1ª instância sobre a factualidade provada e não provada, nomeadamente, nas várias questões de facto suscitadas pelos Recorrentes. </font>
</p><p><font>12ª- Não podia por isso, a decisão revidenda exigir que além das especificações cumpridas pelos Recorrentes, estes tivessem também, adicionalmente, de proceder à concretização não apenas dos depoimentos, mas das próprias passagens das gravações de cada um dos depoimentos, em que se funda a sua impugnação da matéria de facto. </font>
</p><p><font>13ª- Tal exigência é inadmissível e intolerável, sobretudo atenta a extensão da matéria de facto impugnada e dos próprios depoimentos invocados, constituindo um ónus injustificável e até inútil, visto que o Tribunal sempre poderá oficiosamente, averiguar a existência de outros meios probatórios que imponham solução diversa da pugnada pelos Recorrentes. </font>
</p><p><font>14ª - O Tribunal deve não só evitar a prática de actos inúteis, como inclusivamente, adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo. </font>
</p><p><font>15ª- No caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, a douta decisão recorrida privilegia em demasia uma minudência processual em detrimento da verdade material, abstendo-se infundadamente, de conhecer do mérito do recurso. </font>
</p><p><font>16ª- Foram violados ou mal interpretados os artigos 547°, 607°, nºs 3, 4 e 5 e 640°, nºs 1 e 2, do C.P.C. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os recorridos pronunciaram-se pela não admissão da revista. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas o tema que ali foi enunciado (art. 639º nºs 1 e 2 do C.P.Civil).</font>
</p><p><font>Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font>- Se a Relação deveria ter reapreciado a matéria de facto porque os recorrentes cumpriram integralmente os requisitos de que dependia essa apreciação. </font>
</p><p><font>2-2- Como ponto prévio referiremos que, pese embora tenha existido a chamada dupla conforme quanto ao mérito dos autos (a decisão de 1ª instância foi confirmada pela Relação sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente) e que, por isso, não seria admissível a revista (art. 671º nº 3 do C.P.Civil, diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), o certo é que a questão da não reapreciação da matéria de facto pela Relação suscitada no presente recurso, constitui tema novo (a questão foi somente submetida a apreciação na Relação), pelo que a revista será, quanto a ele, possível. Ou seja, sobre a concreta questão do incumprimento pelos apelantes dos ónus específicos fixado no art. 640º nºs 1 e 2 só existe a decisão da Relação, não se verificando, assim, quanto a esse ponto, a dupla conformidade, que pressupõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito em que a última é confirmativa da primeira. Por isso, a revista será admissível.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Afirmam os recorrentes que, face à exigência legal, especificaram nas suas alegações, os factos que consideraram incorrectamente julgados, apresentando os meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e indicando a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida pela 1ª instância sobre as questões de facto concretamente impugnadas. Dado que os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova se consubstanciavam em declarações de parte ou depoimentos testemunhais que foram gravados, indicaram com exactidão, as passagens da gravação em que se fundavam o seu recurso, consignando expressamente nas suas alegações, a identificação dos autores das declarações e dos depoimentos em que assentaram a sua impugnação da decisão da matéria de facto, a especificação, por referência à gravação de áudio e às actas das várias sessões de julgamento, das datas, horas, minutos e segundos em que tais declarações e depoimentos foram prestados e inclusivamente, a transcrição "</font><i><font>ipsis verbis</font></i><font>" de algumas dessas declarações e depoimentos. Exigir que os recorrentes na impugnação da matéria de facto, tivessem procedido, além de tudo o mais, à especificação das próprias passagens dos depoimentos em que fundam a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto, é fazer do julgamento da matéria de facto um espartilho e exigir uma segmentação que de todo são inadequadas e despropositadas no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, para a boa decisão da causa. Não tem qualquer sentido lógico, nem ontológico, nem jurídico, admitir que uma simples frase, um concreto minuto de um depoimento de duas ou três horas, pode ou deve alterar a decisão de certa questão de facto, sobretudo, quando os factos em causa são tão extensos e simultaneamente, encadeados entre si, como sucede no caso em apreciação. Tal argumento constitui um contra-senso desprovido de qualquer razoabilidade e sensibilidade jurídica e viola o paradigma da correcta e adequada apreciação da prova. Basta analisar as doutas contra-alegações oferecidas pelos AA./recorridos, para constatar que a alegada falta apontada pelo douto aresto recorrido não impediu a contraparte de exercerem cabalmente o contraditório. Quando esteja em causa, como sucedia nos autos, matéria de facto complexa e extensa, mais evidente se torna que qualquer depoimento testemunhal invocado pelos recorrentes terá de ser apreciado antes de mais, na sua globalidade, em toda a sua extensão, para determinação desde logo, da sua razão de ciência, do seu conhecimento global ou meramente parcial dos factos, do seu conhecimento reiterado pela convivência com os próprios interessados ao longo de vários anos ou pelo contrário, meramente circunstancial e episódico. Sem se proceder a tal avaliação de todos os depoimentos invocados, não se pode acreditar nem confiar que a mera apreciação de pequenos excertos dos referidos depoimentos, possa só por si, alterar o julgamento da matéria de facto e conduzir à sua modificação. O que está em causa no vertente caso e em concreto, na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não é um mero juízo circunstancial, retirado de certos excertos que possam ser transcritos, dos depoimentos invocados, mas antes, a decisão diversa a que o Tribunal podia chegar, se procedesse à análise global dos depoimentos invocados. Só com tal análise global será possível levar a cabo uma correcta, completa, cabal, justa e ponderada apreciação da matéria de facto impugnada, podendo e devendo ser revertida a decisão da 1ª instância sobre a factualidade provada e não provada, nomeadamente, nas várias questões de facto suscitadas pelos recorrentes. Não podia por isso, a decisão recorrida exigir que além das especificações cumpridas pelos recorrentes, estes tivessem também, adicionalmente, de proceder à concretização não apenas dos depoimentos, mas das próprias passagens das gravações de cada um dos depoimentos, em que se funda a sua impugnação da matéria de facto. Tal exigência é inadmissível e intolerável, sobretudo atenta a extensão da matéria de fact | [0 0 0 ... 0 0 1] |
AjKKu4YBgYBz1XKvzhlR | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><b><font>I.- Relatório</font></b><font>.</font>
</p><p><font>AA</font><b><font>, </font></b><font>interpôs a acção declarativa, sob a forma de processo ordinária, contra “BANCO BB, SA” e “CC …, SA - Sociedade Gestora de Participações Sociais”,</font><b><font> </font></b><font>pedindo que: “</font><i><font>A.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>1) - se declare que entre ele, Autor e o Réu BANCO BB foram celebrados os negócios referidos na petição inicial como aplicações n.</font></i><i><sup><font>os </font></sup></i><i><font>2 a 5, que constituem contratos de depósito a prazo, com início e vencimento nas datas que ficaram individualizadas; 2) - se condene o Réu BANCO BB a pagar-lhe, em função desses contratos e da mora no respectivo cumprimento, de capital, € 18.100.004,40; de juros remuneratórios líquidos, € 2.843.818,30; de juros de mora vencidos, à taxa de 8% até ao dia 5 de Janeiro de 2011, € 1.293.111,57; e os juros de mora vincendos, desde 5 de Janeiro de 2011, até efectivo pagamento, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais; </font></i>
</p><p><b><i><font>Quando assim se não entenda, e sem conceder</font></i></b><i><font>: </font></i>
</p><p><i><font>B.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>a) - se declare que as referidas aplicações n.ºs</font></i><i><sup><font> </font></sup></i><i><font>2 a 5 são nulas, por usura do BANCO BB, ou, no mínimo, anuláveis, por dolo deste e erro do Autor, convertendo-as, ao abrigo do disposto no art.º 293.º em contratos de depósito a prazo, nas condições prazo, de capital e juros que ficaram individualizadas; b) - se condene o BANCO BB, em concomitância, a restituir ao Autor de capital, € 18.100.004,40; de juros remuneratórios líquidos, € 2.843.818,30; de juros de mora vencidos, à taxa de 8%, até ao dia 5 de Janeiro de 2011, € 1.293.111,57; e os juros de mora vincendos, desde 5 de Janeiro de 2011, até efectivo pagamento, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais. </font></i>
</p><p><b><i><font>Quando assim se não entenda e sem conceder</font></i></b><i><font>: </font></i>
</p><p><i><font>C.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>I) - se declare que o BANCO BB, ao celebrar com o Autor os negócios em referência, ofendeu os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o Autor, por força da relação negocial bancária que com ele mantinha, não o tendo esclarecido com precisão e rigor sobre as implicações dos contratos que promoveu perante ele e, pelo contrário, e a vingar a tese de que se trate de negócios diferentes de simples depósitos a prazo, enganando-o consciente e dolosamente sobre a natureza e consequência de tais negócios; </font></i>
</p><p><i><font>II) - se declare, em conformidade, que o BANCO BB violou com culpa - como se presume (art.º 799º, 1 CC) - aqueles deveres contratuais, negociais ou obrigacionais a que estava vinculado, constituindo-se na obrigação de o indemnizar, a ele, Autor, por todos os danos que sofreu, a título de responsabilidade contratual – art. 798º CC (ou, quando assim se não entenda, mas sem conceder, a título de responsabilidade aquiliana - art. 483º CC), </font></i>
</p><p><i><font>III) - seja condenado a pagar-lhe, a ele Autor, a título de indemnização, € 18.100.004,40 de que ficou desapossado e os respectivos juros remuneratórios e compensatórios de € 4.136.929,87, a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vincendos, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, tudo como ficou dito acima. </font></i>
</p><p><b><i><font>Quando assim se não entenda e sem prescindir</font></i></b><i><font>: </font></i>
</p><p><i><font>D.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>A) - se declare que os documentos subscritos pelo Autor e pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré CC, por iniciativa e com a intermediação determinante do BANCO BB, consubstanciam contratos de aquisição de acções com a obrigação de recompra, nos prazos e sob as condições de juros e remunerações que ficaram assinalados em relação a cada uma das referidas aplicações n.ºs 2 a 5; </font></i>
</p><p><i><font>B) - se condene solidariamente a CC, por força de tais contratos, e o BANCO BB, por força da responsabilidade decorrente da violação em que incorreu dos deveres de protecção, lealdade e informação a que devia obediência em função da relação negocial bancária duradoura que mantinha com o Autor, a pagar a este € 18.100.004,40 (dezoito milhões, cem mil e quatro euros e quarenta cêntimos) de capital e os respectivos juros remuneratórios e compensatórios de € 4.136.929,87 (quatro milhões, cento e trinta e seis mil novecentos e vinte e nove euros e oitenta e sete cêntimos), a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vincendos, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, tudo como ficou dito acima. </font></i>
</p><p><b><i><font>Na hipótese de vingar a hipótese anterior</font></i></b><i><font>, </font></i>
</p><p><i><font>E.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>- deve declarar-se que o contrato de penhor referido no texto desta petição envolve o desaparecimento ou, quando menos, a diminuição acentuada da garantia patrimonial do crédito do Autor sobre a segunda Ré, e que foi celebrado entre os Réus BANCO BB e CC dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do Autor e com a consciência do prejuízo que tal acto lhe causava; e </font></i>
</p><p><i><font>- declarar-se tal contrato ineficaz em relação a ele, Autor</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Para os pedidos, que impetra, alegou, em apertada síntese, que: </font>
</p><p><font>- Por solicitação do Director Coordenador do BANCO BB, no início do ano de 2003, abriu uma conta no “BANCO BB, SA”, da qual passou a ser cliente; </font>
</p><p><font>- O referido coordenador tinha conhecimento do perfil conservador do autor, do que deu conhecimento aos seus superiores hierárquicos e à administração do BANCO BB; - No ano de 2004, um administrador do BANCO BB, conhecedor do perfil de cliente do autor, deslocou-se a Braga para reunir com o autor e manifestou-lhe o interesse do BANCO BB em transmitir-lhe acções que o Banco detinha no capital da “CC - …, SA”, solicitando-lhe que as adquirisse com a garantia de que se tratava de uma aplicação substancialmente igual a depósitos a prazo, em especial quanto ao prazo e à sua remuneração estabelecida através duma taxa de juros fixa e líquida e mediante o compromisso expresso de o BANCO BB recomprar as acções na data acordada, pelo valor da compra, pagando ao autor juros sobre esse valor e pelo período correspondente, à taxa pré-estabelecida; </font>
</p><p><font>- Convencido de que estava perante uma modalidade de aplicação do seu dinheiro cuja substância não diferia dos depósitos a prazo, o autor deu o seu consentimento e apenas devido a essa garantia de que se tratava de uma aplicação substancialmente igual a depósitos a prazo, sem a qual o autor nunca aceitaria o negócio, o que o BANCO BB sabia; </font>
</p><p><font>- Em resultado desse acordo, e ao longo dos anos, o autor foi dando o seu acordo a várias aplicações com o mesmo teor e assinou os documentos elaborados e apresentados por aqueles Representantes do BANCO BB, não tendo prestado atenção a que os mesmos formalizavam a aparente aquisição de acções, devido à sua inexperiência e ignorância na matéria e ainda na relação de confiança que se estabeleceu com o BANCO BB; </font>
</p><p><font>- Aquando da outorga desses documentos, nem o BANCO BB nem a CC, eram titulares das acções transaccionadas e só depois dessas datas foram formalmente lançados pelo BANCO BB numa carteira de títulos do autor; </font>
</p><p><font>- O BANCO BB reconheceu expressamente que todas as aplicações (aplicações nºs 1 a 5) que o autor detinha no banco eram verdadeiros depósitos a prazo, comprometendo-se a colocar à ordem do autor, na data dos respectivos vencimentos, o capital e os juros das referidas aplicações, tendo inclusive o feito relativamente à aplicação n° 1; </font>
</p><p><font>- Malgrado o antecedentemente narrado, o BANCO BB recusa-se a restituir ao autor o capital e os juros remuneratórios que com ele acordou, passando a invocar que a ré CC ... é a única responsável pelo pagamento desses valores; </font>
</p><p><font>- O autor nunca celebrou qualquer negócio com a ré CC …; </font>
</p><p><font>- A formatação dos contornos dos negócios são da exclusiva responsabilidade do BANCO BB que se aproveitou da inexperiência e ignorância do autor para se apropriar do dinheiro que estava confiado em depósito e para o aplicar, como quis, para satisfazer interesses que eram apenas do BANCO BB, sendo pois negócios nulos, por usura; susceptíveis de serem convertidos em depósitos a prazo; se assim não se entender, tais negócios são anuláveis por dolo do BANCO BB e correlativo erro do autor, que os representantes do BANCO BB conscientemente nele induziram, para obter a autorização para movimentarem a conta de depósitos à ordem do autor e se apropriarem dos valores respectivos, convencendo o autor de que celebrava verdadeiros depósitos a prazo e bem sabendo que este jamais aceitaria celebrar outro tipo de negócio, sendo também admissível a sua conversão em depósitos a prazo; </font>
</p><p><font>- O réu BANCO BB ofendeu os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o autor, violando com culpa os deveres contratuais a que estava obrigado, por força da relação negocial bancária que com ele mantinha, constituindo-se na obrigação de indemnizar o autor por todos os danos que sofreu, a título de responsabilidade contratual, ou se, assim, não se entender, a título de responsabilidade aquiliana;</font>
</p><p><font>- A título subsidiário, e no caso de se entender que a subscrição dos documentos com a descrita iniciativa e intermediação do BANCO BB formaliza contratos celebrados entre o autor e a CC, esta obrigada a pagar ao autor nas datas de vencimento de cada uma das aplicações, o respectivo capital e juros remuneratórios, constituindo-se com ele o BANCO BB solidariamente responsável por ter violado os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o autor; não obstante, o BANCO BB celebrou com a CC um contrato de penhor de todo o património da CC, o que criou a impossibilidade prática do autor obter perante a CC a satisfação do seu crédito, agindo assim com dolo e má-fé para impedir a satisfação do direito do autor, o que justifica a impugnação pauliana desse contrato de penhor e a declaração da respectiva ineficácia em relação ao autor. </font>
</p><p><font>Na contestação que apresentou, o banco réu impugna a factualidade que sustenta a petição inicial, tendo adido que:</font>
</p><p><font>- Depois de se tornar cliente do Banco demandado, o demandante tornou-se cliente do BANCO BB Cayman, tendo aberto uma conta de depósito;</font>
</p><p><font>- O BANCO BB inseria-se numa holding que era detida pela “CC - …, SA” , que por sua vez tinha como accionista a “CC – …, …,SA”;</font>
</p><p><font>- Estas sociedades tinham administradores comuns, sendo que DD era administrador das sociedades referidas no item antecedente; </font>
</p><p><font>- A demandada “CC – …, SA.” Endereçou ao demandante as cartas juntas sob os documentos nºs 6, 8 e 10 – cfr. artigos 14º a 25º da contestação – em que eram se referiam reuniões para aquisição/subscrição de acções, em representação desta sociedade;</font>
</p><p><font>- O banco demandado apenas assumiu perante o demandante a responsabilidade relativamente a 6.578.948 acções da “CC – …, SA”, e não relativamente a quaisquer outras que o demandante tenha adquirido/subscrito com a demandada “CC – …, SA.”;</font>
</p><p><font>- As acções a que o demandante se refere como aplicações nºs 2 a 5 representam acções da sociedade “CC – …, SA” e que tiveram lugar no âmbito de um aumento de capital desta mesma sociedade – cfr. artigos 28 a 48 da contestação;</font>
</p><p><font>- O demandante assumiu-se como accionista da “CC – …, SA”, tendo participado como tal em assembleia geral desta sociedade e no âmbito de uma denominada “operação cabaz” – cfr. artigos 49 a 61;</font>
</p><p><font>- A demandante é um empresário, envergando a qualidade de sócio em três sociedades, e sendo titular de um património de mais de cento e cinquenta milhões de euros (€ 150.000.000,00). </font>
</p><p><font>- O banco réu estava proibido de adquirir acções da então CC …, SA e os actos praticados contra essa proibição seriam nulos, ao abrigo do disposto no art. 317º, nº 4, do CSC; e que o contrato de penhor reforçou a estabilidade financeira da ré CC. </font>
</p><p><font>Em desinência do contraminado, impetra a improcedência da acção e a consequente absolvição dos pedidos contra o réu banco formulados. </font>
</p><p><font>Na contestação da demandada, “CC - ..., SA” – cfr. fls. 202 a 224 – foi suscitada a nulidade dos invocados contratos, por simulação, pois, que o autor jamais desejou celebrar com a ré CC os contratos de opção de venda das acções e a CC também jamais quis celebrar com o autor tais contratos, tendo tais contratos sido efectuados, em conluio com o autor, pelo DD, como forma de remunerar depósitos de clientes do Banco BANCO BB e de modo a permitir que estas operações não constassem do balanço do banco BANCO BB, a cujo Conselho de Administração presidia e a escondê-las das entidades supervisoras, como o Banco de Portugal ou a CMVM; sendo que através daquele ou deste estratagema, o valor dos depósitos e os juros acordados deixavam de constar do passivo do Banco e também não figuravam nas contas do balanço da ré CC.</font>
</p><p><font>Nestes contratos não está estipulado um sistema de contrapartidas – “</font><i><font>a opção concedida a uma parte não tem como contrapartida uma outra concedida à outra</font></i><font>” (artigo 40º da contestação) –, sendo que a verdadeira razão da celebração desses negócios foi, por banda do autor, “</font><i><font>efectuar um investimento especulativo, que lhe proporcionasse uma elevada taxa de juro, sem pagar impostos</font></i><font>”;</font>
</p><p><font>- Por parte do administrador, DD, o fito era colocar estas operações fora do balanço do BANCO BB;</font>
</p><p><font>- A operação visada pelo demandante arrima-se com os denominados contratos de opção “</font><i><font>que é típico é que uma das partes fique na titularidade de um poder potestativo – e adquirir ou alienar – e que a outra fique numa situação técnico-jurídica de sujeição, ficando ainda com um crédito a um prémio</font></i><font>” – cfr. artigo 51.º da contestação da demandada “CC – ..., SA”;</font>
</p><p><font>- O autor não terá querido celebrar contratos de opção em mérito com DD, mas sim este e EE e FF, em sua representação e do banco BANCO BB “foi que o autor colocasse uma quantia em dinheiro na 1.ª Ré banco BANCO BB e que recebesse uma determinada remuneração pelo investimento financeiro que viesse a ser orientado pelo mesmo banco – cfr. artigos 60 e 61 da contestação;</font>
</p><p><font>- O acordo simulatório visava enganar a entidade de supervisão, colocando a operação fora do balanço do BANCO BB, podendo ser pago ao autor uma quantia remuneratória que resultava do lucro do exercício das operações, liquida e a uma taxa que o banco demandado “oficialmente” não lhe podia pagar, como também não teria de entrar nas suas contas;</font>
</p><p><font>- Daí a nulidade dos referidos contratos;</font>
</p><p><font>- Em face do seu objecto social – sociedade gestora de participações sociais – a demandada não podia celebrar contratos de opção, inclusive por limitações de ordem pública, o que a terem-se celebrado constituiriam uma contravenção ao fim social da demandada, vertendo-os em nulos; </font>
</p><p><font>Mais alega que a celebração de tais contratos sempre teria sido feito em contravenção com o objecto social da ré CC, o que os torna nulos ao abrigo do disposto no art. 280º, nº 2, do Cód. Civil e ainda porque violam o art. 8º, nº 2, RGICSF por remissão do art. 4º, al. c) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;</font>
</p><p><font>- O contraente, DD, nunca submeteu tais contratos à deliberação anterior, coeva ou posterior de qualquer órgão social da CC, tanto mais que o valor real das acções já era à data e continua a ser inferior ao nominal, não sendo tais contratos vinculativos; </font>
</p><p><font>- Os DD, FF e OO, instrumentalizaram a sociedade demandada, através da emissão dos documentos nºs 6, 8, 10 e 12 para dar corpo ao alegado negócio simulado a que se reconduzem os referidos contratos de opção referente a aplicações financeiras que o autor realizou. </font>
</p><p><font>O autor replicou, impugnando a matéria de facto alegada nas contestações e, no mais, mantendo o alegado na petição inicial pugnou pela improcedência das excepções invocadas pelas rés. </font>
</p><p><font>Realizada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, onde se julgou válida a instância nos seus pressupostos objectivos e subjectivos, e seleccionou-se a matéria de facto assente e elaborou-se a base instrutória – cfr. fls. 353 a 369. </font>
</p><p><font>Após audiência de discussão e julgamento, foi respondido, sem reclamação, à matéria controvertida, pela forma e com os fundamentos exarados a fls. 452 a 459 dos presentes autos, vindo a proferir-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nos termos consignados a fls. 492 a 538 dos autos. </font>
</p><p><font>O réu BANCO BB, SA interpôs recurso de apelação e, subindo os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, este decidiu determinar a ampliação da base instrutória e, consequentemente, anulou a sentença recorrida e ordenou a repetição do julgamento com o fim de responder à matéria de facto a aditar, sem prejuízo do julgamento versar os outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão. Em cumprimento do ordenado, foram as partes notificadas para requererem a produção de provas, o que estas fizeram. </font>
</p><p><font>Após nova audiência de discussão e julgamento, o tribunal de primeira (1ª) instância, proferiu sentença – cfr. fls. 3024 a 3071 – em que decidiu: “</font><i><font>a anulabilidade das referidas aplicações nºs 2 a 5, por dolo do Réu BANCO BB e erro do Autor; - que o BANCO BB, ao celebrar com o Autor os negócios em referência, ofendeu os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o Autor, por força da relação negocial bancária que com ele mantinha não o tendo esclarecido com precisão e rigor sobre as implicações dos contratos que promoveu perante ele, enganando-o consciente e dolosamente sobre a natureza e consequência de tais negócios; e, em conformidade, que o BANCO BB violou com culpa aqueles deveres contratuais, negociais ou obrigacionais a que estava vinculado, constituindo-se na obrigação de indemnizar o Autor por todos os danos que este sofreu, a título de responsabilidade contratual; tendo em consequência, condenado o Réu BANCO BB a pagar ao Autor, a quantia de € 18.100.004,40 de que este ficou desapossado e os respectivos juros convencionados no valor € 4.136.929,87, a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%; e o Autor a restituir as acções objecto das aplicações em questão, tendo absolvido as demandadas do demais peticionado.</font></i><font> </font>
</p><p><font>Na apelação com que impugnou a decisão de primeira (1ª) instância, o Tribunal de Relação, por decisão de fls. 4391 a 4428, decidiu: </font><i><font>“(…) julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e revogando parcialmente a decisão impugnada, condenam o Banco Apelante a pagar ao Autor as importâncias pecuniárias que este não venha a receber da Ré “CC …, S.A.”, tendo em conta o que supra se deixou referido no ponto 4</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Mantém o banco demandado a dissidência com o julgado, e para a sua revisão interpôs recurso (de revisão) para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido a respectiva fundamentação – cfr. fls. 4611 a 4694 – no epítome conclusivo a que se retratará no momento em que for apreciada cada uma das questões que a cognoscibilidade do recurso encerra. </font>
</p><p><font>Na contramina à fundamentação recursória – cfr. fls. 4739 a 4754 – o demandante, AA, ressuma a contra-alegação e procede à ampliação do recurso – sanação da nulidade de omissão de pronúncia (artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código Processo Civil) – com o epítome conclusivo que a seguir queda transcrito. </font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. O douto acórdão revidendo não condenou em quantidade superior nem em objecto diverso do que se pediu, pelo que não padece do vício previsto na al. e) do nº 1 do art. 615º, por ofensa do disposto no nº 1 do art. 609º CPC; </font></i>
</p><p><i><font>2. Nem a sentença da primeira instância nem o acórdão da Relação ofenderam quaisquer regras de direito probatório material, maxime as estabelecidas pelo art. 394º CC. </font></i>
</p><p><i><font>3. A correlativa questão agora renovada pelo Recorrente já foi objecto de anterior decisão transitada em julgada e de recurso rejeitado pela Relação e pelo Supremo Tribunal Justiça. </font></i>
</p><p><i><font>4. Sempre seria e é, por isso, e em todo o caso insusceptível de reapreciação. </font></i>
</p><p><i><font>5. A matéria de facto alegada pelo Autor e que as instâncias consideraram provada e assente consubstancia, sem margem para dúvidas sérias, que o Recorrente violou de modo grosseiro e muito grave os deveres de informação, lealdade, neutralidade e protecção dos interesses do cliente a que estava obrigado por força da relação bancária duradoura que mantinha com o Autor. </font></i>
</p><p><i><font>6. Essa violação postula-se como fonte autónoma de responsabilidade civil contratual do Recorrente. </font></i>
</p><p><i><font>7. Assim decidiu, e bem, o douto acórdão impugnado, que se mostra inexpugnável às críticas que, também desse enfoque, lhe dirige o Recorrente. </font></i>
</p><p><i><font>8. A parte dispositiva do douto acórdão em mérito contém uma omissão manifesta, porque, não obstante a prévia enunciação de todos os respectivos pressupostos de facto e de direito, não profere, de modo explícito, a condenação da Ré CC no pagamento das quantias descritas na al. D) do petitório do articulado inicial da acção. </font></i>
</p><p><i><font>9. Tal omissão pode ser suprida ao abrigo do nº 2 do art. 614º, CPC. </font></i>
</p><p><i><font>10. Todavia, se não for suprida ou vier a entender-se, que se trata duma omissão insuprível, há-de considerar-se que implica a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º, CPC, devendo ampliar-se o objecto do recurso para conhecimento dessa questão e suprimento da correspondente nulidade, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 636º CPC. </font></i>
</p><p><i><font>11. E, em consonância, deve condenar-se a Ré CC a pagar ao Autor as quantias descritas na aI. D) do petitório do articulado inicial da acção. </font></i>
</p><p><i><font>- deve negar-se provimento ao recurso; </font></i>
</p><p><i><font>- deve ampliar-se o objecto do recurso para se conhecer da nulidade implicada na falta de condenação explícita da Ré CC no pagamento das verbas descritas no pedido formulado pela Autor na al. D) da petição inicial, se vier a entender-se que não se trata de omissão manifesta suprível e suprida ao abrigo do disposto no art. 614º, do CPC</font></i><font>.” </font>
</p><p><b><font>I.b). – Questões a merecer apreciação</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Os sumários conclusivos que quedaram </font>
</p><p><font>extractados autorizam e avalizam o conhecimento das seguintes questões:</font>
</p><p><font>a) – Nulidade do acórdão, por conhecimento de pedido diferente do que fora formulado pelo demandante;</font>
</p><p><font>b) – Violação de regras de direito probatório material; </font>
</p><p><font>c) – Violação, pela instituição de crédito, dos deveres de lealdade, protecção, informação e neutralidade;</font>
</p><p><font>d) – Condenação por danos incertos e hipotéticos. </font>
</p><p><font>Da ampliação do recurso (artigo 636º, nº 2 do Código Processo Civil):</font>
</p><p><font>- Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código Processo Civil)</font>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Após a modificação da decisão de facto operada pelo tribunal de apelação, a matéria que vem consolidada para a revista, é a que a seguir que extractada </font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. O autor é empresário. </font></i>
</p><p><i><font>2. O réu BANCO BB, S.A. é uma instituição financeira que está autorizada a efectuar a generalidade das aplicações bancárias não vedadas por lei, conforme certidão de fls. 315 a 332 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>3. A ré CC ..., S A é uma sociedade que tem por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas, conforme documentos de fls. 258 a 278 e 334 a 344 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>4. A sociedade GG tem o NIPC …187 e o seu objecto social compreende a compra e venda de imóveis, conforme documentos de fls. 281 a 292 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>5. A sociedade CC - ..., S.A. tem o NIPC …369 e é actualmente denominada HH, …, SA, conforme documentos de fls. 293 a 302 e 306 a 319 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>6. A CC …, S.A. teve a sua sede na Avenida …, em Lisboa entre 19.6.2002 e 11.2.2009, conforme documentos de fls. 258 a 278 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, deles constando, designadamente, que tem o NIPC …373.</font></i>
</p><p><i><font>7. A GG - Sociedade Imobiliária, S.A. teve a sua sede na Avenida …, em Lisboa entre 3.11.2005 e 11.2.2009, conforme documentos de fls. 281 a 292 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>8. A CC - ..., S.A. teve a sua sede na Avenida …, em Lisboa, entre 16.7.2002 e 26.11.2008, conforme documentos de fls. 293 a 302 e 306 a 319 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, dos quais consta, designadamente, que tem o NIPC …369.</font></i>
</p><p><i><font>9. DD foi Presidente do Conselho de Administração das sociedades “BANCO BB, SA”, “CC …, S.A.”, “GG - …, S.A.” e “CC - ..., S.A.”, tendo renunciado ao cargo nas três últimas em 19.2.2008, conforme documentos de fls. 258 a 302 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>10. A partir do momento em que a ré “CC …, SA” foi transformada em sociedade anónima (deliberação tomada em 28.5.04 levada a registo em 3.9.04), a forma de obrigar tal sociedade era a seguinte:</font></i>
</p><p><i><font>a) com a assinatura de dois administradores;</font></i>
</p><p><i><font>b) pela assinatura de um administrador e um mandatário ou procurador;</font></i>
</p><p><i><font>c) pela assinatura do administrador-delegado;</font></i>
</p><p><i><font>d) pela assinatura de um único administrador em actos e contratos relativamente aos quais tal tenha sido expressamente deliberado, conforme documentos de fls. 258 a 278 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>11. O Presidente do Conselho de Administração DD foi designado administrador delegado da “CC …, SA” por deliberação tomada em 30.09.04 e levada ao registo em 29.12.04, conforme documentos de fls. 258 a 278 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>12. O autor procedeu à abertura e movimentação de depósitos a prazo e à ordem na ré “BANCO BB, S.A.”, nomeadamente, o depósito à ordem número …001, domiciliado no balcão de Braga do BANCO BB (Balcão …020).</font></i>
</p><p><i><font>13. O autor assinou a ficha de assinaturas particulares para abertura de conta no BANCO BB, conforme documento de fls. 113 e 116 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>14. E subscreveu ainda, em 13.01.2003, um documento que constitui uma ficha de assinaturas particulares do “II …” de fls. 117 a 119 e cujo teor se dá por integralmente</font></i>
</p><p><i><font>15. O autor transferiu as suas economias para o “BANCO BB, SA” no dia 5 de Maio de 2003, por insistência do seu director coordenador, FF.</font></i>
</p><p><i><font>16. O autor assinou, em branco, a "ficha de assinaturas - particulares", para abrir conta de depósitos à ordem no BANCO BB.</font></i>
</p><p><i><font>17. E apenas por solicitação e insistência dos representantes deste.</font></i>
</p><p><i><font>18. E assinou, também em branco e sem a percepção nem consciência de que se tratava dum documento relativo a um banco ou filial offshore o documento aludido em 14.</font></i>
</p><p><i><font>19. O autor nunca fez qualquer aplicação na bolsa, nem adquiriu a nenhum banco qualquer produto diverso dos depósitos a prazo e era avesso a esse tipo de aplicações, sempre tendo colocado as suas economias em depósitos a prazo.</font></i>
</p><p><i><font>20. O que era do conhecimento do BANCO BB.</font></i>
</p><p><i><font>21. No ano de 2004, um administrador do BANCO BB deslocou-se a Braga, acompanhado do FF, para reunir com o autor, como reuniu, manifestando-lhe o interesse do BANCO BB em transmitir-lhe acções que o Banco detinha no capital da “CC - …, S. A.”.</font></i>
</p><p><i><font>22. E solicitando-lhe que as adquirisse.</font></i>
</p><p><i><font>23. Com data de 15.06.2004, o autor assinou e endereçou à "CC - ..., SA" a carta que consta de fls. 244 dos autos, na qual se propõe adquirir acções do capital social desta empresa até ao valor de "7.250.000,00", pondo como condição que esta assuma que "até Junho de 2006" lhas recompre pelo mesmo valor "sem qualquer penalização ou imposto", "com um rendimento liquidado calculado e pago nunca inferior a 5,25% liquido de impostos", e, com data de 18.06.2004 o autor recebeu da "CC" a carta que consta de fls. 245 dos autos, na qual a mesma assume o compromisso de comprar ao autor as 2.636.364 acções, pelo valor de € 2,75 cada, "acrescido de um rendimento líquido calculado à taxa de 4,75% a.a.".</font></i>
</p><p><i><font>24. Com data de 23.11.2004, o autor recebeu da "CC" a carta que consta de fls. 246 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual esta assume o compromisso de comprar ao autor as 2.185.601 acções, pelo valor unitário da compra, "acrescido de um rendimento líquido calculado à taxa de 4,75% a.a.", carta esta que está escrita em papel timbrado da "CC …, S.A.", e firmado com o selo branco do BANCO BB;</font></i>
</p><p><i><font>25. Com data de 6.06.2005, o autor recebeu da "CC" a carta que consta de fls. 247 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual esta assume o compromisso de comprar ao autor as 537.715 acções, pelo valor unitário da compra, "acrescido de um rendimento líquido calculado à taxa de 4,75% a.a.". </font></i>
</p><p><i><font>26. Com data de 23.08.2005, o autor recebeu da "CC" a carta que consta de fls. 248 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual esta assume o compromisso de comprar ao autor as 821.429 acções, pelo valor unitário da compra, "acrescido de um rendimento líquido calculado à taxa de 4,75% a.a.", carta esta que está escrita em papel timbrado da "CC …, S.A.".</font></i>
</p><p><i><font>27. Vencendo-se estas primeiras quatro aplicações no dia 28 de Junho de 2006.</font></i>
</p><p><i><font>28. Nesse dia 28 de Junho de 2006, o autor aceitou que o capital dessas aplicações e o respectivo juro, no valor global de 17.381.659,70 €, fossem aplicados na subscrição de acções, e autorizou que a sua conta de depósitos à ordem fosse debitada de mais 2.618.340,30 €, para completar o montante de 20.000.001,90 € aplicado pelo autor na designada subscrição de 6.578.948 de acções da CC - ..., S.A.</font></i>
</p><p><i><font>29. Tendo o BANCO BB retirado da conta de depósitos à ordem do autor € 20.000.001,90 (vinte milhões e um euro e noventa cêntimos).</font></i>
</p><p><i><font>30. Naquela data, o autor e o BANCO BB acordaram que a aplicação seria | [0 0 0 ... 0 0 0] |
AjKqu4YBgYBz1XKvyStQ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. 1. - AA propôs acção de denúncia de contrato de arrendamento rural para exploração directa e despejo contra BB e mulher, CC; DD e mulher, EE; FF e mulher, GG; HH e mulher, II; JJ e mulher, LL; MM; e,NN e mulher, OO, pedindo que se decretasse a denúncia, para 31 de Dezembro de 2007, dos contratos de arrendamento celebrados ao abrigo do n.º 1 do art.º 29° da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, que incidem sobre seis courelas do prédio rústico denominado "H... da A...", sito na freguesia de M..., concelho de R..., e que se condenassem os RR. a entregar-lhe a referida Herdade livre de pessoas, coisas e animais. </font><br>
<font>Alegou, em resumo, que o prédio esteve expropriado pelo Estado até 5/01/04, data em que foi devolvido aos anteriores proprietários; em cumprimento da Lei n.º 109/88 foram celebrados seis contratos de arrendamento rural, com a duração inicial de 10 anos, que se tornaram eficazes a partir de 1 de Janeiro de 1993. Decorrido aquele prazo inicial e o de uma renovação, o A. comunicou aos RR. a denúncia dos contratos, invocando o seu interesse em explorar directamente as parcelas, mas estes não procederam à respectiva entrega. </font><br>
<br>
<font>Os RR. contestaram, articulando serem inaplicáveis as regras dos arrendamentos rurais celebrados com os anteriores proprietários, na medida em que no despacho ministerial de 20/12/93, cumprido em 5/1/94, que atribuiu aos proprietários a dita Herdade, os contratos ficaram sujeitos, como cláusulas especiais, nos termos do art. 29º-3 da Lei n.º 46/90, de 22/8, ao prazo de 10 anos com direito a três renovações de três anos cada, contando-se o respectivo início a partir da data da efectiva entrega da reserva, no caso, em 05/01/94. </font><br>
<font>Acrescentaram que nunca o réu JJ recebeu qualquer comunicação visando a denúncia e que as demais declarações dirigidas pelo Autor foram absolutamente ineficazes por a data nelas considerada não coincidir com o termo final da primeira renovação, sendo que nunca receberam qualquer comunicação visando a denúncia para 31/12/07. </font><br>
<font>Concluíram pela improcedência da acção, mas, subsidiariamente, deduziram pedido reconvencional no sentido de o A. ser condenado a pagar-lhes a quantia de 32.500,00 euros, acrescida de juros desde a notificação, a título de despesas, realizadas com conhecimento e autorização dos proprietários, com vista a melhor, mais fácil e mais produtiva exploração da Herdade. </font><br>
<br>
<font>Após completa tramitação da causa foi proferida sentença que julgou a acção procedente, declarando válida e eficaz, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2007, a denúncia efectuada pelo Autor, - por ter considerado o início dos contratos de arrendamento celebrados entre os anteriores proprietários, titulares do direito de reserva, e os beneficiários do direito de exploração, ora réus, em 1 de Janeiro de 1993, conforme da cláusula 2.ª dos respectivos documentos escritos constava, a essa data acrescendo o prazo de duração inicial de dez anos, mais cinco de renovação obrigatória -, assim cessando os vínculos contratuais de arrendamento rural que vigoravam entre o A. e os RR., os quais foram condenados a entregar o locado livre de pessoas, coisas e animais. </font><br>
<font>O pedido reconvencional foi julgado improcedente.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Os RR. apelaram, mas sem sucesso, pois que, ao que aqui releva, a Relação entendeu, como a 1.ª Instância, ser aplicável aos contratos em causa o regime decorrente das cláusulas neles insertas bem como o regime geral previsto na denominada Lei do Arrendamento Rural (Dec. - Lei n..º 385/88, de 25/10). </font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>1. 2. - Interpõem, agora, os mesmos Réus este recurso, de revista excepcional, que foi admitido pela Formação a que alude o art. 721º-A-3 do CPC com expressa limitação do respectivo âmbito à questão de saber que momento se deve considerar como de início do arrendamento entre os beneficiários da reserva (anteriores donos) e rendeiros, quando os nos contratos de arrendamento rural celebrados entre ocupantes legitimados pelo Estado e aqueles – condição prévia necessária à atribuição da reserva – vem clausulada para início da sua vigência uma data anterior à do despacho Ministerial que deu por finda a expropriação e ordenou a entrega da reserva e sua execução efectiva no terreno, designadamente se é a data constante do contrato ou a da entrega da reserva.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Entendeu-se, na linha do defendido pelos Recorrentes, que o acórdão recorrido “</font><i><font>considerou permissível a retroacção do direito de propriedade dos reservatários, senhorios nos arrendamentos rurais, a data anterior (mais de um ano antes) àquela em que foi feita a entrega da reserva</font></i><font>”, em divergência com a doutrina traçada no acórdão fundamento do Supremo, de 17/02/00, “</font><i><font>no sentido de que o restabelecimento do direito de propriedade ocorre com a concessão do direito de reserva (despacho) e sua atribuição efectiva (entrega), ali se considerando que o respectivo direito de propriedade só é eficaz para o futuro</font></i><font>”, com a consequente contradição de julgados. </font><br>
<br>
<font> Apesar de assim identificada e delimitada a </font><b><font>questão</font></b><font> decidenda, interessará ainda indicar as razões invocadas pelos Recorrentes em abono da sua pretensão de revogação do acórdão e improcedência da acção, tais como as verteram nas conclusões da respectiva alegação.</font><br>
<font> Na parte relevante, são as seguintes: </font><br>
<font>“</font><font>1- O direito de propriedade dos reservatários, em geral e dos proprietários da H... da A..., em particular, restabeleceu-se com a entrega efectiva da reserva que, no caso concreto, ocorreu em 05-01-1994 (Art.º 13 e 14 do Dec-Lei 109/88 de 26/09, Art.º 29, n.º 8 da Lei 46/90 de 22/10 e Art.º 4°, n.º 3 e 11 do Dec-Lei 12/91 de 09/01). </font><br>
<font>2- O restabelecimento do direito de propriedade opera para o futuro não tendo eficácia retroactiva (Art.º 4, n.º 3 do Dec-Lei 12/91 de 09/01). </font><br>
<font>3- Os contratos de arrendamento rural (Doc. n° 3 a 8 juntos à p.i.) em função da data em que ocorreu a entrega da reserva aos anteriores proprietários (05/01/1994) não poderiam ter-se como iniciados em 01-01-1993, momento este em que a H... da A..., por se manter expropriada, estava sob o domínio reservado do Estado Português (Portaria n.º 559/75 de 17 de Setembro); </font><br>
<font>4- Os contratos de arrendamento rural, para além do mais, não se poderiam iniciar em 01-01-1993 por, então, se manterem em vigor os contratos celebrados entre os RRs e o Estado, sobre as 6 Courelas por que foi repartida, para efeitos de exploração, a H... da A..., sob pena de se admitir a incontornável vigência simultânea dos contratos de arrendamento rural dos RRs com o Estado e com os anteriores proprietários com a inverosímil e inadmissível duplicação de obrigações para os RRs (Perante o Estado e perante os Proprietários); </font><br>
<font>5- Tendo ocorrido o restabelecimento do direito de propriedade sobre a H... da A..., a favor dos anteriores proprietários em 05-01-1994 com a entrega da reserva, a denúncia dos contratos de arrendamento só poderia operar para o dia 05-01-2009, data que coincide com o fim da primeira renovação de cinco anos então em curso, após o decurso do prazo inicial de dez anos. </font><br>
<font>6- A Denúncia dirigida pelo A. aos RRs para que os contratos de arrendamento rural se considerassem denunciados em 31/12/2007 não pode operar por tal data não coincidir com o fim da renovação de cinco anos então em curso. </font><br>
<font>7 - A denúncia dos contratos de arrendamento rural, nos termos em que foi promovida pela A. não pode proceder por a data pretendida não coincidir com o fim do prazo inicial de dez anos nem com o fim de qualquer das suas renovações de cinco anos</font><font>.” </font><br>
<font>(…).</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> </font><br>
<font> 2. - Os elementos </font><b><font>de facto</font></b><font> a considerar, continuando a ter em consideração a delimitação pré-estabelecida para o objecto do recurso, são, de entre os fixados pelas Instâncias, os que seguem. </font><br>
<br>
<font>1 - O A. é dono de um prédio rústico denominado "H... da A...", sito na freguesia de M..., concelho de R..., em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob os n.ºs ... e ..., daquela freguesia, estando inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob os artigos ..., secção ... e ..., secção ... (al. A) da especificação). </font><br>
<font>2 - Quando o prédio referido em A) foi adquirido pelo A. estava totalmente onerado com "arrendamentos em parcelas", de que eram titulares os RR. (al. B). </font><br>
<font>3 - Os "arrendamentos" referidos em B) foram celebrados por contratos escritos (al. C); </font><br>
<font>4 - Até 05-01-1994, data em que o prédio em questão, em cumprimento do Despacho do Ministro da Agricultura de então, de 20.12.1993, foi devolvido a título de reserva de propriedade aos seus anteriores proprietários, o mesmo encontrava-se expropriado pelo Estado (al. D). </font><br>
<font>5 - A H... da A... foi expropriada pelo Estado Português, através da Portaria n.º 559/75, de 17 de Setembro (Al. E). </font><br>
<font>6 - Em data próxima de 03.09.1975, a herdade foi ocupada pela PP-Unidade Colectiva Agrícola B... J... C...(al. F). </font><br>
<font>7 - A H... da A..., após ser expropriada, foi partilhada em Courelas, com os n.º s 1 a 6, tendo sido, por despachos do Ex.mo Sr. Secretário de Estado da Produção, datados de 28.05.1981 e 13.07.1981, os RR. colocados naquela herdade, em 3 de Novembro de 1981 (al.G). </font><br>
<font>8 - Foram celebrados seis acordos escritos que as partes designaram por "contratos de arrendamento rural" entre os titulares do direito de reserva, os anteriores proprietários, e os beneficiários do direito de exploração, os ora RR. (al. H). </font><br>
<font>9 - Nos termos dos referidos acordos, consta enquanto cláusula 2.ª que: "O prazo do presente arrendamento inicia-se em 1 de Janeiro de 1993, tendo a duração inicial de dez anos, renovando-se, nos termos da lei, por períodos sucessivos de três anos, sendo a primeira renovação obrigatória (al. I). </font><br>
<font>10 - Como cláusula 5.ª consta que "O presente arrendamento durará pelo prazo inicial de dez anos, previsto na Lei, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de três anos, expressamente se não subsumindo o presente arrendamento às regras do art.º 29° da Lei n.º 109/98 na actual redacção introduzida pela Lei n.º 46/90 de 22/8, seu art.º 29°, n.º 3, al. a) e b), regulando-se exclusivamente pelas cláusulas acordadas no presente contrato e pelas disposições do Dec.-Lei 385/88 de 25 de Outubro" (al. J). </font><br>
<font>11 - E, enquanto cláusula 6.ª consta que: "O presente arrendamento só será absolutamente válido e entrará em vigor com efeitos a partir de 01.01.93, após ser proferido despacho sancionatório por Sua Ex.a o Sr. Ministro da Agricultura Pescas e Alimentação ou equivalente em virtude de eventual delegação de competências (al. K). </font><br>
<font>12 - O despacho do Sr. Ministro de Agricultura que atribuiu aos proprietários a H... de A..., foi proferido a 20.12.1993 (al. L). </font><br>
<font>13 - O despacho referido em J) foi cumprido em 05.01.1994 (al. M). </font><br>
<font>14 - Na acta elaborada pelos Serviços da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo do Ministério da Agricultura, datada de 05.01.94, consta, para além do mais, que "(...) o prédio ora atribuído a título de reserva de propriedade fica onerado com os rendeiros também já identificados, após ter sido junto ao processo de reserva os contratos de arrendamento, nos termos do disposto no n° 3 do art° 29° da Lei 109/88, na redacção dada pela Lei 46/90, de 22 de Agosto (...)” (al. N). </font><br>
<font>15 - O A. elaborou e endereçou aos RR. as cartas datadas de 28.07.2004, 18 e 24.03.2005 e 26.10.2005, nos termos das quais manifestava a denúncia dos respectivos contratos para o </font><i><font>terminus</font></i><font> da primeira renovação obrigatória, indicando ser o dia 31 de Dezembro de 2007, informando-os do seu interesse em explorar directamente as parcelas em questão (al. O). </font><br>
<br>
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<br>
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<br>
<br>
<font>3. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 3. 1. - Os Recorrentes sustentam que, tendo ocorrido o restabelecimento do direito de propriedade sobre a Herdade a favor dos anteriores proprietários em 05-01-1994 com a entrega da reserva, a denúncia dos contratos de arrendamento só poderia operar para o dia 05-01-2009, data que coincide com o fim da primeira renovação de cinco anos então em curso, após o decurso do prazo inicial de dez anos.</font><br>
<font> Com efeito, argumentam, o restabelecimento do direito de propriedade só opera para o futuro, não podendo os contratos de arrendamento ter-se como iniciados em 01-01-93, data em que a Herdade se mantinha expropriada e sob o domínio do Estado, com o qual se mantinha a vigência de anteriores contratos de arrendamento.</font><br>
<br>
<font> No acórdão impugnado entendeu-se que não se estava perante a situação prevista no n.º 3 do art. 29º da Lei n.º 109/88 (redacção da Lei n.º 46/90), como defendiam os Réus, situação expressamente afastada da cláusula 5ª de cada um dos contratos, mas por eles desprezada, ao dispor que “</font><i><font>o presente arrendamento durará pelo prazo inicial de dez anos, previsto na Lei, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de três anos, </font></i><i><u><font>expressamente se não subsumindo o presente arrendamento às regras do art. 29º da Lei 108/88 na sua actual redacção introduzida pela Lei 46/90 de 22/8, seu art. 29º Nº 3 alínea a) e b) regulando-se exclusivamente pelas cláusulas acordadas no presente contrato e pelas disposições do Dec. Lei 385/88 de 25 de Outubro</font></u></i><font>”. Diferentemente, os contratos, celebrados em cumprimento da condição prévia de atribuição da reserva aos proprietários, imposta pelo n.º 1 do mesmo art. 29º, não estavam sujeitos a quaisquer condições especiais, designadamente as exigidas pelo n.º 3 para o caso de não ser voluntaria e atempadamente apresentados, sendo que, como de cada um deles consta, podia ser «</font><i><font>celebrado livremente, no âmbito do acordo de vontades ora consumado, entre os reservatários e o rendeiro ao abrigo da faculdade prevista no Art. 29 da Lei 46/90 de 22.08 (…)</font></i><font>», razão por que não poderiam deixar de se reger pelas cláusulas livremente negociadas pelas Partes.</font><br>
<br>
<br>
<font> Afastando-se, como se vê, da fundamentação anteriormente invocada, apoiada na aplicabilidade da norma do n.º 3 do art. 29º da Lei de Bases da Reforma Agrária, que agora abandonam, os Recorrentes, mantendo a tese que adoptaram de que o início do contrato só se deveria contar a partir de 5/1/94, embora sem para tanto terem invocado qualquer fundamento, trazem agora o referido suporte jurídico da tese que adoptaram. </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> Em síntese factual, para melhor precisar os contornos da questão, importa notar que a Herdade foi expropriada por Portaria de 1975, tendo sido partilhada em Courelas, com os n.º s 1 a 6, e, por despachos do Secretário de Estado da Produção, os RR. nelas colocados em 1981.</font><br>
<font> Como condição prévia para atribuição de reservas aos anteriores donos, vieram a ser celebrados seis contratos de arrendamento rural com os RR., ao abrigo da faculdade prevista no art. 29º da Lei n.º 46/90, nos termos dos quais se estabeleceu que se iniciariam em 1 de Janeiro de 1993.</font><br>
<font>Nos termos do clausulado nos referidos contratos, os arrendamentos durariam pelo prazo de dez anos, previsto na Lei, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de três, ficando a ser exclusivamente regulados pelas cláusulas acordadas e pela Lei 385/88, de 25/10, mais se estabelecendo (cl. 5ª) que se considerava afastado o regime decorrente do art. 29.º-3 -a) e b) da Lei n.º 46/90, de 22/08 e, finalmente (cl. 6ª), que “o presente arrendamento só será absolutamente válido e entrará em vigor, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1993, após prolação de despacho sancionatório do Senhor Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação ou equivalente”. </font><br>
<font>Só em 20-12-1993, o Senhor Ministro de Agricultura proferiu despacho em que devolvia aos seus anteriores proprietários, a título de reserva de propriedade, a Herdade anteriormente expropriada e só em 05.01.1994 foi concretizada a efectiva entrega aos reservatários.</font><br>
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<font> 3. 2. - Pode agora dizer-se que o problema se reconduz, mais precisamente, a saber se, em virtude de o restabelecimento do direito de propriedade sobre prédios expropriados só ocorrer com a concessão do direito de reserva e sua efectiva atribuição ou entrega aos reservatários, nos contratos de arrendamento rural celebrados entre beneficiários do direito de exploração legitimados pelo Estado e os proprietários reservatários, necessariamente condicionantes da atribuição da reserva, mantém eficácia como data para início da sua vigência a neles clausulada, apesar de vir a revelar-se anterior à do despacho Ministerial que deu por finda a expropriação e ordenou a entrega da reserva e sua execução efectiva no terreno.</font><br>
<br>
<br>
<font> O regime legal em que se enquadra a celebração dos contratos de arrendamento cujo período de vigência se discute é, ao que pode relevar, o seguinte:</font><br>
<font>Aos proprietários dos prédios expropriados é atribuído um direito de reserva de propriedade de uma área determinada nos termos da lei (art. 13º da LBRA);</font><br>
<font>A concessão do direito de reserva determina o reestabelecimento do respectivo direito de propriedade, tal como existia à data da expropriação ou da ocupação (art. 14º da mesma Lei);</font><br>
<font>As atribuições de reservas de prédio rústico em áreas na posse de beneficiários do direito de exploração “são condicionadas à prévia celebração de um contrato de arrendamento rural entre esses beneficiários do direito de exploração e os titulares do direito de reserva”, devendo os requerentes juntar ao processo organizado para atribuição da reserva tal contrato ou contratos (art. 29º-1 da Lei e 12º-1 do Dec.-Lei n.º 12/91, de 12 de Janeiro);</font><br>
<font>Se o contrato de arrendamento não for apresentado no prazo de um mês após a notificação das partes para esse efeito, os serviços competentes do Ministério da Agricultura devem notificá-las para celebração de um contrato de arrendamento sujeito a certas cláusulas especiais (art. 29º-3 e 12-2 do Dec.-Lei 12/91);</font><br>
<font>A recusa de assinatura dos contratos tem como efeitos para o beneficiário do direito de exploração a extinção do direito e para o reservatário a extinção do direito à reserva (n.º 5);</font><br>
<font>Com a atribuição das reservas caducam todos os contratos de arrendamento ou quaisquer outros direitos de exploração constituídos pelo Estado (n.º 8 da mesma Lei n.º 109/88).</font><br>
<font> </font><br>
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<font> 3. 3. - Sem dúvida que, como resulta da norma do citado art. 14º, o reestabelecimento do direito de propriedade do reservatário se concretiza com o despacho de atribuição do direito de reserva, momento em que se torna, por essa forma de aquisição, proprietário da área que constitui o objecto da reserva. </font><br>
<font> Só mediante o despacho de atribuição, pois, com seus efeitos constitutivos e executórios (n.ºs 2 e 3 do art. 14º cit.), o reservatário fica investido na qualidade de dono do imóvel.</font><br>
<font> Assim sendo, como se entende dever ser, crê-se que em nada se diverge da doutrina seguida no acórdão deste Supremo de 17/02/2000 (proc.99B1101) ao decidir que “uma portaria derrogatória (da expropriação) apenas produz efeitos para o futuro”, tal como, ao menos a nosso ver, não divergiu o acórdão recorrido pela bem simples razão, já atrás aflorada, de não ter apreciado tal questão, admitindo ou deixando de admitir a retroacção do direito de propriedade dos reservatários. </font><br>
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<font>Certo que a relação locatícia se estabelece entre alguém que pode dispor do gozo da coisa e proporcioná-lo a outrem, mediante retribuição, sendo que, no caso, aquele locador era o reservatário que só adquiriu a respectiva titularidade, correspondente ao direito de propriedade, em data em que já outorgara, com data de início de vigência anterior o contrato de arrendamento. </font><br>
<font>Assim, dir-se-á, em termos de pura aplicação de princípios inerentes à constituição da relação locatícia, não poderá haver contrato de arrendamento enquanto o reservatário, por não ser titular do necessário direito de gozo, não o puder proporcionar ao arrendatário, o qual, por sua vez, não tem que pagar a renda a quem não é o dono. </font><br>
<font>Convergentemente, da mesma lógica, decorre que, antes do despacho ministerial de concessão da reserva, a relação jurídica que estabelecia a legitimação dos rendeiros se desenvolvia apenas entre o Estado e os rendeiros, de sorte que estes só passaram a ter como seu senhorio o novo dono a partir do momento em que este esteja em condições de lhe proporcionar o gozo, o que só ocorre com a entrega da reserva.</font><br>
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<font> 3. 4. - Só que, ao menos a nosso ver, a solução da questão não passa por esse enfoque de lógica conceitual.</font><br>
<br>
<font> Como do convocado regime legal emerge, a atribuição da reserva, por despacho ministerial, constitui um acto administrativo cuja validade e eficácia estão, naturalmente, dependentes do estrito cumprimento dos requisitos e pressupostos que a lei estabelecer. A preterição da legalidade quanto às exigências previstas torna o acto ilegal, gerando os vícios de invalidade ou ineficácia.</font><br>
<font> No caso, a lei faz depender a possibilidade legal de praticar o acto administrativo de atribuição da reserva – cuja proposta de decisão final, com localização da área de reserva, para efeitos de entrega, já se encontra elaborada (art. 9º do DL 12/91) – da instrução do processo com os contratos de arrendamento.</font><br>
<font> Está-se, assim, perante a exigência da demonstração da existência de uma situação – um vínculo de arrendamento - que a lei elege com um pressuposto de legalidade da prática do acto da Administração.</font><br>
<br>
<font> Porém, a lei, exigindo embora o concurso do pressuposto, como facto a provar mediante a junção do documento que titula o contrato, desinteressa-se ou alheia-se do respectivo conteúdo, bastando-se com o que a lei geral estabelece, designadamente em sede de imperatividade, quanto às cláusulas por que se deve reger o arrendamento.</font><br>
<font> No caso, como imposto pelo art. 5º do Dec-Lei n.º 35/88, as Partes tinham de celebrar o contrato pelo prazo mínimo de dez anos, a contar da data do respectivo início, o que efectivamente consta dos escritos respectivos.</font><br>
<br>
<font> Não se trata de contratos celebrados nos termos dos mencionados arts. art. 29º-3 e 12º-2 em que, aí sim, as partes deveriam outorgar um contrato tipo, apresentado pela direcção regional da Agricultura, com o conteúdo aí previsto.</font><br>
<br>
<font> Vale isto por dizer que, contentando-se a lei, como pressuposto da formalização da entrega da reserva, com a existência de um contrato, nos termos livremente celebrados pelas partes, embora, obviamente, com respeito pelas cláusulas de cariz imperativo, tem por satisfeito o pressuposto de legalidade e, consequentemente, de validade e eficácia do acto administrativo.</font><br>
<font> O interesse público a salvaguardar, nestes casos, em que reservatário e beneficiário da exploração acordam nos termos do contrato de arrendamento, fica assegurado com a execução desse contrato, nos termos ditados pelas declarações de vontade dos contraentes, no exercício da liberdade contratual e autonomia privada, prevenida que fica a possibilidade de exploração da reserva, ao abrigo do arrendamento, por, pelo menos, dez anos.</font><br>
<br>
<font> Assim sendo, irrelevará manter-se o reservatário como senhorio durante o mínimo de dez anos como irrelevará ter ou não a efectiva titularidade da propriedade da reserva ao tempo em que as Partes acordaram ter início o contrato. Relevante será, insiste-se, que, pelo contrato, fique garantido ao rendeiro um período de exploração efectiva de dez anos e que esse período, com ou sem renovações, seja efectivamente respeitado. O que realmente importa não será a qualidade que os sujeitos detêm no momento da celebração do contrato ou posteriormente mas, tão só, que se assegure o desígnio legal de facultar ao arrendatário a exploração da reserva pelo prazo que a lei exige.</font><br>
<br>
<font> Ora, não se mostra que essa exploração tenha sido suspensa ou interrompida em razão da data aposta no contrato como sendo a do seu início. Os Recorrentes ocupavam as parcelas e nelas se mantiveram continuadamente.</font><br>
<br>
<font> De resto não se vê como compatibilizar o processo de atribuição da reserva e a prova do pressuposto em causa em termos de obter coincidência entre o termo inicial do contrato previsto no contrato e a data de prolação do despacho de atribuição da reserva.</font><br>
<font> Certamente por isso, distinguindo uma vez mais as situações, se prevê no na al. b) do art. 29º-3 que nos contratos tipo, elaborados na falta de apresentação voluntária, nos termos do n.º 1, e, em consequência sujeitos a cláusulas especiais, uma destas seja a de o início do contrato se contar a partir da data da efectiva entrega da reserva e o seu termo ao final do ano agrícola. Aqui, sim, na sequência da intromissão da autoridade administrativa, “forçando” a realização do contrato de arrendamento, estende-se essa intromissão à esfera da liberdade contratual quanto à fixação dos termos iniciais e finais do contrato.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Para situações e comportamentos diferentes, fixa a lei regras também regras diferentes, sendo certo que, se o pretendesse, bem poderia o legislador determinar a aplicação da dita al. b) – e das demais – aos contratos a que alude no n.º 1 do artigo e na parte inicial do seu n.º 3, o que, perante a clareza da letra da lei, se verifica que, manifestamente, não quis fazer, bastando-se com a garantia mínima do cumprimento das cláusulas contratuais imperativas relativas ao tipo de contrato aplicável.</font><br>
<br>
<font> Ao assim dispensar a coincidência temporal entre a data do início do contrato e a data da efectiva entrega da reserva num caso e ao exigi-la no outro, a lei reflecte bem a aceitação da possibilidade de a mesma não ocorrer e a ideia de que tal lhe é indiferente, designadamente do ponto de vista da protecção do interesse público, por assegurado que considera, no âmbito mínimo a preservar, a estabilidade do agricultor rendeiro </font><br>
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<br>
<br>
<font> 3. 5. - Quanto à norma do n.º 8 do art. 29º, a dispor que “com a atribuição das reservas caducam todos os contratos de arrendamento ou quaisquer outros direitos de exploração constituídos pelo Estado sobre as áreas da reserva”, preceito em que os Recorrentes vêem um obstáculo à data convencionada para o início dos contratos a pretexto de se manterem ainda os títulos de ocupação celebrados com o Estado, havendo uma vigência simultânea de dois contratos, dir-se-á que a invocada incompatibilidade e sobreposição assenta no entendimento, que, como já resulta do expendido, não se tem por aceitável, de que, mesmo quando os contratos são voluntariamente outorgados e juntos ao processo de atribuição da reserva, o seu início só tem lugar na data da efectiva entrega.</font><br>
<br>
<font> Ora, em termos compatíveis e harmónicos com as situações contempladas nos n.ºs 1 e 3 do art. 29º, o n.º 8 transcrito não alude à «efectiva entrega da reserva» como o n.º 3, nem está referido ao tempo de pratica de qualquer acto, limitando-se a estabelecer a determinar a extinção, por caducidade, de contratos de arrendamento e direitos do Estado como consequência da atribuição das reservas, atribuição que, por sua vez, conforme o n.º1 tem como pressuposto instrumental necessário a preexistência de contratos de arrendamento para dar continuidade à exploração dos mesmos beneficiários.</font><br>
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<br>
<font> De notar ainda, agora à maneira de parêntese, que, como se vê de declarações dos ora Recorrentes em documentos juntos aos autos, nem sequer corresponderá à verdade a afirmação ora trazida ao processo sobre a existência simultânea de dois contratos, pois que, ao que no escrito em causa se afirma, nunca chegaram a ser celebrados contratos com o Estado antes dos celebrados com os proprietários reservatários e, além disso, o Estado sancionou e remeteu a regularização dos direitos e deveres as partes para a esfera das suas relações privadas, pelo menos a partir de 01-01-93, o que não só nunca foi impugnado, como se mostra expressamente aceite, nomeadamente como sendo esta a data do início dos contratos (docs. de fls. 196 e ss.203 e ss., 219 e 221).</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> Acrescentar-se-á, ainda, que, pronunciando-se sobre litígio em que se suscitava questão com afinidades com a ora ajuizada, escreveu-se no Acórdão deste Supremo de 09/01/2003 (proc. 02B3686): “Logo que o beneficiário e o titular do direito de reserva cumprissem aquela imposição, uma nova situação se configurava: passava, por um lado, a vigorar o contrato celebrado entre as partes; por outro lado, e com a atribuição da reserva, extinguiam-se quaisquer outros direitos de exploração constituídos sobre as novas áreas de reserva (art. 29º, nº 8, da Lei nº 109/88).</font><br>
<font>Assim, extinguiu-se o contrato de arrendamento celebrado entre o Estado e o autor, tendo sido celebrado um novo.</font><br>
<font>Queda-se, por isso, ininvocável a eventual produção dos efeitos do anterior contrato celebrado pelo autor com o Estado já depois de extinto, nomeadamente para se concluir, como faz o recorrente que, atento o período nele convencionado e as renovações acordadas ou legalmente impostas, o novo contrato outorgado com a ré só se iniciaria em 1994 ou até muito posteriormente.</font><br>
<font>Não é isso que acontece. Com efeito, extinto o contrato celebrado entre o autor e o Estado, o novo contrato celebrado com a ré tem o seu início na data acordada pelos contraentes, ou seja, 1 de Janeiro de 1990”.</font><br>
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<font> </font><br>
<font> Numa palavra, os contratos que foram outorgados entre os Recorrentes e os antecessores do Recorrido reger-se-ão pelas cláusulas que neles inseriram livremente as Partes, e nunca antes questionaram, e pelas normas do Decreto-Lei n.º 385/88 (Lei do Arrendamento Rural), ao abrigo do qual foram celebrados, nomeadamente quanto à fixação do seu termo inicial.</font><br>
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<font> </font><br>
<br>
<font> 3. 6. – Respondendo, em síntese final, á questão colocada poderá concluir-se:</font><br>
<br>
<font>- O restabelecimento do direito de propriedade sobre prédios expropriados ocorre com a concessão do direito de reserva e sua efectiva atribuição aos reservatários.</font><br>
<font> - Os contratos de arrendamento rural celebrados entre beneficiários do direito de exploração legitimados pelo Estado e os proprietários reservatários, necessariamente condicionantes - ou pressuposto - da atribuição da reserva, apresentados no processo de atribuição da reserva em cumprimento do n.º 1 do art. 29º da Lei n.º 109/88, de 26/9, regem-se pelas cláusulas convencionadas pelas partes que não contrariem preceitos imperativos do Dec.-Lei n.º 355/88, de 25/10.</font><br>
<font>- Vale como data do início da vigência desses contratos de arrendamento a neles clausulada pelas partes, apesar de vir a revelar-se anterior à do despacho Ministerial que deu por finda a expropriação, atribuiu a reserva e determinou a respectiva entrega.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 4. - Decisão.</font><br>
<br>
<font>Nesta conformidade, acorda-se em:</font><br>
<font>- Negar a revista;</font><br>
<font>- Manter, embora com fundamentos parcialmente não coincidentes com os do acórdão recorrido, a decisão impugnada; e,</font><br>
<font>- Condenar os Recorrentes nas custas.</font><br>
<br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça,</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 1 de Fevereiro de 2011.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Alves Velho (Relator)*</font><br>
<br>
<font>Garcia Calejo</font><br>
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<font | [0 0 0 ... 0 0 0] |
AjKyu4YBgYBz1XKvojI3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
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<font>I. Relatório</font><br>
<br>
<font>A Massa Falida de AA, representado pelo respectivo Liquidatário Judicial, instaurou acção com processo ordinário</font><br>
<u><font>contra </font></u><br>
<font>1) AA,</font><b><font> </font></b><font>com sede no lugar e freguesia de V… N… de A…</font><br>
<font>2) BB, com sede em L…, C…, </font><br>
<font>3) CC, sede na P… F… S… C…, 3, 4°, freguesia de S… J…, L…, </font><br>
<font>4) DD, residente em C… P…, apartado 30, 2480-801 J…, P… de M…, </font><br>
<font>5) EE, com sede em C…, </font><br>
<font>6) FF e esposa GG, residentes em V… N… de A…, </font><br>
<font>pedindo </font><br>
<font>I) - que se declare nulo o contrato de arrendamento celebrado em 2003.03.22 entre a 1.ª e a 2.ª Ré relativamente ao imóvel onde aquela laborava e ao prédio a ele adjacente; e os subarrendamentos realizados em 2001.01.11 da 2.ª para a 3.ª Ré, e os subarrendamentos subsequentes efectuados em 2003.08.01</font><br>
<font>II - que sejam restituídas à A. as rendas recebidas pela 3.ª Ré, que na altura foram computadas em €12.120,79;</font><br>
<font>III - subsidiariamente, que seja declarada a ineficácia em relação à A. dos contratos de arrendamento e os subarrendamentos posteriores. e revertam para a A. os imóveis objecto desses contratos.</font><br>
<br>
<font>A 2.ª Ré (BB) contestou, mas esta foi considerada ineficaz em virtude de não vir subscrita por Advogado.</font><br>
<font>Os 3.º, 4.º e 5.º não contestaram, sendo de notar que os 3.º e 4.ºs RR. só editalmente foram citados</font><br>
<font>Os 6.ºs RR. contestaram por excepção (em que arguiram a sua ilegitimidade) e por impugnação.- cfr. fls 264</font><br>
<br>
<font>Houve réplica.</font><br>
<font>No saneador, foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade deduzida pelos 6.ºs RR. (FF e GG), pelo que foram eles absolvidos da instância. (fls. 272)</font><br>
<br>
<font>Oportunamente veio a ser realizada audiência de discussão e julgamento, vindo o Tribunal indicar quais os factos que considerava provados e não provados, proferindo em seguida a respectiva Sentença.</font><br>
<font>Esta julgou a acção improcedente por não provada e absolveu do pedido os Réus que ainda se mantinham na instância. (1.º a 5.º)</font><b><font> </font></b><font>– fls. 292 a 307.</font><br>
<br>
<font>Inconformada com a Sentença dela interpôs recurso a Autora – fls. 313- , sendo este admitido como apelação e efeito devolutivo. – fls. 322.</font><br>
<font>A A. apresentou então as alegações de recurso respectivas- fls. 327 a 340</font><br>
<font>Contra-alegaram o 3.º e 4.º RR. – fls. 353.</font><br>
<br>
<font>A Relação, no entanto, julgou improcedente a apelação. – fls. 386 a 406.</font><br>
<br>
<font>Continuando inconformada, recorre agora a A. para o Supremo.- fls. 417.</font><br>
<font>O recurso foi admitido como Revista e com efeito devolutivo. – fls. 424.</font><br>
<font>A Recorrente apresentou as respectivas alegações.- fls. 429 a 453.</font><br>
<font>Voltaram a contra-alegar o 3.º e 4.º RR..- fls. 462 a 467.</font><br>
<br>
<font>Remetidos os autos a este Tribunal foi o recurso aceite com adjectivação que lhe fora atribuída.</font><br>
<font>Correram entretanto os vistos legais.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>II. Âmbito do recurso</font><br>
<br>
<font>Os recursos não se destinam a dirimir questões novas, não anteriormente suscitadas.</font><br>
<font>O recorrente deve, por outro lado, exprimir nas “conclusões” das suas alegações de recurso, as questões que pretende ver reapreciadas.- arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC. </font><br>
<font>As conclusões devem ser sintéticas – art. 690.º-1 do CPC - e não um repositório integral ou quase integral do corpo alegacional, designadamente quando ele é apresentado por forma extensa, como nos presentes autos são apresentadas.</font><br>
<font>Não há razão no entanto para convidar a Recorrente a fazer a síntese conclusiva que deveria obedecer ao objectivo sintético traçado, porque da sua leitura extravasa clara e objectivamente que o seu recurso incide apenas sobre o facto de se ter considerado improcedente o pedido subsidiário (respeitante à impugnação pauliana), e a única questão suscitada se resume a apreciar se deve considerar-se que a Ré BB actuou de má fé, para efeito de se considerarem preenchidos todos os requisitos para a procedência da impugnação pauliana.</font><br>
<font> </font><br>
<font>III. Fundamentação</font><br>
<br>
<font>III - A) Os factos</font><br>
<br>
<font>A Relação considerou fixados os factos seguintes:</font><br>
<br>
<font>“1°- Por sentença de 2003.01.29, transitada em julgado em 2003.05.21, foi declarada a falência da Ré, AA (art. 1°).</font><br>
<font>2°- A Falida de(ra) de arrendamento em 2000.03.22 o imóvel onde laborava e o prédio rústico a ele adjacente, à BB, a qual ficou a pagar uma renda mensal de 100.000$00 hoje, 498,80 € (art. 2°).</font><br>
<font>3°- A Ré CC, em 2003.08.01 declarou dar de subarrendamento a DD e este declarou tomar de subarrendamento a cave do imóvel sito no lugar da C…, limite da freguesia de V… N… de A…, S…, inscrito na matriz sob o art. 994, pela renda mensal de 750€ (art. 4°).</font><br>
<font>4°- O liquidatário judicial em 18/06/2003 procedeu à apreensão do imóvel e do prédio rústico e passaram a fazer parte do acervo de bens que constituem a massa falida da AA (art. 5°).</font><br>
<font>5°- Nos autos de reclamação de créditos apensos aos de falência foram reclamados os seguintes créditos:</font><br>
<font>-Caixa de Crédito Agrícola de Vila Nova de Anços no valor de 356.332,70€ </font><br>
<font>-Banco Totta & Açores, SA, no montante de 173.559,94€;</font><br>
<font> - Estado, no montante de 116.522,63€;</font><br>
<font>- Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social – Delegação de Coimbra, no montante de 111.708,55€;</font><br>
<font>- BNC, no montante de 34.444,50€;</font><br>
<font>- Petróleos de Portugal – Petrogal, SA, no montante de 20.125,92€;</font><br>
<font>- BCP, no montante de 10.418,96€;</font><br>
<font>- Niaricar, Imobiliária e Gestão, Lda, no montante de 9.975,96€;</font><br>
<font>- Maria Isabel Rodrigues Carvalho, no montante de 2.370,58€;</font><br>
<font>- Famari – Fábrica Marinhense de Cartonagem, Lda, no montante de 1.426,56€. </font><br>
<font>Os créditos referidos são anteriores aos actos referidos em 2) e 3) (art. 6°). </font><br>
<font>6°- O valor dos imóveis à data do arrendamento referido em 2) ascendia a 125.000€ (art. 9°).</font><br>
<font>7°- A procuradora substabelecida da sociedade Ré CC, GG, e que foi interveniente no contrato de arrendamento referido em 3) é sócia da falida AA (n°s 12 e 13° da petição inicial).</font><br>
<font>8°- A GG e marido FF são sócios da falida (art. 14°)</font><br>
<font>9°- Os créditos reclamados no apenso de reclamação de créditos são anteriores aos actos referidos em 2) e 3) (art. 23°).</font><br>
<font>10°- Com os actos referidos em 2) e 3) agravou-se pelo menos a impossibilidade de satisfação integral dos créditos reclamados em 5). (art. 24°).</font><br>
<font>11°- A Ré AA e GG (que havia já sido absolvida da instância), procuradora da Ré CC, tinham conhecimento e consciência, a primeira ao celebrar o contrato de arrendamento referido em 2) (com a R. BB), e a segunda ao celebrar o contrato de subarrendamento referido em 3) (com o R. DD), que prejudicavam os credores reclamantes e pelo menos agravariam a impossibilidade de satisfação integral dos créditos reclamados (art. 27°).</font><br>
<font>12°- A Ré AA e a procuradora da Ré CC, GG tinham conhecimento do valor dos imóveis e o montante dos créditos dos credores reclamantes (art. 35°).”</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>III-B) O Direito:</font><br>
<br>
<font>Nos termos do art. 157.º do CPEREF são impugnáveis em benefício da massa falida todos os actos susceptíveis de impugnação pauliana nos termos da lei civil.</font><br>
<br>
<font>A impugnação pauliana mostra-se contemplada no CC. no art. 610.º e ss.</font><br>
<font>Insere-se entre as garantias dadas ao credor contra os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal.</font><br>
<font>Para a sua procedência é necessária a conjugação dos seguintes requisitos:</font><br>
<font>Requisitos gerais (art. 610.º do CC.):</font><br>
<font>a) Ser o crédito anterior ao acto, ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (eventus damni)</font><br>
<font>b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.</font><br>
<font>Requisitos específicos (art. 612.º-1 do CC.):</font><br>
<font>a) Se o acto for oneroso, que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé;</font><br>
<font>b) Se o acto for gratuito, a impugnação procede sempre, ainda que devedor e terceiro tenham agido de boa fé.</font><br>
<font>O Acórdão recorrido considerou verificados os dois requisitos gerais.</font><br>
<font>Entendeu no entanto que não se mostrava preenchido o requisito específico da má fé da arrendatária BB, o que levou à improcedência da acção de impugnação.</font><br>
<br>
<font> Pois bem:</font><br>
<br>
<font>O art. 612.º-2 diz-nos que por má fé se entende a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Sendo esta a questão central do recurso, está nela expressa apenas a forma de dolo, em qualquer das suas variantes (dolo directo, dolo necessário ou dolo eventual), ou incluirá nela as formas de culpa (consciente ou até mesmo a inconsciente)?</font><br>
<br>
<font>Para analisar a questão, vamos por partes:</font><br>
<br>
<font>É pacífico que na interpretação do n.º 2 do art. 612.º do CC. se abriga a forma de dolo, em qualquer das suas formas (directo, necessário ou indirecto e eventual), excluindo-se no entanto o “dolus bonus”(1):</font><br>
<font>No dolo directo, o agente, depois de representar a conduta que pretende tomar, age com a intenção de atingir o efeito ilícito (prejudicar os credores);</font><br>
<font>No dolo indirecto, ou necessário, o agente, embora represente previamente a conduta que pretende tomar, não tem propriamente a intenção de prejudicar o credor, mas sabe que com a prática do acto ilícito que pretende tomar virá a decorrer esse prejuízo ( in casu, impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade) como consequência necessária de tal acto;</font><br>
<font>No dolo eventual, o agente prevê a possibilidade de o acto que pretende praticar ir prejudicar o credor ( in casu, impossibilitando a satisfação integral do seu crédito ou agravando essa impossibilidade), mas não obstante age, indiferente ao resultado.</font><br>
<br>
<font>A consciência do prejuízo abrange indiscutivelmente, todos os casos de dolo.</font><br>
<font>Como se escreveu no recente Ac. do STJ de 2009.03.12 -09B0264 (Oliveira Vasconcelos, Serra Baptista e Álvaro Rodrigues), in </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font> :</font><br>
<font>“(…) A consciência do prejuízo é, pois, um acto psicológico, pertencente ao domínio da representação ou ideação, assumindo uma natureza intelectiva.</font><br>
<font>O devedor e o terceiro adquirente devem não só ter a percepção da situação patrimonial do primeiro e dos efeitos do acto que vão praticar, mas também aperceberem-se que estes podem impossibilitar os credores de obter a satisfação integral dos seus créditos”</font><br>
<br>
<font>Levanta-se no entanto a questão de saber se, para além do dolo, pode o conceito de “má fé” do art. 612.º-2 do CC. satisfazer-se com a existência de “culpa consciente” ou até mesmo de “culpa inconsciente.”</font><br>
<br>
<font>Uma parte da doutrina sustenta que na impugnação pauliana exige que se tenha perfeita consciência do prejuízo, o que induz a considerar que só a actuação dolosa é atendível. (2)</font><br>
<font> Mas outra parte da doutrina, que tem vindo a ganhar terreno nos últimos tempos, sustenta que o requisito da má fé pode albergar-se em formas em que o agente actue com culpa consciente. (3)</font><br>
<font>Ainda há por fim, mas em situação minoritária, quem entenda que pode manifestar-se mesmo em situação de culpa inconsciente. (4)</font><br>
<br>
<font>O Prof. Meneses Cordeiro (5) admite-a quando afirma que “(…) A acção pauliana visa proteger a garantia patrimonial dos credores de actos que, sendo censuráveis, a prejudiquem. Permite-se, deste modo, analisar a consciência do prejuízo no seu conhecimento ou no seu desconhecimento negligente (…).” </font><br>
<br>
<font> Pois bem:</font><br>
<br>
<font> Reconhecemos que é efectivamente muito ténue a separação entre dolo eventual e culpa consciente: </font><br>
<font>No entanto, na culpa consciente, o agente embora continue num estado de dúvida e admita como possível que o acto afecte os interesses dos credores, acredita, apesar disso, sincera mas levianamente, que a consequência prevista não se irá verificar</font><i><font>.</font></i><br>
<font>Nesta situação, ao intervir no acto, assume ainda uma opção intelectual e axiológica, pelo que a consciência do prejuízo ainda se lhe prefigurou, adoptando por isso uma conduta anti-ética, sem dúvida reprovável. </font><br>
<font>Finalmente, pode dar-se o caso do agente não ter sequer representado a possibilidade de lesar a garantia patrimonial dos credores.</font><br>
<font>Nesta situação (culpa inconsciente), o agente actua sem sequer equacionar que com o seu acto pode prejudicar o credor.</font><br>
<font>A censura ética é já muito mais esbatida, pelo que a maior parte da doutrina e toda a Jurisprudência que conhecemos tem entendido dever excluir essa vertente do conceito jurídico utilizado no art. 612.º, sob pena de se alargar de tal forma o leque das preposições e dos deveres de quem realiza um negócio, que, a exigi-lo, seria inviabilizá-lo na grande maioria dos casos.</font><br>
<font>Na perspectiva desta tese, e salvo o devido respeito, poderia haver censura até a um limite que poderia esbarrar no absurdo, porque haveria sempre margem para questionar mais alguma coisa em todo e qualquer negócio, designadamente qual a real situação financeira da outra parte, que credores tem, por que razões faz ele o negócio, por que razão se estipula aquele preço, etc… etc…</font><br>
<font>A realização de qualquer negócio sem que um contraente tivesse o conhecimento real da situação económico-financeira do outro, poderia, em situação limite, demandar a necessidade de aceder a livros, relatórios, balanços, documentos, lista de fornecedores, clientes, produção, vendas, etc…etc, o que, não seria admissível nem exigível, nem muito menos compaginável com ele!</font><br>
<br>
<font>É esta, em linhas gerais, a posição do Supremo nos mais recentes Acórdãos, ou seja, a que sustenta que a má fé para efeitos do art. 612.º-2 do CC, enquanto consciência do prejuízo, se pode revelar sob a forma dolosa em qualquer das suas formas (directa, indirecta/necessária ou eventual), ou sob a forma de culpa consciente (6), mas pondo de parte a alegada consciência do prejuízo por “culpa inconsciente”.</font><br>
<br>
<font>Tecidas estas considerações teóricas (doutrinárias e jurisprudenciais), passemos agora à apreciação do mérito do recurso:</font><br>
<font> </font><br>
<font> O julgamento tem de ser feito com as provas factuais recolhidas e não com alegações ou suposições feitas mas que não passaram pelo crivo do julgamento de facto.</font><br>
<font> É só com base nos factos provados que iremos portanto aplicar o Direito.</font><br>
<br>
<font>Pois bem:</font><br>
<font>De acordo com a prova efectuada, os créditos reclamados na falência são todos eles anteriores à celebração desse arrendamento. (cumprido o requisito do art. 610.º-a) do CC.) – cfr. ponto 9.º da matéria de facto.</font><br>
<font>E resultou também provado que com esse negócio ficou pelo menos agravada a impossibilidade de os credores obterem a satisfação integral dos seus créditos.- art. 610.º-b) do CC.- cfr. ponto 10 da matéria de facto.</font><br>
<font>O negócio foi oneroso pois que esse arrendamento foi celebrado contra o pagamento mensal de uma renda de 100.000$00 ( € 498,80).- cfr. ponto 2 da matéria de facto - , e não está provado que essa renda fosse irreal ou simbólica.</font><br>
<font>No entanto, nos negócios onerosos, a impugnação pauliana só procede se tanto o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé. - art. 612.º-1 do CC.</font><br>
<font> </font><br>
<font> O art. 158.º do CPEREF prevê várias hipóteses em que se presume a má fé de todos os intervenientes em determinados tipos de negócios.</font><br>
<font>Nesse quadro, teriam de ser os intervenientes a provar que não agiram de má fé, ilidindo assim a presunção que contra eles funciona.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Feita no entanto a análise de todas essas hipóteses, e perante a matéria dada como provada, só duas poderiam configurar a presunção de má fé por todas as pessoas participantes no negócio do referido arrendamento: as alíneas a) e d) do art. 158.º do CPEREF.</font><br>
<font>Contudo, como não ficou provada qualquer ligação de pessoas a título de prestação de serviços, de relação laboral, de coligação, de grupo, ou de domínio entre a falida (senhoria) e a arrendatária (BB), fica afastada a presunção estabelecida na al. a) do art. 158.º</font><br>
<font>E como também não foi sequer alegado que a obrigação assumidas pelo devedor (AA) excedia manifestamente a da contraparte (BB), indicando factos concretos nesse sentido, está posta de lado também a aplicação da alínea d) do mesmo artigo.</font><br>
<font> Pelo que, inaplicáveis as presunções estabelecidas no CPEREF quanto à má fé, teria ela de ser provada pelo A., segundo as regras gerais, dado que ela é constitutiva do direito de impugnação.- art. 342.º-1 do CC.(7) </font><br>
<font> </font><br>
<font>Avancemos então mais um pouco:</font><br>
<br>
<font>De acordo com a prova produzida, a falida (AA) tinha a consciência que com esse arrendamento à BB prejudicava os credores reclamantes e/ou pelo menos agravaria a impossibilidade de satisfação integral dos respectivos créditos.- cfr. ponto 11 da matéria de facto – pelo que é absolutamente inquestionável que a falida (AA) agiu com dolo directo, portanto integrando “má fé” no seu comportamento.</font><br>
<font>Faltava no entanto provar que a Ré BB tivesse também ela essa intenção ou pelo menos consciência que ao celebrar o contrato de arrendamento com a falida estivesse a causar prejuízo ou criando agravamento da garantia dos credores quanto à impossibilidade de cobrança dos respectivos créditos.</font><br>
<br>
<font>Mostra-se inconformada a A. com a resposta restritiva ao ponto 12.º (que excluiu da matéria provada a consciência do prejuízo por parte da R. BB que tal negócio representava para os credores da falida) porque entende que havia elementos factuais expressos no próprio contrato que referiam ter o negócio sido celebrado com carácter de urgência e dado que o arrendamento era feito com cedência total das instalações, maquinismos e trabalhadores.</font><br>
<font>Sustenta a A. que esse quadro era suficiente para a Ré BB ter consciência do prejuízo, ou seja, a sua “má fé”, nos termos do art. 612.º-2 do CC., o que, como consequência, deveria levar à procedência da impugnação pauliana.</font><br>
<br>
<font>Esse caminho, no entanto, não pode ser aqui trilhado nem assumido:</font><br>
<font>Por um lado, não foram alegados tais factos nos articulados, apenas surgindo no contrato de arrendamento, pelo que não eram passíveis de ser levados à base instrutória, e, consequentemente, serem objecto da matéria de julgamento;</font><br>
<font>Por outro lado, mesmo que assim não fosse – o que não se aceita mas apenas se hipotisa por mero dever de raciocínio - , seria necessário estar provado que a Ré BB tivesse conhecimento da real situação económica da Ré AA ou que a devesse conhecer, o que as instâncias não deram como provado.</font><br>
<font>Ora é nas instâncias que se reúnem os indícios e se conjugam as provas por forma a fazer-se o julgamento da matéria de facto.</font><br>
<font> Por outro lado ainda, sendo nas instâncias que se usam as presunções judiciais, é nelas que se deve utilizar essa operação mental para, de acordo com os dados e os elementos probatórios disponíveis, se chegar a outros factos, porventura relevantes para a decisão da causa.</font><br>
<br>
<font>Ora, a Relação – tal como de resto a primeira instância já fizera - apreciou os factos alegados e valorou as provas produzidas, não chegando a qualquer resultado a respeito da “consciência do prejuízo” por parte da Ré BB, uma vez que a deu como não provada.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Tendo a Relação considerado não provado tal requisito, e uma vez que em nenhum ponto se mostra violado o direito probatório material - arts. 712.º-6, 722.º-2 e 729.º-2 do CPC - , não pode o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, substituir-se às instâncias, e ser ele a fazer uso de presunções para alterar a matéria de facto contra o que por elas foi decidido.</font><br>
<font>É que, na verdade, as declarações contidas no contrato, podendo revestir a forma de confissão na medida em que sejam contrárias aos interesses dos declarantes, não encerravam só por si o reconhecimento por parte da Ré BB que a A., com essa operação prejudicava ou agravaria a impossibilidade de os credores daquela manterem assegurados os seus créditos:</font><br>
<font>Podendo tal declaração constituir um indício da má situação económica da A., há que ter em conta que existem empresas que encerram ou até cedem as suas instalações, maquinismos e trabalhadores, sem que nada tenham ficado a dever aos credores.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Para que a impugnação pauliana procedesse em negócio oneroso, como foi este, seria necessário que a A. conseguisse provar factos nas instâncias que permitissem sustentar que tanto o devedor (AA) como a arrendatária (BB) tinham agido de má fé, alegando e provando factos concretos nesse sentido</font><br>
<br>
<font>Ao improceder a impugnação pauliana quanto ao primeiro arrendamento, necessariamente tem de improceder a presente acção quanto aos actos seguintes, por falta de verificação dos requisitos previstos no art. 613.º do CC.</font><br>
<br>
<font>Mesmo que se tivesse considerado provado – o que não foi o caso – que a BB havia subarrrendado posteriormente o imóvel à R. CC e esta a outros, a impugnação improcederia quanto a todos, porque a improcedência da primeira impugnação inviabilizava a procedência dos actos posteriores.</font><br>
<br>
<font> Face ao exposto, a Revista terá de ser negada.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>IV. Decisão</font><br>
<br>
<font>Na negação da Revista, mantém-se o Acórdão recorrido.</font><br>
<font>Custas pela Massa falida. Lisboa, 2009.09.29</font><br>
<font> Mário Cruz (Relator)</font><br>
<font> Garcia Calejo </font><br>
<font> Helder Roque</font><br>
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<font>_________________________________________</font><br>
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<font>(1) O “dolus bonus” é aquele que a lei tolera e que representa como simples solércia ou astúcia, reputada legítima pelas concepções imperantes num certo sector negocial, id est, aquele que a lei não considera ilícito, ou seja, as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos, segundo as concepções dominantes do comércio jurídico (art-253.º-2 do CC.)- C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 398.</font><br>
<font>(2) Antunes Varela, vol.II, 6.ªed., pg. 450.</font><br>
<font>(3) Almeida Costa, RLJ, 127, pg. 274 e ss. ; Menezes Cordeiro, Da Boa fé em Direito Civil, I, pgs. 492 e ss.; Vaz Serra, RLJ, n.º 75, pg. 221 e ss.., Cura Mariano.</font><br>
<font>(4) Menezes Cordeiro, ob citada, I, pgs, 492 e ss.</font><br>
<font>(5) Menezes Cordeiro, “A Boa Fé em Direito Civil”, Vol. I, pág. 496</font><br>
<font>(6) Acs. do STJ de 2009.02.26 na Revista 09B0347 (Salvador da Costa, Ferreira de Sousa e Armindo Luís); de 2009.03.12 na Revista 09B0264 (Oliveira Vasconcelos, Serra Baptista e Álvaro Rodrigues); e de 2009.06.18, na Revista 152.09.4YFLSB (Alberto Sobrinho, Maria dos Prazeres Beleza e Lázaro Faria).</font><br>
<font>(7) Ac do STJ de 2009.02.26 e de 2009.06.18, já atrás citados em nota.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
BjKsu4YBgYBz1XKvCyw1 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1):</font><br>
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<br>
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<font>AA-“E... - Comércio de Materiais de Construção, Lda”, com sede em Leiria, e BB, residente em Leiria, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC-“C... - A... M..., Lda”, com sede na Marinha Grande, pedindo que, na sua procedência, sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as deliberações adoptadas na assembleia geral de 16 de Novembro de 2005, entre as quais a deliberação de exclusão de sócia da autora sociedade, nos termos das alíneas c) e d), do n°1, do artigo 56°, do CSC [1], subsidiariamente, se assim não se entender, seja declarada a anulabilidade das supra mencionadas deliberações sociais, nos termos da alínea a), do n°1, do artigo 58°, do CSC, por violação do n°3, do artigo 1005°, do Código Civil, e dos artigos 241° e 242°, ambos do CSC [2], consequentemente, seja a ré condenada a pagar à autora sociedade uma indemnização pelo prejuízo sofrido com a deliberação de exclusão de sócia, cujo montante, por não ser ainda determinável, deve ser relegado para execução de sentença [3], sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as deliberações adoptadas, na assembleia geral de 21 de Novembro de 2005, entre as quais se conta a destituição da gerência do autor, pessoa singular, por força do disposto nas alíneas a), c) e d), do n°1, do artigo 56°, do CSC [4] subsidiariamente, se assim não se entender, seja declarada a anulabilidade das supra-mencionadas deliberações sociais, nos termos das alíneas a) e b), do n°1, do artigo 58°, do CSC [5] consequentemente, seja a ré condenada a pagar ao autor, pessoa singular, uma indemnização pelos prejuízos sofridos com a destituição sem justa causa, cujo montante, por não ser ainda determinável, deve ser relegado para execução de sentença [6], alegando, para o efeito, e, em síntese, a factualidade subsequente.</font><br>
<font>Em Abril de 2000, a autora sociedade e a DD-"I... S.A.” iniciaram negociações, tendo em vista o desenvolvimento de um projecto comum, consistente na conciliação do conhecimento desta última no fabrico e execução de moldes com o «know how» daquela na criação de materiais inovadores, no sector da construção civil, tendo acordado, para a concretização de tal projecto, na constituição de uma sociedade comercial, que teria como objecto a produção e comercialização de produtos plásticos para a indústria da construção civil.</font><br>
<font>Mais, exactamente, o objecto social da sociedade comercial a constituir seria o desenvolvimento, fabrico, comercialização e concepção de novos produtos patenteáveis ou a patentear, de equipamentos destinados à construção civil ou outras actividades conexas, de preferência registados ao nível da patente europeia; tendo acordado que o capital social da sociedade seria de €150.000,00, dividido em duas quotas, uma no valor de €100.000,00, pertencente à DD-“I..., SA”, e outra, no valor de € 50.000,00, pertencente à autora AA-"E..., Ldª”, sendo a parte do capital social a subscrever por esta a realizar, dentro dos cinco anos posteriores à criação da referida sociedade comercial.</font><br>
<font>E, em execução do acordado, em 17 de Outubro de 2002, a DD-"I... SA” e a AA-"E... Lda” assinaram um acordo parassocial, em que estabeleceram a constituição duma sociedade comercial por quotas com o objecto referido, obrigando-se a “observar na constituição da nova sociedade os seguintes princípios:</font><br>
<font>1. O capital social, de valor a definir, mas que na fase inicial não deverá ultrapassar os €150.000,00, será subscrito pelas outorgantes na proporção de duas terças partes para a DD-I...e uma terça parte para a AA-E...; </font><br>
<font>(…)</font><br>
<font>3. A parte do capital social a subscrever pela AA-E... será realizada até ao dia 30.06.2007;</font><br>
<font>4. A realização do capital social da AA-E... será efectuada, por tranches anuais e até à data limite fixada, através de um fundo a constituir pela retenção de 3% das vendas de produtos de fabrico da sociedade constituenda, pelas quais é responsável directo BB;</font><br>
<font>5. De todas as vendas efectuadas pela sociedade constituenda, enquanto esta durar e dela forem sócias as sociedades de que façam parte os subscritores deste protocolo, ou eles na qualidade de pessoas singulares, serão pagos a BB, ou por impedimento deste aos demais sócios da AA-E..., a comissão de 5% da qual será retirada a percentagem para a realização do capital na proporção e pelo tempo referidos nas alíneas anteriores;</font><br>
<font>6. O direito à mencionada percentagem a partir da facturação é devida à AA-E... em função dos contributos por esta transportados para a sociedade pela transferência dos direitos de propriedade industrial atrás referidos, e do valor das vendas dos produtos efectuados pela empresa, da qual o Sr. BB será o responsável directo; </font><br>
<font>7. Caso da aplicação da percentagem referida não venha a obter-se a importância necessária à constituição do capital da AA-E..., obriga-se esta a promover à realização do remanescente no prazo fixado”.</font><br>
<font>Além disto, ficou a constar, no acordo parassocial, que a sociedade DD-"I..., SA” nomearia dois elementos para a gerência da sociedade constituenda e a autora AA-E..., Lda nomearia um elemento, tendo ficado acordado que “das duas assinaturas necessárias para obrigar a sociedade, uma será de um representante da DD-I...e outra do representante da AA-E...”.</font><br>
<font>Pelo que, em conformidade com o acordado, a autora AA-"E..., Lda” e a DD-"I..., SA”, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Marinha Grande, em 9 de Outubro de 2002, constituíram a sociedade comercial “CC-C..., Lda”.</font><br>
<font>Ficando a constar do artigo 4.° do pacto social da CC-C... que o capital social desta é de 150.000,00€, distribuído pelos sociedades sócias da seguinte forma: uma quota, no valor de 100.000,00€, pertencente à sócia DD-I..., S.A., e uma quota, no valor de 50.000,00€, pertencente à sócia AA-E..., Lda; e que a gerência seria exercida por EE e FF, estes em representação da sócia DD-I..., S.A., e por BB, em representação da sócia AA-E..., Lda.; tendo, por lapso de escrita – segundos os AA. – ficado a constar, no artigo 4° do pacto social, que a autora AA-E..., Lda, teria de realizar a sua parte do capital social, até 30 de Junho de 2005 (quando, segundo os AA., devia constar 30 de Junho de 2007).</font><br>
<font>Ora – sem que tivesse sido combinada qualquer alteração à data de realização do capital social da sociedade AA-E... (de 30/06/2007) nem qualquer alteração à forma de realização, por esta sociedade, do capital social – em 18/07/05, a autora AA-E..., Lda recebeu uma comunicação da ré, na qual esta a interpelava para, no prazo de trinta dias, proceder ao pagamento do capital social alegadamente em dívida.</font><br>
<font>A autora AA-E..., Lda, não procedeu ao pagamento do capital social, no prazo mencionado na mencionada comunicação – uma vez que o prazo para aquela subscrever a sua parte do capital social terminava, apenas, em 30 de Junho de 2007 – e, em 27/10/05, a autora AA-E..., Lda, recebeu uma convocatória para uma assembleia geral da ré, a realizar no dia 16/11/05, pelas 10h00, com a seguinte ordem de trabalhos:</font><br>
<font>“Ponto 1: deliberar sobre a exclusão de sócio da AA-E... - Comércio de Materiais de Construção, Lda, por não realização da obrigação de entrada no prazo máximo previsto na lei e disposto no pacto social, em sequência de interpelação que àquela foi realizada por CC-C... em 13.07.2005, nos termos do artigo 203.°/3 do Código das Sociedades Comerciais e do Aviso por escrito efectuado em 22.08.2005 de exclusão de sócio com perda da quota e dos pagamentos efectuados por conta da obrigação de entrada de acordo com o preceituado no artigo 204.°/1 do CSC.</font><br>
<font> Ponto 2: deliberar sobre o destino a dar à quota nos termos do Código das Sociedades Comerciais conquanto seja previamente deliberado pelos sócios havê-la como perdida a favor da sociedade.”</font><br>
<font>No dia e hora mencionados, realizou-se tal assembleia geral, tendo sido deliberada, com o voto único favorável da sócia DD-I..., S.A., a exclusão de sócia da autora AA-E..., Lda, por “não cumprimento tempestivo da sua obrigação de entrada nos termos da lei e do contrato social com a consequente perda da quota e dos pagamentos já realizados por conta desta a favor da CC-C....”.</font><br>
<font>A assembleia-geral em que a autora AA-E..., Lda, não pôde exercer o seu direito de voto, por força do estatuído no artigo 251°, n°1, do CSC, pelo que a deliberação que a exclui de sócia foi adoptada apenas e só com o voto favorável da sócia DD-I..., SA.</font><br>
<font>Ora, segundo a autora AA-E..., Lda, não incumpriu a sua obrigação de entrada, pois o prazo para cumprir essa obrigação apenas terminava, no dia 30 de Junho de 2007, pelo que a sua exclusão de sócia é ilícita.</font><br>
<font>Por outro lado, ainda segundo a autora AA-E..., Lda, tendo a sociedade ré apenas dois sócios, a exclusão de um deles só podia ocorrer por acção judicial; uma vez que à exclusão do sócio em causa aplica-se o disposto nos artigos 241° e 242°, ambos do CSC, e 1005°, n°3, do Código Civil.</font><br>
<font>Ademais, ainda que se admitisse como válida a exclusão de sócio da autora AA-E..., Lda, operada através da mencionada deliberação social, sempre a sociedade ré teria de demonstrar o carácter prejudicial do comportamento da autora, não bastando alegar, sem mais, o incumprimento da obrigação de entrada da autora AA-E..., Lda.</font><br>
<font>Daí que a autora AA-E..., Lda, conclua e peça a nulidade de tal deliberação ou, se assim não se entender, que a mesma seja anulada.</font><br>
<font>Mais alegaram na petição inicial que:</font><br>
<font>Após ter excluído a autora AA-E..., Lda, de sócia, a ré enviou uma carta, datada de 17 de Novembro de 2005, através da qual convocou o Sr. BB, gerente da ré, para uma assembleia geral que se realizaria quatro dias depois, em 21 de Novembro de 2005, às 10h00, cujo ponto único da ordem de trabalhos era a deliberação da sua destituição de gerente.</font><br>
<font>Convocatória que, segundo os autores, está ferida de nulidade, por violação do n°3, do artigo 248°, do CSC, que preceitua que a convocação das assembleias gerais deve ser feita, por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias.</font><br>
<font>Tal assembleia geral veio, efectivamente, a ser realizada, no dia 21 de Novembro de 2005, às 10h00, tendo sido deliberada a destituição de gerente do autor BB, com o voto único favorável da sócia DD-"I..., SA”.</font><br>
<font>Ora, ainda segundos os autores, a destituição de gerente do autor BB, é ilícita, pois que, para ser válida, teria de ser obtida, por via judicial, e nunca através de uma simples deliberação social, aprovada com o voto único da sócia DD-"I..., SA”, além de que, sendo o autor BB titular de um direito especial à gerência, só podia ser destituído, por via judicial, e não através de simples deliberação, e com justa causa.</font><br>
<font>Daí que concluam e peçam a declaração de nulidade de tal deliberação ou, se assim não se entender, que a mesma seja anulada.</font><br>
<font>Na sua contestação, a ré impugna parte da factualidade alegada pelos autores, defendendo a legalidade das deliberações sociais postas em crise pelos mesmos.</font><br>
<font>Os autores apresentaram a réplica, que foi mandada desentranhar, por despacho transitado em julgado.</font><br>
<font>A sentença julgou a acção, parcialmente, provada e, nessa medida, anulou a deliberação adoptada, em assembleia geral de 16 de Novembro de 2005, mediante a qual foi decidida pela ré a exclusão da primeira autora de sócia daquela e, quanto ao mais, julgou improcedentes os pedidos formulados pelos autores, absolvendo a ré dos mesmos.</font><br>
<font>Desta sentença, os autores e a ré interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação dos autores e procedente a apelação da ré, confirmando-se e revogando-se, na parte respectiva, a sentença recorrida que, com tais confirmação e revogação, se substitui pela decisão de improcedência de todos os pedidos formulados pelos autores, na presente acção, com a consequente absolvição da ré de todos os pedidos.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Coimbra, apenas os autores interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem:</font><br>
<font>1ª – O douto acórdão, com o devido respeito, viola o estatuído nos artigos 10° e 1005° do Código Civil, bem como o disposto nos artigos 2°, 24°, 56°, 203°, 241°, 242°, 248° e 257° todos do Código das Sociedades Comerciais.</font><br>
<font>2ª - Efectivamente, salvo o devido respeito, os Venerandos Desembargadores não interpretaram correctamente os normativos supra mencionados.</font><br>
<font>3ª - A recorrente não incumpriu a obrigação de entrada, desde logo, porque ficou acordado que o pagamento das entradas seria diferido, nos termos do disposto no n°1, do artigo 203° do C.S.C.</font><br>
<font>4ª - Sendo a sociedade recorrida constituída apenas por dois sócios, a exclusão de qualquer deles, só pode ser pronunciada pelo tribunal. É esta a solução que decorre do n°3 do artigo 1005°, do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 2°, do C.S.C, e dos artigos 241° e 242°, ambos do C.S.C.</font><br>
<font>5ª - Por conseguinte, a exclusão de um sócio, numa sociedade com apenas dois sócios, não pode ser feita por mera deliberação social.</font><br>
<font>6ª - Da orientação legislativa subjacente ao artigo 1005°, n° 3, do Código Civil, ao artigo 186, n° 3, do CSC (sociedades em nome colectivo) e ao artigo 257°, n° 5, do CSC, decorre uma lacuna na regulamentação da exclusão judicial de sócio em caso de uma sociedade por quotas com apenas dois sócios.</font><br>
<font>7ª - Nos termos do artigo 2° do C.S.C, os casos em que a lei não preveja são regulados segundo a norma desta lei aplicável aos casos análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade, no que não seja contrário, nem aos princípios gerais da presente lei, nem aos princípios informadores do tipo adoptado.</font><br>
<font>8ª - O caso sub judice é análogo à hipótese contemplada no artigo 257º, n° 5, do CSC. Pelo que, nos termos do n° 2 do artigo 10° do Código Civil, deve o intérprete recorrer à analogia, já que quer num caso, quer noutro, se justifica que o sócio não excluendo ou o sócio não destituendo sejam forçados a usar a via judicial.</font><br>
<font>9ª - De qualquer forma, de acordo com o artigo1005º, n° 3, do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 2° do CSC, numa sociedade com dois sócios, a exclusão de um deles tem de ser pronunciada pelo tribunal.</font><br>
<font>10ª - Pelo exposto, conclui-se que a exclusão de sócio da 1.a Autora é ilícita, desde logo, porque para ser válida teria de ser obtida por via judicial e nunca através de uma simples deliberação social.</font><br>
<font>11ª - A deliberação de exclusão de sócia da 1.a recorrente é nula, nos termos das alíneas c) e d) do n° 1 do artigo 56° do CSC, em virtude do seu conteúdo não estar sujeito a deliberações dos sócios, pelo facto da recorrida ter apenas dois sócios e, além disso, o seu conteúdo é claramente ofensivo dos bons costumes.</font><br>
<font>12ª - Se assim não se entender, sempre se dirá que tal deliberação é anulável, por força das alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 58° do CSC, desde logo por violação de disposições legais imperativas, nomeadamente o n° 3 do artigo 1005° do Código Civil e os artigos 241° e 242°, ambos do C.S.C.</font><br>
<font>13ª - A deliberação adoptada na assembleia geral de 21 de Novembro de 2005, que destituiu o 2° recorrente da gerência da recorrida é nula, porquanto a respectiva convocatória não cumpre o preceituado no n° 3 do artigo 248° do CSC, segundo o qual a convocação das assembleias gerais deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias.</font><br>
<font>14ª - A destituição de gerente do 2° recorrente é ilícita, pois para ser válida teria de ser obtida por via judicial e nunca através de uma simples deliberação social.</font><br>
<font>15ª - O 2° recorrente é titular de um direito especial à gerência, criado no pacto social. Por conseguinte, só podia ser destituído por via judicial - e não através de simples deliberação - e, com justa causa.</font><br>
<font>Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos autores, confirmando-se, integralmente, o acórdão recorrido.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br>
<font>1. A autora AA-"E..., Lda”, dedica-se ao comércio de materiais de construção. </font><br>
<font>2. Os sócios da autora AA-"E..., Lda” são quadros superiores na área dos materiais de construção.</font><br>
<font>3. Os sócios da autora AA-"E..., Lda” dedicam-se à criação e concepção de materiais de construção.</font><br>
<font>4. A cofragem “E...” é uma cofragem perdida para ser usada nas lajes fungiformes reticulares, com a finalidade de gerar vazios, poupar aço e betão e aligeirar essas mesmas lajes. Esta cofragem tem múltiplas vantagens económicas e técnicas, o que a toma muito interessante para o uso neste campo da construção.</font><br>
<font>5. Por sua vez, a sociedade comercial DD-"I..., SA” é uma sociedade comercial que se dedica à concepção, ao fabrico e execução de moldes.</font><br>
<font>6. Atenta a actividade desenvolvida pela sociedade requerente e pela sociedade DD-"I..., SA”, estas sociedades, em Abril de 2000, iniciaram negociações, com vista à futura colaboração entre ambas, no desenvolvimento de um projecto comum.</font><br>
<font>7. O referido projecto comum visava a produção e comercialização de patentes consubstanciadas em produtos plásticos para a indústria de construção civil.</font><br>
<font>8. Para o desenvolvimento e execução do mencionado projecto de colaboração entre as sociedades comerciais supra-mencionadas, estas acordaram a constituição de uma sociedade comercial, que teria como objecto a produção e comercialização dos supra-mencionados produtos plásticos para a indústria da construção civil.</font><br>
<font>9. O objecto social da sociedade comercial constituenda seria o desenvolvimento, fabrico, comercialização e concepção de novos produtos patenteáveis ou a patentear, de equipamentos destinados à construção civil ou outras actividades conexas, de preferência registadas, ao nível da patente europeia. </font><br>
<font>10. As negociações levadas a cabo entre as sociedades DD-"I..., SA” e AA-"E..., Lda” culminaram com a assinatura, por estas, de um acordo, em 17 de Setembro de 2002 (conforme documento n°2 junto com o requerimento inicial da providência cautelar a estes autos apensa). </font><br>
<font>11. As sociedades DD-"I..., SA” e AA-"E..., Lda”, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Marinha Grande, em 9 de Outubro de 2002, constituíram a sociedade comercial “CC-C..., Lda”.</font><br>
<font>12. De acordo com o artigo 4° do pacto social da ré, o capital social desta é de cento e cinquenta mil euros, distribuído pelas sociedades sócias da seguinte forma: uma quota, no valor de cem mil euros, pertencente à sócia DD-"I..., SA”, e uma quota, no valor de cinquenta mil euros, pertencente à sócia AA-"E..., Lda”. </font><br>
<font>13. Em conformidade com o que ficou consignado na cláusula oitava do acordo, ficou estabelecido, no pacto social da ré, que a gerência desta é exercida, por EE e FF, estes em representação da sócia DD-"I..., SA”, e por BB, em representação da sócia AA-"E..., Lda”.</font><br>
<font>14. De acordo com o artigo 5° do pacto social, a requerida obriga-se pela assinatura conjunta de dois gerentes.</font><br>
<font>15. Ficou a constar, no artigo 4° do pacto social, que a sociedade AA-"E..., Lda”, teria de realizar a sua parte do capital social, até 30 de Junho de 2005.</font><br>
<font>16. Em 18 de Julho de 2005, a autora recebeu uma comunicação da ré, na qual esta interpelou aquela sociedade para, no prazo de trinta dias, proceder ao pagamento do capital social, alegadamente, em dívida.</font><br>
<font>17. A autora não procedeu ao pagamento do capital social, no prazo mencionado na mencionada comunicação.</font><br>
<font>18. Em 24 de Agosto de 2005, a ré “CC-C..., Ldª” enviou nova comunicação, por correio registado, à autora AA-"E..., Ldª”, informando-a do incumprimento e das consequências que dele poderiam advir, designadamente, da perda da quota, a favor da sociedade, e de todos os pagamentos realizados por conta desta, oferecendo-lhe novo prazo de 30 dias para cumprir a sua obrigação perante a sociedade.</font><br>
<font>19. Decorrido tal prazo de 30 dias, a primeira autora não efectuou qualquer pagamento.</font><br>
<font>20. Em 27 de Outubro desse ano, a autora recebeu o teor do documento 9, relativo a uma assembleia geral da ré, a realizar no dia 16 de Novembro de 2005, pelas 10h00, com a seguinte ordem de trabalhos:</font><br>
<font>“Ponto 1: deliberar sobre a exclusão de sócio da AA-E...-Comércio de Materiais de Construção, Lda. por não realização da obrigação de entrada no prazo máximo previsto na Lei e disposto no pacto social, em sequência de interpelação que àquela foi realizada por CC-C... em 13.07.2005, nos termos do artigo 203°/3 do Código das Sociedades Comerciais e do Aviso por escrito efectuado em 22.08.2005 de exclusão de sócio com perda da quota e dos pagamentos efectuados por conta da obrigação de entrada de acordo com o preceituado no artigo 204°/1 do Código das Sociedades Comerciais. </font><br>
<font>Ponto 2: deliberar sobre o destino a dar à quota nos termos do Código das Sociedades Comerciais conquanto seja previamente deliberado pelos sócios havê-la como perdida a favor da sociedade.</font><br>
<font>21. A referida assembleia geral foi realizada no dia e hora mencionados, tendo sido deliberada, com o voto único favorável da sócia DD-I..., S.A., a exclusão de sócia da sociedade AA-E... alegadamente por “não cumprimento tempestivo da sua obrigação de entrada nos termos da Lei e do contrato social com a consequente perda da quota e dos pagamentos já realizados por conta desta a favor da CC-C....” (conforme documento 10).</font><br>
<font>22. Na referida assembleia geral, a autora apresentou uma declaração, cujo teor se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos e faz o documento 11.</font><br>
<font>23. A ora autora AA-"E..., Lda”, não votou.</font><br>
<font>24. A deliberação de exclusão de sócia da requerente foi adoptada com o voto favorável da sócia DD-"I..., SA”.</font><br>
<font>25. A ré enviou a BB uma carta, datada de 17 de Novembro de 2005, recepcionada no dia 18 de Novembro do mesmo ano, através da qual comunicou ao Sr. BB, gerente da requerente, que uma assembleia geral se realizaria, em 21 de Novembro de 2005, às 10h00, cujo ponto único da ordem de trabalhos era a deliberação da destituição de gerente do Sr. BB; acrescentando que ele poderia estar presente “na qualidade de gerente da sociedade e nela participar ao abrigo do disposto nos art. 248º/1 e 379º/4, ambos do CSC” (conforme documento 12).</font><br>
<font>26. Tal assembleia geral veio efectivamente a ser realizada, no dia 21 de Novembro de 2005, às 10 horas, tendo sido deliberada a destituição de gerente do autor BB, com o voto único favorável da sócia DD-"I... SA”. </font><br>
<font>27. Os sócios da autora eram titulares de uma patente europeia e da marca registada “E...”.</font><br>
<font>28. A referida patente e a aludida marca referem-se a material de construção civil consistente em “caixa de plástico para lajes fungiformes”.</font><br>
<font>29. Foi atribuída uma menção honrosa, numa feira internacional de construção e obras públicas, denominada “T... 0...”, à aqui ré, pelo produto “cofragem plástica para lajes fungiforme”.</font><br>
<font>30. Aquando das negociações, referidas em 6., pretendia conciliar-se o conhecimento da sociedade DD-"I..., SA”, no fabrico e execução de moldes, com o «know how» da autora na criação de materiais de construção inovadores, no sector da construção civil. </font><br>
<font>31. Um dos objectivos do projecto comum, referido em 6., consistia no fabrico e comercialização do produto, a que se reportam a patente e a marca, mencionadas em 34. </font><br>
<font>32. A sociedade DD-"I..., SA” tem uma avença com a ré, de acordo com a qual esta se obrigou a pagar àquela € 500, por mês.</font><br>
<br>
<font> *</font><br>
<br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão do cumprimento da obrigação de entrada.</font><br>
<font>II – A questão da exclusão de um dos sócios pelo outro, nas sociedades por quotas com dois sócios.</font><br>
<font>III – A questão da nulidade da destituição de gerente do autor.</font><br>
<font>IV – A questão da ilicitude da destituição de gerente do autor</font><br>
<br>
<font> I. DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE ENTRADA</font><br>
<br>
<font> Alega a autora sociedade que não incumpriu a obrigação de entrada, desde logo, porque ficou acordado que o pagamento das entradas seria diferido, nos termos do disposto pelo artigo 203°, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC).</font><br>
<font>Ficou demonstrado, neste particular, que as sociedades DD-"I..., SA” e a autora AA-"E..., Lda.”, constituíram, por escritura pública outorgada, em 9 de Outubro de 2002, a sociedade comercial “CC-C..., Lda”, ora ré, cujo capital social de cento e cinquenta mil euros foi distribuído por ambas, de modo a que uma quota, no valor de cem mil euros, ficasse a pertencer à sócia DD-"I..., SA”, e uma outra quota, no valor de cinquenta mil euros, à sócia AA-"E..., Lda”, sendo certo que esta teria de realizar a sua parte no capital social, por força do artigo 4° do respectivo pacto social, até 30 de Junho de 2005.</font><br>
<font>Entretanto, em 18 de Julho de 2005, a ré interpelou a autora para, no prazo de trinta dias, proceder ao pagamento do capital social de sua responsabilidade, o que esta não satisfez, pelo que, em 24 de Agosto de 2005, a ré informou a autora, por correio registado, do incumprimento e das consequências que dele poderiam advir, designadamente, da perda da sua quota, a favor da sociedade, e de todos os pagamentos realizados por conta desta, oferecendo-lhe um novo prazo de trinta dias para cumprir a sua obrigação perante a sociedade.</font><br>
<font>Porém, decorrido este novo prazo de trinta dias, a autora sociedade voltou a não efectuar qualquer pagamento, pelo que, em 27 de Outubro de 2005, recebeu uma comunicação relativa à convocação de uma assembleia geral da ré, a realizar no dia 16 de Novembro de 2005, pelas 10h00, de cuja ordem de trabalhos constava a deliberação sobre a sua exclusão de sócio pela não realização da obrigação de entrada, no prazo máximo previsto na Lei e no pacto social.</font><br>
<font>Assim sendo, atendendo à matéria de facto fixada pelas instâncias, a que este Supremo Tribunal de Justiça, em princípio, deve obediência, com base no estipulado pelos artigos 722º, nº 2, 729º, nº 2 e 712, nº 6, todos do CPC, e de que a presente situação não constitui excepção, ficou demonstrado que a autora AA-"E..., Lda.” teria de realizar a sua parte do capital social, em virtude da sua participação como sócia no capital social da ré, no valor de cinquenta mil euros, até 30 de Junho de 2005, mas que não satisfez, não obstante ter sido interpelada por esta, em 18 de Julho de 2005, para, no prazo de trinta dias, proceder ao pagamento do capital social de sua responsabilidade, e, em 24 de Agosto de 2005, com a concessão de um novo prazo de trinta dias, até que foi convocada a realização de uma assembleia geral, para o dia 16 de Novembro de 2005, pelas 10h00, de cuja ordem de trabalhos constava a deliberação sobre a sua exclusão de sócio, pela não realização da obrigação de entrada, no prazo máximo previsto na lei e no pacto social.</font><br>
<font>O capital social constitui uma importância fixada no contrato de sociedade, formada pelo total das entradas dos sócios.</font><br>
<font>E as entradas dos sócios para a formação do capital social, que se traduzem na transferência da propriedade ou de outros direitos, são actos de transmissão, por parte dos sócios, e de aquisição, por parte da sociedade (2).</font><br>
<font>Efectivamente, estipula o artigo 20º, a), do CSC, que “todo o sócio é obrigado a entrar para a sociedade com bens susceptíveis de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja permitido, com indústria”, por forma a que, de acordo com o respectivo artigo 25º, nº 1, o valor da entrada em dinheiro ou em espécie, de cada um dos sócios, iguale o valor nominal da sua participação social.</font><br>
<font>E isto porque tal montante é necessário para a prossecução da actividade social, quer no interesse da sociedade, quer da protecção dos credores sociais (3), sendo certo que a sociedade não se compadece com a existência de créditos seus sobre os sócios para a realização das entradas, antes pressupõe a efectivação destas, com a respectiva colocação dos bens à disposição da sociedade (4).</font><br>
<font>A propósito do «tempo das entradas», dispõe o artigo 26º, do CSC, que “as entradas dos sócios devem ser realizadas até ao momento da celebração do contrato de sociedade, sem prejuízo de estipulação contratual que preveja o diferimento da realização das entradas em dinheiro, nos casos e termos em que a lei o permita”, acrescentando o artigo 203º, do mesmo diploma legal, em relação às sociedades por quotas, que interessa ao caso decidendo, no seu nº 1, que “o pagamento das entradas que a lei não mande efectuar no contrato de sociedade ou no acto de aumento de capital só pode ser diferido para datas certas ou ficar dependente de factos certos e determinados; em qualquer caso, a prestação pode ser exigida a partir do momento em que se cumpra o período de cinco anos sobre a celebração do contrato ou a deliberação de aumento de capital ou se encerre prazo equivalente a metade da duração da sociedade, se este limite for inferior”, sendo certo que, estatui ainda o respectivo nº 3, “não obstante a fixação de prazos no contrato de sociedade, o sócio só entra em mora depois de interpelado pela sociedade para efectuar o pagamento, em prazo que pode variar entre 30 e 60 dias”.</font><br>
<font> </font><i><font> </font></i><font>Assim sendo, as importâncias diferíveis, relativamente às sociedades por quotas, integrar-se-ão nos prazos estabelecidos no contrato de sociedade, os quais só podem ser adiados para datas precisas ou ficar dependentes de factos certos e determinados, independentemente de poderem ser exigidas, em qualquer caso, logo que se cumpram cinco anos sobre a data do contrato, ou metade da duração da sociedade, se este limite for inferior a cinco anos.</font><br>
<font>Ora, sendo lícita a cláusula pela qual o cumprimento da obrigação de entrada, na parte diferível, seja reportado para certa data que, expressamente, ficou a constar do pacto social da ré, a autora não cumpriu o acordado e incorreu em mora, após, devidamente, interpelada para efectuar o pagamento, sem o ter satisfeito.</font><br>
<font>E, não tendo a autora, na qualidade de devedora, demonstrado o cumprimento da obrigação de entrada, como lhe competia, por força do estipulado pelo artigo 342º, nº 2, do Código Civil (CC), incorre nas consequências desvantajosas daí advenientes (5).</font><br>
<br>
<font>II. DA EXCLUSÃO DE UM DOS SÓCIOS PELO OUTRO NAS SOCIEDADES POR QUOTAS DE DOIS SÓCIOS </font><br>
<br>
<font>Sustenta a autora sociedade que sendo a ré constituída apenas por dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo Tribunal, e não, com | [0 0 0 ... 0 0 0] |
BTKMu4YBgYBz1XKvlxpF | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A AA, Lda. intentou, em 8 de Maio de 1997, acção, com processo ordinário contra BB e mulher CC, e DD – l.°s réus - e ainda contra EE e mulher FF – 2.°s réus.</font>
</p><p><font>Na pendência dos autos, faleceu o réu BB, tendo sido habilitados no seu lugar, para além da sua mulher, os filhos GG, HH, II, JJ e LL.</font>
</p><p><font>Pediu, no essencial:</font>
</p><p><font>1.º - A condenação dos réus a reconhecerem o seu direito de propriedade e posse sobre o imóvel, com a área de 28.014 m2 descrito sob o n° 00086/201088, da freguesia de ..., na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa (anterior n° 3083 do Livro B-9), com as confrontações que alegou, e a absterem-se de violar tal direito;</font>
</p><p><font>2.º - A declaração de nulidade da declaração emitida pelos l.°s réus na escritura pública de justificação constante de fls. 51 verso do Livro 113-J do 17.° Cartório Notarial de Lisboa, outorgada em 29/10/96, bem como a nulidade deste título;</font>
</p><p><font>3.º - O cancelamento da inscrição matricial a que corresponde o artigo 975.° daquela freguesia de ...;</font>
</p><p><font>4.º - O cancelamento da descrição existente na 6.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob n.° 359/961211, da freguesia de ..., bem como as inscrições feitas na dependência da mesma; </font>
</p><p><font>5.º - A declaração de nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os réus e, em consequência, cancelada a inscrição Gl-Apresentação n.° 25, respeitante àquela descrição n° 359.</font>
</p><p><font>Alegou, nuclearmente, a aquisição originária e derivada – por escritura de compra e venda – do prédio misto denominado “...”, situado em ..., Lisboa, o qual, após sucessivas expropriações e cedências, tem a área e confrontações indicadas no primeiro articulado. </font>
</p><p><font>Mais invocou, como fundamento dos pedidos, terem os 1.ºs réus, por escritura de justificação, invocado a aquisição, por usucapião, de uma parcela de terreno com a área de 18.600 m2 a qual, analisadas as plantas e as confrontações constantes do registo predial, ocupa parte do imóvel de que é proprietária, sendo, por isso, falsas as declarações prestadas nessa escritura o que gera a sua nulidade, devendo tal ser declarado, com as respectivas consequências, a nível das descrições prediais e inscrições matriciais.</font>
</p><p><font>Finalmente, alegou que o contrato-promessa celebrado entre os 1.ºs e os 2.ºs réus, após a mesma escritura pública de justificação, tendo por objecto a referida parcela deve ser declarado nulo, por simulado, ou por se referir a um prédio que não pertencia aos promitentes-vendedores. </font>
</p><p><font>Apenas os 2.°s réus (em 24 de Junho de 2009 e após um longo período em que a instância esteve suspensa e a aguardar a citação), contestaram, por excepção e por impugnação, pedindo a apensação da acção, entretanto por si instaurada (em 9 de Junho de 2003 e a correr termos sob o n.° 5262/03.9TVLSB) por as questões aí em apreciação serem conexas com as aqui suscitadas.</font>
</p><p><font>Nessa acção, EE e mulher FF demandaram a AA, Lda., e ainda M & Filhos, Lda., NN e mulher OO, PP (entretanto falecida, tendo sido habilitada a sua herdeira QQ), RR e marido SS e TT e marido UU.</font>
</p><p><font>Pediram, então, a condenação dos réus a reconhecerem que o terreno prometido comprar pelos autores corresponde ao demarcado pela 12.ª Repartição de Finanças, com a configuração e a área de 18.600 m2, bem como a reconhecerem que esse terreno não faz parte da “Quinta do Serrado”, porquanto esta limita-se a ter 5 jeiras (cerca de 12.500 m2), não podendo, pois, ter os 35.330 m2 erradamente avaliados em diligência fiscal sem qualquer fundamento, e ainda que se declare que o terreno prometido vender foi praticamente quase todo pago, por “encontro de contas”; que esse terreno foi usurpado pela ré AA, Lda.; que se declare que os réus fizeram manobras fraudulentas no domínio das inscrições e descrições prediais; que por fraudes várias juntaram a parcela à “Quinta do Serrado” criando a falsa ideia das respectivas confrontações e que têm impedido os autores de adquirir definitivamente tal prédio causando-lhes prejuízos a apurar em execução de sentença.</font>
</p><p><font> Estes pedidos decaíram no despacho saneador que apreciou as diversas excepções suscitadas pelas partes, sendo certo que do mesmo foram interpostos dois recursos de agravo.</font>
</p><p><font>Mais pediram, “em via sub-rogatória”, nos termos do artigo 606.° do Código Civil que se decidisse que:</font>
</p><p><font>1.º - A área da “Quinta ...” foi ficticiamente ampliada pelos réus das 5 jeiras que tem para os 35.330 m2 que lograram inscrever; </font>
</p><p><font>2.º - Partindo-se da área real que tinha, e continua na realidade a ter, e considerando que foram expropriados pela “Metropolitano de Lisboa” 7.316m2, restam à AA, Lda., não mais do que 4.684 m2; </font>
</p><p><font>3.º - Por conseguinte, os 18.600 m2 usucapidos por BB jamais poderiam ter feito parte da “Quinta ...”; </font>
</p><p><font>4.º - Se declare serem verdadeiras as declarações contratuais feitas por BB e o sub-rogante EE, as quais estão exaradas a fls 51 verso do livro n.° 133-J do 17.º Cartório Notarial de Lisboa em 29 de Outubro de 1996, sendo pois válida a respectiva escritura, licitamente registada;</font>
</p><p><font>5.º - Em consequência, deve manter-se a descrição constante da 6.ª Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 359/961211 - freguesia de ..., bem assim as inscrições feitas na sua pendência;</font>
</p><p><font>6.º - Porque válido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o falecido BB, por si e em nome da sua mulher e de DD, e o indicado sub-rogante, EE, deve manter-se como legítima e válida a inscrição G-l, apresentação 25, respeitante àquela descrição n.º 359.</font>
</p><p><font>Foi proferido despacho a deferir o pedido de apensação de acções (passando o processo n.º 5262/03.9TVLSB a constituir o apenso C desta acção principal, entretanto convertida de acção n.º 419/97 para a actual n.º 5434/09.2TVLSB) tendo a partir de então ambos os processos passado a seguir uma tramitação única.</font>
</p><p><font>Em 23 de Janeiro de 2013,foi proferida sentença nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>A - Acção Principal:</font></i>
</p><p><i><font>A) Condenamos os R.R. a reconhecerem o direito de propriedade e a posse da A., AA, Lda., sobre o imóvel descrito sob o n.° ... da freguesia de ..., na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa (antigo n.° 3083 de fls 155 do Livro B-9), mas reconhecendo que esse prédio misto, denominado “Quinta...”, tem agora apenas a área efectiva de 1.328 m2, considerando que o mesmo foi objecto de expropriação amigável da EPAL, que veio a adquirir uma parcela de terreno da Quinta do Serrado com 364 m2, em 19 de Janeiro de 1981 (cfr. docs de fls. 563 a 565 e 566 a 569); que o mesmo foi objecto dum destaque relativo a um lote de terreno de 7.316m2, que foi vendido ao Metropolitano de Lisboa, em 7 de Fevereiro de 1994 (cfr. doc. de fls. 44 a 48), o qual veio a constituir o prédio descrito sob o n.° 309/950626; que sobre o mesmo foi construída a Av.ª Cidade de Praga (cfr. planta de fls. 962); e que do mesmo deverá ser destacado o prédio com 18.600 m2 a que corresponde a descrição n.° 359/961211 da freguesia de ... da mesma 6ª Conservatória de Registo Predial de Lisboa, sendo actualmente as suas confrontações a Norte com Avª Cidade de Praga; do Sul com BB, esposa e DD (ou seja com o prédio descrito sob o n.° 359/961211 da freguesia de ..., correspondente à matriz constante do artigo 975º), do Nascente com Azinhaga do Serrado; e poente com Azinhaga das Cerejeiras. Mais se condenando os R.R. a absterem-se de violar tal direito.</font></i>
</p><p><i><font>B) Absolvemos os RR dos pedidos de declaração de nulidade das declarações emitidas pelos l.°s RR através da escritura pública de justificação exarada a fls. 51 v.º do Livro 113-J do 17° Cartório Notarial, em 29 de Outubro de 1996 e, bem assim, da nulidade dessa mesma escritura.</font></i>
</p><p><i><font>C) Absolvemos ainda do pedido de cancelamento da inscrição na matriz a que corresponde o artigo 975° da freguesia de ....</font></i>
</p><p><i><font>D) Absolvemos os RR também do pedido de cancelamento da descrição efectuada na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob nº 359/961211, da freguesia de ... e das inscrições feitas na dependência da mesma.</font></i>
</p><p><i><font>E) Mais se absolvem os RR do pedido de declaração de nulidade do o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os R.R., não se determinando por isso o cancelamento da inscrição G1 - Apresentação n.° 25, respeitante a referida descrição n° 359.</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>B - Acção apensa com a letra “C” - quanto à segunda via, ou sub-rogatória:</font></i>
</p><p><i><font>h) Absolvemos os RR do pedido de reconhecimento de que a área da Quinta ... foi pelos RR ficticiamente ampliada de 5 jeiras para os 35.330 ml que aí se encontravam inscritos.</font></i>
</p><p><i><font>i) Reconhecemos que, partindo-se da área real que a “Quinta ...” tinha, esse prédio ficou com a área e confrontações mencionadas em A), na parte dispositiva desta sentença relativa à acção principal. </font></i>
</p><p><i><font>j) Absolvemos os RR do pedido de reconhecer que os 18.600 m2 usucapidos por BB nunca fizeram parte da “Quinta...”.</font></i>
</p><p><i><font>k) Declaramos serem verdadeiras as declarações feitas por BB relativamente à posse e aquisição por usucapião do prédio com área de 18.600 m2, sito na freguesia de ..., a que se reporta a inscrição matricial urbana do Artigo 975°, as quais estão exaradas a fls. 51 verso do livro n.° 133-J do 17º Cartório Notarial de Lisboa em 19 de Outubro de 1996, sendo nessa parte válida a respectiva escritura registada.</font></i>
</p><p><i><font>l) Declaramos manter a descrição constante da 6.ª Conservatória do Registo Predial, sob o n.° 359/961111 -freguesia de ..., bem assim as inscrições feitas na sua pendência, mas rectificando-se as suas confrontações que são de facto as seguintes: do Norte com a Quinta do... (ou seja, a A. da acção principal -AA, Lda.); do Sul com Azinhaga das Cerejais; do Nascente com Quinta do ... (ou seja, a A.) e Azinhaga do Serrado; e do Poente com Azinhaga das Cerejeiras (cfr. planta de fls. 970).</font></i>
</p><p><i><font>m) Mais se declara válido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o falecido BB, por si e em nome da sua mulher e de DD, e o sub- rogante, EE, mantendo-se a inscrição G-l, apresentação 15, respeitante àquela descrição n.º 359.”</font></i>
</p><p><font>Seguiu-se a tributação com a consequente condenação em custas, o que aqui irreleva.</font>
</p><p><font>Por acórdão de 9 de Setembro de 2014, a Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação dos recorrentes AA, Lda., NN e OO confirmando integralmente a sentença.</font>
</p><p><font>Desse acórdão, os referidos recorrentes vieram interpôr recurso de revista excepcional, invocando os fundamentos previstos no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Contudo, e após vicissitudes adiante alinhadas, os autos foram mandados distribuir como revista-regra.</font>
</p><p><font>Daí que não importem os argumentos das partes sobre os requisitos da revista excepcional pelo que não os iremos transcrever aquando do elencar das conclusões do recurso.</font>
</p><p><font> Na revista que interpôs,, “ A Presidente” alinhou as seguintes conclusões, na parte pertinente:</font>
</p><p><i><font>Assim:</font></i>
</p><p><i><font>- O Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre toda a impugnação da matéria de facto que os Recorrentes deduziram e desenvolveram no Capitulo I - Dos Erros de Julgamento da Matéria de Facto das Alegações do Recurso que apresentaram e que sintetizaram nas Conclusões 1-2-3-4-5-6-7-8-9 e 10.</font></i>
</p><p><i><font>De facto,</font></i>
</p><p><i><font>- O dever de reapreciação das provas e de alteração da decisão de facto conferido ao Tribunal da Relação pelo art. 662° do C.P.C, impõe a este Tribunal da Relação o correlativo dever de fundamentação das respostas que proferir quanto a cada ponto concreto da matéria de facto cuja decisão é posta em causa pelos Recorrentes (arts. 154°, n° 1, 607°, n°s 4 e 5 e 615°, n° 1, alínea b), todos do C.P.C.).</font></i>
</p><p><i><font>- Apesar do "esforço" de audição e resumo da prova gravada feito pelos Senhores Desembargadores que o subscreveram, o Acórdão recorrido ficou-se por uma mera "adesão formal" à decisão da 1ª instância, não cumpriu o dever de proceder a uma meticulosa reapreciação da prova (documental e testemunhal) que, no entender dos Recorrentes, impunha uma decisão diferente sobre os já mencionados pontos da matéria de facto e, por isso, deverá ser anulado (art. 615°, n° 1, alíneas b) e d), ex vi do disposto no art. 685°, ambos do C.P.C.).</font></i>
</p><p><i><font>Por outro lado,</font></i>
</p><p><i><font> O Acórdão recorrido é também nulo já que nele se procedeu à remessa (indevida) para os termos da decisão da 1ª Instância num processo em que a Matéria de Facto tinha sido bem impugnada (facto que os Senhores Juízes Desembargadores que subscreveram o Acórdão reconheceram expressamente na pág. 39 do Acórdão) em ostensiva violação do disposto no art° 663°, n° 6, do N.C.P.C.</font></i>
</p><p><i><font>E mesmo que se entenda que esta violação do n° 6 do art. 663° do CPC não constitui uma nulidade do acórdão recorrido, sempre se teria de considerar que ela consubstancia uma violação da lei do processo que pode e deve ser conhecida em sede de recurso de revista (art. 674°, n° 1,alínea b) do CPC).</font></i>
</p><p><i><font>Finalmente,</font></i>
</p><p><i><font>- O Acórdão recorrido é ainda nulo por omissão de pronúncia sobre as questões de direito desenvolvidas no Capítulo II - Dos Erros de Julgamento na Aplicação do Direito das Alegações de Recurso que os Recorrentes apresentaram, em especial a desenvolvida na alínea H) deste Capítulo II, sintetizada na Conclusão 11.</font></i>
</p><p><i><font>De facto,</font></i>
</p><p><i><font>- Sem o mínimo fundamento válido, os Senhores Desembargadores que subscreveram o Acórdão recorrido decidiram não querer e não dever conhecer de uma relevante questão de direito suscitada pelos Recorrentes e que até pode e deve ser conhecida oficiosamente.</font></i>
</p><p><i><font>- Os Recorrentes alegaram que não é permitida a aquisição por usucapião de parcela de terreno de um prédio rústico ilicitamente loteado por contrariar disposições legais imperativas (como eram as vigentes à data da escritura de justificação contidas no Dec-Lei 448/91 de 29 de Novembro) e, por isso, pugnaram pela declaração da ilegalidade da Sentença recorrida por violação destas disposições legais.</font></i>
</p><p><i><font>- Apesar de não ter sido suscitada em primeira instância, esta questão foi suscitada nas alegações de recurso e, como consubstancia uma nulidade, é do conhecimento oficioso, pelo que o Tribunal da Relação de Lisboa tinha estrita obrigação de a conhecer.</font></i>
</p><p><i><font>- Não o fez, o que, mais uma vez, determina a nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia (art, 615°, n° 1, alíneas b) e d), ex vi do disposto no art, 685°, ambos do C.P.C.)..</font></i>
</p><p><i><font>- Além das nulidades apontadas, o Acórdão recorrido padece de vício de violação de lei, por, nele, se violarem as normas (imperativas) contidas nos artºs 1º, n.° 1, 2º, n.° 1, 5º, 53°, n.°1,e 56°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro.</font></i>
</p><p><i><font>É que,</font></i>
</p><p><i><font>-Como resulta da Sentença recorrida (factos provados constantes dos pontos 7-8-9-10-11-31 e 30, que, como se refere no Acórdão recorrido, já transitaram em julgado), a "parcela de terreno para construção com a área de 18,600m2" usucapida em causa nos autos integrava e fazia parte da área rústica do prédio misto denominado por Quinta ... no sítio do mesmo nome, freguesia de ... descrito na 6a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 86/19881020, freguesia de ..., anteriormente descrito sob o n° 3083, a fls. 155 do Livro B-9, freguesia de ... (constando a parte rústica de terreno de semeadura, oliveiras e árvores de fruto e a parte urbana de um prédio de um só pavimento para habitação do rendeiro e outras construções abarracadas destinadas a vacaria, palheiro e recolha de ferramentas, sendo a área coberta de 360 m2 e tendo a parte rústica uma área aproximada de 35.690 m2).</font></i>
</p><p><i><font>- A Sentença recorrida, ao reconhecer, como reconheceu, validade à aquisição por usucapião por terceiros de uma "parcela de terreno para construção com 18.600 m2" (que passou a constituir o prédio n.° 359/961211- freguesia de ..., descrito na 6a Conservatória do Registo Predial de Lisboa como "urbano, situado no Lugar da Azinhaga dos Cerejais - lote de terreno para construção'), efectivou uma operação de Loteamento da Quinta ... (isto é, do prédio misto identificado no ponto anterior) de que resultam dois lotes, um sendo pertença dos dois justificantes da usucapião e outro pertença da Recorrente "Presidente". </font></i>
</p><p><i><font>Acontece que,</font></i>
</p><p><i><font>- À data da escritura de justificação de usucapião invocada (Outubro de 1996), há muito que estava em vigor o Dec-Lei 448/91 de 29 de Novembro (republicado em Anexo ao Dec-Lei 334/95 de 28 de Dezembro) que estabelecia o Regime Jurídico do Licenciamento das Operações de Loteamento e das Obras de Urbanização.</font></i>
</p><p><i><font>- Resulta dos autos (em especial da escritura de justificação e dos documentos juntos aos autos a fls. 1109 a 1115) que, para a parcela de terreno sobre que é invocada a usucapião, não fora emitido qualquer alvará de loteamento, nem qualquer tipo de licença.</font></i>
</p><p><i><font>Por outro lado,</font></i>
</p><p><i><font>- Também nunca se poderia entender que estamos perante o destaque (legal) de uma parcela de terreno, uma vez que, ao contrário do que era exigido pelo art.° 5o do então aplicável Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro, os Recorridos não alegaram nem provaram que a construção a erigir na parcela "destacada" dispunha de projecto aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa. </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>- Mesmo que se entenda que pela escritura de justificação em apreço nos autos e pela sua confirmação pela Sentença recorrida se efectivou um loteamento ou um destaque, esta sempre seria ilegal por violação dos artºs 1º, nº 1, 2º,nº1, 5º, 53°, nº 1, e 56°, nº 3, do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro.</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>- Como é Jurisprudência dominante desse STJ e das Relações, as normas em causa são normas de interesse e ordem pública e, por isso, imperativas e inderrogáveis, pelo que não é e não pode ser permitida e reconhecida a aquisição por usucapião de uma parcela de terreno para construção resultante de um loteamento ou de um Destaque feitos à revelia e em violação de tais disposições.</font></i>
</p><p><i><font>- Por força do disposto no já invocado art.° 56°, n.° 3, a escritura de justificação sempre estaria ferida de nulidade por incumprimento total do que aqueles identificados preceitos legais prescrevem.</font></i>
</p><p><i><font>- Porque a violação das normas em causa é sancionada com nulidade e porque a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, ela pode e deve ser declarada oficiosamente por esse STJ que, assim e porque a matéria de facto dada por provada na Sentença recorrida o permite, pode e deve, sem mais, decidir definitivamente do mérito da acção, substituindo a decisão da 1ª Instância.</font></i>
</p><p><i><font>Termos em que, deverá o presente recurso ser considerado procedente, e em consequência:</font></i>
</p><p><i><font>a) Serem consideradas procedentes todas as invocadas nulidades do Acórdão Recorrido</font></i>
</p><p><i><font>b) Mesmo reconhecendo a existência daquelas nulidades, por razões de economia processual, tal reconhecimento não deve prejudicar o conhecimento da ilegalidade material do Acórdão recorrido, devendo esse STJ declará-la e, em consequência, determinar a revogação do Acórdão recorrido, substituindo-o por Acórdão que:</font></i>
</p><p><i><font>i) Por sua vez revogue a sentença de primeira instância em tudo em que, na sua parte dispositiva, se condena e/ou absolve nos pontos A), B), C), D) e E) (acção principal) e nos pontos K - L - M (acção apensa com a letra C) e, ainda, em tudo o que se decide sobre custas.</font></i>
</p><p><i><font>ii) Julgue procedente a acção principal, condenando os ali RR. em todos os pedidos que, nela, contra eles foram formulados pela A. AA, , Lda. e julgue totalmente improcedente a acção apensa com a letra C e absolva todos os ali RR. de todos os pedidos contra eles formulados.”</font></i>
</p><p><font>O recurso foi contra alegado pelos recorridos EE e mulher FF que a final, sintetizaram:</font>
</p><p><i><font>“-Das Nulidades do Acórdão recorrido </font></i>
</p><p><i><font>-Em relação a todas as supostas nulidades invocadas pela Recorrente neste capítulo, tendo sido interposto um recurso de revista excepcional, o mesmo está limitado no objecto às questões que podem conduzir à sua admissibilidade, como tal está circunscrito às questões a que se refere o art. 672° n° 1l do CPC, logo, não pode o Venerando Supremo Tribunal de Justiça conhecer qualquer uma das matérias inseridas no capítulo que ora se analisa.</font></i>
</p><p><i><font>-Posição contrária colidiria com o conceito de dupla conforme (dupla conformidade) surge com a reforma do Código de Processo Civil introduzida pelo Decreto-Lei n.° 303/2007, de 24 de Agosto na nova redacção do artigo 721.°.</font></i>
</p><p><i><font>-Ainda que fosse possível a apreciação das questões acima referidas, a Recorrente materialmente também não tem razão, e desde logo, no que se refere à suposta omissão de pronuncia sobre a impugnação da matéria de facto que a Recorrente deduziu e desenvolveu no Capitulo 1 — Dos Erros de Julgamento da Matéria de Facto das Alegações do Recurso que apresentou e que sintetizou nas Conclusões 1-2-3-4-5-6-7-8-9 e 10, pois os doutos Juízes Desembargadores apreciaram todas as questões veiculadas nas mencionadas conclusões, mormente nas paginas 39 à 45 do douto acórdão.</font></i>
</p><p><i><font>-O dever de fundamentação previsto no art. 205°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, foi exemplarmente respeitado pela decisão impugnada.</font></i>
</p><p><i><font>-Não se verifica qualquer omissão do dever de fundamentação que decorre do disposto nos artºs 154°, n.° 1, 607°, n°s 4 e 5, e 615°, n.° 1, alínea b), todos do C.P.C., pelo que, não tem aplicação o disposto no art.0 615°, n.° 1, alíneas b) e d), ex vi do disposto no ad.° 685°, ambos do C.P.C. </font></i>
</p><p><i><font>Na verdade, a pretensão da Recorrente ora em apreço viola o art. 674° e 672° do CPC, pois reivindica o conhecimento por parte do Supremo Tribunal de Justiça conhecimento de questões que por lei lhe estão arredadas.</font></i>
</p><p><i><font>-Da alegada errada remessa para os termos da decisão da 1ª Instância num processo em que a Matéria de Facto tinha sido bem impugnada (facto que os Senhores Juízes Desembargadores que subscreveram o Acórdão reconheceram expressamente na pag. 39 do Acórdão) em ostensiva violação do disposto no art° 663° n.° 6 do C.P.C, cumpre esclarecer que não se compreende a argumentação expendida pela Recorrente a este respeito, pois esta norma destina-se precisamente para a situação em apreço nos presentes autos.</font></i>
</p><p><i><font>-Não tendo sido alterada uma vírgula da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação deve, por questões de celeridade e simplificação processual, aderir à fundamentação do Tribunal a quo.</font></i>
</p><p><i><font>-No que se refere à omissão de pronúncia sobre as questões de direito desenvolvidas no Capitulo II — Dos Erros de Julgamento na Aplicação do Direito das Alegações de Recurso que a Recorrente apresentou, em especial a desenvolvida na alínea H) deste Capitulo II, sintetizada na Conclusão 11ª, cumpre afirmar em primeira linha que o acórdão defendeu que a questão nem sequer tem enquadramento no mérito dos autos.</font></i>
</p><p><i><font>-A lei não condiciona a validade de constituição de usucapião aos requisitos do destaque ou do loteamento, nem faz sentido que assim fosse. </font></i>
</p><p><i><font>-A questão ora levantada já foi objecto de discussão jurisprudencial sendo agora dominante a posição de que os direitos adquiridos por usucapião não estão, nem podem estar sujeitos às restrições impostas pelas limitações que decorrem das operações de loteamento.</font></i>
</p><p><i><font>-No caso em apreço, porém, acresce que a Recorrente que jamais invocou tal questão perante o Tribunal de 1ª Instância, logo, nem sequer alegou factos que sempre seriam indispensáveis para a alegada demonstração da impossibilidade legal do destaque ou loteamento, sendo certo que, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo (artigo 342.° do Código Civil).</font></i>
</p><p><i><font>-Acresce que, ainda que no caso a sobredita regra não se aplicasse, limite, incumbia à Recorrente pelo menos peticionar e alegar factos supostamente idóneos a obter a agora pretendida nulidade por suposta violação do DL 448/91 (e DL 334/95, de 28/12), pois só assim os Recorridos poderiam exercer o seu contraditório, e só assim o julgador de 1ª instância poderia decidir o mérito da pretensão.</font></i>
</p><p><i><font>-Ademais, em rigor, a pretensão que a Recorrente lançou em sede de recurso de apelação e que reiterou em revista excepcional constitui uma questão nova e nem deve ser conhecida pelo tribunal ad quem.</font></i>
</p><p><i><font>-No que tange à ilegalidade (material) do acórdão recorrido, a Recorrente repete os fundamentos que fez constar a respeito do capítulo que designou de “omissão de pronúncia sobre as questões de direito desenvolvidas no Capitulo II — Dos Erros de Julgamento na Aplicação do Direito das Alegações de Recurso que a Recorrente apresentou, em especial a desenvolvida na alínea H) deste Capitulo II, sintetizada na Conclusão 11ª”, pelo que consideramos reproduzido tudo o que supra se expendeu acerca do sobredito capítulo. </font></i>
</p><p><i><font>-Desde logo, importa reiterar que os Recorridos não podem defender-se de matéria que não é sequer alegada, invocada ou meramente peticionada.</font></i>
</p><p><i><font>-Acresce que, na realidade, existe projecto aprovado para a parcela criada por usucapião, designadamente aquele que foi promovido pela própria Recorrente, pelo que, in casu, nem sequer se poderia alegar que o prédio prometido comprar pelos Recorridos não é susceptível de ser urbanizado.</font></i>
</p><p><i><font>-Por fim, a tese da Recorrente, na prática impediria a aquisição por usucapião de prédios urbanos.”</font></i>
</p><p><font>O Colectivo a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil deliberou não poder, com a necessária segurança e certeza, verificar se ocorria ou não a dupla conforme necessária à sua intervenção, nos termos do artigo 672.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, sem que a Relação se tivesse pronunciado sobre esse vício.</font>
</p><p><font>Tendo os autos voltado à Relação, foi proferido novo acórdão pela conferência que considerou inexistir qualquer omissão de pronúncia ou outros vícios ou deficiências suscitados nas alegações de recurso, mantendo o anteriormente decidido.</font>
</p><p><font>Voltando os autos ao Colectivo/Formação, este órgão considerou não ser ainda possível a apreciação da ocorrência de uma situação de dupla conforme por a apreciação da questão fundamental de direito em que assentava o pedido de revista excepcional continuar a não constar dos autos.</font>
</p><p><font>Julgou, então, pela não admissão da revista excepcional e determinou que os autos fossem distribuídos como revista normal.</font>
</p><p><font>O recurso encontra-se delimitado pelas conclusões apresentadas no seguimento do primeiro acórdão da Relação, não fazendo, pois, parte do objecto do recurso os requerimentos e recursos “cautelares” apresentados no seguimento do segundo acórdão da Relação.</font>
</p><p><font>Tais requerimentos visavam assegurar que a Relação voltaria a remeter os autos à Formação – o que sucedeu – não se estendendo, pois, o objecto do recurso de revista ao aí invocado, mostrando-se precludida a possibilidade de apresentação de novo recurso.</font>
</p><p><font>No mais, resultando dos autos que a acção principal foi instaurada em Maio de 1997 e que a acção apensada foi instaurada em Junho de 2003, sempre se teria de entender a que o recurso de revista e o consequente acesso ao 3.º grau de jurisdição seria admissível </font><i><font>ab initio</font></i><font>, uma vez que, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, é excluída a aplicação da limitação de recurso com base na dupla conforme a processos anteriores 1 de Janeiro de 2008, tendo, pois, sido desnecessário o recurso à forma excepcional de recurso de revista.</font>
</p><p><font> Ficou definitivamente assente a seguinte </font><b><u><font>matéria de facto:</font></u></b>
</p><p><font>1) Constava da 6ª Conservatória de Registo Predial de Lisboa a descrição n.° 3.083 a fls 155 do livro B-9, relativa a um prédio denominado “Quinta ...”, que se compunha de «casas de habitação, oficinas de lavoura, terra de semeadura, árvores de fruto, oliveiras e vinhas» situada na freguesia de ..., confrontando do norte, sul e poente com caminhos públicos e pelo nascente com ... (cfr. doc. de fls 21 a 32) - (Al. A) dos factos assentes e resposta ao 85° da base instrutória);</font>
</p><p><font>2) Pela inscrição n.° 5.174 de 9 de Julho de 1929, posteriormente convertida em definitiva pelo averbamento n.° 1 de 27 de Julho de 1929, ficou registada a favor de VV, viúvo, a transmissão do direito de propriedade sobre o prédio descrito sob o n.° 3.083 a fls 155 do livro B-9, por ser o herdeiro universal de seu tio, VV, solteiro, e por falecimento do usufrutuário do mesmo prédio, XX, também solteiro (cfr. cit. doc. a fls 29) - (Al. B) dos factos assentes e resposta ao 15° e 16° da base instrutória);</font>
</p><p><font>3) Pelo averbamento n.° 2 de 27 de Abril de 1931, a requerimento de VV, ficou declarado que esse prédio n.° 3083, e um outro descrito sob o n.°2.973 a fls 90 do mesmo livro, tinham matriz predial rústica da freguesia de ... num só artigo com o n.° 132 (cfr. cit. doc. a fls 23) - (Al. C) dos factos assentes e resposta aos 15°, 16° e 29° da base instrutória);</font>
</p><p><font>4) Chegou a constar da descrição predial do n.° 3083 da Conservatória de Registo Predial de Lisboa que estava inscrito na matriz sob os artigos 132° e 188° (cfr. doc. de fls 23) - (Resposta ao 28° da base instrutória);</font>
</p><p><font>5) Pela inscrição n.° 30.458 de 9 de Janeiro de 1978 ficou registada a aquisição do prédio descrito sob o n.° 3.083 a fls 155 do livro B-9 por legado, constituído por testamento de VV, a favor de YY, casado sob o regime de separação com ZZ (cfr. doc. a fls 31) - (Al. D) dos factos assentes e resposta aos 15°, 16° e 30° da base instrutória);</font>
</p><p><font>6) Nas cópias certificadas das cadernetas prediais dos prédios descritos nas matrizes prediais correspondentes ao artigo 80° urbano e ao artigo 12° rústico, ambos da freguesia de ..., concelho de Lisboa, constantes de fls 33 a 38, constam que estiveram registados como titulares do direito ao rendimento: «ZZ e marido YY», depois «AAA e M e Filhos, Lda», estes na proporção de ½ para cada um, sendo actualmente titular do rendimento a «Presidente Construções e Investimentos Imobiliários, Lda» (cfr. cit docs e cfr. fls 1287) - (Resposta ao 1º da base instrutória);</font>
</p><p><font>7) O identificado prédio misto “Quinta ...” encontra-se inscrito, há mais de sessenta anos, na respectiva matriz predial da freguesia de ..., correspondendo a área urbana ao artigo 80° (anterior artigo 90°) e a parte rústica ao artigo 12° (anterior artigo 132°) - (cfr. docs de fls 33 a 38) - (Resposta ao 2º da base instrutória);</font>
</p><p><font>8) Esse prédio há mais de sessenta anos | [0 0 0 ... 0 0 0] |
BTKSu4YBgYBz1XKvcB2L | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>I. Relatório </font></b>
</p><p><font>No Tribunal Judicial de Tomar, “AA Ld.ª”, instaurou contra BB e mulher, CC e DD, acção declarativa, na forma ordinária, de processo comum, pedindo que fosse declarado nulo e ineficaz em relação à demandante o negócio de dação em cumprimento celebrado entre os RR, titulado por escritura pública celebrada a 18 de Dezembro de 2009 no Cartório Notarial de EE, na cidade de Tomar, e estes condenados a reconhecerem o direito da autora à restituição do imóvel ali identificado ao património dos RR. BB e mulher, e ainda o de executarem o mesmo imóvel no património do 3.º Réu, na medida bastante e até satisfação integral do seu crédito de 85.911,45 € e juros moratórios à taxa legal de 8%, contados desde a data de vencimento de cada uma das letras de câmbio identificadas no art.º 1.º da petição inicial, e ainda a praticarem, se disso for caso, todos os actos de conservação desta garantia patrimonial autorizados por lei.</font>
</p><p><font>Em fundamento alegou, em síntese útil, ser a legítima portadora das sete letras de câmbio, que identifica, titulando a quantia global de 85.911,45 € (oitenta e cinco mil, novecentos e onze euros e quarenta e cinco cêntimos). Tais letras foram sacadas pela demandante e aceites por “</font><i><font>FF – sociedade Unipessoal Lda.</font></i><font>”, encontrando-se todas elas avalizadas pelo sócio gerente da sacada, o 1.º réu BB. Encontrando-se os títulos vencidos, nenhum dos identificados obrigados procedeu ao pagamento das quantias nelas inscritas, nem tão pouco à respectiva reforma, motivo pelo qual foram os aludidos montantes debitados pelo Banco à aqui autora e os títulos devolvidos.</font>
</p><p><font>A dívida subjacente à emissão das referidas letras de câmbio emerge de transacção comercial que se inscreve na actividade desenvolvida pelo 1.º réu marido e da qual resultam proventos que afecta à sua vida familiar, tratando-se por isso de dívida comunicável, por ela respondendo também a ré mulher.</font>
</p><p><font>Alegou ainda que, tendo por fundamento os identificados títulos de crédito, instaurou acções executivas contra a sociedade sacada e o 1.º réu (com pedido de citação da ré mulher a fim de estabelecer a comunicabilidade da dívida), tendo em vista a cobrança coerciva das quantias de que é credora, processos nos quais foi constatada a insuficiência de bens dos executados para responderem pela dívida.</font>
</p><p><font>Instaurado contra a sociedade FF, sociedade unipessoal, L.da processo de insolvência, nele foi a devedora declarada insolvente por sentença de 7/7/2010, devidamente transitada, sem que, também aqui, tenha sido possível apreender qualquer bem.</font>
</p><p><font>Acresce que, sabedores do crédito da autora e visando frustrar a sua cobrança, os 1.ºs RR declararam-se devedores ao 3.º réu, seu filho, da quantia de € 85.000,00, que dele disseram ter recebido a título de empréstimos particulares, não titulados, dando em pagamento a fracção identificada na escritura celebrada a 18 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de EE, na cidade de Tomar. Acontece que o declarado não corresponde à verdade, sendo seu único escopo subtrair ao património dos 1.º e 2.º RR o único bem de que eram proprietários, assim inviabilizando em absoluto, dada a inexistência de outros bens, a satisfação do crédito da demandante.</font>
</p><p><font>Mais alegou que os, 1.º e 2.º RR., não quiseram celebrar com o 3.º R qualquer contrato, ou operar por qualquer forma a transmissão do imóvel identificado na escritura, tratando-se de um negócio absolutamente simulado e, por isso, nulo, nos termos do art.º 240.º, disposição legal que expressamente convocou. Tal nulidade, todavia, não obsta à impugnação pauliana, cujos requisitos se verificam no caso em apreço, conferindo à autora o direito à restituição daquele bem na medida do seu interesse, conforme peticiona.</font>
</p><p><font>Regularmente citados, os RR defenderam-se nos termos da peça que consta de fls. 158 a 170 dos autos, dizendo serem as letras de câmbio em causa “inexequíveis, inexigíveis e inexistentes”, porquanto, tendo tais títulos sido entregues em branco, apenas com a assinatura e o aval do 1.º réu, procedeu a autora ao respectivo preenchimento, o que fez sem autorização do subscritor, actuação que configura um verdadeiro abuso.</font>
</p><p><font>Em sede de impugnação alegaram que, quer a sociedade, quer o 1.º réu, detinham património suficiente para responder pela dívida, correspondendo ainda à verdade os factos declarados na escritura pública formalizadora do negócio de dação em pagamento entre todos celebrado, que como válido deve subsistir.</font>
</p><p><font>Com tais fundamentos concluíram pela sua absolvição dos pedidos.</font>
</p><p><font>A autora replicou, assegurando que as letras lhe foram entregues devidamente assinadas e completamente preenchidas, e tanto assim que nas execuções que com base nelas foram instauradas, os executados nenhuma oposição deduziram. Mais impugnou que os devedores tivessem património suficiente para solver a dívida o que, aliás, ficou cabalmente demonstrado, quer no âmbito dos processos executivos, quer no âmbito do processo de insolvência instaurado contra a sociedade sacadora.</font>
</p><p><font>Dispensada a realização da audiência preliminar, prosseguiram os autos para julgamento, tendo a final sido proferida sentença que, na procedência da acção,</font><b><font> </font></b><font>declarou ineficaz em relação à autora a alienação efectuada pelos réus BB e mulher, CC, tendo por objecto a fracção identificada na escritura de dação em cumprimento outorgada a 18 de Dezembro de 2009, na medida do suficiente para pagamento do crédito da autora, podendo a autora executar estes bens no património do réu DD. </font>
</p><p><font>Em recurso de apelação, o tribunal de apelação decidiu: </font><i><font>“(…) julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, declaram a ineficácia em relação à autora da alienação efectuada pelo réu/apelado BB, através da escritura de dação em cumprimento outorgada a 18 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de EE, na cidade de Tomar, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente ao 3º andar Direito ..., do prédio Urbano afecto ao regime de propriedade horizontal, sito em …, Rua …, nº …., Freguesia de …, Concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº … e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …., na medida do suficiente para pagamento do crédito da autora, podendo a meação que ao apelado pertence neste bem ser executada no património do réu DD.</font></i><font>”</font>
</p><p><font>Irresignados com o decidido, recorre, de revista, a demandada, tendo dessumido os fundamentos da revista, com o quadro conclusivo a seguir extractado. </font>
</p><p><b><font>I.A. – Quadro Conclusivo.</font></b>
</p><p><font>“</font><i><font>1. Tendo em vista a execução instaurada (ou a instaurar), uma acção de impugnação pauliana não pode ser julgada procedente apenas quanto à meação que ao cônjuge devedor poderia caber nos bens comuns alienados, devendo a execução incidir sobre a totalidade de tais bens, ao contrário do que decidiu o Acórdão recorrido. </font></i>
</p><p><i><font>2. A impugnação pauliana abrange todos os bens alienados ainda que anteriormente fizessem parte de comunhão conjugal, podendo o credor impugnante penhorá-los na sua totalidade, ainda que um dos cônjuges não seja devedor face ao título executivo. </font></i>
</p><p><i><font>3. Com a transmissão válida para o património de terceiro, deixa de poder considerar-se a qualidade que o bem tinha antes da transmissão e de poder ser partilhado para se saber a qual dos cônjuges poderia vir a caber. </font></i>
</p><p><i><font>4. Deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que declare ineficaz em relação à Autora, ora Recorrente, a alienação efectuada pelos Réus (BB e CC) ao seu filho DD, tendo por objecto a fracção identificada na escritura de dação em cumprimento outorgada a 18 de Dezembro de 2009, na medida do suficiente para pagamento do crédito da autora, ora Recorrente, podendo a Autora, ora Recorrente, executar este bem (na sua totalidade) no património do referido réu DD.</font></i><font>” </font>
</p><p><font>Os recorridos sustentam a decisão recorrida – cfr. fls. 1069 a 1074.</font>
</p><p><b><font>I.B. – Questões a merecer apreciação</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Na diegética do recurso importará dar resposta à questão axial proposta, qual seja a de saber se a ineficácia da impugnação pode ser limitada, no concernente ao cônjuge transmitente, salvaguardando a sua meação </font><i><font>“(…) dado que não sendo devedora, nada impedia de dispor da sua meação na fracção objecto do negócio translativo</font></i><font>”, devendo “nesta parte” o negócio dever ser tido como eficaz. </font>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Para a decisão a proferir, está adquirida a matéria de facto que a seguir queda extractada.</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. A Autora é dona e portadora de sete letras de câmbio, a saber: </font></i>
</p><p><i><font>a) A primeira no valor de 1.605,00€, com data de vencimento a 10/06/2009, junta aos autos a fls. 19, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais; </font></i>
</p><p><i><font>b) A segunda no valor de 1.620,00€, com data de vencimento a 20/06/2009, junta aos autos a fls. 20, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais; </font></i>
</p><p><i><font>c) A terceira no valor de 1.562,50 € (mil, quinhentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), com data de vencimento a 10/7/2009, junta aos autos a fls. 21, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais; </font></i>
</p><p><i><font>d) A quarta no valor de 26.385,58 € (vinte e seis mil, trezentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos) com data de vencimento a 10/07/2009, junta aos autos a fls. 22, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais; </font></i>
</p><p><i><font>e) A quinta no valor de 4.444,00 € (quatro mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros), com data de vencimento no dia 20/07/2009, junta aos autos a fls. 23, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais; </font></i>
</p><p><i><font>f) A sexta no valor de 23.747,00 € com data de vencimento a 10/08/2009, junta aos autos a fls. 24, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais; </font></i>
</p><p><i><font>g) A última no valor de 26.547,37 € (vinte e seis mil, quinhentos e quarenta e sete euros e trinta e sete cêntimos), com data de emissão no dia 1/2/2010 e vencimento no dia 30/04/2010, junta aos autos a fls. 25, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais (al. A) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>2. As letras identificadas em 1. perfazem o valor total de 85.911,45 € (oitenta e cinco mil, novecentos e onze euros e quarenta e cinco cêntimos (al. B) dos factos assentes. </font></i>
</p><p><i><font>3. As referidas letras foram sacadas pela Autora e aceites por “FF – sociedade Unipessoal Lda.”, tendo o Sócio Gerente daquela, BB (1.º Réu), aposto a sua assinatura em todas as letras supra identificadas, no lugar destinado ao aceite (al. C) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>4. As letras identificadas em 1. foram avalizadas por BB, 1.º Réu, tendo este aposto a sua assinatura no verso das mesmas e, por cima, escreveu "Dou o meu aval ao aceitante" (al. D dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>5- Todas as letras supra citadas foram emitidas na sequência de uma transacção comercial entre “FF – sociedade Unipessoal Lda.“ e a Autora, concretamente a venda de mercadoria por parte da Autora àquela sociedade, e que esta última, até à presente data, não pagou, sendo a letra de câmbio no montante de 23.747,00 referida em c) reforma do título no montante de € 26.385,58 identificado em d) (resposta ao art.º 1.º).</font></i>
</p><p><i><font>6. Por não terem sido pagas pelo aceitante, o Banco debitou as referidas letras à Autora, devolvendo-as a esta (resposta ao quesito 2.º). </font></i>
</p><p><i><font>7. A dívida em causa nos presentes autos foi contraída em resultado da actividade comercial do 1º Réu na FF, Sociedade Unipessoal Lda.. (resposta ao art.º 3.º).</font></i>
</p><p><i><font>8. Na falta de pagamento do montante das letras, a A. instaurou dois processos, quer à sociedade, quer ao 1.º Réu: </font></i>
</p><p><i><font>a) Processo executivo nº 183/10.1 TBTMR, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, no valor €28.188,71, e no qual foram apresentadas como títulos executivos as letras nos valores de €23.747,00, €1.605,00 e €1.620,00 (posteriormente foi requerida cumulação com outras letras); e </font></i>
</p><p><i><font>b) Processo executivo nº 184/10.0TBTMR, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, no valor €29.404,83, e no qual foram apresentadas como títulos executivos as letras no valor de € 1.562,50 e de € 26.385,58 (alínea F) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>9. Em tais execuções a Sra. AE procurou vários bens pertença dos executados, a fim de poderem ser penhorados, e devido ao facto de não os ter encontrado, veio requerer a insolvência da sociedade em 12/06/2010, no processo que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, sob o nº 716/10.3TBTMR (alínea G) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>10. Tendo sido proferida sentença de insolvência da sociedade “FF, Sociedade Unipessoal Lda.”, a 07/07/2010, publicada no Diário da República, 2ª Série, nº 152, a 06/08/2010 (alínea H) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>11. Neste processo de insolvência verificou-se que aquela sociedade, pouco antes de ser declarada insolvente, vendeu um veículo automóvel que era da sua propriedade, matrícula -JB, marca Nissan, a uma sociedade “GG Unipessoal Lda.” (alínea I) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>12. Tal sociedade tem como único sócio e gerente o 3.º Réu, filho dos, 1.º e 2.º Réus, e tem a sua sede comercial na residência dos 1.º, 2.º e 3.º Réus, a saber, Rua …, n.º …, …, em Tomar (alínea J) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>13. O 1.º e 2.º Réus, por escritura pública celebrada a 18 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de EE, na cidade de Tomar, declararam que em cumprimento da dívida de € 85.000,00, constante de empréstimos particulares não titulados, davam ao 3.º Réu, filho daqueles, a fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente ao 3.º andar Direito ..., do prédio Urbano afecto ao regime de propriedade horizontal, sito em …, Rua …, nº …, Freguesia …, Concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº … e inscrito na respectiva Matriz sob o artigo …, tendo o 3.º réu declarado que aceitava a dação em cumprimento, ficando em consequência extinta a dívida, destinando-se a referida fracção a sua habitação própria permanente (alínea K) dos factos assentes e documento de fls. 147 a 150). </font></i>
</p><p><i><font>14. O 3.º réu não emprestou aos, 1.º e 2.º réus a aludida quantia de € 85.000,00 (resposta ao art.º 5.º).</font></i>
</p><p><i><font>15. O 3.º réu foi funcionário do “..., SA.”, em Tomar, pelo menos de Maio de 2001 a Abril de 2012, tendo auferido em 2001 o salário anual de 2.953,73 €; em 2002 o salário anual de 5.824,23 €; em 2003 o salário anual de 4 348,81 €; em 2004 o salário anual de 4.945,87 €; em 2005 o salário anual de 4 859,45 €; em 2004 o salário anual de 4.945,87 €; em 2005 o salário anual de 4 859,45 €; em 2006 o salário anual de 5.337,80 €; em 2007 o salário anual de 7 105,46 €; em 2008 o salário anual de 5.722,72 €; em 2009 o salário anual de 6 126,93 €; em 2010 o salário anual de 6.381,39 €; em 2011 o salário anual de 6 937,47€; em 2012 o salário anual de 2.573,11 € (resposta ao art.º 6.º).</font></i>
</p><p><i><font>16. Com a escritura pública referida em K) os réus pretenderam furtar um bem imóvel à satisfação do crédito da autora (resposta ao art.º 9.º).</font></i>
</p><p><i><font>17. O 3.º réu, no período que mediou entre 1 de Agosto de 1995 e 31 de Julho de 2000, trabalhou como vendedor na E... sediada em Geneve, na Rue …nº … (resposta aos arts. 31.º a 35.º).</font></i>
</p><p><i><font>18. Durante o período de tempo em que trabalhou na dita empresa, o terceiro réu ganhou cerca de 95.500 francos suíços (resposta ao art.º 36.º).</font></i>
</p><p><i><font>19. O 1.º Réu é casado com a 2.ª Ré sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo contraído matrimónio sem convenção antenupcial, em 5 de Abril de 1970 (al. E dos factos assentes e doc. de fls. 119).” </font></i>
</p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.B.1. – Impugnação Pauliana. Âmbito subjectivo</font></b><font>.</font>
</p><p><font>A única questão que vem proposta para apreciação, prende-se com a indagação da comunicabilidade das dívidas do executado ao cônjuge, ou com mais exactidão saber se sendo o executado/comerciante casado com a alienante de um bem – no caso por dação em cumprimento – e sendo a impugnação pauliana sido julgada procedente, deve esta ser exonerada da execução que deva prosseguir para cobrança coerciva da dívida de que apenas o cônjuge marido era obrigado, por força da sua actividade comercial. </font>
</p><p><font>Preceitua o artigo 610.º do Código Civil que: </font><i><font>“Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial e não sejam de natureza pessoal, podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes: a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Como acertadamente se escreveu no acórdão recorrido, “</font><i><font>a impugnação pauliana é um meio conservatório de garantia patrimonial distinto da acção anulatória, ainda que à impugnação pauliana não obste, como vimos, a nulidade do negócio, solução consagrada no art.º 615.º </font></i><font>[</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>].”</font>
</p><p><font>Na precipuidade do artigo 610.º do Código Civil, é possível exumar como requisitos de verificação obrigatória para que o credor possa valer-se deste modo de pagamento/execução de uma dívida, relativamente a bens que existiam no património do devedor e que, por alienação/desvio para um outro património, deixaram de estar disponíveis para a asseguração do pagamento da dívida, que: i) – se verifique a existência de um crédito, anterior ou posterior, independentemente do seu estado de vencimento; ii) – resulte do acto a impugnar a decorrência de uma impossibilidade ou agravamento da situação patrimonial do devedor, traduzido na merma do poder económico do obrigado para pagamento do crédito; iii) – se deva estabelecer um nexo de causalidade entre o acto impugnado e a predita impossibilidade ou agravamento da possibilidade de satisfação do crédito, por diminuição da capacidade e/ou forças económicas existentes no património do devedor; iv) – ocorra má-fé do devedor e do terceiro, em caso de acto oneroso posterior ao crédito, traduzido numa consciência de que com o acto impugnado, o devedor se pretendeu, de forma dolosa, furtar à obrigação que tinha para com o credor, por evitação da execução desse bem no seu património; [</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>] v) – se verifique um acto impugnado relevante e susceptível de envolver uma diminuição da garantia patrimonial, por redução do seu activo ou aumento do seu passivo.</font>
</p><p><font>«A</font><i><font> lei não se limita a conceder ao credor o direito de promover a execução forçada da prestação no caso de o devedor não cumprir voluntariamente e de se ressarcir à custa do património do obrigado, se a realização coactiva da prestação não for possível», mas «concede-lhe ainda os meios necessários para o credor defender a sua posição contra os actos praticados pelo devedor, capazes de prejudicarem a garantia patrimonial da obrigação, diminuindo a consistência prática do seu direito de agressão sobre os bens do obrigado</font></i><font>». [</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Através do instrumento de escritura pública constante de fls. 147 a 150, os recorridos, BB e mulher CC, declararam que “</font><i><font>em cumprimento da divida de oitenta e cinco mil euros, constantes de empréstimos por contratos particulares não titulados, que nesta data perfazem aquela quantia, dão ao segundo outorgante (DD) o seguinte imóvel (…)</font></i><font>.” </font>
</p><p><font>O acto jurídico consubstanciado na escritura a que se alude no parágrafo anterior constitui-se como uma dação em cumprimento por, através dele o devedor se desonerar de uma prestação a que está obrigado, fazendo-a extinguir, perante alguém que detém, a seu favor, um direito de crédito. </font>
</p><p><font>Tal como no caso da dação «pro solvendo», a dação em cumprimento é uma causa extintiva das obrigações além do cumprimento. Enquanto que, através da primeira – dação em função do cumprimento – o devedor pretende facilitar ao credor a realização do seu direito de crédito, realizando uma prestação diversa da devida, tendente a esse fim, na dação em cumprimento, o devedor tem a intenção de extinguir, mediante a entrega de coisa diversa da prestação da que se tinha obrigado, de forma imediata, a sua obrigação. [</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Mediante este mecanismo de extinção das obrigações, o devedor, tendo obtido o assentimento ou concordância do credor, extingue o crédito que tinha contraído perante este, embora utilizando, ou conferindo, uma prestação diversa da prestação inicialmente convencionada. [</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Tratando-se de uma convenção, ou acordo, neste caso destinado ao cumprimento de uma obrigação, e necessitando, </font><i><font>pour cause</font></i><font>, de uma produção de declarações de vontade recíprocas e consonantes, a dação em cumprimento adquire a estrutura típica de um negócio jurídico bilateral, sujeito à livre autonomia das vontades que nele se expressam. Cada um dos intervenientes no acordo, para extinção da obrigação, assume perante o outro, e perante terceiros, que o acto liberador da dívida é efectuado de livre vontade e na plenitude da sua autonomia, assumindo, pelo acto querido e realizado, todos os efeitos e consequências do acto concretizado, a saber, para o credor a inclusão na sua esfera jurídica e patrimonial da coisa transmitida e constituída como objecto da dação em pagamento, e para o devedor a libertação da dívida, pela alienação e desafectação da sua esfera jurídica e dominial da mencionada coisa. </font>
</p><p><font>A intenção manifestada através do acto escritural junto aos autos, por ambos os autores da dação em cumprimento, foi a pretenderem extinguir a dívida que declararam ter contraído junto do aceitante da dação. A aceitação expressa de que através da dação ficava cumprida a prestação correspondente à dívida que os dadores tinham contraído perante o filho, produziu a extinção da obrigação, empossando, </font><i><font>ipso facto</font></i><font> o credor na titularidade do bem transmitido para a sua esfera jurídico-patrimonial.</font>
</p><p><font>A dação em cumprimento, na medida em que se traduziu numa contrapartida para satisfação, pagamento, ou solvência de um direito de crédito, consubstancia, inelutavelmente, um acto oneroso. Acresce que, o acto de dação em cumprimento é posterior à assumpção da dívida por parte da empresa devedora e à qual um dos dadores tinha prestado uma garantia de aval.</font>
</p><p><font>Feito este excurso pelas figuras da impugnação pauliana e da dação em cumprimento, importa para a economia do recurso, apurar qual o efeito que a eventual ineficácia do acto de distrate adquire na esfera jurídica de um dos transmissores da coisa que não seja sujeito passivo da obrigação causante do acto objecto de impugnação. Vale por dizer, se o negócio translativo da propriedade do bem dado em cumprimento não deve ser eficaz na parte referente à meação do cônjuge que não estava crediticiamente obrigado pelas dívidas que foram causantes da impugnação desse acto. Não sendo o cônjuge devedor na relação contratual que esteve subjacente à impugnação do acto translativo, na acepção dos impugnados deveria a sua meação ser preservada e salvaguardada na declaração de ineficácia, considerando que nessa parte o acto translativo é eficaz e deve ser subtraído aos efeitos da execução que, eventualmente, possa vir a ser instaurado pelo credor (impugnante e beneficiário da declaração de ineficácia) contra o sujeito passivo da dação.</font>
</p><p><font>A questão prende-se, ou foi equacionada pelo tribunal de apelação, como devendo ser colocada no plano da comunicabilidade das dívidas entre cônjuges, e mais concretamente, entre cônjuges que não possuem a qualidade de comerciantes, nem o obrigado (avalista, nem o cônjuge que, com o avalista, realizou o acto de dação em cumprimento </font>
</p><p><font>A decisão recorrida alicerçou a dessunção de não comunicabilidade das dívidas, assumidas, por um lado pela sociedade de que era sócio gerente o avalista, BB, e por outro por este, enquanto avalista, para a cônjuge, CC (</font><i><font>acórdão trata-a por Isabel, mas, certamente, por lapso, dado que o nome da recorrida é Isaura</font></i><font>), pela forma seguinte: “</font><i><font>(…)tendo resultado provado, tal como resulta dos próprios títulos, que os mesmos foram emitidos no âmbito de transacção comercial em que foram intervenientes a sociedade autora e a FF, sociedade unipessoal, Lda., a afirmação de que a dívida foi contraída em resultado da actividade comercial do 1.º réu na sociedade terá de ser entendida como reportando-se à prática de actos como gerente, sem virtualidade portanto para o tornar comerciante.</font></i>
</p><p><i><font>Assim sendo, ao 1.º réu não pode ser reconhecida a qualidade de comerciante, pelo que a comunicabilidade da dívida terá de resultar do preenchimento da previsão da al. c) do n.º 1 do art.º 1691.º, sentido no qual, aliás, a autora dirigiu os seus esforços em sede de alegação.</font></i>
</p><p><i><font>Nos termos desta disposição legal são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração. </font></i>
</p><p><i><font>O proveito comum do casal em que assenta a responsabilidade de ambos os cônjuges deve, nos termos da predita alínea, resultar directamente do acto constitutivo da dívida, e não constituir um efeito indirecto ou mediato do mesmo. Afere-se ainda à luz do fim visado pelo cônjuge que contrai a dívida, independentemente do resultado concreto que venha a produzir. </font></i>
</p><p><i><font>Porque não tinha a seu favor qualquer presunção, sobre a autora recaía o ónus de provar que, não obstante o réu Peixoto não deter a qualidade de comerciante, do aval prestado resultava directa e imediatamente (e não reflexa e remotamente) um benefício para o casal por ele constituído com a apelante, em linha com o objectivo visado com a sua prestação </font></i><font>[</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>]. </font><i><font>E a verdade é que, a despeito de se tratar de uma sociedade unipessoal – que, em todo o caso, é ente distinto do seu único sócio –tal prova não foi feita. Com efeito, tratando-se de avales, e sendo “a prestação do aval em regra um acto unilateral, que se efectiva sem contraprestação, da sua subscrição, em si mesma, nenhum benefício directo resulta para o casal do avalista; só assim não será quando a prática desse acto fornece a indicação segura de que o destino dado à contraprestação foi o benefício directo de ambos os cônjuges</font></i><font>” [</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>].</font><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Tal é o entendimento que se perfilha e tem por correcto. Deste modo, sabendo-se apenas que as letras foram emitidas a favor da autora no âmbito de transacção comercial mantida com a sociedade sacada, tendo o réu BB dado o seu aval à aceitante na sua qualidade de gerente da mesma, e apesar de ser também o seu único sócio, não permite tal factualidade concluir pelo proveito comum. E assim é por não ter ficado demonstrado, ainda atendendo à relação causal, que a mesma viesse a resultar em imediato benefício para o casal, ou seja, que dela resultasse a satisfação de um interesse comum ou de uma necessidade partilhada. </font></i><font>[</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>] </font><i><font>Acresce que, em rigor, nem sequer se provou que a ré beneficiasse de quaisquer proventos gerados pela dita sociedade.</font></i>
</p><p><i><font>Em remate, não tendo a apelada feito a prova, que lhe competia, de que a dívida contraída pelo réu BB visou, e dela decorre directamente, pelo menos uma expectativa de benefício directo e imediato para o casal formado com a cônjuge mulher, não tem esta a qualidade de devedora, podendo dispor livremente dos seus bens e, designadamente, da meação de que é titular na fracção identificada na escritura</font></i><font>.” </font>
</p><p><font>Preceitua o art. 616º, nº1, do Código Civil, que: “</font><i><font>julgada procedente a impugnação o credor tem o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Não se controverte a questão da validade intrínseca dos actos de disposição, gratuitos ou onerosos, praticados pelo devedor em desfavor do credor, devendo, no entanto, assinalar-se que a medida da restituição dos bens só deve ser efectuada “na medida dos seus interesses” (do credor), ou dito por outras palavras, na medida em que o acto defraudante da garantia para pagamento do seu crédito se contenha nas forças do direito de crédito. A lei permite, contudo, que a execução do crédito se efectue directamente no património do obrigado á restituição, podendo, caso este se proponha alienar ou dissipar os bens objecto do acto de impugnação, a exercitar os actos conservatórios que a lei permite para que não ocorra merma do valor ou da materialidade dos bens cuja ineficácia foi declarada.</font>
</p><p><font>Parece resultar inafastável que a “a</font><i><font> acção pauliana é dada aos credores para obterem, contra um terceiro, que procedeu de má-fé ou se locupletou, a eliminação do prejuízo que sofreram com o acto impugnado. </font></i>
</p><p><i><font>Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional. </font></i>
</p><p><i><font>O autor na acção exerce o crédito de eliminação daquele prejuízo... O efeito da acção deve ser uma simples consequência da sua razão de ser e, por isso, parece dever limitar-se à eliminação do prejuízo sofrido pelo credor, deixando o acto, quanto ao resto, tal como foi feito</font></i><font>.”[ </font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>]</font>
</p><p><font>A temática concernente à questão que nos é colocada foi equacionada num estudo efectuado pela Professora Paula Costa e Silva, e reconduz-se a saber </font><i><font>“(…) como se comporta a impugnação, nas suas fases declarativa e executiva, quando o credor impugna a transmissão de um bem que, antes de transmitido integrava o património comum do casal, sendo que o devedor é apenas um dos cônjuges.”</font></i><font> [</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Antes de nos adentrarmos na assumpção de uma posição quanto a este problema importará deixar expressas as posições que na doutrina se preiteiam relativamente à questão de saber qual o destino dos bens depois de declarada a ineficácia do acto impugnado da transmissão de um bem, relativamente ao credor. O bem permanece no património do transmissário ou retorna ao património do devedor transmitente, para aí ser objecto de execução? </font>
</p><p><font>A questão foi, com proficiência, objecto de tratamento, no já supra citado acórdão deste Supremo, de 11 de Julho de 2013, tendo-se, na oportunidade escrito que: “</font><i><fo | [0 0 0 ... 0 0 0] |
BDKSu4YBgYBz1XKvbx1m | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p>
</p><p><font> ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I.</font>
</p><p><font>AA intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, ..., S.A., pedindo: </font>
</p><p><font>a) a condenação da Ré a reconhecer que o contrato de seguro do ramo vida, titulado pela Apólice nº …, celebrado com o ora A. e sua falecida esposa se mantinha em vigor à data do óbito desta (10/03/2012) e, consequentemente, pagar ao A. as mensalidades que, após essa data e até ser proferida decisão final, o A. pagar ao CC, no valor de € 242,24 cada uma, e a pagar ao mesmo Banco a quantia que, na mesma data, se encontrar em dívida com referência ao seguro em análise;</font>
</p><p><font>b) em alternativa, para o caso de se demonstrar que houve falha dos serviços do R. CC, a condenação deste Banco a suportar os custos dessa falha, correspondentes ao valor que este deveria receber da seguradora, caso o contrato de seguro se mantivesse em vigor.</font>
</p><p><font>Alega, para o efeito que, a 09/04/2003, ele e a sua (ora) falecida esposa contraíram no CC um empréstimo, no valor de € 40.000,00, com vista ao acabamento da casa de habitação que estavam a construir num terreno que possuíam na Rua ..., .... O empréstimo foi contraído pelo prazo de 240 meses, devendo ser amortizado em prestações mensais, de capital e juros, com vencimento no mesmo dia de cada mês. Os pagamentos eram efetuados por débito na conta de depósito à ordem onde fora creditada a quantia mutuada ou em qualquer outra de que os mutuários fossem titulares no CC. O A. possuía uma outra conta no CC, a chamada conta ordenado. Por imposição do Banco mutuante os mutuários celebraram contrato de seguro do ramo vida com a ora Ré BB, cujo beneficiário era o ora R. CC, com início em 09/04/2003. Os prémios deste seguro eram igualmente pagos por débito nas contas de depósito de que o A. era titular no CC. Nunca este Banco comunicou ao ora A. e à falecida esposa que as referidas contas não tinham provisão suficiente para amortização da quantia mutuada e pagamento dos prémios de seguro. </font>
</p><p><font>O A. participou ao CC o falecimento da esposa com vista a que fosse acionado o seguro e pago ao CC o valor então em dívida, que era de € 28.106,94. O Banco informou-o, então, de que o contrato de vida se encontrava resolvido, desde 01/05/2007, por falta de pagamento do respetivo prémio, pelo que o A. se tem mantido a suportar as mensalidades do reembolso do dito empréstimo.</font>
</p><p><font>O A. desconhecia por completo o cancelamento do seguro, não tendo recebido da Ré BB a carta que esta alega ter-lhe endereçado a comunicar tal cancelamento. Nem tal comunicação recebeu a sua falecida esposa.</font>
</p><p><font>A Ré seguradora não enviou ao A. qualquer carta a comunicar a referida resolução, caso não procedesse ao pagamento do prémio em dívida.</font>
</p><p><font>Igualmente não receberam, A. ou falecida esposa, qualquer informação do Banco beneficiário do seguro dando a mesma informação, tal como nunca foram alertados de que as contas de que o A. era titular não tinham provisão para o efeito de pagamento do prémio. O A. e sua esposa sempre tiveram fundos suficientes ao pagamento do prémio nas duas contas de que eram titulares do R. CC, pelo que, qualquer informação de falta de provisão só poderá ser devida a falha nos serviços deste.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O R. CC, contestou, defendendo que o ora A. e sua falecida esposa, a partir de Junho de 2006 até Fevereiro de 2007, deixaram de provisionar, de forma regular, a sua conta de depósito à ordem, na qual haviam domiciliado os pagamentos, sendo que, a mesma, por vezes, apresentava saldos negativos aquando do cumprimento das ordens de pagamento. O Banco remeteu-lhes sempre, com a periodicidade convencionada, os respectivos extractos informativos, pelo que o A. e esposa tinham à sua disposição todos os elementos necessários para controlar o saldo da conta e para se aperceberem de que o Contrato de Seguro do Ramo Vida se encontrava resolvido. O Réu banco podia, nos termos do contrato de mútuo, ter procedido a tais pagamentos, debitando-os a seu favor, mas não estava obrigado a isso. Pede, a final que a acção seja julgada improcedente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A Ré BB igualmente contestou, alegando ter procedido ao cancelamento da apólice, por falta de pagamento do prémio, com efeito a partir de 01/05/2007. Esta factualidade foi transmitida ao A., através de carta, para a morada que os segurados indicaram na proposta de seguro, morada esta que nunca foi alterada pelos mesmos. Os segurados não liquidaram qualquer outro prémio a partir desta data. O contrato de seguro encontra-se, por isso, validamente resolvido com data de 01/05/2007. Trata-se de uma situação de manifesto abuso de direito, o pedido feito pelo A. nos presentes autos, uma vez que, tendo a resolução do contrato operado por falta de pagamento tempestivo do prémio, passaram mais de 60 meses durante os quais os prémios não foram liquidados, estando em causa a tutela da confiança gerada com tal omissão.</font>
</p><p><font>Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente e ainda, que seja o A. condenado como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização não inferior a € 5.000,00.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O A. replicou, negando o abuso de direito e pedindo, por sua vez, a condenação da Ré BB como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização não inferior a € 5.000,00, uma vez que não foi comunicada ao Autor qualquer resolução contratual.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Procedeu-se a julgamento após o que, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em resultado disso, absolveu as RR. BB – ..., S.A., e CC, S.A., dos pedidos.</font>
</p><p><font>Inconformado com tal decisão veio o A. recorrer para a Relação de Coimbra que por acórdão julgou “a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, que se substitui por outra, condenando-se a apelada seguradora BB Vida, SA a pagar ao apelado banco CC a quantia necessária para amortização do empréstimo celebrado com o A. e falecida esposa DD, por referência à data da participação do sinistro, descontado do valor dos prémios de seguro que os segurados deviam ter pago até àquela data, e a assumir por estes sem agravamento, tudo a liquidar em incidente próprio”.</font>
</p><p><font>Não se conformou com o assim decidido a Recorrida Seguradora e vem, ora, recorrer de revista, alinhavando no termo de sua alegação, as seguintes conclusões que foram objecto de nova síntese: </font><br>
<i><font>1. na sequência da PROPOSTA DE ADESÃO, subscrita pelo Recorrente e pela falecida DD em 19.02.2003, a Recorrida aceitou e emitiu, sem quaisquer reservas, o contrato de seguro de vida associado ao Crédito à Habitação n.º ..., concedido pelo CC, S.A..</font></i><br>
<i><font>2. Este contrato de seguro era identificado pelo Certificado individual n.º ... (correspondente à Apólice de Grupo n.º ...), o qual garantia as coberturas de morte ou invalidez total e permanente, com o capital máximo de €40.000,00.</font></i><br>
<i><font>3. O referido contrato de seguro foi anulado em 01.05.2007 por falta de pagamento do respectivo prémio.</font></i><br>
<i><font>4. Conforme resulta da PROPOSTA DE SEGURO subscrita pelos segurados, na parte que faz referência ao “Pagamento do Prémio/Autorização de Débito/Crédito em Conta”, os mesmos declararam o seguinte: “Ao CC, SA, por débito na minha conta com o nº ..., queiram proceder ao pagamento do(s) prémio(s) à BB – ..., S.A. e à BB – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., na periodicidade acordada, relativo ao(s) seguro(s) contratado(s) através da presente Proposta”.</font></i><br>
<i><font>5. Ambos os proponentes subscreveram uma única apólice de seguro pela totalidade do capital em dívida, ou seja, pelos €40.000,00.</font></i><br>
<i><font>6. A duração do contrato de seguro ficou estipulada da seguinte forma: o seguro é válido por um ano, sendo automaticamente renovado por iguais períodos até ao final do contrato de mútuo.</font></i><br>
<i><font>7. A periodicidade do pagamento do prémio era mensal</font></i><br>
<i><font>8. Os segurados indicaram como domicílio a Rua ..., …, ..., ….</font></i><br>
<i><font>9. A Apólice n.º ... foi anulada em 01.05.2012 por falta de pagamento do respectivo prémio, prémio este cuja periodicidade e forma de pagamento havia sido acordada entre os segurados e a Recorrida aquando da celebração do contrato de seguro.</font></i><br>
<i><font>10. A Recorrida procedeu ao cancelamento da apólice n.º ... por fala de pagamento do prémio com efeito a 01.05.2007 (data do pagamento do último prémio).</font></i><br>
<i><font>11. Os segurados tinham autorizado o débito directo dos valores dos prémios na conta de depósitos à ordem indicada pelos mesmos, conta esta devidamente identificada na PROPOSTA DE SEGURO.</font></i><br>
<i><font>12. Até essa data – 01.05.2007 – os prémios foram integralmente liquidados pelos segurados através do sistema acordado entre as partes</font></i><br>
<i><font>13. a falta de pagamento de qualquer uma das fracções determina a resolução automática do contrato no vencimento de uma fracção do prémio no decurso da anuidade.</font></i><br>
<i><font>14. Aliás, nos termos do disposto no art.º 13.º, n.º 1, das Condições Gerais da apólice (que tem por epígrafe “FALTA DE PAGAMENTO DOS PRÉMIOS”), “O não pagamento dos prémios, dentro dos 30 (trinta) dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias conferidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras”.</font></i><br>
<i><font>15. Ao não ser liquidado o prémio referente ao período posterior a 01.05.2007 a apólice ficou automaticamente resolvida a partir daquela data.</font></i><br>
<i><font>16. Esta factualidade foi transmitida ao Recorrido, através de carta</font></i><br>
<i><font>17. A carta em questão foi remetida pela Recorrente, ao cuidado do Recorrido – primeiro subscritor do contrato de seguro e titular do Certificado Individual –, para a morada que os segurados haviam indicado na PROPOSTA DE SEGURO, morada esta que nunca foi alterada pelos mesmos, seja por que forma fosse, conforme resulta dos factos provados.</font></i><br>
<i><font>18. a partir do momento em que foi recusado o débito em conta do prémio de seguro relativo à apólice n.º ..., nos termos acordados no contrato de seguro, o contrato teve-se por resolvido.</font></i><br>
<i><font>19. Os segurados bem sabiam desta realidade pois, para além de expressamente terem assentido no débito em conta (na conta indicada para o efeito pelos dois contraentes) do prémio de seguro, tendo abdicado de outra qualquer forma de liquidação do mesmo, durante quase 60 (sessenta) meses não liquidaram qualquer prémio de seguro referente à apólice em questão, sendo que vem agora o Recorrido, depois do falecimento da sua Mulher DD alegar que não se tinha apercebido de tal facto, isto apesar os prémios e seguro liquidados junto da conta de depósitos em questão constarem, mensalmente, da Agenda do Extracto Combinado, sendo certo que apenas por culpa sua o referido extracto, que foi devidamente enviado pelo co-Réu CC, S.A. aos segurados, não foi devidamente analisado (caso fosse esta a situação).</font></i><br>
<i><font>20. O contrato de seguro dos autos foi, assim, validamente resolvido com data de 01.05.2007, uma vez que os segurados, nos termos contratualmente acordados, bem como nos termos legais, não liquidaram o prémio mensal devido.</font></i><br>
<i><font>21. A faculdade de resolução do contrato, concedida à Recorrente, obedece aos seguintes requisitos: a) não pagamento do prémio do seguro nos 30 dias posteriores ao seu vencimento; b) respeito das exigências legais da resolução dos contratos.</font></i><br>
<i><font>22. dificilmente poderia ser estabelecida na cláusula resolutiva expressa a resolução ad nutum – a resolução é sempre motivada.</font></i><br>
<i><font>23. a cláusula resolutiva pode ter e tem frequentemente em vista apenas estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz.</font></i><br>
<i><font>24. Nos termos do art. 436.º, nº 1, do C. Civil, “a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte”.</font></i><br>
<i><font>25. declarado resolvido o contrato, o papel do Tribunal na verificação da existência ou não da declaração resolutiva é meramente certificativo.</font></i><br>
<i><font>26. a carta foi enviada para a morada conhecida pela Recorrente e que era a dos pais do Recorrido, com quem ele vivia (n.º 23 dos FP).</font></i><br>
<i><font>27. nunca poderia o Recorrido alegar o não recebimento de uma carta numa morada em que, segundo o mesmo, não habitava mas que era a morada contratualmente definida.</font></i><br>
<i><font>28. A declaração deve ter-se, pois, como eficaz, nos termos do art.º 224.º, n.º 2, do Código Civil, que, nos termos do art.º 295.º do mesmo diploma legal, é aplicável aos actos jurídicos e que houve declaração resolutiva eficaz e que esta tem bom fundamento por existir a causa invocada de falta de pagamento dos prémios.</font></i><br>
<i><font>29. Nos casos de resolução convencional basta a ocorrência do facto previsto pelas partes para dar lugar à resolução imediata do contrato (caso o credor assim o queira).</font></i><br>
<i><font>30. A cláusula 13.ª das condições gerais da apólice de seguro prevê um facto – não pagamento do prémio após 30 dias da data do seu vencimento – que permitiria desencadear a dita resolução de imediato.</font></i><br>
<i><font>31. Trata-se de uma cláusula resolutiva expressa, hipótese onde não é necessária uma interpelação admonitória.</font></i><br>
<i><font>32. no caso de se considerar que a interpelação não se realizou, a resolução tem que se ter por realizada nos termos do disposto no art.º 13.º, n.º 1 das Condições Gerais da Apólice, conjugado com o disposto no art.º 18.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 176/95.</font></i><br>
<i><font>33. O douto Acórdão errou, por erro de interpretação do disposto nos art.ºs 224.º, 295.º, 342.º, 406.º e seguintes, 432.º, 436.º, todos do Código Civil, art.º 18.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 176/95 e Dec.-Lei n.º 176/95 pelo que deverá ser substituído por decisão que absolva a Recorrente do pedido contra ela formulado.</font></i>
</p><p><font>Contra minutando, concluiu o Autor pela confirmação do acórdão recorrido</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, corridos os vistos cumpre apreciar.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A questão da revista restringe-se à apreciação da validade do contrato de seguro de vida a que se reportam os autos.</font>
</p><p><font>II.</font>
</p><p><font>A - É a seguinte a factualidade que as instâncias dão como provada:</font>
</p><p><font>1 - No dia 12/07/2003, contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, AA e DD (A).</font>
</p><p><font>2 - No dia 10/03/2012, faleceu DD, no estado de casada com AA (B).</font>
</p><p><font>3 - Por escritura de 9 de Abril de 2003, AA e DD, solteiros, celebraram com o CC, S.A. (CC) o contrato de mútuo com hipoteca constante de fls. 21/31, nos termos do qual (ao que mais interessa):</font>
</p><p><font>a) - o Banco concedeu ao AA e à DD o empréstimo de € 40.000,00 para construção de uma moradia;</font>
</p><p><font>b) - estes aceitam o empréstimo, confessam-se solidariamente devedores das quantias recebida e a receber do Banco até ao montante do empréstimo e respetivos juros; </font>
</p><p><font>c) - o empréstimo devia ser amortizado em 240 prestações de capital e juros, com vencimento no mesmo dia de cada mês;</font>
</p><p><font>d) - os mutuários obrigam-se a subscrever um seguro multirrisco do imóvel hipotecado;</font>
</p><p><font>e) – “os mutuários obrigam-se a contratar um seguro de vida cujas condições, constantes da respetiva apólice, serão indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco, a pagar atempadamente os respetivos prémios, a fazer inserir na respetiva apólice que o Banco é credor hipotecário e que, em consequência, as indemnizações que sejam devidas em caso de sinistro reverterão para o Banco”- nº 2 da Cláusula l0ª do Documento Complementar (fls. 29/30);</font>
</p><p><font>f) – “as apólices e atas adicionais dos seguros referidos ficarão em poder do Banco mutuante como interessado nos mesmos, na qualidade de credor hipotecário. Só por intermédio do Banco e com o seu acordo por escrito os seguros poderão ser alterados ou anulados” – nº 3 da Cláusula 10ª do Documento Complementar (fls. 30);</font>
</p><p><font>g) – “os mutuários obrigam-se a trazer pontualmente pagos os seguros referidos na cláusula anterior”- nº 1 da Cláusula 11ª do Documento Complementar (fls. 30);</font>
</p><p><font>h) – “os mutuários autorizam desde já, com expressa sub-rogação, que, em caso de incumprimento de tais obrigações, o Banco as cumpra, efetuando por conta dos mutuários todos os pagamentos necessários” (…) – nº 2 da Cláusula l1ª do Documento Complementar (fls.30);</font>
</p><p><font>i)- “se o Banco efectuar, na falta e por conta dos MUTUÁRIOS, o pagamento dos prémios e contribuições em dívida, nos termos do disposto no número anterior, os MUTUÁRIOS autorizam desde já o Banco a debitar os seus montantes em qualquer conta aberta em nome dos MUTUÁRIOS junto do CC, S.A.” – nº 3 da Clausula 11ª do Documento Complementar (fls. 30) (C).</font>
</p><p><font>4 - O Banco entregou, aos mutuários, por depósito na Conta DO nº ..., € 20.000,00, na data da escritura, e os restantes € 20.000,00 em várias parcelas, à medida da evolução das obras na moradia (D).</font>
</p><p><font>5 - AA e DD celebraram, a 19/02/2003, com “BB -…, S.A.” um contrato de seguro, ramo vida, titulado pela Apólice nº ..., associado ao crédito nº ..., concedido pelo CC ao ora A. e à DD (E).</font>
</p><p><font>6 - Nos termos das Condições Gerais da respectiva Apólice:</font>
</p><p><font>a) - a seguradora pode facultar o fraccionamento dos prémios e utilizar meios apropriados que facilitem a cobrança dos créditos – nºs. 2. e 3. do artigo 12.º (fls. 148);</font>
</p><p><font>b) – “o não pagamento dos prémios, nos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias concedidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras” – nº 1 do artigo l3.º (fls. 148) (F).</font>
</p><p><font>7 - No contrato de seguro figuram, como tomador do seguro e entidade credora, o CC e, como proponentes AA e DD, os quais deram como sua residência a Rua ..., …, ..., … … (G).</font>
</p><p><font>8 - Capital seguro é o de € 40.000,00 para cada proponente (H). </font>
</p><p><font>9 - O seguro é válido por um ano, sendo automaticamente renovado por iguais períodos até final do contrato de empréstimo - 240 meses -, com início na data da escritura e a periodicidade mensal (I).</font>
</p><p><font>10 - O ora A. e DD autorizaram o CC a debitar, na sua Conta DO nº ... junto deste (CC), os prémios do Seguro Vida e multirriscos contratados, na periodicidade mensal acordada (J).</font>
</p><p><font>11 - A BB CC - Grupo Segurador remeteu ao ora A. AA, endereçada para a Rua ... …, ... …, a Ata Adicional de fls. 142/143, datada de 20/01/2007, respeitante a Apólice nº ..., a fixar, com data de início a 2003/04/09, as seguintes condições particulares:</font>
</p><p><font>a) - o prémio do seguro é de € 13,87, vence no dia 1 do mês correspondente; b) - o capital seguro é de € 37.710,11 (K).</font>
</p><p><font>12 - O ora A. participou à R. Seguradora, dias depois da sua ocorrência, o falecimento da esposa (L).</font>
</p><p><font>13 - Até 01/05/2007, durante 48 meses, os prémios de seguro da Apólice nº ... foram integralmente liquidados pelo ora A. e pela DD por desconto bancário mensal na Conta DO nº ... que aqueles tinham no CC (M).</font>
</p><p><font>14 - A partir de 01/05/2007, o A. e sua (ora) falecida mulher não efetuaram o pagamento dos prémios do Seguro Vida (N).</font>
</p><p><font>15 - O CC cancelou, a partir de Maio de 2007, o débito direto mensal dos prémios do Seguro Vida na conta bancária nº ... associada a este contrato de seguro (O).</font>
</p><p><font>16 - Todos os extratos da Conta DO, antes referida, constantes de fls. 64/114 foram enviados pelo CC para DD …, Rua ... …, ..., … (P).</font>
</p><p><font>17 - Os extratos de Junho, Julho, Setembro e Novembro de 2006 e de Janeiro e Fevereiro de 2007 (respetivamente, de fls. 101/102, 103/104, 105/106 e 107) da antes referida conta acusaram saldo negativo (Q).</font>
</p><p><font>18 - À data da celebração do contrato de seguro ramo Vida, o ora A. vivia na Rua ..., nº …, ... – … (R).</font>
</p><p><font>19 - Mudou de residência para a Rua ... … - ... – … quando casou (S).</font>
</p><p><font>20 - O A., para além da Conta DO nº ..., era titular, no CC, da Conta Ordenado nº …. (1º).</font>
</p><p><font>21- Na data do falecimento da esposa, o valor do mútuo em dívida era de € 28.106,94 (3º).</font>
</p><p><font>22 - O A. e (ora) falecida esposa nunca comunicaram à seguradora a alteração da sua residência para a Rua ... n.º … - ... – … (10º).</font>
</p><p><font>23 - A residência que consta do contrato de seguro é a dos pais do ora A., com quem ele vivia (11º).</font>
</p><p><font>24 - A partir de meados de 2006, a Conta DO nº ... apresentou algumas vezes, por períodos curtos, saldos negativos por falta de aprovisionamento (12º).</font>
</p><p><font>25 - O Banco sempre remeteu, posteriormente a 2007, aos titulares da antes referida conta, com a regularidade convencionada, os respectivos extractos informativos desta conta (13º).</font>
</p><p><font>26 - Dos mesmos extractos constaram sempre todos os movimentos efectuados na mesma conta e, ainda, a informação concreta quanto aos movimentos aprazados para o mês seguinte e, bem assim, os respectivos montantes, justificativos e respectivos beneficiários (14º).</font>
</p><p><font>27 – O A. e a (ora) sua falecida esposa poder-se-iam ter apercebido desse facto (de que os prémios do seguro Vida não estavam a ser descontados mensalmente na mesma conta) se examinassem com cuidado e atenção os mesmos extractos (16º).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B – Vejamos o direito:</font>
</p><p><font>É dado assente que, durante 48 meses, o A. e sua falecida esposa asseguraram a liquidação das mensalidades relativas ao prémio do contrato de seguro de vida, por débito directo na conta que lhe estava associada e de que eram titulares no R. Banco. Este procedeu, no entanto, ao cancelamento desse mesmo débito directo no mês de Maio de 2007 e a partir dessa data (1.05.2007) não foram pagas as mensalidades relativas ao aludido prémio. </font>
</p><p><font>Alegou a Ré (mas não provou) que, em virtude dessa falta de pagamento, procedeu, então, ao cancelamento do contrato.</font>
</p><p><font>Tal como se referenciou mais atrás, na revista, suscita-se como uma única questão a apreciar, a da validade ou invalidade do contrato de seguro de vida discutido na causa, passe embora, a resolução alegada pela Recorrente.</font>
</p><p><font>Como, também, já se deixou mencionado, a partir da factualidade descrita e ponderando o direito aplicável, as instâncias divergiram na resposta a essa questão, por obra, sobretudo, da diversa apreciação que fizeram recair sobre o clausulado relativo à falta de pagamento do prémio do contrato de seguro firmado e seu impacto sobre a resolução deste. </font>
</p><p><font>Desde já se adianta, porém, que temos por mais acertada a solução que foi encontrada e sustentada no acórdão recorrido que podia muito bem merecer a nossa mera adesão. Em consequência, limitar-nos-emos a repisar alguns aspectos ou a salientar outros do regime jurídico da espécie contratual envolvida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B1 - O contrato de seguros pode definir--se como aquele pelo qual uma pessoa singular ou colectiva (tomador de seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se aquela ao o pagamento de determinada contrapartida (prémio) e esta a efectuar determinada prestação pecuniária, em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro) (Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 684).</font>
</p><p><font>Configura-se tal contrato por norma como contrato de adesão, dada a circunstância de suas cláusulas serem prévia e unilateralmente elaboradas e subscritas sem prévia negociação individual, integrando documento escrito que lhe confere forma – apólice – onde se define o objecto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segurada e o prémio ajustado.</font>
</p><p><font>No vertente caso, estamos perante um contrato que se insere no ramo vida pois constitui sua finalidade a cobertura de riscos relativos à invalidez e à vida do respectivo segurado (artº123º do RGAS) que, como vem aceite, se regula pelas estipulações da respectiva apólice, não proibidas pela lei e na sua falta e insuficiência pelas disposições do Código Comercial (artº427º).</font>
</p><p><font>E, não obstante se afirmar que foi celebrado pela falecida e pelo A., trata-se de um seguro de grupo, celebrado entre o CC e a Ré ao qual aderiram aqueles, como ressalta dos factos apurados.</font>
</p><p><font>Entende-se o seguro de grupo como aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo e interesse comum (José Vasques, Contrato de Seguro, 48) que, aqui, se materializou na obtenção de crédito hipotecário junto do mesmo tomador.</font>
</p><p><font>Na verdade, insere-se ele, no caso em presença, num complexo de relações contratuais, desenhado no quadro do regime legal do crédito à habitação própria constante do DL nº349/98 de 11.11, sucessivamente alterado, em cujo artº23º se dispunha que “ </font><i><font>os empréstimos serão garantidos por hipoteca da habitação adquirida… (nº1). Em reforço da garantia prevista no número anterior poderá ser constituído seguro de vida, do mutuário e do cônjuge, de valor não inferior ao montante do empréstimo…”</font></i><font> (nº2), assim se generalizando a associação à concessão de crédito à habitação da garantia da hipoteca do imóvel e do seguro de vida do mutuário (ou do mutuário e seu cônjuge), de valor não inferior ao montante do empréstimo.</font>
</p><p><font>Trata-se de seguro de grupo contributivo em que os mutuários daquele crédito são o grupo segurável (ligados entre si e ao tomador por esse vínculo e interesse comum), constituindo o leque de pessoas seguras, cujo risco de vida, saúde ou integridade física foi aceite pela seguradora após a adesão de cada uma delas ao seguro de grupo mediante a contribuição no todo ou em parte do respectivo prémio e o Banco, concessionário daquele mesmo crédito é, simultaneamente, tomador do seguro (responsável pelo pagamento do prémio) e seu beneficiário irrevogável, “até ao limite do capital seguro, do montante em dívida…revertendo para ele a prestação debitória da seguradora decorrente do contrato – do eventual excesso do capital seguro sobre o montante devido ao banco serão beneficiários, na falta de designação expressa, os herdeiros da pessoa segura em caso de morte…” (Calvão da Silva, Apólice Vida Risco…, RLJ, nº3942, ano 136º, pág. 158 e ss e artº1º, al b), g) h) e 4º do DL 176/95 de 26.07).</font>
</p><p><font>Como escreve este mesmo Autor na citada Revista, pág 161, “ a instituição de crédito celebra um seguro de grupo com a seguradora – normalmente, a ou uma seguradora que integra o mesmo conglomerado financeiro – e quando concede um empréstimo “pede” ao mutuário que declare a sua adesão a esse seguro de grupo a fim de se precaver contra o risco de morte ou invalidez do seu cliente e garantir o reembolso do crédito, melhor, do saldo (capital, juros e outros encargos)”.</font>
</p><p><font>Em suma, estamos perante um negócio jurídico em que o tomador do seguro contrata em nome próprio, mas no interesse de um terceiro, sendo porém claro que a finalidade prosseguida pelo tomador do seguro, ao realizar o seguro de grupo, é a de assegurar a restituição da importância emprestada perante a verificação de um sinistro que prejudique o normal cumprimento das obrigações dos mutuários, com a vantagem que para estes sobra de se verem protegidos perante a ocorrência do infortúnio garantido: mormente nas situações em que é subscrito para preencher as condições de concessão de crédito para habitação, com o seguro de vida previne-se o risco de ocorrência de um acontecimento – a morte ou a invalidez absoluta e definitiva – que lhes não permita ou dificulte o pagamento das prestações do crédito contraído.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B2 – Feito o recorte do quadro jurídico em que se move o vertente caso, a ele remontando, importa determinar que para a Recorrente, em clara divergência com o acórdão recorrido nesse ponto, o dissídio, ora, já só se resume à interpretação do teor da cláusula contratual onde os contraentes acertaram que “</font><i><font>o não pagamento dos prémios, nos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias concedidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Segundo ela, estaríamos nesse clausulado perante uma declaração resolutiva expressa que dispensava quaisquer outras formalidades ou comunicações posteriores, mormente, de natureza e sentido admonitório ou seja, de efeito automático logo que se vencesse o prazo para pagamento dos prémios em dívida.</font>
</p><p><font>Constitui jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal que a interpretação das declarações negociais constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias quando apenas se trata de determinar a vontade real dos declarantes mas já constitui matéria de direito quando a determinação daquela mesma vontade tiver de ser efectuada segundo um critério legal, normativo, isto é, tiver de fixar-se o sentido juridicamente relevante da declaração, à luz do disposto nos artº236º e 238º do CC, uma vez que, então, não se trata de fixar apenas factos, antes deve o tribunal apreciar se esse critério foi correctamente entendido e seguido pelas instâncias – cfr, vg Ac STJ de 29.04.1993, 21.09.1995, in CJ, Acórdãos STJ, I, t2, 73 e III, t3, 15; de 12.01.99 e 26.11.1992, in base de dados do ITIJ; na doutrina, cfr vg, Vaz Serra, RLJ, 113º, 42 e Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4ª ed, 446.</font>
</p><p><font>Pela interpretação, chega-se ao sentido e alcance das declarações que integram o negócio jurídico e daí que tal actividade não deva ficar ao alcance do senso empírico de cada intérprete, devendo pautar-se por regras cuja formulação constitui a hermenêutica negocial (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito, 1976,418). Sendo uma actividade que interfere e é objecto de outros ramos do conhecimento, o legislador sem negar o respectivo contributo, não abdica de lhe “aprontar directrizes úteis” (Menezes Cordeiro, Tratado…,I, Parte Geral, t1, 469), entendendo-se que a lei civil, nesse domínio (artº236º,1 do CC), acolheu a chamada teoria da impressão do destinatário.</font>
</p><p><font>Segundo esta teoria, a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário normal, isto é, razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, assim se procurando, num conflito entre o interesse do declarante no sentido que atribui à sua declaração e o interesse do declaratário no sentido que podia, razoavelmente, atribuir a esta que se julga merecedor de maior protecção, não só porque era mais fácil ao declarante evitar uma declaração não coincidente com a sua vontade do que ao declaratário aperceber-se da vontade real do declarante ( cfr Ac STJ de 30.11.1994, acima referenciado). E só assim não será, se nos termos do nº2 do último normativo citado, o declaratário conhecer a vontade real do declarante, pois será de acordo com ela que vale a declaração emitida; ou se, perante negócio formal, essa interpretação não tenha um mínimo de correspondência no texto mesmo que imperfeitamente expresso (nº1 do cita | [0 0 0 ... 0 0 0] |
BDKqu4YBgYBz1XKvzCsu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><font> (1)</font><font>:</font><br>
<br>
<font>O Ministério Público propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra o</font><b><font> AA- </font></b><font>“Banco S... C... Portugal, SA”, pedindo que, na sua procedência, na parte que ainda interessa considerar com vista à decisão desta revista, seja declarada a nulidade da cláusula sétima, nºs 3, c), 4 e 5, das Condições Gerais do Contrato de Aluguer de Veículo sem Condutor, sob a epígrafe “Responsabilidade, Risco e Seguro”, que estipula o seguinte: “3. Em caso de sinistro que tenha como consequência a perda total ou parcial do bem locado, o locatário obriga-se a: c) Em caso de perda total, após peritagem e decisão da seguradora, ou em caso de furto ou roubo, o contrato será considerado extinto por caducidade; 4. Verificada a caducidade, o locatário pagará ao locador o montante dos alugueres vincendos e o valor da opção de compra, actualizado com a taxa de juro referida na cláusula quinta, adicionado ao montante das rendas vencidas e não pagas;</font><i><font> </font></i><font>5. Qualquer atraso, ainda que parcial, no pagamento da indemnização referida no número anterior, acarretará o vencimento dos juros de mora à taxa referida na cláusula décima terceira" [a], condenando-se a ré a abster-se de utilizar a referida cláusula, em todos os contratos que no futuro venha a celebrar com os seus clientes, especificando-se o âmbito de tal proibição [b],</font><b><font> </font></b><font>a dar publicidade a tal proibição e a comprová-la nos autos, em prazo a determinar, sugerindo que tal seja efectuado em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem, editados em Lisboa e no Porto, durante dois dias consecutivos, em tamanho não inferior a ¼ de página [c], dando-se cumprimento ao disposto no artigo 34º, do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria 1093/95, de 6 de Setembro, invocando, para o efeito, e, em síntese, no que releva para a matéria do recurso, que os contratos em apreço são contratos de adesão, sujeitos ao regime das «Cláusulas Contratuais Gerais», mas que são ilegais vários pontos de determinadas cláusulas, nomeadamente, ao “afirmar-se que em caso de perda total ou parcial ou sinistro, o locatário terá de pagar, quer as rendas vencidas, quer as vincendas e o valor da compra e encargos”, por tal violar o artigo 1044°, e ao “fazer correr por conta do locatário o risco de perda e defeito de funcionamento”, por desrespeito ao disposto no artigo 1032°, ambos do Código Civil.</font><br>
<font>Na contestação, o réu conclui no sentido da improcedência da acção, alegando, em resumo, sobre a matéria aqui em questão, que os contratos em apreço devem ser analisados na perspectiva da locação financeira e não da locação civil, por existirem maiores semelhanças com aquela do que com esta. </font><br>
<font>No que toca à distribuição do risco, a ré refere que as aludidas cláusulas não assumem a natureza de cláusula penal, não tendo de observar o regime da locação, sendo certo que o convencionado mais não é do que uma forma de distribuir o risco, fazendo-o recair sobre o locatário, para o responsabilizar pelo bem, cabendo a este, aliás, o direito de receber o valor da indemnização a ser paga pelo seguro.</font><br>
<font>Decidindo sob a forma de saneador-sentença, o Tribunal de 1ª instância julgou a acção improcedente, neste particular, não declarando a nulidade da cláusula sétima, nºs 3, c), 4 e 5, das Condições Gerais do Contrato de Aluguer de Veículo sem Condutor.</font><br>
<font>Deste saneador-sentença, o autor interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou, na parte recorrida, aquela decisão, declarando a nulidade da cláusula 7.ª, n.ºs 3, c), 4 e 5 das Condições Gerais do Contrato de Aluguer de Veículo sem Condutor, condenando a ré a abster-se de utilizar a referida cláusula e com a extensão indicada nos contratos que, actualmente e no futuro, venha celebrar com os clientes, bem assim como a publicitar tal proibição, nos mesmos termos determinados na decisão de 1.ª instância, com comunicação ao Gabinete de Direito Europeu.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Lisboa, interpôs agora a ré recurso de revista, terminando as alegações no sentido da sua revogação, mantendo-se, integralmente, a decisão da 1ª instância, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font><br>
<font>1ª – Deve ser concedida a revista, e revogar-se o acórdão recorrido, concluindo pela validade da cláusula 7.a, n.°s 3, c), n.° 4 e n.° 5, das Condições Gerais do Contrato de Aluguer de Veículo Sem Condutor, pelos seguintes fundamentos:</font><br>
<font>A) Como resulta provado, o recorrente, é uma instituição de crédito, mais concretamente um banco, que tem por objecto social [entre outros] a “Realização de operações bancárias e financeiras e a prestação de serviços conexos", e, ainda, “Operações de crédito, incluindo a concessão de garantias e outros compromissos, locação financeira e factoring” e a "Locação de bens móveis, nos termos permitidos às sociedades de locação financeira."</font><i><font> </font></i><font>(art.°s 2.°, 3.° e ai. b) e q), do n.° 1, art.° 4.°, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - RGICSF);</font><br>
<font>B) No âmbito da sua actividade celebra com os seus clientes contratos de locação de bens móveis (iguais aos dos autos), tal como definido no artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 72/95, de 15 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 285/2001, de 03 de Novembro;</font><br>
<font>C) E, através de tais contratos, é objectivo único do ora recorrente, assegurar aos respectivos clientes, a compra de veículo próprio, através do modelo contratual seguinte: a) - Existência de acordo de transferência de propriedade no final do prazo da locação; b) - O prazo da locação abranja a maior parte da vida útil do veículo; c) - À data do início da locação, o valor presente da totalidade dos pagamentos a efectuar seja igual ou superior ao justo valor do veículo; e d) - Os veículos locados sejam escolhidos directamente pelo próprio cliente, sendo o veículo adquirido pelo ora recorrente exclusivamente em função e razão da escolha feita pelo cliente/locatário;</font><br>
<font>D) Os referidos contratos contêm normas, designadamente, as cláusulas 8.a, n.° 3, e 9.a, n.° 5, que estipulam que no final do contrato o locatário poderá adquirir o bem pelo preço fixado no contrato promessa subjacente ao presente contrato;</font><br>
<font>E) A expectativa de aquisição da propriedade do veículo no termo do contrato de locação, decorrente da celebração entre as partes do contrato de promessa de compra e venda, a ele subjacente, estabelece uma afinidade substancial e similitude com o regime jurídico da locação financeira, pelo que a ele lhe deve ser aplicado o regime legal nele contido;</font><br>
<font>F) Nos termos do regime jurídico do contrato de locação financeira, plasmado no Decreto-Lei n° 149/95, de 24 de Junho, o risco da perda do bem locado corre por conta do locatário - art.° 15.°;</font><br>
<font>G) A cláusula sétima n.° 3, alínea c) e n.° 4 e 5, do contrato dos autos, na medida em que reproduzem o regime jurídico da locação financeira, não é abusiva nem ofensiva da lei, uma vez que a liberdade contratual o permite sem ser ofensivo da boa fé, como ainda resulta do regime legal aplicável, analogicamente, ao contrato dos autos;</font><br>
<font>H) Não configura a mesma qualquer cláusula penal, até porque esta pressupõe um incumprimento, e a situação em apreço prende-se com a caducidade do contrato em virtude da perda total, roubo ou furto;</font><br>
<font>I) Não é a mesma «manifestamente desproporcionada face aos danos a ressarcir», por três ordens de razões:</font><br>
<font>(i) "O locatário, embora tendo de pagar as rendas vencidas e o valor de compra, recebe a indemnização do seguro;</font><br>
<font>(ii) Sendo o locatário quem detém a posse do objecto locado, tal torna impossível à locadora prevenir o risco de furto, roubo ou perda;</font><br>
<font>(iii) Por fim, o prejuízo que advém para a locadora em caso de caducidade é maior que para o locatário, pois este teve apenas de pagar o valor mensal até esse momento, e a locadora teve de efectuar o pagamento total do objecto do contrato, logo no inicio deste, e o modo de recuperar as verbas investidas é por via das rendas que se vencem ao longo do contrato." (Ac. Rel. Lisboa de 15-01-2009, in </font><u><font>www.dqsi.pt</font></u><font>).</font><br>
<font>J) Não há violação do artigo 21.°, alínea f) do DL 446/85, de 25 de Outubro, em virtude do regime jurídico do contrato dos autos, em matéria de distribuição do risco, não se subsumir ao disposto no artigo 1044.°, do Código Civil.</font><br>
<font>K) O douto acórdão recorrido, salvo o muito e devido respeito, fez errada interpretação e aplicação da lei, violando por isso, entre outros, o disposto no artigo 405.°, do Código Civil e artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 149/95, de 24 Junho.</font><br>
<font>Nas suas contra-alegações, o autor conclui no sentido de que deve ser negada a revista, porquanto se trata de uma cláusula absolutamente proibida, cuja nulidade tem de ser declarada.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-se, porém, dois novos factos suplementares, sob os nºs 9 e 10, com base no teor do documento de folhas 25 a 30 e bem assim como no disposto pelos artigos 373º, nº 1 e 376º, nº 1, do Código Civil, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:</font><br>
<font>1. O réu é uma instituição de crédito que tem por objecto social a realização de operações bancárias e financeiras e a prestação de serviços conexos;</font><br>
<font>2. No exercício da sua actividade, o réu celebra com os seus clientes contratos intitulados de "contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor", em termos que constam de folhas 25 a 30 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido;</font><br>
<font>3. O clausulado contém várias páginas impressas, e apenas a primeira contém espaços em branco, destinados à identificação dos locatários, à identificação do bem, local de entrega, restituição do bem, prazo do contrato, data de início e data de termo, valor dos alugueres e das retribuições, valor do penhor, número de pagamentos a efectuar e respectiva periodicidade, modalidade de pagamento, com identificação da conta bancária onde deve ser efectuado o débito automático, garantias do contrato, seguro e valor dado em penhor;</font><br>
<font>4. Todas as cláusulas das demais páginas estão, previamente, elaboradas e os locatários limitam-se a aceitá-las;</font><br>
<font>5. A cláusula sétima n° 3, c) e n.°s 4 e 5, sob a epígrafe de "responsabilidade, risco e seguro", estatui o seguinte: </font><br>
<font>“3. Em caso de sinistro que tenha como consequência a perda total ou parcial do bem locado, o locatário obriga-se a: </font><br>
<font>c) Em caso de perda total, após peritagem e decisão da seguradora, ou em caso de furto ou roubo, o contrato será considerado extinto por caducidade. </font><br>
<font>4. Verificada a caducidade o locatário pagará ao locador o montante dos alugueres vincendos e do valor de opção de compra, actualizado com a taxa de juro referida na cláusula quinta, adicionado ao montante das rendas vencidas e não pagas. </font><br>
<font>5. Qualquer atraso, ainda que parcial, no pagamento da indemnização referida no número anterior, acarretará o vencimento dos juros de mora à taxa referida na cláusula décima terceira".</font><br>
<font>7. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os riscos de perda, deterioração, defeito de funcionamento e imobilização correm por conta do locatário, em tais casos este responderá perante a locadora apenas no âmbito e dos limites do valor do seguro previsto, a menos que tenha celebrado tal seguro ou o mesmo não se encontre em vigor, por motivo que lhe seja imputável, caso em que o locatário responderá pela totalidade do valor em causa”.</font><br>
<font>6. A cláusula oitava, sob epígrafe de “resolução e denúncia”, preceitua, nos seus números 3, 4 e 5, o seguinte:</font><br>
<font>“3. A resolução por incumprimento não exime o locatário da restituição do bem e do pagamento de quaisquer dívidas vencidas para com a locadora, do pagamento da reparação de danos que o veículo apresente da responsabilidade do locatário e ainda, de uma indemnização por lucros cessantes correspondentes a 25% do somatório dos alugueres vincendos e do valor relativo ao preço de compra mencionado no número um do contrato de promessa de compra e venda subjacente ao presente contrato.</font><br>
<font>4. Ao locatário é expressamente facultado o direito de denunciar o presente contrato, a partir de um período inicial de vigência de seis meses, operando essa denúncia os seus efeitos à data da restituição do veículo na sede da locadora ou noutro local convencionado pelas partes, data essa de que a locadora deverá ser informada pelo locatário, por carta registada com aviso de recepção expedida com, pelo menos, trinta dias de antecedência. Em caso de prazo contratual inferior a um ano esse prazo de aviso prévio será de apenas 15 dias.</font><br>
<font>5. À denúncia praticada nos termos no número anterior é aplicável o regime previsto no número três desta cláusula devendo o montante apurado ser liquidado pelo locatário à locadora, no acto de restituição do veículo sob pena de ineficácia de denúncia”.</font><br>
<font>7. A cláusula nona, n.º 3, sob a epígrafe de “Termo de Contrato”, preceitua o seguinte:</font><br>
<font>“3. Em caso de resolução do presente contrato, e a verificar-se a não restituição do veículo e dos respectivos documentos que o acompanham, o locatário será considerado possuidor de má fé e as penas de furto ser-lhe-ão impostas se alienar, onerar, modificar, destruir ou desencaminhar o referido bem, sem autorização escrita do AA-Banco S... C... Portugal SA”.</font><br>
<font>8. A cláusula décima quinta, n.º2, sob a epígrafe de “despesas e encargos”, preceitua o seguinte:</font><br>
<font>“2. Decorrem, igualmente, por conta do locatário e serão por ele pagas quaisquer despesas ou encargos resultantes da execução do presente contrato que o AA-Banco S... C... Portugal SA faça para garantir a cobrança dos seus créditos e restituição do veículo de sua propriedade, incluindo as judiciais, extrajudiciais, honorários de advogado e solicitador, bem como a subcontratação de serviços a terceiras entidades, as quais a título de cláusula penal se fixam desde já em 12,5% (doze e meio por cento) sobre o valor em dívida”.</font><br>
<font>9. A cláusula nona, n.º 5, sob a epígrafe de “Termo de Contrato”, preceitua o seguinte:</font><br>
<font>“5. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, no termo do presente contrato de aluguer, o locatário poderá adquirir o bem pelo preço fixado no Contrato Promessa de Compra e Venda, subjacente ao presente contrato, acrescido dos encargos e impostos que lhe forem devidos, e desde que não se encontre vencida e não paga qualquer quantia que seja devida ao locador por via do presente contrato de aluguer”.</font><br>
<font>10. A cláusula décima-quarta, n.º 1, sob a epígrafe de “Coligação de Contratos”, preceitua o seguinte:</font><br>
<font>“1. Quaisquer contratos celebrados entre o AA-BANCO S... C... PORTUGAL.SA e o LOCATÁRIO anterior ou posteriormente à assinatura do presente contrato, consideram-se automaticamente celebrados em coligação com este, passando a verificar-se uma estreita e efectiva interdependência entre todos e cada um dos contratos coligados nos termos abaixo indicados.</font><br>
<font>4. A coligação de contratos convencionada nos termos dos números anteriores não prejudica a individualidade própria de cada um dos contratos singulares, mantendo-se o regime legal e convencional que lhes são específicos, nomeadamente quanto ao início e termo da sua vigência.</font><br>
<font>5. Os contraentes reconhecem, de forma inequívoca, o seu interesse mútuo em estabelecer a coligação dos contratos entre eles celebrados, a qual se justifica pela conexão entre bens e serviços envolvidos”.</font><br>
<br>
<font> *</font><br>
<br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão do regime jurídico aplicável ao contrato de aluguer de longa duração.</font><br>
<font>II – As consequências da definição do regime jurídico aplicável, em relação à validade da cláusula contratual de distribuição do risco.</font><br>
<br>
<font> I. DO CONTRATO DE AUGUER DE LONGA DURAÇÃO</font><br>
<br>
<font>I. 1. A questão essencial coloca-se em determinar qual o regime jurídico aplicável aos contratos de aluguer de veículo sem condutor inseridos em operações de financiamento, nos quais se preveja a possibilidade da transferência da propriedade do bem para o locatário, aquando do respectivo termo, mediante a celebração de promessa de compra e venda, sem que as partes tenham determinado ou tornado determinável o preço residual, se, analogicamente, o regime jurídico da locação financeira, tal como foi decidido pelo Tribunal de 1ª instância e o réu sustenta nas suas alegações de revista, ou o regime geral do contrato de locação civil, conforme o entendimento do acórdão recorrido ou, finalmente, outro regime, designadamente, o contrato indirecto, o negócio misto ou a figura da coligação contratual revestida pelo contrato de concessão de crédito.</font><br>
<font>Efectuando uma síntese do essencial relevante com vista à decisão das duas questões pertinentes abarcadas na presente revista, importa registar que, no exercício da sua actividade, que tem por objecto social a realização de operações bancárias e financeiras e a prestação de serviços conexos, o réu celebra com os seus clientes, contratos intitulados de "contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor", em cujo protótipo da respectiva minuta, todas as várias páginas impressas contêm cláusulas, previamente, elaboradas que os potenciais locatários se limitam a aceitar, pois que apenas a primeira apresenta espaços em branco, destinados à identificação dos referidos locatários, à identificação, local de entrega e restituição do bem, data de início e termo do contrato, valor dos alugueres, das retribuições e do penhor, número, periodicidade e modalidade dos pagamentos, com identificação da conta bancária onde deve ser efectuado o débito automático, garantias do contrato, seguro e valor dado em penhor.</font><br>
<font>Efectivamente, o aludido "contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor" contempla a opção de compra pelo locatário, pelo valor relativo ao preço mencionado no contrato de promessa de compra e venda subjacente ao mesmo.</font><br>
<font>Por outro lado, na cláusula em apreço, sob a epígrafe de "responsabilidade, risco e seguro", estatui-se que “os riscos de perda, deterioração, defeito de funcionamento e imobilização correm por conta do locatário, em tais casos este responderá perante a locadora apenas no âmbito dos limites do valor do seguro previsto, a menos que tenha celebrado tal seguro ou o mesmo não se encontre em vigor, por motivo que lhe seja imputável, caso em que o locatário responderá pela totalidade do valor em causa”.</font><br>
<font>Defende o réu, na esteira do decidido pela sentença proferida em 1ª instância, que o negócio jurídico celebrado pelas partes se configura como um contrato de locação financeira.</font><br>
<font>I. 2. O contrato de locação financeira é um contrato, a médio ou a longo prazo, destinado a «financiar» alguém, não através da prestação de uma quantia em dinheiro, mas mediante o uso de um bem, tendo subjacente a intenção de proporcionar ao «locatário», não tanto a propriedade de determinados bens, mas antes a sua posse e utilização, para certos fins</font><font> (2)</font><font>.</font><br>
<font>Na figura do contrato de locação financeira com amortização integral [full-pay-out leasing], que a ordem jurídica nacional institucionalizou, prevêem-se pagamentos do utente, calculados de modo a cobrir a totalidade dos desembolsos do locador, bem como a margem de lucro deste, contendo ainda, ou uma cláusula de devolução do bem ao locador, terminado o contrato, ou a faculdade de prorrogação da compra do bem, em benefício do locatário, neste caso, mediante o pagamento de um preço residual, mais ou menos simbólico</font><font> (3)</font><font>.</font><br>
<font>São elementos, essencialmente, constitutivos do contrato de locação financeira, como decorre da conceitualização estabelecida pelo artigo 1º, do DL nº 149/95, de 24 de Junho</font><font> (4)</font><font>, a cedência, pelo locador, do gozo temporário de uma coisa [1], a obrigação do locador adquirir ao fornecedor a coisa imóvel ou móvel, por indicação do locatário, mediante celebração do contrato de compra e venda [2], a obrigação do locatário pagar ao locador uma renda, que funciona, simultaneamente, como retribuição correspondente pelo serviço financeiro e amortização do financiamento prestado [3] e o direito do locatário comprar, total ou parcialmente, a coisa, pelo respectivo preço residual, no termo do contrato [4].</font><br>
<font>O protótipo do denominado contrato de aluguer do uso de veículo automóvel de longa duração (ALD), concebido pela ré, e que tinha como destinatários potenciais consumidores indiferenciados, de natureza especial, tem por objecto a cedência do gozo temporário de coisa móvel, mediante retribuição, e constituiria uma das modalidades do contrato de locação, designada por aluguer, sendo regulado pelas normas do Código Civil (CC) que regem o contrato de aluguer e pelas respectivas cláusulas contratuais nele insertas que não contendam com qualquer normativo de natureza imperativa, atento o preceituado pelos artigos 16º e seguintes, do DL nº 354/86, de 23 de Outubro, e 1022º e seguintes, do CC</font><font>(5)</font><font>.</font><br>
<font>O contrato de ALD seria, assim, para esta corrente doutrinária, com forte expressão jurisprudencial, em que se entronca o acórdão recorrido, um subtipo do contrato de aluguer e, consequentemente, do contrato de locação, revestido de particularidades especiais.</font><br>
<font>I. 3. Porém, diferentemente, o designado contrato de ALD tem sido configurado como um contrato atípico ou inominado, desprovido de estrita natureza locatícia e, por isso, sem se encontrar, directamente, sujeito ao regime consagrado pelo artigo 1022º e seguintes, do CC.</font><br>
<font>Assim, o contrato de ALD de automóveis novos seria um contrato indirecto, em que o tipo de referência é o aluguer, e o fim indirecto é o da venda a prestações com reserva de propriedade, um verdadeiro contrato misto, em que o fim indirecto prosseguido pelos contraentes é alcançado, através da conjugação de estipulações típicas dos contratos de aluguer e da venda a prestações com reserva de propriedade</font><font> (6)</font><font>, podendo conter uma promessa, bilateral ou unilateral, de venda ou até uma proposta irrevogável de venda inserida na própria locação</font><font>(7)</font><font>, ou configurar-se como uma simples relação bilateral, sem qualquer intermediação financeira especializada</font><font> (8)</font><font>, sob a forma de uma locação acoplada a uma promessa unilateral de proposta irrevogável de venda</font><font> (9)</font><font>. </font><br>
<font>I. 4. O denominado contrato de ALD seria antes uma pluralidade multilateral de contratos interligados por uma relação de coligação funcional, e não um único contrato, ainda que, teleologicamente, indirecto, consubstanciando um conjunto integrado de negócios distintos, bem diverso da compra e venda a prestações, que não ultrapassa a fronteira de uma simples e linear relação de contrato bilateral.</font><br>
<font>Tratar-se-ia de uma coligação funcional de três tipos contratuais distintos que constituem o seu esqueleto estrutural, ou seja, de um contrato de aluguer de longa duração, donde deriva, por metonímia, a sigla ALD, de um contrato de compra e venda a prestações e de um contrato promessa de compra e venda do bem alugado</font><font> (10)</font><font>.</font><br>
<font>Este triângulo contratual existente no ALD ocorreria entre o locador que se obriga a adquirir o bem a terceiro, sob indicação do locatário, para depois lhe proporcionar o gozo, o locatário carecido da coisa e o terceiro vendedor ou fornecedor da mesma.</font><br>
<font>Esta pluralidade contratual, de natureza triangular, afasta, desde logo, a recondução do ALD à categoria dogmática do negócio misto</font><font> (11).</font><font> e à do contrato indirecto</font><font> (12)</font><font>. </font><br>
<font>Há, porém, identidades entre o ALD e o contrato de locação financeira, desde logo, na obrigação, a cargo do locador, de adquirir o bem a terceiro, sob proposta do locatário, para depois lhe proporcionar o respectivo gozo temporário, em segundo lugar, a faculdade do locatário exigir ao locador, em certas circunstâncias, a celebração do contrato de compra e venda que opere a transferência do direito de propriedade sobre o bem locado e, finalmente, as rendas devidas pelo locatário, acrescidas dos juros remuneradores da intermediação financiadora, em que, afinal, se traduz a intervenção do locador, o correspondente lucro financeiro, que não são a simples contrapartida do valor do uso do bem locado, mas, antes, representam uma antecipação do pagamento do preço, tendo em vista a sua aquisição futura pelo locatário, constituindo a execução parcelar da obrigação de reembolso dos fundos adiantados pelo locador na sua aquisição, caso queira optar pela compra do bem, findo o período da locação.</font><br>
<font>Contudo, diversamente do que acontece no contrato de locação financeira, no ALD, o locatário não se torna, automaticamente, proprietário do bem locado, mas tal acontece, apenas, na hipótese de o pretender, atento o disposto pelos artigos 2º, nº 1, a), 3º, a), parte final, e 9º, nºs 1 e 5, do DL nº 359/91, de 21 de Setembro.</font><br>
<font>No termo do prazo do contrato, o bem encontra-se, integralmente, pago, pelo que o locatário tem todo o interesse na sua aquisição, procedendo-se à venda depois de manifestar essa vontade ao locador, pois só, então, se transfere a propriedade do bem, por um preço pré-determinado, em regra, equivalente ao valor do objecto à data do aluguer de longa duração</font><font> (13)</font><font>.</font><br>
<font>Assim sendo, o designado contrato de ALD, pese embora a componente funcional-económica de fruição temporária do bem locado que regista, não é, de modo algum, um contrato «a se», assimilável à mera locação do direito civil, isto porque o preço da renda pode visar a amortização do preço do bem de que o consumidor goza da faculdade de comprar, esgotado o prazo por que vigora o contrato, se tiver sido estabelecida opção de compra ou celebrado contrato promessa de compra e venda, ainda que unilateral</font><font> (14)</font><b><font>, </font></b><font>sendo certo, como já se disse, que do que se trata, não é de retribuir o locador pela concessão temporária do gozo da coisa locada, mas antes de o reembolsar da quantia que adiantou na sua aquisição, acrescida dos juros remuneradores da intermediação financiadora em que, afinal, se traduz a sua intervenção</font><font>(15) </font><font>.</font><br>
<font>Porém, tendo sido convencionada a opção de compra e, aliás, celebrado contrato promessa de compra e venda bilateral, como sucede no caso em apreço, nem, por isso, se estará, sem mais, apesar da relação de afinidade existente, perante um contrato de locação financeira, pese embora, no plano funcional dos interesses, possa constituir uma operação de natureza similar ou com resultados económicos equivalentes.</font><br>
<font>A aludida coligação funcional dos três tipos contratuais distintos, isto é, de um contrato de aluguer de longa duração, de um contrato de compra e venda a prestações e de um contrato promessa de compra e venda do bem alugado, em que se consubstancia o ALD, é subsumível à matriz do contrato de mandato sem representação, a que se reporta o artigo 1180º, cujos elementos em que o seu conteúdo típico se desdobra, nele se revêem, igualmente, ou seja, por um lado, na vinculação do mandatário [locador], em nome próprio, mas por conta do mandante [locatário], a adquirir o bem por este, expressamente, escolhido e indicado, transferindo, em seguida, para o mesmo os direitos que haja adquirido na execução do mandato, a propriedade do bem adquirido por sua conta, nos termos do disposto pelo artigo 1181º, nº1, e, por outro lado, no dever do mandante em reembolsar o mandatário das despesas que este haja efectuado no cumprimento do encargo de que fora incumbido com a aquisição do bem, atento o estipulado pelos artigos 1182º e 1167º, c), todos do CC. </font><br>
<font>Numa primeira fase do percurso evolutivo pós-revolução industrial, a concessão de credito ao consumidor apoiou-se, predominantemente, no esquema contratual da compra e venda a prestações, sendo o crédito concedido pelo próprio vendedor, através do diferimento da exigibilidade da obrigação de pagamento do preço para um momento futuro, posterior ao imediato cumprimento do dever de entrega da coisa.</font><br>
<font>Afinal, trata-se da única semelhança que existe entre o contrato da compra e venda a prestações e o ALD, ou seja, em ambos os casos, existe uma obrigação pecuniária de execução fraccionada, no primeiro, de pagamento do preço, e, no segundo, de reembolso dos fundos adiantados pelo locador.</font><br>
<font>E, para que de um contrato de concessão de crédito se possa falar, importa que se trate de um instrumento técnico-jurídico capaz de permitir que alguém conceda, temporariamente, a outrem o poder de compra de que este não dispõe.</font><br>
<font>Deste modo, o ALD seria um contrato de concessão de crédito ao consumo, em que a concessão de crédito se opera, não mediante o empréstimo de dinheiro, mas antes através do fraccionamento e inerente deferimento da execução da obrigação de o mandante [o locatário] reembolsar o mandatário [o locador] da despesa efectuada na aquisição do bem objecto do contrato</font><font> (16)</font><font>.</font><br>
<font>Assim, seria aplicável ao ALD o regime de concessão de crédito ao consumo, definido pelo artigo 2º, nº 1, a), do DL nº 359/91, 21 de Setembro, com as alterações subsequentes dos DL’s nºs 101/2000, de 2 de Junho, 82/2006, de 3 de Maio e 133/2009, de 2 de Junho [RJCC].</font><br>
<br>
<font>II. DA INCIDÊNCIA DO REGIME APLICÁVEL AO ALD NA CLÁUSULA DE DISTRIBUIÇÃO DO RISCO</font><br>
<br>
<font>II. 1. Defende ainda o réu que o risco da perda do bem locado corre por conta do locatário, nos termos do regime jurídico do contrato de locação financeira, plasmado no artigo 15º, do DL n° 149/95, de 24 de Junho, inexistindo violação do artigo 21°, f), do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, decorrente do regime jurídico fixado no contrato, em matéria de distribuição do risco.</font><br>
<font>Para além do controlo repressivo, dispõe o artigo 25º, do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, que “as cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15º, 16º, 18º, 19º, 21º e 22º, podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares”, devendo, para o efeito, os Estados-membros providenciar que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para por termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional</font><font> (17)</font><font>.</font><br>
<font>Trata-se do denominado controlo preventivo e abstracto que, a nível nacional, se realiza, através das acções inibitórias, como a presente, e a que alud | [0 0 0 ... 0 0 0] |
BDKsu4YBgYBz1XKvByzp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<font> </font><b><font>I.</font></b><br>
<b><font> Relatório</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, acção ordinária contra</font><br>
<font> BB e mulher, CC,</font><br>
<font>pedindo a sua condenação no pagamento de 35.331,45 € e juros, à taxa legal, desde 02/10/2002 até efectivo e integral pagamento, correspondente a parte do preço devido pela execução de um contrato de empreitada, outorgado com o R., casado com a R., em regime diverso do de separação de bens.</font><br>
<br>
<font> Os RR. contestaram, impugnando parte da factualidade vertida na petição, reconhecendo, no entanto, deverem ao A. 3.242,19 €. Em reconvenção, com fundamento em incumprimento defeituoso da obra, pediram a condenação do A. no pagamento de 9.842,19 €, com juros desde a data da notificação deste articulado até efectivo pagamento e, ainda, na execução das obras necessárias às alegadas anomalias, reconhecendo as falhas ao projecto do contrato, realizando as obras de acordo com o caderno de encargos, fazendo a redução do preço acordado, relativamente às obras de alteração ao projecto, feitas em proveito daquele e, consequentemente, em seu próprio prejuízo.</font><br>
<br>
<font> Seguiram-se os demais articulados, o saneamento e a selecção dos factos e, após a respectiva instrução, foi proferida sentença a julgar a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, com a condenação dos RR. no pagamento ao A. de 5.474,68 € e no que se vier a liquidar, referente ao preço dos trabalhos a mais realizados pelo A., consubstanciados no aumento do pavimento e de azulejos numa das casas de banho, no rebaixamento do chão de garagem, na construção de uma varanda, no fornecimento e colocação de tubos de aquecimento na cave, na construção, na cave, duma lareira em tijolo refractário, na construção de uma chaminé da cave até ao telhado, no fornecimento e colocação de uma tampa de chaminé e no fornecimento e colocação de roupeiros.</font><br>
<font> Mais foi decidido que o pagamento daquelas indicadas quantias ficaria suspenso até o A. proceder à reparação ou eliminação dos defeitos referidos, com condenação dos RR. no pagamento de juros vincendos, à taxa legal, sobre a quantia já liquidada, desde o dia seguinte à eliminação dos defeitos até efectivo pagamento, e desde o dia seguinte à eliminação dos defeitos mencionados até efectivo pagamento.</font><br>
<font> Outrossim foi sentenciada a condenação do A./Reconvindo a, no prazo de dois meses, a partir do trânsito em julgado, proceder à reparação/eliminação dos defeitos seguintes: fissuras nos muros de vedação da moradia, fendas no passeio frontal e lateral ao muro, derivadas do abatimento de terras mal compactadas, cedência do muro lateral que suporta o pavimento da entrada principal e ao rachamento do murete ao lado, por baixo da varanda da entrada principal e falta de aderência da pintura do muro da moradia, na zona do soco.</font><br>
<br>
<font> Inconformado, o A. apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, em consonância com a alteração introduzida na matéria de facto, decidiu dar parcial provimento ao recurso, condenando os RR. a pagarem ao A. a quantia de 22.383,99 €, correspondentes ao I.V.A..</font><br>
<font> Em acórdão aclaratório, provocado pelo Apelante, a Conferência acabou por determinar que “o pagamento correspondente ao IVA, fica submetido ao mesmo regime da quantia ali melhor definida ou seja, o seu pagamento ao Autor só será devido a partir do momento em que se mostrem reparados/eliminados os defeitos verificados na moradia daqueles”.</font><br>
<br>
<font>Ambas as Partes pediram revista do aresto prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto, tendo, para tanto, apresentado as respectivas minutas que fecharam do seguinte modo:</font><br>
<br>
<b><font>A) Do A.:</font></b><br>
<font>1. A existência de defeitos, que eram desconhecidos do dono da obra na sua entrega, torna necessário, para que o empreiteiro os possa eliminar, que os mesmos lhe sejam denunciados.</font><br>
<font>2. Consta da matéria assente, que os RR./Reconvintes passaram a habitar a vivenda, na 2a quinzena de Setembro de 2000, aceitando-a integralmente e sem reservas. </font><br>
<font>3. Pendendo o ónus da prova sobre o A./Reconvindo de o prazo para o exercício da denúncia já ter decorrido, não afasta o ónus que sobre os RR./Reconvintes existe de alegarem e provarem o descobrimento dos defeitos, porque de outra forma, fazer recair o ónus da prova exclusivamente sobre o A./reconvindo é colocá-lo perante uma </font><i><font>probatio diabolis</font></i><font>.</font><br>
<font>4. Para que as instâncias pudessem dar como provada a existência de defeitos e condenar na sua eliminação, era necessário alegar e provar que entre o descobrimento e a denúncia foram cumpridos os prazos de caducidade do artigo 1225º do Código Civil. </font><br>
<font>5. Não existindo prova, nem muito menos alegação nesse sentido, do possível descobrimento dos defeitos, inexiste um requisito essencial para aferir da oportunidade e tempestividade da denúncia operada com a reconvenção. </font><br>
<font>6. Ainda que assim não se entenda e se julgue pela existência do ónus da prova pelo Recorrente, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, sempre se tem de lançar mão do disposto no nº 2 do artigo 1224º do Código Civil que estabelece que, no caso de os defeitos serem desconhecidos pelo dono da obra e esta for por ele aceite, a caducidade conta-se a partir do momento da denúncia, mas aqueles direitos (os conferidos no nº 1 do mesmo preceito) não podem ser exercidos decorridos dois anos sobre a entrega da obra. </font><br>
<font>7. Atente-se a este propósito na 1ª parte do nº 1 do artigo 1225º do Código Civil que refere que, “sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes”, o que nos leva a concluir necessariamente que, naquele caso concreto do artigo 1225ºdo Código Civil, é de aplicar o nº 2 do artigo 1224º do mesmo diploma, que, na sua 2ª parte, prescreve que em caso algum a eliminação pode ser exercida depois de terem decorrido dois anos sobre a entrega da obra, o que é sem margem de dúvida o caso dos presentes autos. </font><br>
<font>8. Não procedendo o entendimento sufragado anteriormente, sempre será de aplicar no caso vertente o instituto do abuso do direito, </font><i><font>cfr</font></i><font>. artigo 334º do Código Civil, para fazer parar a excepção do não cumprimento do contrato, no caso de cumprimento defeituoso, que da forma que é explicitado na sentença, mais parece uma condição suspensiva. </font><br>
<font>9. O principio da boa-fé paralisa a aplicação da </font><i><font>exceptio, </font></i><font>porquanto no caso em concreto, atenta a diminuta relevância dos defeitos a debelar e a (elevada) contraprestação monetária a efectuar, condicionar uma ao efectivo cumprimento da outra é exercer ilegitimamente um direito, por ofensa ao princípio da boa fé, plasmado, entre nós, no artigo 334º do Código Civil., uma vez que não podemos olvidar da insignificância dos defeitos (estranhos à moradia propriamente dita), por referência à moradia edificada. </font><br>
<font>10. Para além do mais, neste preciso contrato, onde existem prazos diferentes para o cumprimento, não faz sentido a</font><i><font> exceptio</font></i><font>, uma vez que a mesma só funciona nos casos em que nada tenha sido estipulado quanto ao prazo, o mesmo que dizer-se, nos contratos de cumprimento instantâneo e não nos de execução continuada, como é o caso dos autos. </font><br>
<font>11. No âmbito da empreitada e existindo o nº 2 do artigo 1211º do Código Civil, que prescreve que, no momento da aceitação da obra, não havendo cláusula ou uso em contrário, é logo devido o preço, ou pelo menos, o seu remanescente, sob pena de o devedor se constituir em mora, será ilegítimo excepcionar o não cumprimento da prestação com a debelação dos defeitos por parte do credor/empreiteiro. </font><br>
<font>12. De tudo resulta, que, quer num caso, quer no outro, são devidos juros, à taxa legal comercial aplicável, desde a interpelação até efectivo e integral pagamento. 13. Ocorreu incorrecta aplicação e interpretação dos comandos legais dos artigos 342°, 1211°, 1218°, 1224° e 1225°, todos do Código Civil, por parte do Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>.</font><br>
<br>
<b><font>B) Dos RR.:</font></b><br>
<font>1. O contrato de empreitada celebrado entre os Recorrentes e o Recorrido estabelecia como única obrigação para os recorrentes, o pagamento da quantia de 23.500.000$00 (117.217,51€), sendo que, de acordo com o artigo 38° do C.I.V.A., o preço indicado pelo ultimo sujeito passivo de I.V.A. (empreiteiro), seja nas facturas, seja no contrato feito com o consumidor final, sendo omisso quanto à incidência do imposto, presume-se já incluir o I.V.A., ou seja, o valor a pagar pelos recorrentes seria (de acordo com o artigo 49° do C.I.V.A.) 21.623.932$00 mais o I.V.A., que para o consumidor final é suportado no preço (como foi), no valor de 3.676.068$00, valor este que pode ou poderia ser exigido pelo Estado ao Recorrido (ultimo sujeito passivo) </font><br>
<font>2. A única maneira de exigir o I.V.A. ao consumidor final é incidir o seu valor no respectivo preço, uma vez que, por norma, este não é sujeito passivo de I.V.A., o que quer dizer que não é exigível ao consumidor final nenhum valor com a designação I.V.A., apesar de ser este a suportá-lo no preço, como, efectivamente, suportou.</font><br>
<font>3. A forma de incidir o I.V.A., no preço ao consumidor final, pode ser uma de duas: I.V.A. incluído ou a acrescer, nos termos dos artigos 36º e 49º do C.I.V.A., sendo que, neste contrato, nada foi dito, pelo que, de acordo com o artigo 38º do C.I.V.A., quando omisso, quanto à incidência do imposto em cada pagamento do preço estipulado, presume-se que os valores indicados, incluem I.V.A., à taxa aplicável (conforme até parecer expresso da Direcção de Finanças, junto aos autos, em requerimento efectuado na audiência de discussão e julgamento na sessão do dia 8 de Novembro). </font><br>
<font>4. A questão no caso em apreço não é uma questão de âmbito fiscal, até porque os Recorrentes não são sujeitos passivos de I.V.A., mas sim meros consumidores finais que contrataram a construção de uma casa de habitação por um valor concreto. </font><br>
<font>5. Sempre convictos que aquele era o valor total da empreitada, até, porque da informação que lhes foi prestada pelo empreiteiro, que mais não foi do que o escrito no contrato, outro entendimento não era de concluir, sendo este uma das principais razões que os levou a contratar. </font><br>
<font>6. O preço é sempre dos principais factores da decisão de contratar, e como deriva da própria Lei, os aqui Recorrentes, enquanto consumidores têm direito a essa informação como está estipulado no nº 1 do artigo 8° da Lei do Consumidor (Lei 24/96, de 31 de Julho), </font><i><font>“</font></i><font>o fornecedor de bens, ou prestador de serviços, deve, tanto nas negociações, como na celebração do contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre, características, composição e preço do bem ou serviço …”, sendo certo que se a informação fosse diversa, nomeadamente, com a menção I.V.A., a acrescer a decisão seria de não contratar. </font><br>
<font>7. Além disso, tendo, Recorrentes e Recorrido, outorgado e assinado o contrato de empreitada, fizeram-no, de acordo com o principio da liberdade contratual, nos termos em que foi exarado e não pode o Recorrido vir a acrescentar seja o que for e de que maneira for, sem o consentimento da outra parte, porque o que estamos aqui a assistir é à obrigação coerciva e unilateral, por parte do Recorrido aos Recorrentes, de pagar uma coisa por um preço que não foi o contratado. </font><br>
<font>8. Os aqui Recorrentes pagaram a empreitada de forma faseada, como acordado e expresso no contrato, em sete prestações, sendo que a soma dessas prestações totaliza o valor total acordado. </font><br>
<font>9. As prestações foram sempre pagas pelos Recorrentes, sem que, em momento algum, fosse, pelo Recorrido, exigido ou sequer alertado para o facto de ter que acrescentar àquele valor o valor do I.V.A.. </font><br>
<font>10. O acórdão da Relação vem alterar a sentença da primeira instância com base num fundamento totalmente em oposição com a decisão, uma vez que a sentença da primeira instância concluía por “nada acordado entre as partes relativamente ao I.V.A.”, e a decisão da Relação, que a altera, baseia-se, principalmente, no depoimento de uma testemunha (com depoimentos contraditórios, como supra se alega) que afirmou isso exactamente em expressões: “A questão do I.V.A. era para verem depois”, “Em virtude da carga fiscal é assim que normalmente se faz, quando as pessoas têm essa possibilidade para obviar a que a obra fique mais cara” (anunciando a fraude fiscal), Isto sem nunca referir que estes “usos fraudulentos” tivessem sido comunicados aos recorrentes, quer nas negociações, quer no próprio contrato, os quais até ficaram boquiabertos, como a delapidação do património do Estado se pode alegar em proveito próprio, em tribunal e aos olhos da Justiça Portuguesa. </font><br>
<font>11. Não podem estes “usos” desta testemunha e do Recorrido, ilícitos e que nem todos conhecem, como se depreende dos depoimentos de outras testemunhas também referidas no acórdão, (uma das quais até trabalha no mesmo ramo), ter força de lei e muito menos força contra a lei e princípios gerais do nosso direito </font><br>
<font>12. Em face dos elementos de prova fornecidos pelo processo, o Tribunal da Relação não poderia decidir diferentemente do tribunal de 1ª instância, assim sem mais, infringindo desta forma as alíneas a), b), do nº 1, nºs 2, 3 e 4 do artigo 712°, do Código de Processo Civil, para tanto e em face da prova produzida, nunca se poderia tirar a conclusão de que as partes alguma vez tivessem acordado de que o I.V.A. seria a acrescer ao preço.</font><i><font> </font></i><br>
<font>13. Pelo que houve incorrecta aplicação do Direito aos factos e há nítida oposição entre a fundamentação e a decisão plasmada no Acórdão da Relação – nulidade do acórdão – artigo 668º, nº 1, alínea c), conjugado com o artigo 716º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>14. Ao decidir de forma diversa da sentença, o acórdão da Relação violou o correcto entendimento dos preceitos citados, designadamente o Código de Processo Civil, artigos 655°, 712°, 668º e 716°, Código Civil, artigos 393°, 396° e 405° e ss., Lei do Consumidor artigo 8º, nº 1, C.I.V.A., artigo 36°, 38º, 49°, entre outros preceitos legais já citados anteriormente.</font><br>
<br>
<font> Às alegações do A. responderam os RR., para pedirem a improcedência do seu recurso.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>II.</font></b><br>
<b><font> As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
<font>1. O A. é comerciante em nome individual que se dedica, lucrativamente, à actividade de empreiteiro da construção civil.</font><br>
<font>2. No dia 12 de Março de 1999, A. e R. marido assinaram um contrato escrito, denominado de “Contrato de Empreitada”, e que tinha por objecto a construção de uma moradia num lote de terreno, identificado pelo nº ... do alvará de loteamento nº .../96, situado na Quinta da F..., freguesia de A..., concelho de Lamego (…) e no qual ficou convencionado todos os pormenores de construção, nomeadamente remetendo para a memória descritiva apresentada.</font><br>
<font>3. O preço acordado, e tendo em conta o projecto existente, foi de 25.300.000$00, em prestações no mesmo descriminadas, devendo as obras começar no início do “mês de Abril</font><b><font> </font></b><font>do corrente ano e deverão ser entregues, depois de concluídas, dentro do prazo de aproximado de um ano”. </font><br>
<font>4. Mais ficou convencionado que “qualquer alteração ao projecto será da responsabilidade do proprietário, bem como a sua aprovação e legalização” </font><br>
<font>5. A obra foi iniciada em 10 de Julho de 1999. </font><br>
<font>6. O R. entregou ao A., por conta dos trabalhos por estes realizados, a quantia de 24.000.000$00. </font><br>
<b><font>7. </font></b><font>Os RR. foram viver para a nova casa em Setembro de 2000. </font><br>
<font>8. O pagamento das grades, a colocar na moradia, seria por conta do A.</font><br>
<font>9.</font><b><font> </font></b><font>Após terem ido viver para a moradia em referência, os RR. mudaram as respectivas fechaduras.</font><br>
<font>10. O A., através do seu mandatário, enviou ao R. marido uma carta registada com aviso de recepção e que este recebeu, em 07 de Outubro de 2002, com o seguinte teor: “Na qualidade de Advogado do Exmº. Sr. AA, construtor civil, venho solicitar a Vª Exª. a liquidação do valor global de Esc. 7.083.319$00 = 35.331,45 €, referente a alterações produzidas ao projecto de sua casa e pedidas por si, bem como a taxa legal de IVA sobre o preço total da empreitada. Se o não fizer dentro dos próximos oito dias, serei obrigado a recorrer à cobrança judicial, o que, creia-me, muito lamentaria”.</font><br>
<font>11. O A. deu a obra em causa como concluída em data não apurada da 2ª quinzena do mês de Setembro de 2000. </font><br>
<font>12. Sendo que o A., em finais de Dezembro de 2000, ainda se deslocou à obra, para pequenas alterações.</font><br>
<font>13. Era do conhecimento do A. e do R. marido que o preço referido em 3. era acrescido de I.V.A., à taxa legal em vigor.</font><br>
<font>14. No decurso da execução da obra, o R. solicitou acrescentos ao A. e alterações não previstos no acordo mencionado no ponto 1. e o A. efectuou pagamentos à Câmara Municipal de Lamego, que se passam a enunciar:</font><br>
<font>1. Aumento de pavimento e de azulejos numa das casas de banho;</font><br>
<font>2. Rebaixamento do chão da garagem;</font><br>
<font>3. Construção de uma varanda;</font><br>
<font>4. Fornecimento e colocação de tubos de aquecimento na cave;</font><br>
<font>5. Portão de garagem diferente do inicialmente contratado, como o acréscimo de preço, no valor de 97.000$00;</font><br>
<font>6. Alteração nas escadas da cave ao rés-do-chão, no valor de 125.000$00;</font><br>
<font>7. Pagamento à C.M.L. do alvará de licença de construção, no valor de 122.000$00;</font><br>
<font>8. Pagamento à C.M.L., Serviços de Água, de despesas com ramais, ligações e colocação de contadores, no valor de 2.574$00;</font><br>
<font>9. Fornecimento e colocação de porta e portadas na varanda no valor de 98.000$00;</font><br>
<font>10. Construção duma lareira em tijolo refractário na cave;</font><br>
<font>11. Construção de uma chaminé da cave até ao telhado;</font><br>
<font>12. Fornecimento e colocação de uma tampa de chaminé;</font><br>
<font>13. Fornecimento e colocação de roupeiros.</font><br>
<font>15. Os RR. haviam acordado com terceiros em vender-lhes o apartamento onde viviam. </font><br>
<font>16. A obra de que se trata, executada pelo A., apresenta as seguintes características:</font><br>
<font>1. As paredes da cave não foram executadas em betão armado, tendo-o sido em blocos e tijolo 11;</font><br>
<font>2. Não foi colocado “Roofmate” de 4 mm na caixa de ar do r/c e 1º andar, mas sim lã de rocha de 6 cm, cujo preço é mais barato cerca de € 0,60 (sessenta cêntimos), o m2;</font><br>
<font>3. Não foram colocadas ombreiras, em granito, nas janelas e portas exteriores;</font><br>
<font>4. Não foram colocadas portadas nas janelas da cave e da garagem;</font><br>
<font>5. As paredes exteriores não foram pintadas com tinta de borracha, tendo-o sido com tinta de areia;</font><br>
<font>6. Não foi colocada soleira de granito no portão e porta da garagem;</font><br>
<font>7. A escada exterior, com 4 degraus, não foi revestida a granito e não foi colocado granito nas guias laterais dos passeios e nas fachadas das paredes lateral e posterior;</font><br>
<font>8. A caldeira ficou provisoriamente instalada na cave, sendo que o R. solicitou a alteração do tipo de caldeira cujo fornecimento e instalação estava previsto no acordo mencionado em 1; </font><br>
<font>9. Os tubos de ventilação das casas de banho não saem acima do telhado;</font><br>
<font>10. Muros com fissuras e necessitando de pintura;</font><br>
<font>11. Dificuldades na drenagem das águas pluviais, no acesso principal da garagem, ficando a mesma, por vezes, “empoçada” em frente à garagem. </font><br>
<font>17. Os RR. mandaram executar a terceiro uma cabina para a instalação da caldeira de aquecimento e que, em virtude do facto descrito no ponto 8. da al. o), os RR., para proceder à drenagem das águas do local, efectuaram obras, no que despenderam a quantia global de € 1.600. </font><br>
<font>18. A moradia em referência apresenta, ainda, as seguintes falhas:</font><br>
<font>1. As paredes interiores revestidas a seral precisam de uma reparação e pintura gerais;</font><br>
<font>2. Três tacos levantados num dos quartos;</font><br>
<font>3. Falta colocar as pingadeiras nas varandas;</font><br>
<font>4. Uma mancha no tecto da varanda lateral;</font><br>
<font>5. Pavimento do passeio frontal e lateral esquerdo com fendas junto ao muro, derivado do abatimento de terras mal compactadas;</font><br>
<font>6. O muro lateral direito que suporta o pavimento da entrada principal cedeu, existindo um assentamento do murete sob o passeio exterior; </font><br>
<font>7. E rachou ao lado, por baixo da varanda da entrada principal; </font><br>
<font>8. Foi aplicada uma pintura isolante pelo exterior do muro da moradia e, pelo menos, na zona do soco (junto ao solo) o reboco apresenta pouca aderência;</font><br>
<font>9. Os muros de vedação têm fissura e precisam de uma pintura.</font><br>
<font>19. Os RR. comunicaram ao A., através da carta que se encontra inserta a fls. 44 dos autos, datada de 27/03/2001, a existência de falhas e defeitos na obra, enunciados na dita carta.</font><br>
<font>20. O preço das grades referido em h) foi de 650.000$00. </font><br>
<font>21. A execução das paredes da cave em blocos e tijolo 11 e não em betão armado e a colocação de lã rocha de 6 cm na caixa de ar do r/c e 1º andar e não de “Roofmate” de 4 mm, bem como a não colocação de granito em partes da moradia (ombreiras das janelas e portas exteriores) que estavam previstas no acordo aludido em b), implicou, para o A., uma diminuição dos custos, em valor que não foi apurado. </font><br>
<font>22. A mudança da fechadura, referida na al. i), verificou-se em Setembro de 2000. </font><br>
<font>23. Não obstante a mudança da fechadura referida na al. i), o A. continuou a ter acesso à garagem da moradia e aos materiais a utilizar na construção da obra de que se trata. </font><br>
<font>24. Os RR. contraíram casamento em 25 de Julho de 1971, tendo celebrado convenção antenupcial, em que convencionam o regime da comunhão geral de bens.</font><br>
<br>
<b><font>III.</font></b><br>
<b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<font>Da leitura das conclusões com que as Partes fecharam as respectivas minutas, retira-se a ideia que somos convocados a resolver as seguintes questões:</font><br>
<font>1ª – A matéria de facto dada como provada permite concluir pela caducidade do direito dos RR., tal como o A. defende?</font><br>
<font>2ª – Prevendo a hipótese de a resposta a esta questão ser positiva, é legítimo aplicar ao caso a </font><i><font>exceptio</font></i><font>, tal como as instâncias o fizeram?</font><br>
<font>3ª – E a sua admissão, no caso concreto, não configura um caso de abuso do direito?</font><br>
<font>4ª – O A. tem ou não direito a juros, tal como os peticionou?</font><br>
<font>5ª – Poderia a Relação ter imposto aos RR. o pagamento do I.V.A, em resultado da alteração da matéria de facto?</font><br>
<font>6ª – E, tendo-o feito, não terá cometido a Relação a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil (contradição entre os fundamentos e a decisão), ao ter concluído que o I.V.A. era, afinal, devido pelos RR. ao A.?</font><br>
<br>
<font>Analisemos, pois, cada uma destes problemas.</font><br>
<br>
<font>1º Da caducidade.</font><br>
<font>O A., na veste de reconvindo, arguiu a excepção da caducidade do direito dos RR. à eliminação dos defeitos ou indemnização, tendo, para tanto, alegado ter já decorrido um ano sobre a denúncia.</font><br>
<font>A sentença proferida pela Juiz de Círculo de Lamego julgou tal excepção parcialmente procedente e, em resultado disso, apenas condenou o A., nos termos supra mencionados.</font><br>
<font>Sustentando tal condenação, depois de breve referência aos normativos aplicáveis, ficou dito que “é sobre o dono da obra que impende o ónus de alegação e prova, além do mais, dos defeitos ou vícios da obra e da sua denúncia ao empreiteiro, enquanto a este, por sua vez, incumbe o ónus de alegação e prova do decurso dos prazos estipulados (legal ou contratualmente) para aquele exercer os direitos correspondentes”.</font><br>
<font>Como dito, a Relação do Porto, confirmou, nesta parte, o julgado, subscrevendo por inteiro a sua fundamentação.</font><br>
<font>Insiste o A. na bondade da sua tese, fazendo notar que, sendo certo que o ónus da prova de o prazo para a denúncia ter já decorrido, isso não afasta a obrigação dos RR./Reconvintes de alegarem e provarem o descobrimento dos defeitos. Nessa conformidade, não tendo estes alegado e provado este elemento (descobrimento) – concluiu – inexiste um requisito essencial para aferir da oportunidade e tempestividade da denúncia operada com a reconvenção.</font><br>
<font>Que dizer desta argumentação?</font><br>
<font>O defendido pelo A./Recorrente não pode deixar de se considerar correcto, face ao estipulado na lei. </font><br>
<font>Efectivamente, o nº 1 do artigo 1220º do Código Civil estipula que “o dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro, os defeitos da obra dentro do prazo de trinta dias seguintes ao seu descobrimento”.</font><br>
<font>Este prazo de 30 dias é, no caso presente, alargado para um ano, tal como, pela alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, ficou, definitivamente, assente no nº 2 do artigo 1225º do Código Civil, dado que, em causa, está uma empreitada cujo objecto é um imóvel destinado a longa duração.</font><br>
<font>Por essa mesma razão, nestes casos, o dono da obra passou a dispor de um prazo de cinco anos de garantia, salvo estipulação de outro prazo, durante o qual o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra (ou a terceiro adquirente), nos termos do nº 1 do último artigo citado.</font><br>
<font>Este prazo de cinco anos traduz não um alargamento para o exercício do direito, mas sim num dilatar do mesmo para a descoberta dos vícios que, as mais das vezes, ocultos, só se patenteiam anos depois da obra que, por natureza deve ser durável e duradoura.</font><br>
<font>Trata-se, nestes casos (como o presente) de aplicar um regime especial de protecção ao dono da obra, na justa medida em que pode haver casos de difícil e demorada descoberta, assim se justificando a ressalva expressa do artigo 1225º ao regime consagrado no artigo 1219º (“sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, …”).</font><br>
<font>Vale tudo isto por dizer que, nos casos de imóveis destinados a longa duração, tem o dono da obra à sua disposição dois prazos: um, de cinco anos, durante os quais “pode descobrir defeitos” (prazo de garantia supletivo), outro, de um ano, a partir do seu conhecimento (descoberta), para os denunciar.</font><br>
<font>Significa isto que, decorrido aquele referido prazo de cinco anos, não mais pode o dono da obra denunciar defeitos, tenha ele ou não tomado conhecimento (descoberta) dos mesmos um ano antes da denúncia.</font><br>
<font>Fica claro que ao dono da obra cabe, se pretende denunciar defeitos, com vista à sua eliminação, por parte do empreiteiro, em casos como o presente, denunciar os defeitos no prazo de um ano, após a sua descoberta.</font><br>
<font>O êxito de tal pretensão está, porém, sujeito ao facto de tal denúncia ocorrer no prazo de cinco anos, a contar da entrega (prazo de garantia), e ter sido concretizada no ano subsequente à descoberta do defeito.</font><br>
<font>Olhando para as regras do ónus probatório (artigos 342 e seguintes do Código Civil), facilmente se retira a ideia de que é ao empreiteiro que, pretendendo fazer extinguir o direito do dono da obra à eliminação de alegados defeitos, cabe arguir a caducidade, tendo em conta o decurso dos prazos supra mencionados.</font><br>
<font>Mas, por outro lado, é ao dono da obra que cabe o ónus de alegação e prova não só a existência dos defeitos que pretende ver eliminados como, também, a data do seu descobrimento.</font><br>
<font>Podemos, pois, dizer – e era aqui que pretendíamos chegar – que a alegação da data do descobrimento dos defeitos é elemento constitutivo do direito do dono da obra, enquanto figurante na lide na veste de autor da acção.</font><br>
<font>Desta forma, em tese, não podemos deixar de dar razão ao A/Recorrente, neste ponto.</font><br>
<font>Em boa verdade, se não lhe é indicada uma data concreta e precisa em que ocorreu a descoberta do defeito alegado, como pode ele defender-se, dizendo que o prazo já está ultrapassado?!</font><br>
<font>Ignorar isto seria inverter as regras do ónus probatório, sujeito, assim, injustificadamente, a uma </font><i><font>probatio diabolica</font></i><font>, para não dizer impossível.</font><br>
<font>Expostas, em linhas gerais, as ideias norteadoras do instituto da caducidade, em matéria de invocação de defeitos relativos a contrato de empreitada de imóveis de longa duração, eis-nos perante a obrigação de analisar o caso concreto e dizer se os RR., enquanto Reconvintes, alegaram e provaram o elemento constitutivo “descobrimento”. Ou seja, para sermos mais precisos, se alegaram e provaram a data em que descobriram os defeitos invocados.</font><br>
<font>Uma cousa é, desde já certa: não tendo as Partes estipulado qualquer prazo de garantia, como resulta do contrato junto aos autos, o que, como dito, era perfeitamente admissível (artigo 1225º, nº 1, do Código Civil), teremos de nos interrogar sobre se os donos da obra, RR./Reconvintes, denunciaram atempadamente os defeitos, com vista a podermos aquilatar da procedência ou improcedência da excepção de caducidade, arguida pelo A./Reconvindo, empreiteiro da mesma.</font><br>
<font>É um facto que, lendo os articulados (contestação e tréplica) e, sobretudo, a matéria de facto dada como provada, não vislumbramos que os AA. tivessem, na verdade, alegado a data do descobrimento dos defeitos alegados, como, em face do que ficou relatado, lhes cumpria.</font><br>
<i><font>Primo conspectu</font></i><font>, poder-se-ia, então, dizer que a razão está do lado do A./Recorrente, no que toca à </font><i><font>solutio</font></i><font> do caso concreto: aquele não alegou um dos factos constitutivos do seu direito, circunstância esta que leva, naturalmente, à improcedência do peticionado.</font><br>
<font>Porém, há que analisar, cuidadosamente, a matéria de facto dada como provada, interpretando-a no contexto global em que foi apurada.</font><br>
<font>Nesta medida, não podemos deixar de dizer que, tendo a acção sido proposta no prazo de cinco anos, após a entrega da casa (seguramente em Setembro de 2000 – </font><i><font>cfr</font></i><font>. pontos 7 e 11 –, o prazo de garantia (supletivo) consagrado no artigo 1225º, nº 1, do Código Civil, foi respeitado, atenta a temporalidade da interposição da presente acção (13 de Dezembro de 2002).</font><br>
<font>Resta, pois, saber se, não obstante isso, o prazo de denúncia (de um ano) foi respeitado pelos RR., donos da obra.</font><br>
<font>Ora bem.</font><br>
<font>Como acabado de referir, a entrega da casa, objecto do ajuizado contrato, concretizou-se em Setembro de 2002, certo que, logo passado escasso meio ano sobre tal data, os RR. apressaram-se a dar conhecimento ao A. dos defeitos, através de carta datada de 27/03/2001, referida no ponto nº 19.</font><br>
<font>São estes os defeitos que estão aqui em causa, afastados que foram os outros, invocados só em sede de pedido reconvencional, precisamente na base da procedência da excepção (</font><i><font>cfr</font></i><font>. sentença a fls. 431 dos autos).</font><br>
<font>Foi em relação aos defeitos invocados </font><i><font>ab initio</font></i><font> que as instâncias julgaram improcedente a excepção de caducidade arguida pelo A./Reconvindo, precisamente na base de lhe foram comunicados os defeitos através da aludida carta datada de 27 de | [0 0 0 ... 0 0 1] |
-TKOu4YBgYBz1XKvsxq3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA, advogado, com escritório em ..., Suíça, veio propor contra BB, viúvo, residente na rua de ..., …, …, ..., Suíça, e último domicílio em Portugal, na …, .., … …, a presente ação declarativa, com processo especial, nos termos do disposto pelo artigo 978.º e seguintes, do Código de Processo Civil (CPC), pedindo a revisão e confirmação da sentença, proferida a 15 de Novembro de 2013, pelo 2.º Juízo do Tribunal de Proteção de Adultos e das Crianças da República e Cantão de ..., Suíça, já transitada em julgado, onde foi, nomeadamente, instituída a curatela, de âmbito geral, do requerido, nomeado curador o requerente e autorizado o curador a tomar conhecimento da correspondência do requerido e, se necessário, penetrar no seu alojamento, conforme cópia certificada da sentença traduzida. </font>
</p><p><font>Não tendo sido possível citar o requerido, na sua pessoa, por se encontrar impossibilitado de receber a citação, em virtude de estar em tratamento, no Hospital …, ..., por força de um acidente sofrido, em 13 de Novembro de 2013, foi citada a sua irmã, CC, como consta de folhas 35 a 40, a qual não deduziu oposição.</font>
</p><p><font>O Ministério Público, nas suas alegações, concluiu pelo deferimento do pedido.</font>
</p><p><font>Por decisão singular do Exº Relator do Tribunal da Relação de Guimarães, foi concedida a requerida revisão, confirmando-se a sentença proferida, em 15 de Novembro de 2013, pelo 2.º Juízo do Tribunal de Proteção de Adultos e das Crianças da República e Cantão de ..., Suíça, já transitada em julgado, para que produza todos os efeitos em Portugal.</font>
</p><p><font>A requerente DD, notificada do despacho do Relator, proferido em 26 de Fevereiro de 2015, que indeferiu, liminarmente, o recurso de revista que interpôs, por não ser, legalmente, admissível, veio reclamar para a conferência dessa decisão.</font>
</p><p><font>A conferência entendeu que o recurso de revista interposto deveria ter sido convolado para reclamação para a conferência, como veio a acontecer, decidindo, porém, não admitir a reclamação, que foi convolada do recurso de revista, relativamente ao despacho do Relator, por falta de legitimidade da requerente/reclamante, e não conhecer da mesma.</font>
</p><p><font>Deste acórdão, a requerente DD interpôs recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que, na sua procedência, o mesmo seja admitido, sendo, a final, o acórdão recorrido substituído por outro que reconheça a sua legitimidade para a apresentação da reclamação da decisão sumária proferida pelo Exº Relator, e, a final, proferido um acórdão que declare nula a decisão que reconheceu a sentença estrangeira, ou, caso assim se não entenda, que a mesma seja revogada, não sendo a sentença proferida pelo tribunal, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, na sua totalidade:</font>
</p><p><font>1ª - O acórdão ora recorrido decidiu não conhecer da reclamação da decisão sumária proferida pelo Exmo. Sr. Juiz Relator do processo com o fundamento da ilegitimidade da ora recorrente para a apresentação da mesma.</font>
</p><p><font>2ª - Tal decisão sumária corresponde ao reconhecimento de uma sentença proferida por uma entidade jurisdicional Suíça, nos termos dos arts. 978° e ss. do CPC.</font>
</p><p><font>3ª - Tal sentença corresponde à nomeação de um tutor ao requerido, BB</font><b><font>, </font></b><font>em face da sua incapacidade física para administrar os seus bens e manifestar a sua vontade.</font>
</p><p><font>4ª - O referido tutor nomeado foi o requerente da respectiva acção de reconhecimento de sentença estrangeira.</font>
</p><p><font>5ª - Requerente esse que pretendia ver estendidos os seus poderes de tutoria também ao território Português.</font>
</p><p><font>6ª - A decisão sumária proferida nos autos revestiu um carácter tabelar, desconsiderando toda a factualidade a que o requerente aludiu, e bem, na acção por si interposta.</font>
</p><p><font>7ª - Nomeadamente o facto de o requerido ser incapaz, em face de deficiência física e mental de se pronunciar sobre qualquer questão - razão pela qual tem tutor nomeado na Suíça.</font>
</p><p><font>8ª - Deficiência física e mental que surgiu em consequência de um atentado selvático em plena via pública, de que o requerido foi alvo em ..., na Suíça, onde residia há vários anos.</font>
</p><p><font>9ª - Tal atentado comportou o golpeamento da carótida, no pescoço, tendo aquele ficado inanimado no chão até ser levado para o hospital - facto que atentando contra a sua integridade física, pôs em causa funções vitais e perigado a vida do requerido, pois este ficou sem irrigação sanguínea suficiente, durante algum tempo, no cérebro e outros órgãos vitais.</font>
</p><p><font>10ª - Estando o requerido actualmente incapaz de pronunciar mais do que vocábulos simples, comer sem auxílio, andar, no fundo realizar as actividades mais basilares de sobrevivência.</font>
</p><p><font>11ª - Razão pela qual jamais o requerido tem capacidade para demandar ou ser demandado em juízo - e disto bem sabia o seu tutor que apresentando-se como requerente ...demandou aquele de quem é tutor !...</font>
</p><p><font>12ª - Assim, em face de tal factualidade encontramo-nos perante uma nulidade da citação, nos termos do art. 191 ° do CPC.</font>
</p><p><font>13ª - Na medida em que não foi dado provimento pelo Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>a qualquer dos normativos legais prescritos para a regulamentação da notificação de pessoas incapazes, nomeadamente os arts. 17°, 20°, 21°, 223° e 234°, todos do CPC.</font>
</p><p><font>14ª - Acarretando tal actuação a nulidade de todo o processado posterior ao requerimento inicial, nos termos do art. 187° do CPC.</font>
</p><p><font>15ª - Nesse sentido, o requerente, depois de várias diligências e insistências do Tribunal, inclusive junto do Consulado de Portugal em ..., indicou uma irmã do requerido para ser citada para contestar a acção.</font>
</p><p><font>16ª - Irmã essa que, assinando o respectivo registo de citação nada mais fez, não zelando pelos interesses do requerido, não se podendo, de forma alguma, considerar que o mesmo foi regularmente citado por essa via.</font>
</p><p><font>17ª - Assim, a citação do requerido foi por demais ilegal, violando o art. 980/f) do CPC, e os restantes normativos elencados supra no n.° 12.</font>
</p><p><font>18ª - Violando-se consequentemente o direito ao contraditório, constitucionalmente atribuído ao requerido.</font>
</p><p><font>19ª - Por outro lado, ao serem reconhecidos poderes de tutoria ao requerente em território Português, está-se a violar gravemente direitos legalmente atribuídos à ora recorrente, irmã do requerido.</font>
</p><p><font>20ª - Na medida em que esta é detentora de contas bancárias e outros bens em conjunto com o seu irmão, tendo sempre administrado condignamente todo o património.</font>
</p><p><font>21ª - Património esse que apresenta uma linha separadora muito ténue do que pertence efectivamente à ora recorrente e do que pertence ao seu irmão.</font>
</p><p><font>22ª - Não se vislumbrando assim como legítima a intromissão de um terceiro no património seu e do seu irmão, sem qualquer razão justificativa para tal e sem ter tido a possibilidade de cabal e legalmente se pronunciar sobre tal facto.</font>
</p><p><font>23ª - Correspondendo tal intromissão a uma devassa por demais lesiva dos reais e actuais interesses da ora recorrente.</font>
</p><p><font>24ª - Situação essa que consubstancia mesmo uma violação da ordem pública internacional do Estado Português, facto que impossibilita a revisão da sentença estrangeira pelo Tribunal </font><i><font>a quo, </font></i><font>nos termos do art. 980°/f)-.</font>
</p><p><font>25ª - Facto esse que também sustenta a legitimidade da recorrente para interpor o presente recurso, enquanto pessoa directa e efectivemante lesada pelo acórdão recorrido, nos termos do art. 631°/2 do CPC.</font>
</p><p><font>26ª - Na medida em que com as actuações lesivas do requerente, curador do seu irmão, a ora recorrente depara-se com um prejuízo real e actual ao seu património pessoal, quer seja patrimonial, quer seja moral.</font>
</p><p><font>27ª - Devendo assim o acórdão recorrido ser substituído por um que reconheça a legitimidade da ora recorrente para a apresentação da anterior reclamação.</font>
</p><p><font>28ª - E como tal sendo proferido pela conferência do Venerando Tribunal da Relação da Guimarães um acórdão que conheça do mérito da cuasa.</font>
</p><p><font>29ª - Sendo a final</font><i><font> </font></i><font>a decisão que reconheceu a sentença estrangeira ser declarada nula ou ser revogada, jamais se considerando revista a respectiva sentença, e não produzindo esta os seus efeitos em Portugal.</font>
</p><p><font>30ª - Declarando-se a final que o requerente não possui qualquer poderes de tutoria do requerido quanto aos bens existentes em Portugal.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, o requerente AA sustenta que deve ser mantido o douto acórdão proferido, enquanto que o Ministério Público conclui que a recorrente não alegou qualquer prejuízo direto e efetivo, não tendo, por isso, legitimidade para recorrer, devendo manter-se o acórdão em crise.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão do reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras. </font>
</p><p><font>II – A questão da legitimidade da recorrente.</font>
</p><p><font> III – A questão da nulidade da citação do requerido com a consequente violação do direito ao contraditório.</font>
</p><p><font>IV – A questão da violação do princípio da ordem pública internacional do Estado Português.</font><br>
<font>I.</font><b><font> </font></b><font>DO RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS ESTRANGEIRAS</font>
</p><p><font>O princípio do reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras tem por finalidade a garantia da estabilidade, uniformidade e certeza da regulamentação das situações jurídicas interindividuais da vida internacional, tendendo à realização do mesmo tipo de justiça do Direito Internacional Privado, ou seja, de uma justiça formal, sob pena de adesão a um sistema de justiça material, que implicaria a sujeição sistemática de todas as sentenças estrangeiras a uma revisão de mérito ou de fundo</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Por isso, a justificação do princípio do reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras não decorre de qualquer norma superior que a tal obrigue o Estado, prosseguindo antes a mesma finalidade do Direito Internacional Privado.</font>
</p><p><font>Aliás, a divergência de fins entre o princípio do reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras e o Direito Internacional Privado só seria possível se a confirmação das sentenças estrangeiras não dependesse da aplicação do direito competente, na perspetiva das normas de conflitos do foro do Estado onde se procede à sua revisão.</font>
</p><p><font>A questão de saber se constitui requisito da confirmação da sentença estrangeira, para além do apuramento da competência internacional do tribunal que proferiu a sentença a rever, a verificação da respectiva competência interna, encontra-se solucionada pelo artigo 980º, c), do CPC, oriundo da versão resultante da Revisão de 1995/96, ao estatuir que, para tanto, importa que a sentença “…provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses”.</font>
</p><p><font>Efetivamente, este pressuposto mais não é do que a consagração das regras constantes do artigo 62º, do CPC, que enumeram os vários factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses.</font>
</p><p><font>Se a sentença confirmanda, proveniente de tribunal estrangeiro, não pode versar sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses, tal significa que se trata de uma questão de competência internacional e não de um problema de competência interna.</font>
</p><p><font>E a sentença confirmanda provém de um tribunal estrangeiro competente quando um tribunal português, colocado na situação daquele, se acharia, internacionalmente, competente, ou seja, o tribunal de origem é, internacionalmente, competente se, em relação ao mesmo, se tiver verificado qualquer um dos pressupostos que, de acordo com o disposto pelo artigo 62º, do CPC, decidem da competência internacional dos tribunais portugueses</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>A conexão entre a norma de conflitos e o reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras é um facto incontestável, sendo certo que o dever imposto aos juízes, pela lei que vigora no país, de reconhecer e executar as sentenças estrangeiras, pode operar como uma regra de conflitos suplementar disfarçada, que determinará a lei que rege as relações inter-subjectivas</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Os princípios da ordem pública, da harmonia interna e da consideração do fim legislativo das leis nacionais apresentam a particularidade de fazer depender a solução dos problemas dos conflitos de leis do conteúdo das soluções possíveis e, consequentemente, do conteúdo e do fim das regras materiais em presença, contrariamente ao que acontece com o princípio da harmonia jurídica internacional, para o qual é indiferente o resultado concreto do processo de aplicação das regras materiais que apresentam conexão com os factos</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font> O princípio da harmonia jurídica internacional limita-se a afirmar que o direito aplicável deve ser definido, por forma a que a solução a encontrar seja, tanto quanto possível, idêntica à assumida pelos outros Estados, em especial, por aqueles que, em relação ao mesmo litígio, reclamam a competência dos seus Tribunais, não assumindo, portanto, o conteúdo da decisão qualquer importância na determinação da lei aplicável.</font>
</p><p><font>O conteúdo da decisão a proferir não releva, em particular, para a finalidade das regras materiais em causa, logo que se tenha atingido o desígnio fundamental de atenuar, na medida do possível, a proliferação de conflitos com outros Estados. </font>
</p><p><font>O princípio da harmonia jurídica internacional, que mais não é do que um princípio do mínimo de conflitos, propicia uma oportunidade singular de evitar decisões discordantes entre o Estado do foro e o Estado cujo direito material é aplicável à questão principal</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>É, sobretudo, com base no reenvio, segundo o qual o Estado que não apresente conexão com o litígio, justificando a aplicação da sua própria lei, deve, mesmo contra o estabelecido pelas suas regras de conflitos, aplicar o direito que os Estados interessados estão de acordo em designar como elegível, que o princípio da harmonia jurídica internacional assume a sua importância, e isto sem esquecer que, mesmo nesta hipótese, o princípio em apreço não chega, por si só, para designar a lei aplicável.</font>
</p><p><font>Importa, além disso, que uma determinada norma da «lex fori» preceitue sobre a necessidade da referência ao Estado da naturalidade ou do domicílio de uma das partes, para, só em seguida, se aderir às normas de conflitos desse Estado que favoreçam, mais do que a aplicação estrita das suas regras materiais, a unidade de soluções dos espaços territoriais envolvidos.</font>
</p><p><font>A definição do direito aplicável, na perspetiva da prossecução do princípio da harmonia material, em conformidade com anteriores decisões do juiz nacional sobre questões equivalentes, não corresponde, necessariamente, ao resultado alcançado, através da determinação do direito elegível, com referência ao princípio da harmonia jurídica internacional.</font>
</p><p><font>A regra material obtida, tomando como referência o princípio da harmonia jurídica internacional, por se tratar de um princípio aceite pela maioria dos Estados, corresponde a uma solução que não é, forçosamente, aquela que o interesse político do Estado mais forte considera aplicável, em especial, por obediência ao âmbito de aplicação do direito nacional ou estrangeiro. </font>
</p><p><font>O princípio da harmonia jurídica internacional exige, no mínimo, mesmo que se não tomem em consideração as normas de conflitos estrangeiras, uma repartição paritária das questões jurídicas entre os direitos dos diferentes Estados, mediante um factor de conexão escolhido pela «lex fori» e válido, indistintamente, para a aplicação desta e da lei estrangeira.</font>
</p><p><font>E se as distintas conexões dos diversos elementos de uma só causa, aumentando, embora, consideravelmente, a probabilidade de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, nos diversos países, constituem uma violação grave do princípio da harmonia jurídica internacional, tal não justifica, contudo, a sua renúncia completa. </font>
</p><p><font>Por outro lado, para que sejam elegíveis as disposições imperativas do direito estrangeiro, importa atender ao campo de aplicação que o mesmo atribui a si próprio, de tal modo que a «lex fori» considera o âmbito de aplicação determinado pela norma estrangeira, com a extensão máxima que o Direito Internacional Privado do foro lhe pode atribuir, restringindo, assim, o grau de probabilidade de decisões contraditórias, nos diversos Estados cujos tribunais disputam a competência do caso concreto.</font>
</p><p><font>Porém, o princípio do interesse ou ordem pública suplanta o princípio da harmonia jurídica internacional quando é preciso, por falta de disposições positivas, determinar o âmbito das regras materiais, em consonância com o interesse político dos Estados.</font>
</p><p><font>A concorrência entre o princípio da harmonia jurídica internacional e o princípio da harmonia material resolve-se, na generalidade das situações, com a aplicação do primeiro, embora, excecionalmente, desde que os efeitos do princípio da harmonia jurídica internacional impliquem a destruição do princípio da harmonia material interna do Estado do foro, deva ser este último o prevalecente.</font>
</p><p><font>Com efeito, o princípio da determinação do direito aplicável, na ótica do fim das regras materiais, suplanta o princípio da harmonia jurídica internacional e o princípio da ordem pública, quando em concorrência com estes</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>É que o valor da estabilidade internacional das situações jurídicas individuais está ao serviço de cada homem e da sua personalidade, sendo certo que as suas características “não devem ser coisas que o seu portador corra o risco de ver confiscadas numa fronteira, como artigos de contrabando”, mas antes constituir “algo de permanente, um foro inviolável”</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Afinal, “o homem é o mesmo em toda a parte”</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>, e ao Direito Internacional Privado compete “garantir a cada homem, em qualquer latitude, a segurança do seu direito”</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Muito embora o princípio da harmonia jurídica internacional e o princípio da ordem pública mais forte estejam regulados, em bases paralelas, é, sem dúvida, o primeiro, que se poderia, igualmente, designar como o princípio da uniformidade de julgados, que constitui a via jurisdicional normal para a aplicação dos sistemas de Direito Internacional Privado, incompletamente, formulados. </font>
</p><p><font>Mas, nem sempre, contudo, é necessário sujeitar a revisão e confirmação o reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras, qualquer que seja a lei que o Tribunal tenha aplicado ao fundo da causa, após a realização do julgamento, sob pena de a probabilidade de decisões divergentes conduzir a uma oposição com o princípio da harmonia jurídica internacional.</font>
</p><p><font>Esta crítica não tem em conta que o problema do reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras apresenta, em conexão com o Direito Internacional Privado, traços distintivos que lhe conferem autonomia.</font>
</p><p><font>Em primeiro lugar, não se deve esquecer que, se o Direito Internacional Privado procura a lei competente para reger as diferentes situações internacionais, a ideia fundamental, em matéria de reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras, consiste na indagação da jurisdição, internacionalmente, competente.</font>
</p><p><font>É inquestionável que as razões subjacentes às normas aplicáveis à determinação da jurisdição competente não se identificam com as que presidem à definição das normas de conflitos.</font>
</p><p><font> Mas, se o Direito Internacional Privado, tal como o princípio da harmonia jurídica internacional, se inspiram em razões idênticas às do princípio do reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras, ou seja, a proteção das expetativas dos indivíduos, da certeza e da estabilidade das situações jurídicas, ou seja, a segurança jurídica, não é concebível estabelecer entre eles uma alternativa substancial.</font>
</p><p><font>É possível que o Tribunal de origem solucione o litígio, aplicando uma lei diferente daquela que seria competente, do ponto de vista do Direito Internacional Privado da «lex fori».</font>
</p><p><font>Se as normas do Direito Internacional Privado do foro sofrerem um desvio, este obedece ainda aos princípios do mesmo ordenamento jurídico – ao valor da estabilidade e uniformidade da regulamentação das situações jurídicas -, essencial à natureza intrínseca do princípio da harmonia jurídica internacional.</font>
</p><p><font>No estrito âmbito do princípio da harmonia jurídica internacional, dir-se-á que o Direito Internacional Privado é um conjunto de normas que tem por fim a resolução das questões emergentes das relações privadas internacionais, para que, através do seu reconhecimento, em qualquer latitude, se possa obter a desejada estabilidade e uniformidade.</font>
</p><p><font>A aplicação, «in foro», do direito estrangeiro deve-se a um princípio de coordenação com as restantes ordens jurídicas, porquanto se cada Estado aceita a interligação do seu ordenamento jurídico com o dos outros, significa que tem como referência o princípio da harmonia jurídica internacional, ideal supremo da harmonia internacional de julgados.</font>
</p><p><font> II. DA LEGITIMIDADE DA RECORRENTE</font>
</p><p><font>II. 1. O acórdão recorrido decidiu não admitir a reclamação que foi convolada do recurso de revista, relativamente ao despacho do Relator, por falta de legitimidade da requerente/reclamante, e não conhecer da mesma.</font>
</p><p><font>Dispõe o artigo 985º, nº 1, do CPC/2013, que mantém, sem alterações, o regime constante do artigo 1102º, nº 1, do CPC/2008, que “da decisão da Relação sobre o mérito da causa cabe recurso de revista”.</font>
</p><p><font>Esta redação do artigo 1102º, nº 1, do CPC/2008, já fora importada da antecedente redacção do CPC, anterior à introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, quando ainda subsistia, no ordenamento jurídico-processual civilista português, o regime dualista do recurso de apelação/revista e do recurso de agravo, desaparecido com o regime monista dos recursos, oriundo do CPC/2008.</font>
</p><p><font>Ora, quando a Relação não decidia do mérito da causa, relativamente à revisão/confirmação de sentença estrangeira, o recurso próprio para o Supremo Tribunal de Justiça era o de agravo, e isto, repita-se, até à entrada em vigor do CPC/2008. </font>
</p><p><font>Posteriormente a esta data, incluindo, como é óbvio, no âmbito do CPC/2013, quando a Relação não aprecia o mérito da causa, como acontece, na hipótese em presença, em que decidiu não conhecer da reclamação, por falta de legitimidade da recorrente, inexistindo já o instrumento processual do recurso de agravo, dir-se-ia não ser admissível o recurso de revista.</font>
</p><p><font>Aliás, já no âmbito da versão originária do actual CPC, se dizia que “se a Relação deixa de conhecer do objecto da acção ou profere qualquer acórdão interlocutório, cabe, então, segundo as regras gerais, recurso de agravo para o Supremo”</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Porém, o Ministério Público, ainda que não seja parte principal, pode recorrer com fundamento na violação das alíneas c), e) e f), do artigo 980º, nos termos do nº 2, do artigo 985º, ambos do CPC, obviamente, de revista, em situações que não contendem, propriamente, com o mérito da causa, como seja, designadamente, em matéria de regularidade da citação, a que se reporta a referida alínea c). </font>
</p><p><font>Cabendo recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou alguns dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos, em conformidade com o disposto pelo artigo 671º, nº 1, do CPC, e configurando a revisão de sentença estrangeira uma decisão em 1ª instância</font><a><u><font>[12]</font></u></a><font>, porque, na hipótese em apreço, não conhecendo do mérito da causa, pôs termo ao processo, deve ser objecto de recurso de revista, sob pena de intolerável afronta ao princípio do duplo grau de jurisdição.</font>
</p><p><font>Na verdade, por duplo grau de jurisdição entende-se, no seu sentido mais restrito, a possibilidade de obter o reexame de uma decisão jurisdicional, em sede de mérito, por um outro juiz, pertencente a um grau de jurisdição superior (“instância de segundo grau”)</font><a><u><font>[13]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>II. 2. Preceitua o artigo 631º, nº 1, do CPC, que “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”, acrescentando o seu nº 2 que “as pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”.</font>
</p><p><font>Excluída que está a qualidade de parte principal ou, sequer, de parte acessória na causa da requerente, importa indagar se a mesma se reconduz ao conceito de “pessoa direta e efetivamente prejudicada pela decisão”, para efeito de admissibilidade do presente recurso de revista por ela interposto.</font>
</p><p><font>A expressão “pessoa direta e efetivamente prejudicada pela decisão”, adotada pelo legislador, veio “consagrar expressamente a doutrina de que não basta um prejuízo directo para legitimar a interposição de recurso por quem não pode considerar-se parte principal vencida. Há casos em que o prejuízo proveniente da decisão, embora seja directo (no sentido de que não é simplesmente mediato ou reflexo) é, todavia, eventual, longínquo, incerto, apenas provável ou possível. A nova reacção dada ao nº 2 significa que um prejuízo dessa natureza não basta para legitimar a posição do recorrente”</font><a><u><font>[14]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>A circunstância de a pessoa prejudicada pela decisão ter tido ou não ter tido intervenção no processo, parece, à face da letra e do espírito da norma, indiferente para a aplicação desta</font><a><u><font>[15]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Deste modo, encontram-se, automaticamente, excluídas do conceito “pessoa direta e efetivamente prejudicada pela decisão”, em primeiro lugar, as pessoas a quem a decisão cause um prejuízo indirecto ou reflexo e, em segundo lugar, as pessoas a quem a decisão seja susceptível de produzir um prejuízo eventual, longínquo e incerto, porquanto, apenas, têm legitimidade para recorrer os terceiros que sofram um prejuízo actual e positivo com a decisão que pretendam impugnar</font><a><u><font>[16]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Assim sendo, o terceiro a quem é reconhecida legitimidade para o recurso é toda a pessoa que, não sendo parte, principal ou acessória, na causa, seja direta e efetivamente prejudicado com a decisão, porquanto “o prejuízo tem que ser real e jurídico, não podendo ser meramente factual”</font><a><u><font>[17]</font></u></a><font>, exigindo-se para assegurar o reconhecimento da legitimidade «ad recursum» do terceiro um “prejuízo que se repercuta, de forma nuclear, no património físico ou moral do recorrente, não se tratando de um prejuízo ou dano meramente colateral ou relexo</font><a><u><font>[18]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>II. 3. Revertendo ao caso em apreço, a recorrente DD invoca, como fundamento da admissibilidade do presente recurso, onde não é parte principal ou acessória, que, ao serem reconhecidos poderes de tutoria ao requerente, em território português, estão-se a violar, gravemente, direitos, legalmente, atribuídos à mesma, irmã do requerido, causando-lhe prejuízo, real e actual, ao seu património pessoal, quer seja material, quer seja moral, na medida em que esta é detentora de contas bancárias e outros bens, em conjunto com o seu irmão, apresentando o respetivo património que a cada um pertence uma linha separadora muito ténue.</font>
</p><p><font>Deste modo, invocando a recorrente uma vaga ameaça de um prejuízo eventual e incerto, aliás, não, suficientemente, caraterizado, em consequência do julgado, não resulta do mesmo qualquer lesão para aquela, susceptível de configurar a sua legitimidade para a interposição do presente recurso de revista.</font>
</p><p><font> III. DA NULIDADE DA CITAÇÃO</font>
</p><p><font>Alega a recorrente DD que é nula a citação do requerido, com a consequente nulidade de todo o processado posterior ao requerimento inicial e a violação do direito ao contraditório.</font>
</p><p><font>Dispõe o artigo 981º, do CPC, que “</font><font>apresentado com a petição o documento de que conste a decisão a rever, é a parte contrária citada para, no prazo de 15 dias, deduzir a sua oposição; o requerente pode responder nos 10 dias seguintes à notificação da apresentação da oposição”.</font>
</p><p><font>Por seu turno, estipula o artigo 20º, do CPC, </font><font>que “as pessoas que, por anomalia psíquica ou outro motivo grave, estejam impossibilitadas de receber a citação para a causa são representadas nela por um curador especial” [nº 1], “a representação do curador cessa quando for julgada desnecessária, ou quando se juntar documento que mostre ter sido declarada a interdição ou a inabilitação e nomeado representante ao incapaz” [nº 2], e “o representante nomeado na ação de interdição ou de inabilitação é citado para ocupar no processo o lugar de curador” [nº 4].</font>
</p><p><font>Estipula ainda o artigo 21º, do CPC, que “se o ausente ou o incapaz, ou os seus representantes, não deduzirem oposição, ou se o ausente não comparecer a tempo de a deduzir, incumbe ao Ministério Público a defesa deles, para o que é citado, preferencialmente por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, correndo novamente o prazo para a contestação” [nº 1], cessando “a representação do Ministério Público ou do defensor oficioso logo que o ausente ou o seu procurador compareça ou logo que seja constituído mandatário judicial do ausente ou do incapaz” [nº 3].</font>
</p><p><font>A isto acresce que o artigo 189º, do CPC, pr | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5jJ8u4YBgYBz1XKvBg9S | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I</font>
</p><p><font> 1. AA e marido, BB, intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 11 107,91, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de € 2 484,55, e dos vincendos, até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Alegam – em síntese – que, em 27 de Julho de 2010, outorgaram escritura de doação, nos termos da qual a Ré lhes doou o prédio misto, na petição devidamente identificado, com reserva de usufruto para a doadora e com a obrigação de os donatários a tratarem e acompanharem na saúde e na doença; na sequência da escritura, a Autora passou a viver na casa usufruída pela Ré, fazendo a limpeza e as compras, prestando àquela todos os cuidados, acompanhando-a ao médico e levando-a a passear; por essa altura, e por indicações do advogado da Ré, foi aberta uma conta bancária conjunta da Autora e da Ré, para aquela ir pagando as despesas da casa e quaisquer outras que a Ré determinasse; em Setembro de 2010, a Ré solicitou ao Autor que lhe emprestasse a quantia de € 2 000,00, em vista ao pagamento de um imposto de selo, tendo este, aceitando tal pedido, depositado essa quantia na conta bancária acima aludida; em Outubro de 2010, a Ré recebeu a notificação fiscal para pagamento do imposto de selo em causa, no valor de € 9 107,91, a pagar até final do ano, dispondo, nessa altura, a dita conta bancária apenas de saldo € 3 219,02; a solicitação da Ré, a Autora pediu emprestado a DD o valor do imposto de selo a pagar, depositando tal montante na mesma conta; em 23 de Novembro de 2010, a Autora emitiu a favor do IGCP um cheque, no valor de € 9 107,91, para pagamento do dito imposto de selo; em 25 de Novembro de 2010, a Ré impediu a Autora de continuar a residir na habitação; nesse mesmo dia, a Autora solicitou, sem sucesso, a devolução dos indicados valores de € 2 000.00 e € 9 107,91.</font>
</p><p><font>Contestou a Ré, impugnando a totalidade da matéria de facto da petição inicial, com exceção da celebração da referida escritura de doação; relativamente à quantia de € 2 000,00, diz ela respeito ao subsídio por morte, no montante de € 2 500,00, que a Ré recebeu da Segurança Social, através de vale, e que o Autor se prontificou a depositar na conta bancária acima referida, apropriando-se, todavia, do remanescente de € 500,00; relativamente ao depósito, no valor de € 9 107,91, teve ele, por causa, a circunstância de os AA. saberem que a Ré teria que pagar uma quantia de igual valor nos Serviços de Finanças, relativa ao imposto devido pela herança que recebeu do seu irmão e, por fundamento, a ocultação da inexistência de saldo na conta, provocada pelos variados levantamento a que haviam procedido.</font>
</p><p><font>Deduziu reconvenção, alegando que, apesar das obrigações contraídas e exaradas na doação, os AA. deixaram de lhe prestar os cuidados de higiene, limpeza, tratamento de roupas e fornecimento de refeições e se apropriaram de valores em dinheiro existentes em contas suas e de objetos em ouro e valores que encontraram na sua casa; especifica que os AA. passaram a efetuar movimentos bancários, através de cheques e cartão multibanco associados à conta acima referida, para pagamento de despesas próprias e sem o seu consentimento, no valor global de € 32 371,06; as obrigações assumidas pelos AA. na doação correspondiam à prestação de serviços através de trabalhos pessoais ou de terceiros, em valor nunca inferior ao do salário mínimo nacional; desde 25/11/2010, tem acumulado danos de montante não inferior a € 31 500,00, a que acrescerão os vincendos, até que cesse o incumprimento dos AA.; por força das obrigações assumidas na doação, os AA. têm obrigação de pagar as despesas de saúde, designadamente as já suportadas por si, no valor de € 863,56, bem como as respeitantes à habitabilidade do imóvel, designadamente as dos consumos e alugueres de contadores da EDP, no valor de € 4 001,07; o seu estado de saúde foi agravado pelo descrito comportamento dos AA., provocando-lhe humilhação, ansiedade, nervosismo e preocupações, danos para cuja compensação reclama o pagamento de € 9 450,00; detém, nesta data, em vista do exposto, um crédito sobre os AA. de € 78 185,69, a que haverá que deduzir, por efeito de compensação, o valor indicado na petição de € 9 107,91; conclui, pedindo (i) que a ação seja julgada não provada e improcedente, sendo absolvida do pedido e (ii) que a reconvenção seja julgada provada e procedente, sendo os AA. condenados a pagar-lhe a quantia de € 78 185,69 ou, deduzido por compensação o valor de € 9 107,91, a quantia de € 69 077,78, acrescida de juros de mora, bem como as demais quantias que se vencerem, a partir desta data e até que cesse o incumprimento dos AA., a liquidar em execução de sentença.</font>
</p><p><font>Replicaram os AA., impugnando a totalidade dos factos constantes da contestação e da reconvenção.</font>
</p><p><font>Aduzem ainda que tais factos já foram alegados e discutidos na ação ordinária n.º 461/13.8TBBCL, do Tribunal da Comarca de ... e no processo crime n.º 372/11.1TABCL, do então Juízo Criminal do Tribunal de ...; concluem, pedindo que se decida pela inadmissibilidade da reconvenção quanto aos factos já discutidos e julgados na ação ordinária anterior e que se decida pela inadmissibilidade da reconvenção quanto aos novos factos invocados pela Ré, uma vez que os mesmos derivam e estão diretamente relacionados com aqueles outros.</font>
</p><p><font>Proferido despacho a admitir a reconvenção e, em sede despacho saneador, julgou-se improcedente a exceção de caso julgado invocada pelos AA., tendo-se, todavia, no mesmo despacho, admitido </font><i><font>«que se poderá questionar oportunamente e aquando do conhecimento do mérito (…) a existência ou não da autoridade de caso julgado, já que esta pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade referida, pressupondo sempre que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida»</font></i><font> e determinada a notificação das partes, em vista do disposto no nº 3 do art. 3º do CPC, para se pronunciarem sobre tal questão. Definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.</font>
</p><p><font>Na sequência da referida notificação, vieram os AA. requerer que, em obediência à autoridade do caso julgado, fossem eliminados os pontos 3 a 7 dos temas da prova fixados, todos respeitantes ao pedido reconvencional formulado, já anteriormente examinados na sentença proferida no processo 461/13.8TBBCL; opôs-se a R., alegando que os factos em causa foram no anterior processo dados como </font><i><font>não provados</font></i><font>, pelo que </font><i><font>«não existe risco de qualquer contradição ou produção de decisão contraditória»</font></i><font>; por despacho, ditado na abertura da audiência de julgamento, foram mantidos os temas de prova e relegado para sentença o conhecimento da questão, nos termos equacionados no despacho saneador.</font>
</p><p><font>Proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, com a condenação dos AA. a pagar à Ré a quantia de € 31 500,00, devida até ao momento da apresentação da reconvenção, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, a contar da notificação da reconvenção e até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia mensal de € 500,00 a partir dessa data e até que cesse o incumprimento dos AA. Mais condenou os AA. a pagar à Ré a quantia por esta gasta a título de despesas de saúde, desde 25 de Novembro de 2010 e até que cesse o incumprimento dos AA., cujo montante se relegou para liquidação.</font>
</p><p><font>Assinalou-se na sentença, quanto aos factos enquadrados nos temas de prova 3 a 7, que </font><i><font>«os mesmos foram considerados não provados </font></i><font>[no anterior processo 461/13.8TBBCL]</font><i><font> e como tal (…) não se formou a força de caso impeditiva dos mesmos serem novamente discutidos»</font></i><font> (fls. 189, v.).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Apelaram os AA., dissentindo da sentença da 1ª instância quanto à não verificação da autoridade do caso julgado, à fixação da matéria de facto e à interpretação da cláusula modal da doação.</font>
</p><p><font>O acórdão proferido pela Relação manteve integralmente a matéria de facto fixada pela 1ª instância e decidiu </font><i><font>«anular a sentença recorrida, por ser indispensável a ampliação da matéria de facto para esta passar a incluir a factualidade vertida nos artigos 8º, 9º e 18º da contestação/reconvenção da Ré, sem prejuízo de uma eventual alteração da demais matéria factual, caso se revele necessário para evitar contradições»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>A parte do acórdão respeitante à questão da autoridade do caso julgado será adiante examinada (</font><i><font>infra</font></i><font>, 8).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Pedem revista os AA. </font>
</p><p><font>A final da sua alegação, formulam as seguintes conclusões:</font>
</p><p><i><font>«1ª - As questões relativas ao invocado "incumprimento das condições da doação pelos recorrentes", "apropriação de objetos de ouro", "abandono da casa da recorrida" e "dependência da recorrida do apoio da família" nas quais a recorrida fundamenta o pedido reconvencional da presente ação, foram já apreciadas na ação anterior nº 461/13.8TBBCL, que considerou toda essa factualidade "não provada", não podendo, por isso, o tribunal "a quo" voltar a apreciar e decidir de forma diferente tais factos (…).</font></i>
</p><p><i><font>2ª – Constitui grave incongruência de julgados dar a essas questões fundamentais e necessariamente comuns para a definição dos pedidos que representam o objeto de ambas as ações, solução divergente da que foi estabelecida na anterior ação transitada em julgado (…).</font></i>
</p><p><i><font>3ª – Há, pois, ofensa da autoridade do caso julgado quanto aos factos dos pontos 1.° a 15.°, 19.°, 20.°, 43.° a 45.° e 52.° a 58.° da contestação, não podendo o tribunal "a que" decidir de forma contraditória e incompatível com a anterior decisão proferida na ação nº 461/13.8TBBGL (…).</font></i>
</p><p><i><font>3ª </font></i><font>[4ª] </font><i><font>– O tribunal "a quo" na decisão sobre a alteração da matéria de facto do ponto 28. não considerou o documento de fls. 160 a 163, que implica necessariamente decisão diversa da proferida, uma vez que a recorrida não se opôs ao teor dessa comunicação.</font></i>
</p><p><i><font>4ª </font></i><font>[5ª] </font><i><font>– O tribunal "a quo" não se pronunciou sobre a questão da exigência do cumprimento dos encargos previstos na doação como pressuposto para o pagamento de uma eventual indemnização à recorrida, verificando-se, por isso, a nulidade do acórdão proferido (…)»</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Ré não apresentou contra-alegação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. Há, liminarmente, que </font><u><font>delimitar o objeto do recurso</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5.1. O acórdão da Relação, do qual vem pedida revista, não conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo – não deveria, pois, em vista da regra geral contida no nº 1 do art. 671º do CPC, ser objeto de recurso.</font>
</p><p><font>A admissibilidade do presente recurso comporta-se no específico fundamento estabelecido na parte final da alínea a) do nº 2 do art. 629º do CPC, fundamento esse delimitador do respetivo âmbito: </font><u><font>ofensa de caso julgado</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Não será, deste modo, possível conhecer das questões indicadas nas duas últimas conclusões da alegação dos Recorrentes, que em nada ao tema respeitam.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5.2. Tem-se, portanto, como </font><b><font>única questão a decidir, a verificação, ou não, de ofensa de caso julgado, mais precisamente, no caso dos autos, da </font></b><b><i><font>autoridade do caso julgado</font></i></b><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. À questão a decidir apenas interessam os seguintes pontos da matéria de facto fixada pelas instâncias:</font>
</p><p><i><font>«(…)</font></i>
</p><p><i><font>7. A Ré instaurou acção de processo comum contra os aqui Autores, a qual correu termos na 1ª Secção Cível da Instância Central de ... com o nº 461/13.8TBBCL, a qual foi julgada totalmente improcedente por sentença proferida em 24/04/2015, confirmada por Acórdão da Relação de ... de 19/11/2015, conforme consta da certidão de fls. 77 e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font></i>
</p><p><i><font>8. Na acção referida no número anterior a Ré peticionava que fosse decretada resolução da doação por si efectuada a favor dos Autores ou, em alternativa, a sua revogação, e ainda o cancelamento do registo de aquisição a favor dos Réus e posteriores</font></i>
</p><p><i><font>(…)»</font></i>
</p><p><font>Tal matéria de facto deve ser integrada pelo que acima, no relatório inicial, se deixou consignado e ainda pelo que consta das referidas decisões da 1ª instância e da Relação, proferidas no Proc. 461/13.8TBBCL, cujas certidões foram mandadas juntar aos autos (fls. 77/87).</font>
</p><p><font>Cabe precisar, relativamente à anterior ação proposta pela ora R.:</font><br>
<font>· Na anterior ação, como fundamento do pedido de resolução, ou revogação, da doação, fora alegado que os aqui AA. tinham deixado de cumprir as obrigações estipuladas na escritura da doação e que os mesmos se tinham apropriado de bens e valores da ora R., designadamente objetos em ouro, bem como, em proveito próprio, de dinheiro depositado no BPI.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. </font><b><font>O caso julgado material</font></b><font> – ponto comummente assinalado na jurisprudência e na doutrina</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> –, pelo seu efeito e funcionalidade processual, </font><b><font>tanto pode ser dimensionado como </font></b><b><i><font>exceção</font></i></b><b><font> ou como </font></b><b><i><font>autoridade</font></i></b><font>: no primeiro caso, de efeito (dominantemente) negativo</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, exigindo uma tríplice identidade (art. 581º do CPC); no segundo, apenas de efeito positivo, não.</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> </font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Suposta, obviamente, também quanto à autoridade do caso julgado, a </font><i><u><font>identidade subjetiva</font></u></i><font> (exigida, desde logo, pelo princípio do contraditório – art. 3º do CPC).</font>
</p><p><font>No caso dos autos, o despacho saneador, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 595º do CPC, apenas conheceu do efeito do invocado caso julgado na primeira dimensão apontada e, sem melhor explicitação, entendendo que, apenas aquando do </font><i><font>conhecimento de mérito</font></i><font>, se poderia dilucidar a questão, na segunda dimensão referida (conformá-la-ia o acórdão da Relação como </font><i><font>exceção dilatória inominada de autoridade do caso julgado</font></i><font>), relegou para final sobre ela a decisão – entendimento esse confirmado no despacho ditado na abertura da audiência de julgamento, tendo mantido os pontos 3 a 7 dos temas da prova fixados, os quais alegadamente integravam matéria alcançada pela autoridade do caso julgado (despacho de que não cabia recurso – nº 4 do mesmo artigo).</font>
</p><p><font>Vejamos como a questão foi examinada no acórdão da Relação, em resultado do recurso interposto da decisão final da 1ª instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8. Compaginando o pedido principal no anterior processo com o nestes autos deduzido por via reconvencional, começa o acórdão da Relação por estabelecer que estamos perante </font><i><font>«causas de pedir baseadas, no essencial, no mesmo conjunto de facto concretos, mas com pedidos diversos. Ou seja, tratam-se de causas de pedir distintas e autónomas entre si»</font></i><font>:</font><i><font> «(…) no processo anterior (461/13.8TBBCL) a aqui Ré pediu que fosse decretada a resolução da doação do imóvel ou, em alternativa, declarada a sua revogação, invocando como fundamento da sua pretensão que os Réus deixaram de cumprir as suas obrigações, apropriando-se de bens e valores da Ré, designadamente objetos em ouro e usaram dinheiro da Ré existente no BPI em proveito próprio. Diversamente, nos presentes autos, a Ré, em sede de reconvenção, alega - da mesma forma – que os Autores abandonaram a sua casa e deixaram de lhe prestar os cuidados de higiene, limpeza, tratamento de roupas e fornecimento de refeições, tendo-se apropriados de diversas quantias monetárias, mas pede – diversamente - que os Autores sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 78 185,69 ou, deduzida por compensação a quantia de € 9 107,91, a quantia de € 69 077,78, acrescida de juros de mora, à taxa anual e legal, contados desde a data da notificação para contestar e até integral pagamento, bem como as demais quantias que se vencerem, a partir desta data e até que cesse o incumprimento dos Autores, a liquidar em execução de sentença (quantias estas referentes a valores monetários apreendidos pelos Autores, valor monetário da prestação de serviços assumida pelos Autores, despesas de saúde e de energia eléctrica e indemnização por danos morais)»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Considera, seguidamente, que </font><i><font>«o que os Recorrentes invocam nas alegações de recurso é que na ação anterior n.º 461/13.8TBBCL resultaram “não provados” os factos nos quais a recorrida fundamenta o pedido reconvencional da presente ação (…) Temos, portanto, que o caso aqui trazido não se prende com a autoridade de caso julgado decorrente da decisão final na ação anterior, mas da possibilidade de os factos considerados não provados em tal sentença serem susceptíveis de assumir o estatuto de factos definitivos, por virtude da autoridade de caso julgado»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Examinando e decidindo a questão, nesses termos formulada, diz: </font><i><font>«(...) o elenco dos factos provados e não provados está, como é evidente, na base da decisão de direito, mas não condiciona, de alguma forma, a apreciação jurídica dos mesmos (…) Por inerência, uma certa decisão jurídica com base num certo conjunto de factos poderá validamente ocasionar diferente decisão jurídica numa nova ação com base nos mesmos factos. Assim sendo, a conclusão final, é a de que as exceções em apreciação “somente” têm aplicação às questões fáctico-jurídicas concretas já decidas anteriormente, ficando fora do seu campo de aplicação os meros factos (provados ou não provados). Conclui-se, por inerência, pela improcedência deste específico fundamento de recurso»</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9. A questão a decidir no presente recurso, tal como se enunciou (</font><i><font>supra</font></i><font>, 5.2), pode agora ser precisada, com referência aos </font><b><font>limites objetivos da autoridade do caso julgado, no que respeita aos fundamentos, aos </font></b><b><i><font>fundamentos de facto</font></i></b><b><font>, da anterior decisão transitada</font></b><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9.1. A par de manifestas </font><b><font>razões de economia processual</font></b><font>, bem como da associação ao</font><b><font> </font></b><b><i><font>prestígio dos tribunais</font></i></b><font>, funda-se o instituto do caso julgado nos </font><b><font>princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança</font></b><font>: </font><i><font>«Embora o princípio da intangibilidade do caso julgado não esteja previsto, </font></i><font>expressis verbis</font><i><font>, na Constituição, ele decorre de vários preceitos do texto constitucional (…) e é considerado como subprincípio inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de princípio garantidor de certeza jurídica. As excepções ao caso julgado deverão ter, por isso, um fundamento material inequívoco (exs.: «revisão de sentença», no caso de condenação injusta ou «erro judiciário»; …). É diferente falar em segurança jurídica quando se trata de caso julgado e em segurança jurídica quando está em causa a </font></i><font>uniformidade ou estabilidade da jurisprudência</font><i><font>»</font></i><font>.</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Subordinadamente, dispõe o CPC, em matéria de </font><i><font>garantia de acesso aos tribunais</font></i><font> (art. 2º, nº 1), que </font><i><font>«A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar»</font></i><font>. </font>
</p><p><font>Com o trânsito em julgado, sem prejuízo de poder vir a ser objeto de revisão, nos restritivos termos dos arts. 696º e ss. do CPC, </font><i><font>«a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele»</font></i><font> e passa a constituir </font><i><font>«caso julgado nos precisos limites e termos em que julga»</font></i><font> (CPC, arts. 619º, nº 1 e 621º).</font>
</p><p><font>O art. 580º do CPC, reportando-se à exceção, quer da litispendência, quer do caso julgado, ambas pressupondo a </font><i><font>repetição de uma causa</font></i><font>, as mesmas </font><i><font>«têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior»</font></i><font> (nº 2 do preceito).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9.2. O tema dos </font><b><font>limites objetivos do caso julgado</font></b><font>, da amplitude da sua abrangência e alcance, embora parecendo presentemente ultrapassada a tese que restringia, rígida e exclusivamente, à parte decisória da sentença o âmbito do caso julgado</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>, é diferentemente equacionado na jurisprudência e na doutrina, podendo reter-se, na generalidade, a jurisprudência reiterada deste tribunal no sentido de que </font><i><font>o âmbito objetivo do caso julgado se estende à apreciação das questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão.</font></i><font> </font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Delimitar a abrangência da coisa julgada é, antes do mais, uma </font><b><i><font>questão de política legislativa</font></i></b><i><font>, que envolve a interpretação dos princípios fundamentais do processo e o sopesamento das vantagens e desvantagens de cada uma das alternativas possíveis</font></i><font>.</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a>
</p><p><font>No que respeita à </font><i><u><font>interpretação e aplicação do direito</font></u></i><font>, a questão visa a </font><b><font>definição</font></b><font>, quanto ao alcance com força de caso julgado da sentença, </font><b><font>dos </font></b><b><i><font>«precisos limites e termos em que julga»</font></i></b><font> (arts. 619º, nº 1 621º, cits.</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>), </font><u><font>não havendo para o caso que convocar a norma atualmente contida no nº 2 do art. 91º do CPC</font></u><font>, norma cuja previsão apenas irá abranger as questões e incidentes que não estejam (por si) já alcançados pela força do caso julgado.</font>
</p><p><font>Questão originariamente suscitada com a entrada em vigor do CPC de 1961 (em idênticos termos mantida no atual, de 2013), pela não subsistência expressa do regime contido no § único do art. 660º e na alínea b) do artigo 96º do anterior código de 1939, disposições à luz das quais era de </font><i><font>sustentar estar admitida a extensão do caso julgado à decisão das questões cuja resolução fosse necessária ao conhecimento do objeto da ação</font></i><font>. </font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a>
</p><p><b><font>A verificada omissão legislativa não comporta qualquer sinal orientador para o intérprete e aplicador do direito</font></b><font>. Cuidou-se, confessadamente, de consignar no anteprojeto do diploma o propósito de </font><i><font>«não tocar no problema e deixar à doutrina o seu estudo mais aprofundado e à jurisprudência a sua solução, caso por caso, mediante os conhecidos processos de integração da lei»</font></i><font>.</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9.3. Referida, na generalidade, a extensão ao âmbito objetivo do caso julgado das </font><i><font>questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão</font></i><font>, importa quanto a ela </font><u><font>distinguir entre a sua dimensão interpretativa</font></u><font>, comumente aceite</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font> </font><u><font>e a sua consideração autónoma</font></u><font> –</font><u><font> </font></u><font>com respostas divergentes, na jurisprudência e na doutrina –, </font><b><font>(i) podendo, relativamente a outros litígios entre as mesmas partes, designadamente quando se verifique uma </font></b><b><i><font>relação de prejudicialidade</font></i></b><b><font>, ser-lhe concedida força de caso julgado ou (ii) negando-lha liminarmente</font></b><font>, subsumindo-se a decisão que sobre elas incidira à previsão do nº 2 do art. 91º do CPC, cit.</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a>
</p><p><font>É aquela possibilidade de extensão do caso julgado a relações de prejudicialidade que, </font><b><font>para a resolução do caso</font></b><font>, importará seguidamente examinar.</font>
</p><p><font>Admite-se, para tanto, como </font><i><u><font>regra geral</font></u></i><font>, que os fundamentos de facto da sentença não estarão cobertos pelo caso julgado, dito de outro modo, </font><i><font>os fundamentos de facto da sentença, quando dela autonomizados, não adquirem valor de caso julgado</font></i><font>.</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font> </font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a>
</p><p><b><font>Regra geral que comportará exceções, à luz da estabelecida relação de prejudicialidade</font></b><font>: </font><i><font>«(…) também se verificam situações em que os fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado. Esses fundamentos possuem um valor próprio de caso julgado sempre que haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e um outro objecto (…). Essas conexões podem ser várias: sem excluir outras possíveis, (…) as relações de prejudicialidade (…)»</font></i><font>.</font><a><u><sup><font>[16]</font></sup></u></a><font> </font><a><u><sup><font>[17]</font></sup></u></a>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9.4. Importa, deste modo, tendo em vista a resolução do concreto caso dos autos, determinar </font><b><font>em que termos deve ser configurada a </font></b><b><i><font>relação de prejudicialidade</font></i></b><b><font> em causa, para que os fundamentos de facto da anterior decisão judicial, autonomamente considerados, possam projetar-se, com valor e força de caso julgado, em outro processo entre as mesmas partes e com diferente objeto, impondo-se como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito</font></b><font> (aludido </font><i><u><font>efeito positivo</font></u></i><font> da autoridade do caso julgado).</font>
</p><p><font>A base jurídica em que se assenta será sempre determinada pelo </font><b><font>art. 619º, nº 1 do CPC</font></b><font>, interpretado o art. 621º do mesmo código, como devendo ser aplicado, não apenas restringido à parte injuntiva da sentença, mas podendo abarcar os respetivos fundamentos de facto (</font><i><font>supra</font></i><font>, 9.2).</font><a><u><sup><font>[18]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Presentes o </font><i><u><font>princípio dispositivo</font></u></i><a><u><sup><font>[19]</font></sup></u></a><i><font>,</font></i><font> que, gradualmente mitigado, rege o nosso sistema processual civil e </font><u><font>o da </font></u><i><u><font>substanciação da causa de pedir</font></u></i><font>, cabendo ao autor fornecer os factos necessários dos quais emerge a sua pretensão, factos esses nuclearmente delimitadores do âmbito de cognição do tribunal, a eles podendo acrescer outros de natureza instrumental, complementar, notória, ou de conhecimento oficioso, devendo a sentença confinar-se ao objeto do processo, integrado pelo pedido e pela causa de pedir [arts. 5º, nº 1, 552º, alínea d), 581º, 608º, nº 2, 609º, nº 1, 615º, nºs. 1, alíneas d) e e) e 2], </font><b><font>hão-de os fundamentos de facto da sentença proferida em anterior processo, fundamentos aos quais se pretende autonomamente atribuir força de caso julgado neste processo, reportarem-se e responderem aos que nesse outro foram trazidos pelo autor, que não pode sobre os mesmos procurar nova decisão judicial</font></b><a><u><sup><font>[20]</font></sup></u></a><b><font>, com proporcionalidade e inteiro respeito pelo princípio dispositivo, se </font></b><b><i><font>evitando que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior</font></i></b><font> – sempre salvaguardadas as exigências de justiça e de verdade quanto a essa decisão anteriormente proferida, nos termos facultados pelo art. 696º do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9.5. No caso dos autos, como vem referido no acórdão da Relação, sendo as mesmas as partes no processo, não se verificando identidade do pedido, nem da causa de pedir, é </font><i><font>«no essencial, o mesmo conjunto de facto concretos»</font></i><font> trazidos pela Autora ao tribunal na anterior ação e na presente (na anterior ação a Autora havia alegado que os RR. tinham deixado de cumprir as obrigações estipuladas na escritura da doação e que os mesmos se tinham apropriado de bens e valores da ora R., designadamente objetos em ouro e de dinheiro depositado no BPI), nesta o pedido deduzido por via reconvencional, nos termos previstos no art. 266º do CPC.</font>
</p><p><font>Na anterior ação o tribunal conheceu dos factos alegados pela Autora e, tendo-os dado por não provados, absolveu os RR. do pedido (não importando que a decisão tenha sido no sentido de os dar por provados, ou não; ela vale, enquanto </font><i><font>resposta aos fundamentos de facto invocados</font></i><font> pela Autora no pedido formulado).</font>
</p><p><font> São essencialmente esses mesmos factos, agora fundando pedido diverso, que a Reconvinte vem apresentar ao tribunal pretendendo que, através de nova decisão, seja a resposta a eles modificada.</font>
</p><p><b><font>A decisão sobre eles proferida no anterior processo deverá vincular o tribunal neste processo</font></b><font> (</font><i><font>supra</font></i><font>, 9.4), </font><b><font>resultando </font></b><b><i><font>precludida </font></i></b><b><font>a possibilidade de nova demanda ao tribunal, visando diferente resposta relativamente aos mesmos factos, a fundar a pretensão</font></b><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Relação, ao manter a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, na parte em que fora de modo diverso decidido no Proc. 461/13.8TBBCL, incorreu em </font><u><font>violação do caso julgado formado sobre a decisão anteriormente proferida, nos termos definidos no presente acórdão</font></u><font>: deve, em consequência e em conformidade com aquela decisão, ser alterada, mantendo-se ou não no mais o decidido, conforme venham ou não a ser entendidas como necessárias outras modificações, em resultado da produzida.</font>
</p><p><font> III</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos expostos, acorda-se em conceder revista, anulando-se o acórdão recorrido, enquanto no mesmo foram dados como provados pontos da matéria de facto com violação do caso julgado formado sobre a sentença anteriormente proferida no Proc. 461/13.8TBBCL, nos termos definidos no presente acórdão, devendo o processo voltar à Relação para, nessa parte, à luz da apontada vinculação, e no que entendido for por consequente, ser reapreciada a decisão, pelos mesmos juízes, sendo possível.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Custas, a final.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 4 de Dezembro de 2018.</font>
</p><p><font> </font>
</p>< | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5jIqvIYBgYBz1XKvE65B | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - No tribunal da comarca de Santo Tirso, em 6 de Dezembro de 1984, propuseram os Autores A e mulher B a presente acção de reivindicação contra os reus C e mulher D, alegando em suma que os Autores são legitimos donos do predio urbano sito no lugar da Estação, S. Romão do Coronado, destinado a industria e armazens e anexos e logradouro, inscrito na matriz urbana sob o numero 626 e omissa na Conservatoria do Registo Predial que o Autor marido cedeu ao reu marido em Março de 1984 e por tres meses para os reus o utilizarem como armazem das maquinas e ferro e material proveniente da falencia de Moveis Baia. Alegando que os reus se recusam a entregar o imovel, pedem: a) sejam reconhecidos os Autores como legitimos proprietarios desse imovel, b) condenados os reus a desocuparem-no e entregarem aos Autores, c) condenados a pagarem, de indemnização aos Autores, 720000 escudos.<br>
Contestaram os reus por excepção (invocam que ocupam tal predio em virtude do contrato escrito de arrendamento, de 1 de Março de 1984, conforme documento de folhas 14) e por impugnação.<br>
A replica e treplica, seguiu-se o saneador julgando a petição inapta a absolvidos os reus da instancia.<br>
Os Autores recorreram e a Relação do Porto julgou a acção improcedente absolvendo os reus do pedido (folhas 59). Do respectivo acordão recorreram os Autores para este Supremo que julgou os Autores donos do predio em questão, ordenando o prosseguimento da acção para o conhecimento do pedido da sua restituição (folhas 97 verso).<br>
Proferidos saneador, especificação e questionario, reclamaram os Autores a folhas 111 e 117 e dos despachos de indeferimento agravaram. E, na fase do julgamento, o tribunal ordenou a suspensão da instancia por falta do registo da acção (folhas 140), despacho que foi tambem objecto de agravo dos Autores.<br>
A Relação do Porto negou provimento aos primeiros dois agravos, mas concedeu-o quanto a suspensão da instancia, ordenando o prosseguimento da acção para se conhecer dos pedidos das alineas b) e c) dos Autores.<br>
Procedeu-se a julgamento na 1 instancia que proferiu, depois, sentença julgando improcedente a acção quanto aqueles pedidos e condenando os Autores como litigantes de ma-fe.<br>
Em apelação dos Autores, a Relação do Porto alterou o quesito 6 e sua resposta, confirmando a sentença.<br>
Desse acordão trazem os Autores esta revista para o Supremo terminando as suas alegações com conclusões demasiado extensas, ao arrepio da doutrina do Acordão deste Supremo, de 2 de Fevereiro de 1984, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 334, pagina 401, mas que se vai aqui tentar sintetizar:<br>
1-2-3) O tribunal esta vinculado aos factos alegados pelas partes - artigo 664 do Codigo de Processo Civil -, ora os reus alegaram no artigo 2 da contestação que "os reus ocupam o predio reivindicado por virtude do contrato escrito de arrendamento celebrado em 1 de Março de 1984, nos termos do doc. "que e o de folhas 14 e se acha assinado pelo A. marido, sem intervenção da Autora mulher.<br>
4) A entender-se que a intervenção da Autora mulher era irrelevante, a acção deveria improceder no saneador.<br>
5) A entender-se que a intervenção da Autora mulher era essencial a acção, deveria proceder no saneador o artigo 1682-A do Codigo Civil e 510 do Codigo de Processo Civil.<br>
6) A entender que os autos deviam prosseguir, o tribunal teria que dar como assente o documento de folhas 14 (contrato não impugnado) ou remeter o questionario, no que se refere ao quesito 6, para o artigo 2 da contestação.<br>
7) Se fosse quesitada sem remissão do articulado, teria o quesito 6 de referir que o "documento de folhas 14 assinado so pelo Autor marido".<br>
8) Referido no quesito 6 ..." o predio em causa foi cedido aos Autores por contrato celebrado em 1 de Março de 1984...", teriam os Autores pensado de boa-fe que a omissão de "escrito assinado so pelo Autor marido" não fora com o proposito de vir a ser dado como provado outro contrato diferente do alegado pelos reus na sua contestação.<br>
9-10) Face aos artigos 664 e 511 do Codigo de Processo Civil, os recorrentes podiam acreditar, de boa-fe, que a resposta ao Quesito 6 seria feita com o conteudo do documento de folhas 14 (artigo 393, n. 2, do Codigo Civil). O tribunal não poderia exorbitar, na sua resposta, da materia alegada, ou substitui-la por outra, como ..."contrato verbal celebrado entre Autores e Reus.<br>
11-12) Formulando-se o quesito 6, como foi, violaram-se os artigos 511, ns. 1 e 2 e 664 do Codigo Processo Civil e 313, n. 2, Codigo Civil. Com a resposta que se lhe deu, violados foram os artigos 664 e 668, n. 1, d) do Codigo de Processo Civil, impondo-se que seja alterada essa resposta - 712 do Codigo de Processo Civil.<br>
13-14-15) Violando-se o n. 2 da contestação, documento de folhas 14, dando-se provado o contrato verbal entre Autores e reus, que ninguem alegou, pode julgar-se a acção improcedente, e que a Autora recebia rendas, não alegado nem consta do quesito 7, violando o doc. de folhas 15.<br>
16-17-18-19) Se consentimento não houve, a Autora mulher nunca entregou o predio aos reus, consentimento que nem Autores nem reus alegaram, e indispensavel. Mesmo a pretender-se alegação de consentimento, o tribunal não pode sobrepor-se a falta dessa alegação.<br>
20-21) A ter sido alegado o consentimento, a Autora mulher não teria que pedir anulação previa, mas nesta acção (Assento de 12-08-30). Se fosse esse o caso, seria materia de quesito subsidiario.<br>
22-23-24) Anulando-se a resposta ao quesito 7 e invocado o consentimento tacito da autora mulher, dar-se-a garantia ao disposto nos artigos 611 ns. 1 e 5, 664, 668, n. 1, d) do Codigo de Processo Civil.<br>
A divergencia quanto a interpretação do contrato de folhas 14 não pode ser reprimida com abuso da redacção dum dum quesito e abuso da resposta, pelo que o recurso merece total provimento, revogando-se a litigancia de ma-fe. Violou o acordão recorrido ainda os artigos 393, n. 2, e 394 do Codigo Civil.<br>
Contra-alegaram os reus-recorridos pugnando pela confirmação do acordão.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
II - São os seguintes os factos dados como provados:<br>
Os Autores são donos e possuidores do predio urbano sito em S. Romão do Coronado, "inscrito na matriz sob o numero 626 - A esp.<br>
Os reus recusam-se a entregar aos Autores esse predio e depositam nele maquinas e moveis adquiridos da falencia de "Moveis Baia" e ainda bens adquiridos em outros locais e a outras pessoas - Q. Q. 2 a 3.<br>
O mesmo predio foi cedido pelos Autores aos reus, por contrato celebrado em 1 de Março de 1984, para gozo e fruição dos reus, mediante o pagamento aos Autores de uma retribuição mensal - resp. Q. 6.<br>
Os reus tem pago aos Autores - retribuição mensal (renda) acordada entre si - resp. Q. 7.<br>
Os autores são casados segundo o regime de comunhão geral de bens, desde 18 de Outubro de 1958 - documento de folhas 199 a 200.<br>
Não ficaram provados os quesitos 1, 4 e 5 (acordão de folhas 202).<br>
São estes os factos provados - vide acordão da Relação a folhas 241 e verso.<br>
III - Toda a grande batalha que os Autores recorrentes movem na presente "revista" contra os factos dados como provados, nomeadamente no acordão recorrido da Relação do Porto, parece ignorar os comandos dos artigos 722, n. 2, e 712, n. 1, do Codigo de Processo Civil.<br>
Preceitua o primeiro destes que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista , salvo havendo ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa especie de prova... ou que fixa determinado meio de prova.<br>
Estabelece o 2 dos normativos citados que as respostas do tribunal colectivo aos quesitos não podem ser alterados pela Relação salvo.... E, em referencia a este preceito do artigo 712 do Codigo de Processo Civil, ja vem de longe a jurisprudencia deste Supremo de que, como tribunal de revista, não pode o Supremo indagar se houve erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, sendo-lhe porem licito exercer censura sobre o uso que as Relações fazem dos poderes que lhe são conferidos no n. 1 do artigo 712 do Codigo de Processo Civil, conforme Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-03-72, no Boletim do Ministerio da Justiça n. 215, pagina 158, o de 23-06-72, no Boletim n. 218, pagina 189, etc.<br>
Por outro lado, e tambem jurisprudencia deste Supremo que e questão de direito saber se as instancias exorbitaram ou não nas respostas aos quesitos, considerando-se não escrita a resposta sobre materia não quesitada - Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Abril de 1966, no Boletim do Ministerio da Justiça n. 156, pagina 368 - sendo, porem, licito ao Tribunal da Relação reduzir a resposta "excessiva" ao quesito, como pode o tribunal modificar o quesito contanto que ele corresponda a facto articulado pelas partes: - Conferir<br>
A. Varela e Outros - Manual de Processo Civil, edição de 1984, paginas 412 e seguintes.<br>
Ora, o quesito 6 em causa e que tão excessiva e obcessivamente preocupa os ora recorrentes, na quase totalidade das conclusões das suas alegações, esta assim redigido:<br>
Quesito 6: "O predio em causa foi cedido pelos Autores aos reus, por contrato celebrado em 1 de Março de 1984, para gozo e fruição dos reus, mediante o pagamento aqueles de uma retribuição mensal? - folhas 109 verso.<br>
Resposta: Provado - folhas 202<br>
E o quesito 7 esta assim formulado:<br>
Quesito 7: "Desde então [1-03-84] sempre os reus pagaram essa retribuição mensal? - folhas 109 verso<br>
Resposta: "Provado que os reus não tem pago aos Autores a retribuição mensal (renda) acordado entre si - folhas 202.<br>
Acrescenta-se que, na sua contestação, os reus haviam oposto a mera "cedencia ocasional de tres meses" (artigo 6 da petição) que eles, reus compravam o predio em causa por virtude do contrato escrito de arrendamento celebrado em 1 de Março de 1984, conforme documento de folhas 14, pagando desde então a renda, de que lhes foram passados recibos conforme documento folhas 15 (artigo 2 e 3 da contestação).<br>
Sendo assim, tendo a Relação modificado a resposta ao Quesito 6 deste modo: "os reus ocupam o predio reivindicado por virtude de contrato escrito de arrendamento celebrado em 1 de Março de 1984, nos termos do documento de folhas 14" (folhas 242), por se tratar de materia alegada pelos reus e que se contem no artigo<br>
2 da sua contestação, com referencia ao documento de folhas 14, não tem este Supremo que exercer qualquer censura a modificação da resposta do tribunal colectivo (vide folhas 109 verso), nem que fazer reparo a resposta ao quesito 7.<br>
E o acordão da Relação, ora recorrido, termina assim:<br>
"A anulabilidade do contrato de arrendamento em causa, por falta de consentimento da autora, não foi invocada<br>
[o que e exacto], nem poderia se-lo aqui por via de excepção. Sempre essa anulabilidade se deveria ter como sanada. A existencia desse contrato de arrendamento e circunstancia impeditiva do direito dos Autores a restituição do predio, como se decidiu, o que não vem questionado..." "Foi conscientemente alterada a verdade do facto essencial e deduzida pretensão em fundamento legal (artigo 456, n. 2, do Codigo de Processo Civil)" -<br>
- folhas 247 in fine a 247 verso. Eis quanto basta - ate se foi longe demais - para se julgarem improcedentes todas as conclusões dos recorrentes.<br>
Nenhuma norma de direito, das tantas invocadas, foi pelo acordão recorrido violada.<br>
IV - A ma-fe dos Autores, recorrentes.<br>
Como se referiu, no relatorio deste acordão, foram os Autores condenados como litigantes de ma-fe na multa de 20000 escudos, nos termos dos artigos 456, n. 2 do Codigo de Processo Civil e artigo 208, alinea a) do Codigo das Custas Judiciais (folhas 209 verso - 210), com a confirmação pelo acordão da Relação (folhas 243 verso).<br>
Acontece que essa multa foi fixada na sentença da 1 instancia, dentro dos limites estabelecidos na alinea a) do n. 1 do artigo 208 do Codigo das Custas Judiciais.<br>
A conduta posterior dos Autores, recorrentes, quer pelos fundamentos que invocou para o recurso a Relação, quer pelos aduzidos, muito prolixamente, na revista para este Supremo, fazendo tabua raza do disposto no artigo 722, n. 2, do Codigo de Processo Civil, mostra que os recorrentes fazem dos meios processuais uso manifestamente reprovavel com o fim de conseguirem objectivo ilegal, pelo que se impõe elevar aquele quantitativo da multa dentro dos limites na lei fixados, com o que este Supremo so estimula a acção pedagogica, que e tambem sua mais alta missão, de evitar que o Supremo seja uma 3 instancia.<br>
Assim, eleva-se a multa, por ma-fe, para a quantia de 100000 escudos (cem mil escudos) que - acentua-se - e apenas 1/3 do maximo anteriormente previsto na mesma alinea a) do Codigo das Custas Judiciais anterior, na redacção do Decreto-Lei 223/83, de 27 de Junho.<br>
V - Decisão:<br>
Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo no seguinte: a) negar a revista, por improcedente o recurso. b) elevar a multa, por ma-fe dos recorrentes-autores, nos termos e fundamentos atras referidos, para a quantia de 100000 escudos (cem mil escudos), em que os Autores recorrentes passam a ser condenados. c) condenar os recorrentes nas custas, fixando-se a procuradoria aos reus em metade da taxa de justiça devida.<br>
Lisboa, 14 de Maio de 1991.<br>
Vassanta Tamba,<br>
Joaquim de Carvalho,<br>
Marques Cordeiro.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
9DKXu4YBgYBz1XKvcx_b | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. - AA intentou, em 12.7.2010, por apenso ao processo de falência nº 652/03.0TYVNG, acção declarativa “para verificação ulterior de créditos e outros direitos”, invocando o disposto nos artigos 203º e 205º do C.P.E.R.E.F., contra a “Massa Falida de BB, Lda.”, e seus Credores, pedindo que lhe fosse reconhecido o direito à execução específica - com prolação de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso - e de separação da Massa e restituição das fracções que a Ré lhe prometeu vender ou, subsidiariamente, que se reconhecesse o incumprimento, pela mesma Ré, do contrato-promessa de compra e venda, com a devolução ao Autor, em dobro, das quantias entregues a titulo de sinal, o reconhecimento do direito de retenção, bem como o direito à separação ou restituição da fracção autónoma e dois lugares de garagem.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Contestou a Massa Falida, apenas por excepção, invocando a caducidade do direito do autor propor a presente acção, por se encontrar ultrapassado o prazo previsto no artigo 205º do C.P.E.R.E.F.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Autor respondeu para sustentar que a acção diz respeito a verificação de direitos com vista à restituição e separação de bens e não a uma mera reclamação de créditos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No despacho saneador julgou-se procedente a excepção peremptória de caducidade suscitada pela Ré e, em consequência, extinto o direito de acção do Autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Tribunal da Relação, confirmou o julgado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Autor interpôs, então recurso de revista, invocando o concurso de pressupostos justificativos da sua admissibilidade a título excepcional relativamente à questão de saber se “existe caducidade do direito de acção”, requisitos que a Formação julgou verificados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Nas conclusões da alegação que ofereceu, o Autor-recorrente argumenta como segue.</font>
</p><p><font> 1. A presente acção, em bom rigor, diz respeito a verificação de direitos, com vista à restituição e separação de bens, como se alcança do pedido formulado na petição inicial.</font>
</p><p><font> 2. Daí que não se trate de mera reclamação de créditos.</font>
</p><p><font> 3. É jurisprudência pacífica e unânime do Supremo Tribunal de justiça que o regime previsto no nº 2 do artigo 205º do C.P.E.R.E.F. não é aplicável aos casos de reivindicação, restituição ou separação de bens, mas tão somente aos de reclamação de créditos.</font>
</p><p><font> 4. Com efeito, a acção destinada a actuar o direito de pedir, depois de findo o prazo para a reclamação de créditos, a separação ou restituição de bens, indevidamente apreendidos para a massa falida, não está sujeita aos prazos de caducidade a que alude o artigo 205º, nº 2, do C.P.E.R.E.F.</font>
</p><p><font> 5. De tal modo que a interpretação extensiva ou analógica do nº 2 do artigo 205º do C.P.E.R.E.F. é de todo em todo inadmissível.</font>
</p><p><font> 6. Com efeito, trata-se de uma disposição excepcional, pois, fixa um prazo de caducidade.</font>
</p><p><font> 7. E, assim, não se admite interpretação extensiva (art. 11º do CC), não existindo quaisquer razões de ordem lógica ou imperativos constitucionais que justifiquem uma interpretação extensiva, contrária à vontade claramente expressa pelo legislador. </font>
</p><p><font> 8. Por conseguinte, tal acção, como a dos autos, pode ser interposta a todo o tempo, não estando sujeita a caducidade.</font>
</p><p><font> 9. Cfr. acs. do STJ, de 16 de Abril de 1996 (no BMJ n.º 456º, p. 332); de 4 de Outubro de 2001 (revista nº 1712/01-7ª Secção); de 24-4-2003, proc. 03B929; de 18-9-2003, proc. 03B1900, de 29-10-2009, proc. 348-Q/2002.C1.S1.</font>
</p><p><font> 10. Entendimento que veio a ter consagração do artigo 146º, nº 2, do CIRE.</font>
</p><p><font> 11. Por conseguinte, não se verifica a excepção peremptória da caducidade do direito do autor interpor a presente acção.</font>
</p><p><font> 12. A R. não impugna, como nunca impugnou, os factos vertidos pelo A. na petição inicial., pelo que, devem os mesmos ser considerados admitidos por acordo.</font>
</p><p><font> 13. A R., por esta via, reconheceu os direitos invocados pelo A. na sua petição inicial, tal reconhecimento impede a caducidade invocada, por se tratar de prazo fixado por disposição legal relativa a direito disponível. </font>
</p><p><font>14. O que se invoca, à luz do disposto no artigo 331º, nº 2, do C.C.</font>
</p><p><font> 15. O A. nunca foi informado do processo de insolvência da R., muito menos da sentença nele proferida.</font>
</p><p><font> 16. A R. deveria ter informado o processo de insolvência da existência do contrato promessa e da tradição do imóvel para o A., para que este pudesse exercer os seus direitos.</font>
</p><p><font> 17. A R. aceita os factos alegados pelo A. na sua petição inicial, pois, não os impugna, antes confessou.</font>
</p><p><font> 18. A R. ao invocar a caducidade da acção, nos termos constantes da sua defesa, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito.</font>
</p><p><font> 19. Isto é, a R. litiga com abuso de direito, que se invoca por esta via subsidiária, ao abrigo do disposto no artigo 334º do C.C.</font>
</p><p><font> 20. O tribunal recorrido violou as normas dos artigos 205º, nº 2, do C.P.E.R.E.F., e 331º, nº 2 e 334º do C.C.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não foi apresentada resposta.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. - As </font><b><font>questões</font></b><font> suscitadas pelo Recorrente, como resulta do que verteu nas conclusões da sua alegação, são as anteriormente propostas ao Tribunal da Relação – as conclusões da revista são a transcrição quase integral das formuladas na apelação -, ou seja, como aí foram definidas: </font>
</p><p><font> A. - caducidade do direito a instaurar a acção; </font>
</p><p><font> B. - reconhecimento do direito, impeditivo da caducidade; e,</font>
</p><p><font> C. - abuso de direito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Porém, como delimitada a montante, as </font><b><font>questão</font></b><font> </font><b><font>a apreciar</font></b><font> consiste unicamente na </font><b><font>identificada em A.</font></b><font> -</font><b><font> caducidade do direito de acção do Autor</font></b><font> -, conforme o conteúdo da fundamentação invocada pela Recorrente como suporte do pedido de revista excepcional e do sobre ela decidido pela Formação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. - As decisões das Instâncias assentaram nos </font><b><font>elementos de facto </font></b><font>que a seguir se enunciam.</font>
</p><p><font> 1. Nos autos de falência a que esta acção se encontra apensa, BB – …; Lda., foi declarada falida, por sentença proferida em 13.6.2008, transitada em julgado e, 11.8.2008.</font>
</p><p><font> 2. Em consequência da declaração de falência foram apreendidos diversos imóveis.</font>
</p><p><font> 3. No dia 16.11.2002, o autor celebrou com BB um contrato escrito que denominaram contrato-promessa de compra e venda.</font>
</p><p><font> 4. Nesse contrato promessa, a BB interveio como primeiro outorgante e promitente-vendedora e o autor como segundo outorgante e promitente-comprador.</font>
</p><p><font> 5. Pelo dito contrato-promessa, a BB prometeu vender ao autor e esta prometeu comprar o apartamento T3, Bloco A – 2E, com dois lugares de garagem, no empreendimento referido na Cláusula Primeira – Cláusula Terceira.</font>
</p><p><font> 6. A prometida venda foi feita pelo preço global de 129.500,00€, a pagar da seguinte forma – Cláusula Quarta:</font>
</p><p><font> A. A quantia de €5.000,00 pagos pelo autor e recebido pela BB, a título de reserva pelo cheque nº ... do Banco ....</font>
</p><p><font> B. A quantia de €26.400,00 paga pelo autor, a título de sinal e princípio de pagamento, no acto da assinatura do contrato, a qual a BB recebeu e deu quitação.</font>
</p><p><font> C. A quantia de €10.000,00, como reforço de sinal até 15 de Janeiro de 2003.</font>
</p><p><font> D. O restante – €88.100,00 – pago no acto da escritura.</font>
</p><p><font> 7. Ficou acordado que a escritura definitiva de compra e venda seria outorgada no Cartório Notarial de Vila Real, no prazo a acordar entre ambas as partes, comprometendo-se a BB a entregar o apartamento no primeiro semestre de 2003, podendo este prazo ser prorrogado por dificuldades inesperadas na conclusão dos trabalhos, obrigando-se aquela, no entanto, a dar conhecimento à segunda outorgante da prorrogação desse prazo – Cláusula Quinta.</font>
</p><p><font> 8. A BB obrigou-se a marcar a escritura de compra e venda no Cartório Notarial de Vila Real e avisar o segundo outorgante, com antecedência mínima de 10 dias, da hora e dia em que esta se realizaria – Cláusula Sexta.</font>
</p><p><font> 9. O incumprimento do contrato por facto imputável a qualquer das partes importaria para a primeira outorgante a obrigação de restituir ao segundo o dobro da quantia que tiver recebido, a título de princípio de pagamento, e para o segundo a perda dessa quantia – Cláusula Nona.</font>
</p><p><font> 10. Pelos outorgantes foi expressamente acordado e mutuamente aceite dar ao contrato carácter de execução específica, nos termos do artigo 830º do C.C. – Cláusula Décima.</font>
</p><p><font> 11. Até 15 de Janeiro de 2003, o autor entregou à BB a quantia de 10.000,00€, que esta recebeu e fez sua, a título de reforço de sinal.</font>
</p><p><font> 12. No total, o autor entregou à BB, a título de sinal e antecipação do pagamento do preço final a quantia de 41.000,00€, que esta recebeu e fez sua.</font>
</p><p><font> 13. Entretanto, sobreveio o primeiro semestre de 2003 e a prometida compra e venda do apartamento não foi feita.</font>
</p><p><font> 14. Em Novembro de 2003, a BB comunicou ao autor que não podia ainda celebrar o contrato prometido, em virtude de dificuldades de legalização do loteamento imputáveis aos anteriores proprietários do terreno onde foi implementado o mesmo loteamento.</font>
</p><p><font> 15. A BB, em Novembro de 2003, entregou ao autor a chave do apartamento.</font>
</p><p><font> 16. O autor recebeu a chave do apartamento e logo trocou o canhão da fechadura.</font>
</p><p><font> 17. Após o que o autor passou, de forma exclusiva, a usar, fruir e administrar o dito apartamento e dois lugares de garagem, ainda inacabado, ocupando-o, reparando-o, conservando-o, nele depositando bens materiais e haveres, bem como estacionando viaturas e guardando vários pertences na garagem, dele retirando todos os seus frutos e rendimentos.</font>
</p><p><font> 18. À vista de todas as pessoas e sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e consecutiva, na convicção de que o apartamento lhe pertencia.</font>
</p><p><font> 19. Entretanto, a BB procedeu à constituição da propriedade horizontal do empreendimento dos autos, inscrita na Conservatória do Registo Predial de Vila real pela Ap 26 de 2007/10/23.</font>
</p><p><font> 20. Tendo o apartamento dos autos ficado descrito na Conservatória do registo Predial de Vila real como composto de “Habitação – Entrada A – T3 – 2º andar esquerdo, Bloco A – 2 lugares de garagem “F1” e “F2” no piso menos 4 do Bloco B, com acesso pela Rua …, através do Bloco A, freguesia de …, descrição nº … – F.</font>
</p><p><font> 21. O autor, desde Novembro de 2003, data em que foi entregue a chave da fracção prometida e dois lugares de garagem ao autor marido, têm usado, fruído e administrado a dita fracção, ocupando-a, reparando-a, conservando-a, nela depositando bens, materiais e haveres, bem como estacionando viaturas e guardando pertences na garagem, dela retirando todos os seus frutos e rendimentos, à vista de todas as pessoas e sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e consecutiva, na convicção de que o apartamento lhe pertencia.</font>
</p><p><font> 22. Porém, a BB, no ano de 2008, entrou em processo de falência, no qual, por sentença proferida em 13 de Junho de 2003, pelo 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, foi judicialmente declarada a respectiva falência.</font>
</p><p><font> 23. A fracção autónoma em causa nos autos foi apreendida no dito processo de falência da BB pela Ap. 24 de 2008/12/11.</font>
</p><p><font> 24. O administrador da massa falida colocou a referida fracção autónoma à venda para 21/7/2010.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. 1. - Invocada pela Massa Falida a excepção da caducidade do direito dos Autores de exercitar contra si os direitos correspondentes aos pedidos formulados na acção, por ter já decorrido, à data da instauração da acção, o prazo de um ano sobre a data do trânsito em julgado da sentença falimentar, como estatuído no n.º 2 do art. 205º do CPEREF.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Como mostra a matéria de facto, dúvidas não há que, aquando da instauração de insinuação tardia, há muito se esgotara o prazo fixado na dita norma.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A acção foi intentada, admitida e seguiu termos como de “</font><i><font>Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos</font></i><font>”, prevista no art. 205º do CPEREF, preceito que dispõe:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1- Findo o prazo das reclamações, é ainda possível reconhecer novos créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, por meio de acção proposta contra os credores, efectuando-se a citação destes por éditos</font></i><font>.</font>
</p><p><i><font>2 – A reclamação de novos créditos, nos termos do número anterior, só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de falência</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na sentença da 1ª Instância, entendeu-se que o prazo de um ano estabelecido no transcrito nº 2 se aplica, tanto ao caso de reclamação de novos créditos, como ao da separação ou restituição de bens.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Relação, apesar de discordar de tal entendimento, por considerar que o prazo em causa apenas é aplicável a situações de reclamações de créditos e não às de separação ou restituição de bens, ponderou que, tendo os pedidos que o Autor fundamenta no contrato-promessa meros efeitos obrigacionais, é aplicável ao caso o prazo de caducidade estabelecido no dito nº 2 do artigo 205º. </font>
</p><p><font>A resposta à questão colocada passa, em qualquer caso, pela determinação do âmbito de aplicação do prazo de caducidade acolhido pelo nº 2 do art. 205º.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. 2. - Liminarmente, deve pôr-se em evidência que o problema teve tratamentos bem diferentes nas Instâncias e, nessa medida, vem como que delimitado à sub-questão de saber se as pretensões exercitadas na acção pelo Autor-recorrente devem integrar-se no que a norma do n.º 1 do mencionado artigo designa por “</font><i><font>direito à separação ou restituição de bens</font></i><font>” ou, apenas, na figura do </font><i><font>reconhecimento e reclamação de novos créditos</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com efeito, embora o não reflictam as alegações do Recorrente – que, ao limitar-se a repetir o conteúdo das alegações (e conclusões) da apelação, agiu como se o acórdão impugnado não existisse enquanto decisão devidamente fundamentada -, certo é que o Tribunal da Relação adoptou a posição de deixar de fora do campo de aplicação do art. 205º-2 as acções destinadas a exercer o direito à separação ou restituição de bens, interpretando a norma com o sentido literal e restrito de aplicabilidade exclusiva ao reconhecimento e reclamação de novos créditos. </font>
</p><p><font>O que aconteceu foi que, divergindo da qualificação proposta pelo então Apelante, o mesmo Tribunal não subscreveu o entendimento, por ele defendido, de que a acção diria respeito a verificação de direitos, com vista à restituição e separação de bens, decidindo, antes, que estavam em discussão, nas pretensões formuladas, efeitos de um contrato-promessa sem eficácia real, logo meros efeitos obrigacionais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, argumentou-se, enquanto os casos de restituição ou separação de bens se reportam a direitos reais dos respectivos titulares reivindicantes – exclusivos (na restituição) ou co-existentes com os da Massa falida (na separação) -, ao caso ajuizado interessam apenas prestações de natureza obrigacional às quais é aplicável o prazo de caducidade estabelecido no nº 2 do citado artigo 205º do CPEREF.</font>
</p><p>
</p><p><font> 4. 3. - Embora, como se aludiu, o Recorrente não dedique uma única palavra a contrariar esta específica argumentação, crê-se que a respectiva impugnação deve considerar-se abrangida pelo objecto do recurso, tanto mais que a questão é ainda de interpretação e aplicação do mesmo normativo legal (arts. 864º-2-2 segmento e 664º, ambos do CPC).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Fica, portanto, claro que o acórdão recorrido não procedeu a qualquer interpretação extensiva do preceito em tema, como o acusa o Recorrente, não decidiu em oposição com a Jurisprudência que cita nas conclusões do recurso (supra transcrita) e, também contrariamente ao alegado, adoptou uma posição coincidente com a que veio a ser consagrada no art. 146º-2 do CIRE, na linha da dita Jurisprudência.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Ao invés, o entendimento sufragado pelo acórdão sob censura é totalmente conforme com a posição ora consagrada na lei da insolvência.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 4. - Questão única sobrante é, então, saber se, para os fins previstos no art. 205º-2 do CPEREF, os pedidos formulados nesta acção apresentam natureza meramente obrigacional, como vem decidido, ou se, ao invés, são qualificáveis como de “restituição ou separação de bens”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Como informa PEDRO MACEDO no seu “</font><i><font>Manual de Direito das Falências</font></i><font>”, II, pags. 326 e ss., a propósito da restituição ou separação de bens e respectivas classificações, “já o antigo direito se referia aos chamados credores de domínio e credores por direito de separação, expressões sugestivas, mas menos rigorosas. Na verdade, nem são credores nas hipóteses comuns, nem estão sujeitos ao concurso com estes”, acrescentando depois, ao discorrer sobre o regime do art. 1237 do C. Civil, a que ora corresponde o do art. 205º CPEREF, que se considera que “a restituição é própria quando, sobre as coisas, tem o reclamante plena e exclusiva propriedade”, havendo “separação quando convergem sobre as coisas direitos do reclamante e do falido”, o que, de resto, já constava do Código de Falências de 1899, cujo art. 62º-3, mais impressivamente, aludia às reclamações dirigidas a separar da massa quaisquer bens de que “o falido não tenha plena e exclusiva propriedade”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Confrontado com a apreensão do bem para a massa, “o único meio de reacção é a reclamação para restituição”, mediante “uma verdadeira acção reivindicatória sob a forma de reclamação” (ac. STJ, de 07/7/99, </font><i><font>BMJ </font></i><font>489º-259). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Também BARBOSA DE MAGALHÃES (“</font><i><font>Código de Processo Comercial, Anotado</font></i><font>”, II, 343) já ensinava que «são “restituídos” ao domínio e posse dos reclamantes os bens sobre que o falido não tinha direito algum de propriedade; “separados”, mas não entregues, aqueles sobre que o falido tenha qualquer direito sem ser de propriedade plena e exclusiva».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A restituição de bens, ao que aqui importa considerar, é, pois, o meio próprio de o titular de um direito real de gozo – direito de propriedade ou direito real limitado ou menor – fazer valer o seu direito e reagir contra uma apreensão de que, com ofensa do direito do reivindicante, resultou uma “posse” indevida pela massa do bem que estava em seu poder aquando da declaração de falência ou insolvência. </font>
</p><p><font> Há-de poder ser, em qualquer caso, invocado um título de posse que legitime a exigibilidade da entrega ou a existência de um vínculo em virtude do qual o falido recebeu a coisa com a obrigação de a restituir ao reclamante. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 5. - Numa maior aproximação ao ponto decisivo, perguntar-se-á, então se as pretensões do Autor, nesta reclamação, são de incluir no exercício ao direito de restituição, no âmbito do conceito cujos contornos se deixaram definidos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A resposta não pode, a nosso ver, deixar de ser negativa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Com efeito, a causa de pedir da reclamação não consiste na invocação de título aquisitivo – originário ou translativo - de qualquer direito real de gozo em que a coisa restituenda se encontrava em poder do falido ou como tal fosse considerada aquando da apreensão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Muito diferentemente, a reclamação funda-se exclusivamente nos efeitos de um contrato-promessa incumprido pela Falida, designadamente através dos invocados direitos à execução específica de tal contrato, mediante o pagamento da quantia relativa ao preço em falta, reconhecimento do incumprimento do mesmo contrato, imputável à Falida, e devolução do valor do sinal em dobro, com reconhecimento do direito de retenção da fracção, e, finalmente o reconhecimento de que o A. exerce posse sobre o bem prometido vender.</font>
</p><p>
</p><p><font> O contrato-promessa celebrado entre o A. e a Falida não goza de eficácia real.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Os referidos efeitos, enquanto inerentes ao incumprimento – mora ou incumprimento definitivo – do contrato hão-de ser, consequentemente, também efeitos obrigacionais.</font>
</p><p><font> Assim, relativamente à execução específica, apesar de se resolver na entrega da coisa que é objecto mediato da promessa de venda, ninguém duvida que o efeito jurídico típico da pretensão, conforme estabelece a norma de direito substantivo que reconhece o direito (art. 830º-1 C. Civil), é a obtenção de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do contraente faltoso, em execução específica ou forçada da obrigação de celebrar o contrato, gerada pelo contrato-promessa, ou seja, sentença em que o juiz, substituindo-se ao contraente incumpridor, declare vendidos a quem encabece a titularidade dos direitos do promitente-comprador os bens que constituem o objecto mediato do contrato-promessa.</font>
</p><p><font>Vale isto por dizer que o objecto do pedido é, necessariamente, fazer cumprir a obrigação (de prestação de facto) de celebrar o contrato prometido com o contraente fiel, mediante a substituição do tribunal ao contraente inadimplente na emissão da declaração negocial em falta em correspondência com o conteúdo das obrigações livremente assumidas no contrato-promessa cuja execução forçada se peticiona. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No tocante à condenação no pagamento do dobro do sinal, as coisas são ainda mais claras, pois que não está em causa a restituição da coisa pela Massa Falida, mas tão só a restituição do numerário representativo do valor do sinal passado, acrescido da indemnização </font><i><font>a forfait</font></i><font> de igual montante, típica obrigação de natureza indemnizatória. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> E o mesmo se diga relativamente ao direito de retenção que o art. 755º-1-f) do Cód. Civil atribui ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido … pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º do mesmo Código.</font><br>
<font>Traduz-se o direito de retenção, portanto, “na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele” (P. DE LIMA e A. VARELA, “</font><i><font>C. Civil, Anotado</font></i><font>”, I, 772).</font><br>
<font> </font><br>
<font>O direito de retenção é um direito real de garantia (especial) das obrigações e não um direito real de gozo.</font><br>
<font> É conferido ao promitente-comprador para lhe garantir o crédito pela indemnização por incumprimento do contrato-promessa, e não para lhe conceder o gozo da coisa objecto da promessa cuja tradição obteve.</font><br>
<font> Como resulta do texto do da al. f) transcrita, o direito de retenção visa garantir o crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º, isto é, o crédito que representa o dobro do sinal, o do aumento do valor da coisa ou a indemnização estipulada pelas partes, nos termos previstos no n.º 4 do dito artigo.</font><br>
<font> Em causa estará, portanto, o crédito do promitente-comprador correspondente à indemnização devida pela outra parte em razão do seu incumprimento, isto é, o crédito “derivado do incumprimento definitivo, de que o direito de retenção constitui garantia acessória”, sendo que, por isso que o direito de retenção surge apenas para garantia do crédito gerado por um incumprimento definitivo do contrato-promessa.</font>
</p><p>
</p><p><font> Finalmente, o Recorrente invoca uma posse com o conteúdo de a uma actuação correspondente ao direito de propriedade</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Só que, tal posse, iniciada com a tradição da fracção, não chegou a perdurar, segundo o alegado, por sete anos, sequer, não havendo registo de título nem da mera posse. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Carece, portanto, de relevância enquanto modo de aquisição originária da propriedade – arts. 1295º e 1296º C. Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Daí que, como vem decidido, tal “posse” seja inócua, a não ser para efeitos de invocabilidade do direito de retenção, que não implica a aquisição da posse sobre a coisa prometida vender, mas apenas a sua entrega ao promitente-comprador pelo promitente-vendedor, em termos de lhe facultar uma detenção lícita do bem, como beneficiário da garantia.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Como, perante situação com grandes notas de afinidade com a que aqui se perfila, escreveu-se no acórdão deste Supremo de 16-4-196, referido pelo Recorrente, que o que o A. pediu, “basicamente, foi uma </font><i><font>declaração que transferisse a propriedade </font></i><font>sobre uma fracção predial, o que pressupõe, seguramente e em elementar lógica, que o direito real em causa lhe não pertence” ou ainda, acrescenta-se aqui, uma indemnização pela violação incumprimento de uma obrigação de </font><i><font>facere </font></i><font>a consistir, justamente, nessa mesma transferência.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Tudo se reconduz, portanto, a uma situação creditícia ou de natureza puramente obrigacional, decorrente de mora ou incumprimento definitivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Por isso, é claramente caso de aplicabilidade da regra sobre caducidade acolhida pelo art. 205º-2 do CPEREF (regime a que também corresponde agora o art. 142º-2 do CIRE).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 6. - As restantes questões suscitadas nas conclusões do recurso – impedimento da caducidade e abuso de direito -, mantidas na revista em consequência da mera reprodução das apresentadas no recurso de apelação extravasam, como já referido, o objecto deste recurso excepcionalmente admitido, não havendo, por isso, lugar à respectiva apreciação. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 7. - Respondendo às questões colocadas, poderá, em síntese conclusiva, dizer-se:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- O prazo de um ano, previsto no nº 2 do citado artigo 205º do CPEREF, apenas é aplicável a situações de reclamações de créditos e não às de separação ou restituição de bens;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- As pretensões emergentes do não cumprimento de contrato-promessa de compra e venda sem eficácia real – execução específica, restituição do dobro do sinal e reconhecimento do direito de retenção -, constituindo providências de natureza obrigacional ou creditícia, não se integram no exercício do “direito à restituição ou separação de bens” da massa falida a que alude o art. 205 do CPEREF (agora art. 146º-2 do CIRE);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Os pedidos assim formulados em reclamação fundada apenas nesse incumprimento contratual estão sujeitos ao regime de caducidade cominado no art. 205º-2 do CPEREF. </font>
</p><p><font> 5. - Decisão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Negar a revista;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Confirmar a decisão impugnada; e,</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Condenar o Recorrente nas custas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>   | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KDJ8u4YBgYBz1XKvcxBO | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font></p><div><br>
<font> I</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>1. AA intentou ação contra BB, seu ex-marido, pedindo que fosse declarada a extinção do direito de uso e habitação sobre um prédio urbano, que a Autora lhe atribuiu em transação judicial, sustentando, em síntese, que a atribuição de tal direito consistiu numa doação feita num momento em que eram casados e que o comportamento do Réu, que descreve, justifica a revogação de tal doação; deverá, pois, ser declarado </font><i><font>«perdido pelo R. o direito ao uso e habitação por força da aplicação do art. 1791º do CC, ou por se considerar tal direito caduco de conformidade com o art. 1766º, al. c) conjugado com o que se dispõe no D.L. 61/2008 de 31/10 relativamente ao art. 1787º do mesmo código, ou por revogação da mencionada disposição, nos termos do art. 1765º CC»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Contestou o Réu, alegando que não existiu qualquer liberalidade, nem qualquer benefício por si recebido, subsumível ao disposto no artigo 1791º do CC.</font>
</p><p><font>No saneador, foi a ação julgada improcedente, por os factos mostrarem que a atribuição do direito em causa não foi </font><i><font>«em vista do casamento»</font></i><font>, nem teve em </font><i><font>«consideração do estado de casado»</font></i><font>; a atribuição verificou-se no âmbito de uma transação celebrada em 28 de março de 2014, cuja sentença homologatória transitou em 6 de maio seguinte; a sentença de divórcio foi proferida em 18 de maio desse mesmo ano, estando a ação pendente desde 17 de julho de 2012. Quanto à caducidade e revogação da doação [arts. 1765º e 1766º, n.º 1, alínea c), do CC], entendeu-se que da matéria de facto resultava não ter a atribuição do direito sido determinada pela constância do matrimónio, mas em vista do decretamento do divórcio, dada a proximidade entre as respetivas datas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Apelou a Autora, tendo a Relação, embora por razões jurídicas diversas, mantido a sentença e julgado o recurso improcedente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Pede revista a Autora, formulando, a final da alegação, as conclusões seguintes:</font>
</p><p><i><font>«1ª.- O douto acórdão recorrido parece optar pela interpretação de que no conceito de transacção não cabem outros negócios.</font></i>
</p><p><i><font>2ª.- Por isso que refere que “o acordo – contrato – efectuado não é uma doação mas uma transacção judicial.</font></i>
</p><p><i><font>3ª.- Ora, como supra se viu, a transacção judicial ou extra-judicial não é avessa a outros tipos de contratos.</font></i>
</p><p><i><font>4ª.- Ponto está em saber se o aliquid datum sobrepuja excessivamente o aliquid retentum.</font></i>
</p><p><i><font>5ª.- Olhando porém para a causa de pedir na acção de ANULAÇÃO e o circunstancialismo que a rodeou e atentando sobretudo na falta de consciência invocada pelo Recorrido ou pela patologia invocada logo se conclui que a fragilidade da argumentação não concedia ao Autor da acção, ora recorrido, o mínimo de viabilidade.</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>6ª.- Em contraste com a desistência da acção e necessariamente com a falibilidade da causa de pedir, verifica-se que a Ré, ora Recorrente, abriu mão da utilização de um bem, por tempo indeterminado, sem correspectivo.</font></i>
</p><p><i><font>7ª.- Esse bem tem enorme valor pela utilidade que poderia prestar à Ré e pela possibilidade até de ser alienado com aproveitamento das respectivas vantagens quer de utilização quer resultantes da transmissão ou arrendamento.</font></i>
</p><p><i><font>8ª.- A concessão do uso e habitação não pode, pois, ser correspectivo da desistência da acção pelo desequilíbrio dos sacrifícios suportados por A. e R..</font></i>
</p><p><i><font>9ª.- Pires de Lima considera, repetidamente, nos comentários ao artº 940º do C. Civil que, para que haja doação, concretizando o teor do artigo, é preciso que não haja correspectivo (demos conta, não dessa palavra mas da palavra correspondente com sentido equivalente).</font></i>
</p><p><i><font>10ª.- A doação envolve dois princípios, que deverão ser observados e que não fazem parte de uma transacção: a gratuitidade e o espírito de liberalidade.</font></i>
</p><p><i><font>11ª.- A transacção pode dar saída à falta de gratuitidade, mas não ao espirito da liberalidade (aliquid datum, aliquida retentum).</font></i>
</p><p><i><font>12ª.- Outrossim, diz A. dos Reis que a função da sentença homologatória de transacção não é decidir a controvérsia substancial mas unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo realizado.</font></i>
</p><p><i><font>13ª.- Por isso que o contrato de transacção pode envolver outros contratos sobretudo quando o aliquid retentum não faz parte, como ocorre no caso presente, nem do pedido nem da causa de pedir na acção.</font></i>
</p><p><i><font>14ª.- De facto a atribuição do uso e habitação da casa ao recorrido não consta nem da petição nem da contestação da acção de anulação.</font></i>
</p><p><i><font>15ª.- Duvida-se ainda que as partes, dada a razão invocada para a causa de pedir da acção (patologia inibitória de entender e querer) pudessem transigir na acção sem uma averiguação técnica por peritos da hipótese da existência, no acto, de tal patologia.</font></i>
</p><p><i><font>16ª.- Correndo-se até o risco de tal patologia poder recidivar.</font></i>
</p><p><i><font>(…)»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>O Réu, que litiga com apoio judiciário, não apresentou contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>II</font></div><br>
<font> 5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação da Autora, ora Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2), a questão a decidir no presente recurso unicamente respeita a </font><b><font>saber se a transação judicial, nos termos em que se expressa, deve ser entendida como documentando o </font></b><b><i><font>recebimento de um benefício</font></i></b><b><font>, por parte do contraente-marido, relativamente ao outro cônjuge contraente, para os efeitos previstos no art, 791º do CC</font></b><font>.</font>
<p><font> 6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):</font>
</p><p><i><font>«1 – Autora e Réu casaram, um com o outro, no dia 15 de agosto de 1993, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio em 10 de março de 2006.</font></i>
</p><p><i><font>2 – O prédio urbano sito na Rua ..., freguesia e concelho da ---, composto de casa de rés-do-chão para habitação e logradouro, encontra-se inscrito na respetiva matriz sob o artigo 4704 e descrita na Conservatória do Registo Predial da --- sob o n.º 8899.</font></i>
</p><p><i><font>3 – No registo predial da fracção referida em 2) consta, através da Ap. 11 de 28/01/2008, a aquisição a favor da Autora, por partilha subsequente a divórcio. </font></i>
</p><p><i><font>4 – Autora e Réu casaram novamente no dia 19 de Junho de 2007.</font></i>
</p><p><i><font>5 – Em 11 de maio de 2012, o Réu propôs contra a Autora ação declarativa, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da ---, na qual peticionou a anulação da escritura de partilha e o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial da ---, do registo de aquisição do prédio referido em 2) a favor da Ré (cfr. doc. de fls. 50).</font></i>
</p><p><i><font>6 – Em 28 de março de 2014, no âmbito da acção referida em 5), a Autora (Ré naquela ação) e o Réu (Autor naquela ação) acordaram que: “2) O autor reconhece que a ré é a única e exclusiva possuidora e proprietária do imóvel objecto desta acção; 3) A ré reconhece o direito do uso e habitação do imóvel em exclusivo ao autor enquanto for vivo, com excepção do logradouro (quintal) e do anexo (cozinha exterior), que será de uso de ambos” (cfr. doc. de fls. 50).</font></i>
</p><p><i><font>7 – O acordo referido em 6) foi homologado por sentença, a qual transitou em julgado em 6 de maio de 2014. </font></i>
</p><p><i><font>8 – O casamento referido a 4) foi dissolvido por divórcio, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 1195/12.6TBMGR em 18 de Maio de 2014 e transitada em julgado em 8 de Setembro de 2014, tendo Autora e Réu acordado que o imóvel referido em 2) (enquanto casa de morada de família) ficaria atribuída ao Réu, nos termos do acordo referido em 6). </font></i>
</p><p><i><font>9 - A acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge referida em 8) foi proposta pela Autora contra o Réu em 17 de julho de 2012.»</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. </font><u><font>Do Direito</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1. A questão a decidir, tal como se deixou equacionada (</font><i><font>supra</font></i><font>, 5), reportada à interpretação jurídica do teor da transação judicial havida, à luz dos termos em que se expressa, circunscreve-se como </font><i><u><font>pura questão de direito</font></u></i><font>, do conhecimento deste tribunal.</font>
</p><p><b><font>Não está em causa a indagação da vontade real (ou a </font></b><b><i><font>ausência </font></i></b><b><font>dela), nem da vontade hipotética ou conjetural dos contraentes</font></b><font>, apurada com recurso a </font><i><font>elementos exteriores ao contexto do documento</font></i><font> (arts. 238, nº 2 e 393º, nº 3 do CC), não cabendo, obviamente, a este tribunal, no âmbito do presente recurso, cuidar do </font><i><font>«circunstancialismo»</font></i><font> envolvente, sugerido ou suposto, a justificar a </font><i><font>«patologia»</font></i><font> do Réu o </font><i><font>«espírito de liberalidade»</font></i><font> da Autora (conclusões 5ª, 11ª, 15ª e 16ª), nem inteirar-se da questionada</font><i><font> validade e a veracidade</font></i><font> da transação e da consequente nulidade ou anulabilidade do negócio; não vem, ademais, imputado ao acórdão vício de omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font> 7.2. Vejamos como a Relação fundamentou a decisão sobre a questão.</font>
</p><p><font>Começou o acórdão por enquadrar, como </font><b><i><font>contratos diversos</font></i></b><font>, à luz dos arts. 940º, nº 1 e 1248º, ambos do CC, respetivamente, o </font><u><font>contrato de doação</font></u><font> – assim vem configurado pela Autora o </font><i><font>benefício</font></i><font> por si atribuído ao Réu – e o </font><u><font>contrato de transação</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Relativamente à transação reportada ao caso dos autos, escreveu-se (realces acrescs.):</font>
</p><p><i><font>«(…) o ora Réu instaurou, contra a agora Autora, uma ação a pedir a anulação da escritura de partilha e o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial da ---, do registo de aquisição do prédio (sobre o qual incide o direito de uso e habitação) a favor da ora Autora. Havendo sentença que conhecesse do mérito da causa, o resultado desta ação, era a priori incerto, podendo ter dois desfechos: ou a ação era julgada procedente e a partilha era anulada ou improcedia e a partilha mantinha-se intacta. Por conseguinte, existindo estas as duas hipóteses, </font></i><b><i><font>a transação que pôs termo à ação pôs termo à situação de incerteza criada relativamente aos direitos da Ré resultantes da aludida partilha</font></i></b><i><font>. O termo desta situação de incerteza foi </font></i><b><i><font>conseguido à custa de uma perda com origem na esfera patrimonial da Autora, que consistiu em atribuir ao ora Réu o direito de uso e habitação vitalício do imóvel </font></i></b><i><font>(casa de habitação). Verifica-se, por conseguinte, que </font></i><b><i><font>não é possível configurar o mencionado «acordo» como uma doação feita pela ora Autora ao agora Réu</font></i></b><i><font>»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Relativamente ao entendimento manifestado pela Autora de que na transação realizada estaria contida uma doação (realce acresc.):</font>
</p><p><i><font>«(…) </font></i><b><i><font>em termos objetivos, isto é, analisando o dito acordo face aos factos em que ele se inseriu, no contexto duma ação judicial, não há qualquer doação. Houve sim uma contrapartida de parte a parte</font></i></b><i><font>: o Réu renunciou à pretensão de obter a «anulação da escritura de partilha» da qual resultou a atribuição da propriedade sobre o prédio à Autora e esta renunciou à pretensão de ter um direito de propriedade sem restrições sobre o prédio atribuindo sobre o mesmo, ao Réu, o direito de uso e habitação»</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.3. A disciplina relativa aos efeitos do divórcio, quanto aos </font><i><u><font>benefícios que os cônjuges tenham recebido ou hajam de receber</font></u></i><font>, constante do nº 1 do art. 1791º do CC é mantida pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro, no que respeita à subordinada referência de tais benefícios, </font><b><i><font>«em vista do casamento ou em consideração do estado de casado»</font></i></b><font> – eliminado da anterior redação do preceito o requisito da </font><i><font>culpa</font></i><font>, conforme ao modelo do novo regime do divórcio instituído por aquele diploma legal.</font>
</p><p><font>Escreveu-se na exposição de motivos da Projeto de Lei 509/X, iniciativa que esteve na base da Lei 61/2008: </font><i><font>«Em caso de divórcio, qualquer dos cônjuges perde os benefícios que recebeu ou havia de receber em consideração do estado de casado, </font></i><b><i><font>apenas porque a razão dos benefícios era a constância do casamento</font></i></b><i><font>»</font></i><font> (realce acresc.).</font>
</p><p><font>Devendo articular-se o art. 1791º, nº 1 do CC com os arts. 1766º, nº 1, alínea c), 1765º, nº 1, 1760º, nº 1, alínea b) (diferentemente, quanto a esposados, art. 1758º), todos do mesmo código, </font><b><font>a razão do regime</font></b><font> é confrontar as causas de suspeição destas doações </font><i><font>constante matrimonio</font></i><font> e, em geral, prevenir e sancionar o divórcio como um </font><i><font>modo de adquirir bens, para além da justa partilha do que se adquiriu pelo esforço comum na constância do matrimónio</font></i><font> (vejam-se ASTJ de 3.3.2016 e de 19.9.2017, publicados em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.3. O ato aqui em causa (contrato de transação, de 28.3.2014) incide diretamente sobre o acordo de partilha relativa ao primeiro divórcio, projeta-se na nova partilha relativa ao segundo e é realizado na pendência deste (factos 5, 6, 8 e 9).</font>
</p><p><font>Redefine, em suma, o acordo sobre a primeira partilha, nele se integrando e determinantemente antecipa a definição do acordo sobre a segunda partilha (</font><i><font>infra</font></i><font>, 7.6).</font>
</p><p><font>Não se reconduz ao campo de previsão do nº 1 do art. 791º do CC, nem se </font><i><font>intromete</font></i><font> no círculo dos bens jurídicos protegidos pela norma.</font>
</p><p><font>Nesta ordem de ideias ter-se-á inscrito a decisão da 1ª instância.</font>
</p><p><font>Examinemos, seguidamente, o ângulo de abordagem adotado pela Relação, conforme acima sumariamente exposto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.5. </font><b><font>A transação</font></b><font> é o </font><i><font>contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões</font></i><font> (art. 1248º, nº 1 do CC).</font>
</p><p><font>A finalidade do contrato de transação consiste, como do preceito consta, em prevenir ou terminar um litígio.</font>
</p><p><font>Processualmente, a transação situar-se-á </font><i><font>a meio</font></i><font> da desistência do pedido e da confissão (Alberto dos Reis, </font><i><font>Comentário ao Código de Processo Civil</font></i><font>, vol. 3.º, pp. 489 e ss.).</font>
</p><p><font>A existência de </font><b><font>concessões recíprocas</font></b><font> constitui requisito constitutivo do contrato de transação, deixados os termos da exigida reciprocidade à liberdade das partes e à avaliação pelas mesmas da distribuição do risco do resultado do litígio.</font>
</p><p><font>A transação </font><i><font>«substitui a incerteza sobre a questão controvertida pela segurança que para cada uma das partes resulta do reconhecimento dos seus direitos pela parte contrária, tal como ficam configurados depois da transação» </font></i><font>(Rodrigues Bastos, </font><i><font>Dos Contratos em Especial</font></i><font>, vol. III, 1974, pág. 221).</font>
</p><p><font>No caso (transcritos os dois segmentos relevantes do contrato no nº 6 dos factos provados), são claros os termos em que as partes acertaram a resolução do litígio e as contrapartidas reciprocamente estabelecidas, como observado pela Relação: </font><i><u><font>reconhecimento</font></u></i><u><font> do direito de propriedade sobre o prédio à Autora; </font></u><i><u><font>reconhecimento</font></u></i><u><font> do direito de uso e habitação ao Réu</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Devendo na interpretação das declarações negociais apelar-se à </font><i><font>teoria da impressão do destinatário</font></i><font> (art. 236º do CC), </font><b><font>o entendimento manifestado pela Autora, de que o contrato de transação conteria – ou </font></b><b><i><font>resultaria </font></i></b><b><font>de</font></b><b><i><font> </font></i></b><b><font>– uma doação </font></b><b><i><font>atribuída</font></i></b><b><font> ao Réu, não obtém </font></b><b><i><font>um mínimo de correspondência no texto do documento</font></i></b><font> (art. 238º, nº 1).</font>
</p><p><font>Poderia a transação ir além da mera </font><i><font>natureza declarativa</font></i><font> – esta, a situação regra –, e produzir </font><i><font>efeitos, também translativos</font></i><font>, com a </font><i><font>atribuição</font></i><font> de direitos de uma parte à outra (Rodrigues Bastos, </font><i><font>ibidem</font></i><font>), mas tal situação hipotética, como se referiu, não colhe </font><i><font>um mínimo de correspondência no texto do documento</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Presente instrumentalmente o </font><i><font>jogo recíproco de concessões</font></i><font>, deve ele ser relativizado em vista da finalidade que lhe é assinalada. Significantemente decisivo, como referido por alguma doutrina: </font><i><font>que as partes substituam a relação jurídica litigiosa por outra não discutida e que esta segunda relação valha enquanto e na medida em que é querida pelas partes e não pela sua semelhança, maior ou menor, com a relação litigiosa</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Concluindo, </font><b><font>não pode, no caso, validar-se a tese interpretativa pretendida pela Autora</font></b><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.6. Estamos perante </font><b><font>transação judicial</font></b><font>, devidamente homologada – </font><i><u><font>rectius</font></u></i><font>, perante </font><u><font>duas transações judiciais</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Importa acentuar o particular alcance da transação, objeto de homologação por sentença: </font><i><font>«tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transação, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. </font></i><b><i><font>E uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transação de que nascera</font></i></b><i><font>»</font></i><font> (ASTJ de 4.11.93, apenas com sumário disponível em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font> e publicado em BMJ 431/417, realce acresc.; no mesmo sentido, transcrevendo o passo do acórdão, ASTJ, de 25.3.2004, publicado na página referida).</font>
</p><p><font>A alegada doação, cuja </font><i><font>perda</font></i><font>, por força do nº 1 do art. 1791º do CC, a Autora quer ver declarada está </font><u><font>coberta por duas sentenças transitadas</font></u><font> (supra, 7.3), não interessando, nem para tanto havendo elementos, saber se, porventura os efeitos da primeira estariam consumidos pela segunda. </font>
</p><p><b><font>O pedido da Autora sempre teria que improceder</font></b><font>: deveria ela, previamente, em um primeiro momento, intentar ação anulatória; obtido ganho de causa, em um segundo momento, pedir a revisão da(s) sentença(s) homologatória(s) da transação (neste sentido, ASTJ, de 4.11.93, cit.).</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>III</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Custas pela Recorrente.</font></p><div><br>
<font> </font>
<p><font>Lisboa, 13 de Novembro de 2018</font>
</p><p><font> </font></p></div><br>
<font>Cabral Tavares (Relator) </font><br>
<font> Fátima Gomes</font><br>
<font> Acácio das Neves</font><br>
<font> (Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
BzKMu4YBgYBz1XKvnBos | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AAS.A.</font></b><font>, propôs a presente acção com processo ordinário contra o </font><b><font>Banco BB </font></b><font>formulando os seguintes pedidos:</font>
</p><p><b><font> </font></b><font>“</font><i><font>a) Deverá a acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência declarados nulos os contratos de derivados financeiros em crise;</font></i>
</p><p><i><font> b) Caso assim se não entenda pede-se, subsidiariamente, que seja reconhecida a resolução dos contratos de derivados financeiros em crise com o fundamento na alteração de circunstâncias;</font></i>
</p><p><i><font>c) Caso assim se não entenda pede-se, subsidiariamente, que o Réu seja declarado civilmente responsável pelos danos causados à Autora;</font></i>
</p><p><i><font>d) Consequentemente, em caso de procedência do pedido feito em a), em b) ou emc), deve ser restituído ao seguinte montante à autora: € 2.783.624,99;</font></i>
</p><p><i><font> e) A este montante acrescem juros de mora à taxa comercial vincendos e vencidos até restituição integral do montante peticionado</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Na contestação, para o que aqui importa, o Banco R. invocou a excepção dilatória de incompetência Internacional dos tribunais portugueses por violação de pacto de jurisdição.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No despacho saneador foi julgada procedente esta excepção e, consequentemente, o R. foi absolvido da instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A., AA S.A., de apelação, tendo o Banco recorrido requerido, nos termos do disposto no art. 678º do C.P.Civil, o recurso </font><i><font>per saltum </font></i><font>para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1- Na Sentença, considerou-se, erradamente, o pacto privativo de jurisdição celebrado pelas partes válido e eficaz à luz do ordenamento jurídico português e, como tal, o Réu, ora Recorrido, foi absolvido da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 278°, nº 1, a), do CPC. </font>
</p><p><font> 2- A Sentença merece vários reparos, tendo violado o artigo 23°, nº 1, do Regulamento de Bruxelas bem como o artigo 94.°, nºs 1 e 3, e 607.°, nº 4, do CPC, e o artigo 19.°, g), da LCCG. </font>
</p><p><font> A. Decisão da matéria de facto </font>
</p><p><font> 3- Os seguintes factos, essenciais para dirimir a questão em apreço, deveriam ter sido dados como provados: </font>
</p><p><font> (i) Tal como a Recorrente, o Recorrido é uma sociedade de direito português com sede em Lisboa. </font>
</p><p><font> (ii) Os contratos de swap foram celebrados em Portugal. </font>
</p><p><font> (iii) O lugar previsto para o cumprimento da integralidade das obrigações deles decorrentes é também em Portugal. </font>
</p><p><font> (iv) Todas as obrigações decorrentes do contrato foram efectivamente cumpridas em Portugal. </font>
</p><p><font> (v) A distância e os custos decorrentes de litigar no estrangeiro, a língua a adoptar no processo, bem como a circunstância de a Recorrente não ter qualquer experiência em litígios do mesmo género e perante jurisdições estrangeiras, são obstáculos a uma defesa eficaz dos seus interesses. </font>
</p><p><font> (vi) O litígio está sujeito à aplicação de todas as normas de direito português de carácter imperativo. </font>
</p><p><font>B. </font><u><font>Carácter puramente interno da relação jurídica em crise </font></u>
</p><p><font> 4- A aplicação do Regulamento de Bruxelas pressupõe a existência de uma relação jurídica transnacional, ou seja de um elemento de estraneidade que ligue a relação jurídica a mais do que uma jurisdição, tal como reconhecido na sentença recorrida. </font>
</p><p><font> 5- No caso vertente, não há nenhum elemento do tipo dos elencados na jurisprudência do TJUE - cf. Acórdãos Maletic, Owusu e Linder - susceptível de conferir carácter transnacional à relação jurídica em crise, visto que ambas as partes são pessoas colectivas de direito português, os contratos em crise foram celebrados em Portugal e o lugar do cumprimento da integral idade das obrigações deles decorrentes é também em Portugal. </font>
</p><p><font> 6- Contrariamente ao que pretende a Sentença, a internacionalidade do litígio não pode fundar-se: (i) na possibilidade, nunca concretizada, de o Recorrido poder fazer e receber pagamentos através das suas filiais em Londres e no Luxemburgo; (ii) no facto de os contratos de financiamento celebrados pela Recorrente com terceiros possuírem elementos de conexão com outras ordens jurídicas; (iii) no facto de o capital social do Recorrido ser detido por uma pessoa colectiva estrangeira; ou (iv) na suposta actuação do Recorrido como mero intermediário; nem noutros fundamentos referidos pelo Recorrido como (i) o uso da língua inglesa; (ii) a aplicação da lei inglesa; (iii) o facto de estarmos perante um produto importado que se insere num mercado internacional ou (iv) o uso da taxa Euribor como taxa de referência. </font>
</p><p><font> 7- O facto de, ao abrigo do contrato ISDA, o Recorrido poder receber e fazer pagamentos através das filiais em Londres e no Luxemburgo, não configura elemento de estraneidade relevante. </font>
</p><p><font> 8- Tal implicaria que através de mera referência contratual, e independentemente da sua verificação factual, se poderia afastar a competência dos tribunais portugueses para dirimir uma situação puramente interna. </font>
</p><p><font> 9- Não se compreende como pode ser dada relevância a uma possibilidade prevista como meramente hipotética num contrato-quadro que servirá em teoria para regular uma infinidade de transacções por um período de tempo indefinido e não ao que concretamente foi estipulado para as transacções swap ora em discussão. </font>
</p><p><font> 10- As próprias Confirmations (contratos que documentam as transacções ora em crise e que prevalecem sobre o ISDA e o Schedule) não prevêem a possibilidade de o Recorrido actuar através das suas filiais em Londres ou no Luxemburgo, estabelecendo antes que o Recorrido actuaria sempre através da sua sede, sita na Rua …, nº …, … Lisboa. </font>
</p><p><font> 11- Assim, nas transacções ora em discussão, a utilização das filiais em Londres e no Luxemburgo pelo Recorrido não só não aconteceu (como já vimos o local de cumprimento das obrigações foi Portugal) como nem sequer era uma possibilidade concreta prevista pelas partes nas Confirmations. </font>
</p><p><font> 12- Não há qualquer ligação entre os contratos de mútuo celebrados pela Recorrente e os swaps em crise, já que os segundos não contêm qualquer referência aos primeiros, sendo a respectiva existência totalmente autónoma. </font>
</p><p><font>13- Ademais, como salienta o Recorrido na sua contestação, a abstracção relativamente à realidade subjacente é característica dos derivados em geral: de facto, e como de resto aconteceu no caso do swap de 2006, o contrato de mútuo, mesmo que sirva de referência a um contrato swap, pode ser resolvido antecipadamente sem que isso implique a resolução automática do contrato swap. </font>
</p><p><font>14- Os swaps em crise não têm qualquer relação material com os supostos financiamentos subjacentes, conforme alegado na petição inicial. </font>
</p><p><font>15. O facto de o Recorrido pertencer a um grupo internacional não é relevante para este efeito. </font>
</p><p><font> 16- Não basta a existência de um accionista domiciliado além-fronteiras para que estejamos perante uma situação transnacional; tal corresponde, desde logo, à desconsideração da autonomia jurídica da entidade contratante. </font>
</p><p><font> 17. O Recorrido não actuou como mero intermediário nos contratos swap. </font>
</p><p><font>18- A Recorrente nunca teve conhecimento, nem aquando da celebração dos contratos, nem ao longo da respectiva execução, de que o Recorrido tenha celebrado contratos simétricos com terceiros ou quem seriam esses terceiros, sendo que, em todo o caso, tais contratos não têm qualquer relação jurídica com os contratos aqui em disputa. </font>
</p><p><font>19- Seria absurdo que a redacção de um contrato numa língua estrangeira ou a mera escolha de uma lei estrangeira - que só será efectiva na medida em que não contrarie as disposições imperativas da lei portuguesa, nos termos do artigo 3.°, nº 3, da Convenção de Roma fosse critério bastante de transnacionalidade para este efeito. </font>
</p><p><font>20- O mesmo se diga relativamente à alegação de que estamos perante um produto importado que se insere num mercado internacional. </font>
</p><p><font> 21- Trata-se de um contrato de balcão ("</font><i><font>over the counter</font></i><font>") e não de um contrato transaccionado em mercado organizado, pelo que não se vislumbra o conteúdo material destes dois conceitos. </font>
</p><p><font>22- O facto de os contratos swap usarem como referência a taxa Euribor não pode obviamente ser critério para os definir como contratos internacionais. Usando tal argumentação, cairíamos no absurdo de sustentar que todos os contratos que tomam como referência esta taxa, incluindo, por exemplo, os contratos de crédito à habitação celebrados entre bancos e cidadãos nacionais, domiciliados em Portugal, seriam </font><i><font>ipso</font></i><font> facto contratos internacionais. </font>
</p><p><font>23- A teleologia subjacente à exigência de um elemento efectivo de estraneidade como pressuposto de aplicação do Regulamento de Bruxelas prende-se com a necessidade de garantir que cada Estado-Membro mantenha jurisdição efectiva sobre disputas puramente internas, desiderato que manifestamente se frustraria caso fossem considerados relevantes elementos de conexão ténues e, ou, artificiais. </font>
</p><p><font> 24- Caso assim não fosse - ou através de construções de maximalismo extremo do conceito de elemento de estraneidade - permitir-se-ia a atribuição de competência à jurisdição de um Estado membro para dirimir litígios que dizem exclusivamente respeito a um outro Estado membro. </font>
</p><p><font> 25- Ora, de tal interpretação decorreria que a jurisdição nacional passaria a ser meramente facultativa o que não foi, nem poderia ter sido, a intenção do legislador europeu. Desde logo, semelhante interpretação violaria frontalmente os princípios da proporcional idade e da subsidiariedade que enquadram o processo legislativo europeu. </font>
</p><p><font> 26- O que releva neste âmbito é a nacionalidade, o domicílio das partes bem como o local efectivo do cumprimento contratual, conforme jurisprudência do TJUE acima referida. </font>
</p><p><font> 27- Não se conhece nenhuma decisão de qualquer destes tribunais que tenha fundamentado a internacionalidade do litígio em qualquer outro elemento. </font>
</p><p><font>28- Estamos, pois, perante uma situação jurídica portuguesa puramente interna, que não apresenta nenhuma conexão com o território de qualquer outro Estado, pelo que não se encontra preenchido o pressuposto espacial ou pessoal de aplicação do Regulamento de Bruxelas. </font>
</p><p><u><font>B. Inadmissibilidade do pacto de jurisdição à luz do artigo 94º do CPC </font></u>
</p><p><font>29- Sendo inaplicável o Regulamento de Bruxelas, a designação convencional da jurisdição competente para conhecer dos litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica tem de se conformar com o disposto no artigo 94º do CPC, que pressupõe, entre outros requisitos, cumulativamente que: (i) a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica; (ii) [a designação seja) justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra. </font>
</p><p><font>30- Conforme exposto, a situação é puramente interna sendo, que cumulativamente, a escolha da jurisdição inglesa não é justificada por um interesse sério das partes e envolve inconveniente grave para a Recorrente. </font>
</p><p><font>31- Efectivamente, a distância, os custos decorrentes de litigar no estrangeiro, a língua a adoptar no processo, bem como a circunstância de a Recorrente não ter qualquer experiência em litígios do mesmo género e perante jurisdições estrangeiras, constituirão obstáculos insuperáveis a uma defesa eficaz dos seus interesses. </font>
</p><p><font>32- Entre custas judiciais, honorários de advogados, honorários de peritos e outros custos, incluindo traduções, a Recorrente precisaria de, no mínimo, despender dois milhões de euros para conduzir um litígio deste tipo perante os tribunais ingleses. </font>
</p><p><font> 33- O facto de todo o direito imperativo português ser aplicável, por força do artigo 3°, nº 3, da Convenção de Roma, à discussão material do litígio constitui, evidentemente, um obstáculo de monta, i.e., um grave inconveniente, à respectiva dirimição por um tribunal de uma jurisdição estrangeira. </font>
</p><p><font> </font><u><font>C. Inadmissibilidade do pacto de jurisdição à luz da LCCG: </font></u>
</p><p><font> 34- Ainda que se qualificasse a relação jurídica em crise como internacional para efeitos do Regulamento de Bruxelas, exercício que se faz sem conceder, o pacto de jurisdição sempre seria inválido à luz da LCCG, designadamente do respectivo artigo 19°, alínea g). </font>
</p><p><font> 35- O contrato ISDA é um contrato padronizado, estando inclusivamente, as partes impossibilitadas de o alterar ao abrigo da protecção jurídica dada aos direitos de autor e direitos conexos existindo, portanto, um "pacto privativo de jurisdição assente numa cláusula elaborada de antemão, que as partes se limitaram a aceitar, cujo conteúdo não foi previamente elaborado e que o destinatário não pode influenciar, remetendo-nos, assim, para a apreciação do regime das cláusulas contratuais gerais e para a necessidade de ponderar a protecção do aderente a este tipo de negociação pré-formulada, sejam as cláusulas gerais elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros (artigo 1º nºs 1 e 2, e artigo 2º do Decreto-Lei n. o 446/85) ", conforme considerou o Tribunal da Relação de Lisboa, a propósito de documentação ISDA igual à dos presentes autos. </font>
</p><p><font> 36- Estamos, claramente, perante um contrato padronizado, pré-elaborado por uma entidade estranha à relação contratual, sendo que, atentas as circunstâncias do caso concreto, elencadas supra, existem graves inconvenientes na escolha da jurisdição inglesa para a Recorrente sem que exista um interesse sério do Recorrido. </font>
</p><p><font> 37- A Recorrente, enquanto investidor não qualificado, é equiparada a consumidor para efeitos de aplicação da LCCG, nos termos do artigo 321°, nº 3, do Código dos Valores Mobiliários. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O recorrido contra-alegou, defendendo ser o pacto de jurisdição, em si mesmo, um elemento de estraneidade para efeitos de aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001 de 16/1 e, ainda que assim não se entendesse, sempre estariam verificados elementos suficientes de conexão com mais de uma ordem jurídica, fundamentadora dessa aplicação, pronunciando-se, assim, pela confirmação da sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas a questão que ali foi enunciada (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil) </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, será a seguinte o tema a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se as partes estabeleceram validamente, nos contratos de swap que celebraram, um pacto privativo de jurisdição (a favor dos tribunais ingleses), em razão do qual resulta a incompetência internacional dos tribunais portugueses.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Com vista à decisão, foi considerada assente na 1ª instância a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> - A A é uma empresa regional da Madeira. </font>
</p><p><font> - No âmbito do desenvolvimento da sua actividade e prossecução do seu objecto social a A. e outras, na qualidade de mutuárias, celebraram em 13/12/2002 (alterado em 17/01/2003), com CC B.V. (sociedade com sede na Holanda), na qualidade de mutuante, um contrato de financiamento no montante de € 190.000.000,00, com vencimento em 2022. </font>
</p><p><font> - Este contrato de financiamento está integralmente redigido em inglês e o lugar de pagamento era Londres. </font>
</p><p><font> - No âmbito do desenvolvimento da sua actividade e prossecução do seu objecto social a A e outras, na qualidade de mutuárias, celebraram em 30/10/2007, com Banco DD, S.A. e Banco EE, S.p.A, (com sede em Itália) na qualidade de mutuantes, um contrato de financiamento no montante de € 125.000.000,00, com vencimento em 2022. </font>
</p><p><font> - Este contrato está totalmente redigido em inglês, a lei aplicável é a portuguesa e os Tribunais Portugueses são os competentes. </font>
</p><p><font> - Em ambos os contratos a taxa de juro estabelecida encontrava-se indexada à taxa de juro euribor a 6 meses. </font>
</p><p><font> - Para cobrir o risco inerente à flutuação da taxa de juro, no que diz respeito ao contrato de financiamento com CC, B.V., foi celebrado o contrato de SWAP de taxa de juros - ref. nº 137, com data de 11/05/2006, no montante nocional inicial de € 42.636.000,00, com data de maturidade de 13/13/2022 (Confírmation ref. …). </font>
</p><p><font> - Este contrato foi reestruturado em 14/12/09 (Confírmation ref. …). </font>
</p><p><font> - Para cobrir o risco inerente à flutuação da taxa de juro, no que diz respeito ao contrato de financiamento com o Banco DD e Banco EE, foi celebrado o contrato de SWAP de taxa de juros - ref. nº 118, com data de 09/06/2008, no montante nocional inicial de € 7.000.000,00, com data de maturidade de 08/11/2032 (Confírmation ref. …). </font>
</p><p><font> - Este contrato foi reestruturado em 04/05/11 (Confirmation ref. …). </font>
</p><p><font> - Os Swaps foram assinados na sequência de contacto e convite da FF ao BB, entre outros bancos. </font>
</p><p><font> - Estes dois contratos de SWAP foram suportados por um contrato-quadro, de acordo com o modelo do ISOA, denominado "/SOA Master Agreement", assinados em 13/06/2006, o qual estabelece as condições gerais entre as partes que pretendam celebrar contratos relativos a produtivos financeiros derivados. </font>
</p><p><font> - A Cláusula 13ª do /SOA Master Agreement - entre SOPS, S.A e BB, sob a epígrafe "Lei aplicável e Foro", dispõe: </font>
</p><p><font> (a) Lei aplicável. O presente Contrato será regulado e interpretado de acordo com as leis especificadas em Anexo. </font>
</p><p><font> (b) Foro. Em relação a qualquer processo, acção ou procedimento relativo a este Contrato ("Processos"), cada parte de modo irrevogável: </font>
</p><p><font> (i) submete-se ao foro dos tribunais ingleses, caso se especifique que este Contrato seja regulado pela lei inglesa, ou ao foro não-exclusivo dos tribunais do Estado de Nova Iorque e do Tribunal Federal dos Estados Unidos da América CUnited States District Courf) localizado na Área de Manhantan da Cidade de Nova Iorque, caso se especifique que este Contrato seja regulado pela lei do estado de Nova Iorque; e </font>
</p><p><font> (ii) renuncia a qualquer objecção que possa vir a ter, a qualquer momento, à escolha dos mencionados tribunais como foro para quaisquer Processos, renuncia a qualquer queixa com fundamento de que tais Processos tenham sido intentados num foro incompetente e ainda renuncia ao direito de contestar, em relação a tais Processos, que o mencionado tribunal não tenha jurisdição sobre tal parte. </font>
</p><p><font>( ... ). </font>
</p><p><font> - Nesta mesma data de 13/06/2006 foFF definidos os termos contratuais que complementam o "Master Agreement" no "Schedule" sendo que este contém cláusulas individualmente negociadas. </font>
</p><p><font> - No Anexo deste Contrato-Quadro dispõe na Parte 14: ( ... ) </font>
</p><p><font> h) Legislação Aplicável. O presente Contrato será redigido e interpretado em conformidade com o direito inglês. ( ... ). </font>
</p><p><font> - A Confirmation estabelece as condições especiais de cada contrato de Swap da taxa de juro. </font>
</p><p><font> - Nestas Confirmations consta a sujeição à aplicação da lei inglesa e a jurisdição dos tribunais ingleses. </font>
</p><p><font> - Estas estão redigidas em língua inglesa. -----------------</font>
</p><p><font> 2-3- Como se vê, o que divide a recorrente e o Banco recorrido é o saber-se que tribunais terão competência para apreciação do litígio decorrente dos contratos de swap celebrados pelas partes, se os tribunais portugueses, onde a acção foi interposta, se os tribunais ingleses, como defende o R.. A 1ª instância decidiu atribuir a competência a estes tribunais, em face do pacto atributivo de jurisdição celebrado pelas partes, competência que a recorrente não aceita. Daí o presente recurso </font><i><font>per saltum</font></i><font> para este STJ.</font>
</p><p><font> Para o que aqui interessa foi dado como provado que, para cobrir o risco inerente à flutuação da taxa de juro no que diz respeito ao contrato de financiamento com CC B.V. acima aludido, foi celebrado o contrato de swap de taxa de juros, contrato que foi reestruturado em 14/12/09, e para cobrir o risco inerente à flutuação da taxa de juro no que respeita ao contrato de financiamento com o Banco DD e Banco EE acima referenciado, foi celebrado um (outro) contrato de swap de taxa de juros, contrato que foi reestruturado em 04/05/11. Estes dois contratos de swap foram suportados por um contrato-quadro, de acordo com o modelo do ISOA, denominado "ISOA Master Agreement", assinados em 13/06/2006, o qual estabelece as condições gerais entre partes quanto a produtivos financeiros derivados, sendo que na cláusula 13ª do ISOA Master Agreement - entre SOPS, S.A e BB, sob a epígrafe "Lei aplicável e Foro", se dispõe que “</font><i><font>(a)Lei aplicável. O presente Contrato será regulado e interpretado de acordo com as leis especificadas em Anexo. (b) Foro. Em relação a qualquer processo, acção ou procedimento relativo a este Contrato ("Processos"), cada parte de modo irrevogável: (i) submete-se ao foro dos tribunais ingleses, caso se especifique que este Contrato seja regulado pela lei inglesa</font></i><font>…”. No Anexo deste Contrato-Quadro dispõe na Parte 14: ( ... ) que “</font><i><font>h) Legislação Aplicável. O presente Contrato será redigido e interpretado em conformidade com o direito inglês. ( ... ). </font></i><font>Na </font><i><font>Confirmation</font></i><font> estabelece-se as condições especiais de cada contrato de swap da taxa de juro e nelas consta a sujeição à aplicação da lei inglesa e a jurisdição dos tribunais ingleses. </font>
</p><p><font> Na decisão recorrida entendeu-se dever aplicar-se à situação o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (conhecido por Regulamento Bruxelas I). Isto porque, sob o âmbito temporal, o diploma se deve aplicar a acções judiciais instauradas posteriormente à sua entrada em vigor (01/03/02), sendo directamente aplicável em todos os Estados Membros em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>. Além disso, como a presente acção foi instaurada num Estado-Membro da União Europeia e ambas as partes têm domicílio num Estado-Membro e porque os contratos em questão se inscrevem na matéria civil e comercial a que alude o art. 1 º nº 1 do Regulamento, este tem todas as condições de ser aplicado, devendo ser à luz do seu art. 23º que se deve aferir da admissibilidade e validade do pacto de jurisdição convencionado pelas partes. Considerou-se, então, resultar do disposto neste preceito serem dois os pressupostos cumulativos do pacto de jurisdição o de, pelo menos, uma das partes, se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro (sendo que ambas estão domiciliadas num Estado-Membro) e que o pacto atribua competência a um tribunal ou aos tribunais de um Estado-Membro (sendo que as partes atribuíram competência aos tribunais ingleses). Acrescentou-se que se discute ainda a existência de um terceiro pressuposto cumulativo, a internacionalização da situação jurídica, afirmando-se que “</font><i><font>não obstante não haver uma alusão expressa a tal no art. 23º do Regulamento afigura-se-nos que, da ratio do mesmo se retira a necessidade de nos encontrarmos perante uma "situação jurídica internacional</font></i><font>", tendo-se considerado dever admitir-se o conceito amplo do pressuposto da internacionalidade</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, existindo no caso evidentes elementos desta estraneidade. Concluiu-se, assim, pela validade dos pactos atributivos de jurisdição em causa o que conduz “</font><i><font>à infracção das regras de competência decorrentes do estipulado na convenção que estabelece um pacto atributivo de jurisdição determina a incompetência relativa deste Tribunal, que é uma excepção dilatória e que tem como consequência a absolvição da R. da instância (art. 1 ü2º, 278º nº 1 e) 576º nº 2, 577º a) do C.P.C.)</font></i><font>”, pelo que se julgou procedente a presente excepção dilatória de incompetência dos tribunais portugueses por violação de pacto atributivo de jurisdição.</font>
</p><p><font> Contrariando esta tese afirma a recorrente, AAS.A., que ambas as partes são sociedades de direito português com sede em Lisboa, sendo que os contratos de swap foram celebrados em Portugal e o lugar previsto para o cumprimento da integralidade das obrigações deles decorrentes é também em Portugal, pelo que o litígio está sujeito à aplicação de normas de direito português de carácter imperativo. A aplicação do Regulamento de Bruxelas pressupõe a existência de uma relação jurídica transnacional, ou seja de um elemento de estraneidade que ligue a relação jurídica a mais do que uma jurisdição, tal como reconhecido na sentença recorrida. Ora, no caso vertente, não há nenhum elemento do tipo dos elencados na jurisprudência do TJUE susceptível de conferir carácter transnacional à relação jurídica em crise. Contrariamente ao que pretende a sentença, a internacionalidade do litígio não pode fundar-se na possibilidade, nunca concretizada, de o recorrido poder fazer e receber pagamentos através das suas filiais em Londres e no Luxemburgo, no facto de os contratos de financiamento celebrados pela recorrente com terceiros possuírem elementos de conexão com outras ordens jurídicas, no facto de o capital social do recorrido ser detido por uma pessoa colectiva estrangeira, ou na suposta actuação do recorrido como mero intermediário, nem noutros fundamentos referidos pelo recorrido como o uso da língua inglesa, a aplicação da lei inglesa, o fact | [0 0 0 ... 0 0 0] |
BzKSu4YBgYBz1XKvcx03 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>I - AA</font></b><b><i><font> </font></i></b><font>intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra </font><b><font>BB</font></b><font> e mulher </font><b><font>CC</font></b><font> e contra</font><b><i><font> </font></i></b><b><font>DD</font></b><font> pedindo que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio rústico identificado no artº. 6º da petição inicial [sito na freguesia de ..., concelho de ..., nas C... ou P..., de pinhal, com área de 1.200 m2, que confronta de norte com caminho, nascente, sul e poente com BB e outros, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. ...];</font><b><i><font> </font></i></b><font>lhe seja reconhecido à o direito de preferência de haver para si o prédio rústico identificado no artigo 1º da petição inicial [prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., nas C... ou P..., composto de oliveiras, cultura arvense de sequeiro, pomar de macieiras, pinhal, pastagem e vinha, com a área de 20.400 m2, que confronta de norte com EE e outros, nascente com AA e caminho, de sul com caminho e de poente com AA e FF e outros, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. …] substituindo-se ao 2º. R na respectiva escritura de compra e venda, com as consequências legais daí decorrentes, designadamente, ordenar-se o cancelamento do registo de aquisição a favor do 2º R., o que se requer e sejam os RR condenados a reconhecerem tal direito de preferência.</font>
</p><p><font>Alega, em síntese, que por escritura pública outorgada no dia 22/04/2002, os 1ºs. RR venderam ao 2º. R e este comprou, pelo preço de €15.961,53, o prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., nas C... ou P..., composto de oliveiras, cultura arvense de sequeiro, pomar de macieiras, pinhal, pastagem e vinha, com a área de 20.400 m2, que confronta de norte com EE e outros, nascente com AA e caminho, de sul com caminho e de poente com AA e FF e outros, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. …</font>
</p><p><font>Indica que é dona e legitima proprietária do prédio rústico, sito na freguesia de ..., concelho de ..., nas C..., de pinhal com a área de 1200 m2 que confronta de norte com caminho, nascente, sul e poente com BB e outros, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., descrito na CRP de ... sob o nº. ..., sendo tal prédio confinante, pelos lados nascente, sul e poente com o prédio identificado no parágrafo anterior;</font>
</p><p><font>Alega também que nem os RR nem qualquer outra pessoa lhe deram conhecimento antecipado do projecto de venda e as cláusulas contratuais, só tendo tomado conhecimento dessa venda e dos seus elementos essenciais, no dia 12/11/2002. </font>
</p><p><font>Os réus foram regularmente citados, tendo contestado [e o 2º R. também deduzido reconvenção], por excepção e impugnação, alegando, em síntese que o 2º R. tomou de arrendamento aos 1ºs. RR três prédios rústicos sitos, respectivamente, na Quinta, em C... ou P... e em E... ou S…, tendo o contrato de arrendamento relativo ao primeiro e ao segundo prédios tido inicio em Novembro de 1999 e tendo o contrato de arrendamento atinente ao último prédio tido inicio em 01/08/1999, sendo ambos os contratos celebrados pelo P... de 25 anos, sucessivamente renovável, dando o senhorio autorização ao R. para efectuar as melhorias necessárias para aumentar a produtividade dos prédios, bem como para efectuar as explorações de água que entendesse. Que por contrato celebrado em 08/11/1999, os 1ºs. RR prometeram vender ao 2º R. os três identificados prédios, pelo preço global de Esc. 10.000.000$00, tendo, em 22/04/2002, sido celebrada a respectiva escritura pública de compra e venda, a qual foi rectificada por escritura lavrada em 10/01/2003;</font>
</p><p><font>Desde o momento em que encetaram negociações ficou estabelecido que o 1º R. marido (vendedor) apenas venderia os ditos três prédios no seu conjunto e o comprador apenas aceitaria o negócio se nele estivessem incluídos os três prédios, que foram avaliados no seu conjunto, como se de uma unidade se tratasse.</font>
</p><p><font>A aquisição dos referidos prédios, pelo preço global de Esc. 10.000.000$00, teve como finalidade o preenchimento do requisito essencial à aprovação do projecto do IFADAP a que o 2º R. se candidatou, no que respeita à área mínima, legalmente exigível, acrescendo que tais prédios, apesar de dispersos, formavam uma unidade de cultura tipo familiar;</font>
</p><p><font>Efectuada como foi a venda dos três prédios no conjunto, sem atribuição de valores a cada um deles, a quem já era arrendatário dos mesmos, não assiste à A. o invocado direito de preferência, exclusivamente sobre o prédio denominado P.... </font>
</p><p><font> Entretanto, o 2º R. efectuou múltiplas obras e trabalhos no prédio denominado P…. ou C... e que descrimina nos artºs. 76º a 124º da contestação - reconvenção, no que despendeu a quantia de €92.083,32, tendo o 2º R. de continuar a efectuar, no futuro, despesas no tratamento do pomar de macieiras que plantou no identificado prédio;</font>
</p><p><font>A procedência da acção seria injusta e imoral, sendo o 2º R. um jovem com 21 anos que fez formação profissional como jovem agricultor e que apostou na sua própria exploração agrícola, apresentando o seu projecto ao IFADAP que o aprovou, tendo esta entidade atribuído ao 2º R. Esc. 23.586.364$00 e investindo o 2º R. de capital próprio o montante de Esc. 18.776.276$00, incluindo o aludido projecto, entre outros, o prédio do P..., no qual foi efectuado grande parte do investimento.</font>
</p><p><font>Alegam que a A. não tem idade nem formação profissional para prosseguir com um projecto desta envergadura, nem tem sequer conhecimentos para cultivar o P..., nos termos em que o 2º R. o vem fazendo e se propõe continuar a fazer; o terreno da A. é um pinhal que em nada beneficiaria com a aplicação da Lei do Emparcelamento.</font>
</p><p><font>Através da presente acção, a A apenas pretende obter para si um prédio que bem sabe ser incapaz de cultivar, agindo de modo indiferente às consequências da sua atitude, destruindo um projecto de vida e que envolve investimentos avultados, actuando a A em flagrante abuso do direito. </font>
</p><p><font>Concluem os RR pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido e, subsidiariamente, para o caso da acção proceder, em reconvenção pede o 2º R./reconvinte que a A./reconvinda seja condenada:</font>
</p><p><font>a) A pagar ao R. DD a quantia de €91.275,49 (noventa e um mil duzentos e setenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos) de benfeitorias que realizou no prédio, acrescida de juros legais, a contar da notificação da contestação/reconvenção;</font>
</p><p><font>b) A pagar todas as despesas e trabalho da manutenção do pomar do P... até ao trânsito em julgado da decisão, em montante a apurar em liquidação de sentença;</font>
</p><p><font>c) A reconhecer que os contratos de arrendamento celebrados se confundiram na pessoa do R. DD, em virtude da celebração da escritura de compra e venda, condenando a A. a reconhecer o R. DD como arrendatário do P... até ao final do contrato;</font>
</p><p><font>d) A liquidar o devido imposto de sisa por dele não estar isenta.</font>
</p><p><font>A A./reconvinda replicou impugnando os factos alegados pelos RR. - sustentando, em síntese, que os contratos de arrendamento pelos mesmos invocados são negócios simulados e nulos e concluindo pela improcedência das excepções invocadas e do pedido reconvencional e mantendo o pedido formulado na p.i.</font>
</p><p><font>O 2º R./reconvinte DD apresentou tréplica reiterando o alegado na contestação/reconvenção e concluindo como nesta.</font>
</p><p><font>A autora apresentou articulado superveniente alegando, em resumo, que foi apenas em Abril de 2003, após a apresentação dos articulados, que o R. DD efectuou obras e realizou trabalhos no prédio o P..., pelo que não podem ser invocadas pelo R. como sendo benfeitorias pelas quais tenha direito a ser indemnizado, pois que a citação do réu fez cessar a boa fé do mesmo, no sentido de que actualmente é um mero detentor do imóvel objecto de preferência. Tais factos são extintivos do direito peticionado pelo R./reconvinte, pois que tendo cessado a boa fé do mesmo após a citação, extinguiu-se também o direito de invocar indemnização pelas obras e trabalhos e aplicação de materiais que após a dedução da reconvenção fez no prédio.</font>
</p><p><font>O articulado superveniente apresentado pela A. foi admitido, tendo o R./reconvinte </font><i><font>DD</font></i><font> apresentado resposta, na qual requereu a ampliação do pedido reconvencional.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>Foi elaborado despacho saneador, procedendo-se à selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, tendo o R. DD delas reclamado, o que foi admitido. </font><br>
<font>O R./reconvinte DD</font><i><font> </font></i><font>apresentou seis ampliações do pedido reconvencional (sendo a primeira na resposta ao articulado superveniente apresentado pela A.), nos montantes, respectivamente, de €1.436,33, €10.519,02, €3.028,27, €6.982,79, €7.611,14, e €5.728,90, totalizando o pedido reconvencional do valor de €123.361,94, por trabalhos realizados e produtos aplicados no tratamento do pomar, a que tem vindo a proceder, sendo proferidos despachos admitindo tais ampliações, com o consequente aditamento à M.F.A. e/ou base instrutória dos factos pertinentes. Inconformada com as decisões de admissão da primeira, segunda e terceira ampliações do pedido reconvencional, a A./reconvida delas interpôs recurso, que foram admitidos, como de agravo, com subida deferida e efeito meramente devolutivo.</font><br>
<font>Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, conforme consta das respectivas actas. </font>
</p><p><font>Foi inicialemente proferida sentença, a fls. 1008 a 1039, que (considerando que a A. não provou, nem sequer alegou, que o adquirente do prédio relativamente ao qual pretende exercer a preferência, ora 2º R., não era proprietário confinante do prédio em causa, circunstância que à luz do preceituado no artº. 1380º do CC, constitui requisito essencial para o exercício daquele direito) julgou a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos RR. dos pedidos formulados. Dessa sentença recorreu a A tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão determinando a ampliação da matéria de facto a integrar na base instrutória. Em cumprimento do decidido foi aditado um ponto à base instrutória – correspondente ao 102 com a seguinte redacção: “</font><i><font>O Réu adquirente não era, à data da venda em que a autora pretende preferir proprietário ou titular de qualquer prédio rústico confinante com o prédio rústico objecto da preferência</font></i><font>?”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na sequencia de novo julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu:</font>
</p><p><b><font>a)</font></b><font> Declarar e condenar os RR. a reconhecer que a Autora é proprietária do prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., nas C... ou P..., que confronta de norte com caminho, nascente, sul e poente com BB e outros, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. ...; </font>
</p><p><b><font>b)</font></b><font> Reconhecer à Autora o direito de preferência na compra do prédio rústico denominado “C... ou P...”, sito na freguesia de ..., concelho ..., nas C... ou P..., com área de 20.400m2, que confronta de norte com EE e outros, nascente com AA e caminho, de sul com caminho e de poente com AA e FF e outros, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. …, substituindo-se o 2º. R. </font><i><font>DD</font></i><font>, pela A., no contrato de compra e venda celebrado pela escritura pública outorgada no dia 22/04/2002, no Cartório Notarial de Moimenta da Beira, exarada a fls. … a … verso do Livro …, mediante o pagamento do preço de €15.961,53 (quinze mil novecentos e sessenta e um euros e cinquenta e três cêntimos), que já se mostra depositado;</font>
</p><p><font> </font><b><font>c)</font></b><font> Determinar o cancelamento dos registos efectuados com base na escritura de compra e venda aludida na antecedente al. b) do dispositivo, no atinente ao prédio referenciado;</font>
</p><p><b><font>d)</font></b><font> Condenar a A./reconvinda a pagar ao 2º. R./reconvinte </font><i><font>DD</font></i><font> a quantia que se vier a apurar em ulterior incidente de liquidação, a título de indemnização pelas benfeitorias úteis realizadas pelo 2º. R./reconvinte no prédio identificado na al. b) do dispositivo [relativas aos trabalhos a que nele procedeu necessários à plantação do pomar de macieiras e de sabugueiros, abrangendo a desmatação, limpeza geral do terreno, surriba, abertura de valas e plantação das árvores propriamente dita e as obras necessárias e indispensáveis para o normal cultivo do pomar, designadamente, aquelas que respeitam à colocação de pedras de bardo, vigotas e de arame, à construção de dois tanques para a água mencionados nos pontos 52) a 54) dos factos provados, à ligação entre eles, aos demais trabalhos relativos à implementação do sistema de rega, designadamente, gota a gota, no prédio “P...”, incluindo os mencionados no ponto 68) dos factos provados, à construção de uma casota/arrecadação, com porta mencionada nos pontos 18) e 93) dos factos provados, para a colocação e protecção das electrobombas, dos automatismos da rega gota a gota, quadros, disjuntores e contadores eléctricos e para permitir a ligação às bombas aí colocadas e permitir funcionar todo o sistema de rega e colocação de um ramal de electricidade da EDP], na medida em que valorizaram tal prédio;</font><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>e)</font></b><font> Condenar a A. pagar ao Estado o imposto, que à data da outorga da escritura pública referenciada na al. b) do dispositivo era o de Sisa, devido pela transmissão do prédio P...;</font>
</p><p><b><font>f)</font></b><font> Absolver a A./reconvinda do demais pedido pelo 2º. R./reconvinte.</font>
</p><p><font>Desta sentença foi interposto recurso de apelação e na sequência do mesmo foi proferido acórdão no qual se decidiu julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Inconformado com a decisão interpôs o R DD recurso de revista excepcional o qual por acórdão da formação que entendeu não haver lugar a revista excepcional (v. acórdão de fls. 1376 e 1377) foi mandado à normal distribuição, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 5 do artigo 672 do Código de Processo Civil.</font></b>
</p><p><font>Apresentou o recorrente a sua alegação (constante de fls. 1290 a 1304, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais), tendo a recorrida apresentado contra-alegação (constante de fls. 1328 a 1341 cujo teor se dá, igualmente por reproduzido.</font>
</p><p><font> Do teor da alegação, influenciadas e formuladas no errado pressuposto de se estar perante um recurso de revista excepcional, resultam colocadas as seguintes questões: </font>
</p><p><font>A)a questão de saber se na altura da celebração da escritura o prédio em questão estava afecto a uma exploração agrícola do tipo familiar</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> - conclusões 6ªa 9ª (ligadas ao exposto nos três primeiros parágrafos de fls. 1299 e segundo e terceiro parágrafo de fls. 1300, do corpo alegatório;</font>
</p><p><font>B) a questão de saber se o exercício da acção por parte da A poder constituir abuso de direito (conclusões 4ª, 5ª, 16ª e 17ª).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III –</font></b><b><i><font> </font></i></b><b><font>Os factos:</font></b>
</p><p><b><font>1)</font></b><font> Por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Moimenta da Beira, em 22 de Abril de 2002, exarada a folhas … a … Verso do Livro … os primeiros Réus declararam vender ao segundo e este declarou comprar: </font>
</p><p><font> a) o prédio rústico, denominado "Quinta", que se compõe de olival, cultura arvense de sequeiro e vinha, freguesia de ..., concelho de ..., onde se encontra inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo …, com o valor patrimonial de 894,05 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número novecentos e vinte e três da freguesia de ...; </font>
</p><p><font> b) o prédio rústico, denominado "C... ou P...", que se compõe de oliveiras, cultura arvense de sequeiro, pomar de macieiras, pinhal, pastagens e vinha, freguesia de ..., concelho de ..., onde se encontra inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 1.500,08 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número novecentos e vinte e seis da freguesia de ...; </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> c) o prédio rústico, denominado "S...", que se compõe de nogueira, oliveiras, castanheiro, cultura arvense de sequeiro, pessegueiros, cerejeira, pinhal, mato, pastagem e uma casa agrícola, freguesia de ..., concelho de ..., onde se encontra inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo …, com o valor patrimonial de 2.047,67 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número novecentos e vinte e oito da freguesia de ..., pelo preço global de € 49.879,78, correspondendo ao prédio identificado em a) o preço de € 8.978,36, ao identificado em b), o preço de € 15.961,53 e ao identificado em c) o preço de € 24.939,89. - al. A) dos factos assentes -; </font>
</p><p><b><font>2)</font></b><font> Não foi paga qualquer importância a título de imposto de sisa, uma vez que o comprador - segundo Réu - é jovem agricultor. - al. b) dos factos assentes -; </font>
</p><p><b><font>3)</font></b><font> As despesas notariais com a celebração da escritura pública de compra e venda importaram em € 609,00- al. C) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>4) </font></b><font>No registo de aquisição a seu favor o 2° R despendeu a quantia de € 49,89 - al. D) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>5)</font></b><font> A A. é dona e legítima proprietária do seguinte imóvel: prédio rústico, sito na Freguesia de ..., Concelho de ..., nas C..., de pinhal, com a área de 1.200 metros quadrados que confronta de norte com o caminho, nascente, sul e poente com BB e outros, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° ...- al. E) dos factos assentes -; </font>
</p><p><b><font> 6) </font></b><font>O imóvel identificado no artigo anterior veio à posse da Autora por escritura de partilha outorgada no Cartório Notarial de ... em 8 de Novembro de 2000 - al. F) dos factos assentes -; </font>
</p><p><b><font> 7) </font></b><font>O prédio supra descrito encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de ... a favor da Autora e por isso registado pela inscrição G-1. - al. G) dos factos assentes.</font>
</p><p><b><font> 8) </font></b><font>Nos termos de acordo escrito, assinado pelos RR com assinaturas reconhecidas notarialmente, celebrado a 12 de Julho de 1999, a que deram o nome de </font><i><font>"Contrato de Arrendamento Rural", </font></i><font>os 1°s RR declararam dar de arrendamento ao 2° R: </font><i><font>"a) Prédio rústico, sito na Quinta, que confronta de norte </font></i><font>e </font><i><font>nascente com GG, de sul com caminho, de poente HH, GG </font></i><font>e </font><i><font>II, com </font></i><font>a </font><i><font>área de 7.800 m2, inscrito na matriz sob </font></i><font>o </font><i><font>artigo …, de </font></i><font>...</font><i><font>, .... b )</font></i><b><i><font>Prédio rústico sito na C... ou P...,</font></i></b><i><font> </font></i><font>a </font><i><font>confrontar de norte com EE, JJ </font></i><font>e </font><i><font>FF, de nascente </font></i><font>e </font><i><font>sul com caminho, de poente com FF inscrito na matriz da freguesia de ... sob </font></i><font>o </font><i><font>artigo </font></i><font>... </font><i><font>com </font></i><font>a </font><i><font>área de 20.400 m2". </font></i><font>- al. H) dos factos assentes; </font>
</p><p><b><font> 9)</font></b><font> Mais declararam que: "2</font><sup><font>a</font></sup><font> - </font><i><font>O contrato tem início no dia 1 de Novembro de 1999 e é celebrado pelo P... de 25 anos, sucessivamente renovável</font></i><font>; </font>
</p><p><font>3ª -</font><sup><font> </font></sup><i><font>A renda anual é no valor de 15.000$00, que deverá ser entregue aos senhorios na sua residência em 30 de Novembro de cada ano</font></i><font>; </font>
</p><p><font>4ª - </font><b><i><font>Os primeiros outorgantes (1°s RR.) declaram autorizar o segundo outorgante (2° R) a efectuar as melhorias necessárias para aumentar a produtividade do prédio</font></i></b><font>. (...)</font>
</p><p><font>6ª - </font><i><font>Os senhorios autorizam o arrendatário a efectuar as explorações de água que o 2° outorgante entender, no entanto todos os prejuízos que advierem para terceiros dessa exploração são da responsabilidade do arrendatário</font></i><font>. - al. I) dos factos assentes -; </font>
</p><p><b><font>10)</font></b><font> Nos termos de acordo escrito, assinado pelos RR com assinaturas reconhecidas notarialmente, a que deram o nome de "</font><i><font>Contrato de Arrendamento Rural</font></i><font>", os 1°s RR declararam dar de arrendamento ao 2º R.: a) </font><i><font>Prédio rústico sito no E... ou S...</font></i><font>, </font><i><font>que confronta de norte com KK</font></i><font>, </font><i><font>LL e MM, de nascente com NN, de sul com OO e de poente com LL, com a área de 64.680 m2, inscrito na matriz sob o artigo …, freguesia de ..., ... </font></i><font>- al. J) dos factos assentes -; </font>
</p><p><b><font>11)</font></b><font> Mais declararam que: “2ª - </font><i><font>O contrato tem início no dia 1 de Agosto de 1999 e é celebrado pelo P... de 25 anos sucessivamente renovável</font></i><font>; </font>
</p><p><font> 3ª - </font><i><font>A renda anual é no valor de 20.000$00, que deverá ser entregue aos senhorios na sua residência em 30 de Novembro de cada ano</font></i><font>;</font>
</p><p><font>4ª - </font><i><font>Os primeiros outorgantes (1ºs. RR) declaram autorizar o segundo outorgante (2° R.) a efectuar </font></i><font>as </font><i><font>melhorias necessárias para aumentar </font></i><font>a </font><i><font>produtividade do prédio. </font></i><font>(…)</font>
</p><p><font>6ª - </font><i><font>Os senhorios autorizam o arrendatário a efectuar as explorações de água que o 2º outorgante entender, no entanto os prejuízos que advierem para terceiros dessa exploração são da responsabilidade do arrendatário</font></i><font>”.- al. K) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>12) </font></b><font>Por acordo escrito assinado pelos RR com assinaturas reconhecidas notarialmente, a que deram o nome de "</font><i><font>Contrato promessa de compra e venda</font></i><font>", os 1°s RR. declararam que "</font><i><font>prometem vender ao segundo outorgante (2° R.), livre de quaisquer ónus ou encargos e este promete adquirir</font></i><font>" os imóveis identificados em h) e j). - al. L) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>13)</font></b><font> Mais declararam que </font><i><font>"O preço global da transacção é de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos)" </font></i><font>- al. M) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>14)</font></b><font> A 10 de Janeiro de 2003, os RR celebraram escritura pública que designaram de </font><i><font>"Rectificação de escritura pública de compra </font></i><font>e </font><i><font>venda </font></i><font>", conforme teor de doc. 5. junto com a contestação, a fls. 86 e seguintes, que devido à sua extensão, aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente, </font><i><font>"que, assim, vêm pela presente rectificar </font></i><font>a </font><i><font>aludida escritura </font></i><font>(a escritura referida em 1) </font><i><font>no sentido de passar a constar que o preço único e do conjunto dos três prédios é o que ali se identifica como preço global"</font></i><font>- al. N) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>15) O R. DD apresentou ao IFADAP um projecto, que o aprovou no âmbito do qual este lhe atribuiu um prémio de instalação de jovem agricultor no montante de 4.009.640$00 e a título de ajudas sob a forma de subsídio não reembolsável, tendo em vista a execução do projecto, concedeu 19.576.724$00 </font></b><font>- al. O) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>16)</font></b><font> Os prédios sitos na Quinta ou no P... vinham sendo granjeados por arrendatários de nome PP e mulher QQ. - al. P) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>17) </font></b><font>O R. DD canalizou as águas do S... até a tanque grande do P... através de tubo de plástico de 1,5 polegadas, enterrados e conduzidas por gravidade, numa extensão de 1300 metros. - al. Q) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>18) </font></b><font>Durante o mês de Abril de 2003, o R. DD construiu no prédio rústico P..., uma arrecadação com o comprimento de 3 metros, a largura de 2,16 metros e a altura de 1,60 metros. - al. R) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>19) </font></b><font>Durante o mês de Abril de 2003, o R. DD começou a colocar pedras e fazer bardos no referido prédio. - al. S) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>20) </font></b><font>Durante o mês de Abril de 2003, o R. DD fez deslocar ao prédio rústico P..., uma máquina a fim de proceder à abertura de uma vala para a colocação de tubos de rega, devido a erro técnico da responsabilidade de RR. - al. T) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>21) </font></b><font>No ano de 2004, desde Janeiro até Dezembro, o R. DD tratou do seu pomar sob a orientação do engenheiro técnico da A… em Produção Integrada. - al. U) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>22) </font></b><font>Nesse ano tratou do pomar e aplicou os produtos sob a orientação desse técnico, no montante de € 1.898,70. - al. V) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>23)</font></b><font> Na pulverização dos produtos, gastou 70 horas de tractor que, ao custo de €17,50/hora, importaram a quantia de €1.225,50 - al. X) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>24) </font></b><font>A passar os ganchos e frezes e aplicar estrume, gastou 51 horas com tractor que, ao custo de € 20/hora, importa em €1.020,00 - al. Z) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>25)</font></b><font> Para rapar as ervas com sacholas das macieiras, cortar os rebentos, atar, regar, gastou 77 dias de trabalho, que, a € 25/dia, importa em € 1.925,00 - al. AA) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>26)</font></b><font> Na poda efectuada num dia por uma equipa de sete pessoas, gastou € 210,00. - al. BB) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>27)</font></b><font> Na compra de estrume, gastou a quantia de € 472,50. - al. CC) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>28)</font></b><font> Em electricidade, gastou a quantia de € 231,09. - al. DD) dos factos assentes -;</font>
</p><p><b><font>29) </font></b><font>Os RR. ou qualquer outra pessoa não deram conhecimento antecipado à A., quer da intenção da venda do prédio rústico, quer do montante, data e forma de pagamento do preço e da identidade do adquirente - resposta ao ponto 1. da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>30) </font></b><font>O prédio referido em 5) e do qual a Autora é proprietária, confina por contiguidade física e imediata e pelos lados nascente, sul e poente com o prédio mencionado na al. b) do ponto 1., confinando este com aquele, igualmente por contiguidade física imediata pelos lados poente, nascente e norte - resposta ao ponto 2 da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>31)</font></b><font> Pelo menos, parte do prédio da A. é apto ao mesmo tipo de cultura do prédio descrito no ponto 1-b). - resposta ao ponto 3. da base instrutória -;</font>
</p><p><b><i><font>32</font></i></b><i><font>) Só em Novembro de 2002 a A. tomou conhecimento da compra e venda efectuada, da celebração da escritura e dos elementos essenciais da alienação, após ter solicitado, no Cartório Notarial de Moimenta da Beira, uma cópia da escritura pública de compra e venda. - resposta ao ponto 4. da base instrutória -;</font></i>
</p><p><b><font>33) Nas negociações que conduziram à prática do acto referido em 1), o comprador, ora R. DD manifestou que apenas aceitaria o negócio se no mesmo estivessem incluídos os três prédios. - resposta ao ponto 5. da base instrutória -;</font></b>
</p><p><b><i><font>34) A aquisição dos três referidos prédios teve como finalidade o preenchimento de um requisito essencial à aprovação do projecto mencionado no ponto 15), no que respeita à área mínima legalmente exigida, requisito esse cumprido com a inserção no dito projecto de outros prédios rústicos de que o 2º R. era já dono e/ou arrendatário - resposta ao ponto 6. da base instrutória;</font></i></b>
</p><p><font>35) Os prédios adquiridos destinavam-se e foram efectivamente incluídos na exploração agrícola do 2º R., que exerce a actividade de agricultor, a título principal, com carácter de permanência e continuidade. - resposta ao ponto 7. da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>36) </font></b><i><font>O prédio de P... ou C... é composto de terra de oliveiras, cultura arvense de sequeiro, pomar de macieiras, pinhal, pastagem e vinha, com área de 2,4 HA e, além disso, é ainda composto de um conjunto de construções urbanas. - resposta ao ponto 10. da base instrutória -;</font></i>
</p><p><b><font> 37) </font></b><font>Tais construções urbanas são compostas de casa de habitação com cozinha, duas salas e dois quartos no 1º andar para habitação e lojas para animais no rés-do-chão e um anexo para arrumos agrícolas. - resposta ao ponto 11. da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>38) </font></b><font>Tal conjunto de construções urbanas integravam ainda um forno a lenha anexo, onde se cozia o pão - resposta ao ponto 12. da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>39) </font></b><font>Os mencionados três prédios, no tempo do pai do co-réu BB, eram cultivados por um caseiro que habitava na casa do P... - resposta ao ponto 13. da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>40) </font></b><font>Era nessa casa que o caseiro e a família comiam e dormiam, de modo continuado e permanente, cultivando aqueles três prédios - resposta ao ponto 14. da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>41) </font></b><font>A situação durou no tempo em que o pai do co-réu BB era proprietário daqueles prédios e que se manteve após a morte deste, no referente cultivo dos três prédios até data não concretamente apurada, mas situada há mais de 15 anos, em que PP e mulher QQ entregaram o S... ou “E...”, continuando a explorar o P... e a Quinta, conforme referido no ponto 46) - resposta ao ponto 15 da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>42) </font></b><font>Era nessa casa e na construção anexa que guardavam alfaias e produção agrícolas - resposta ao ponto 16 da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>43) </font></b><font>Naqueles prédios cultivavam batata, milho, centeio, colhiam erva para os animais -resposta ao ponto 17 da base instrutória;</font>
</p><p><b><font>44)</font></b><font> Dos pinhais retiravam alguma lenha para os gastos domésticos. - resposta ao ponto 18. da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>45) </font></b><font>O caseiro e a sua família habitavam a casa do P... e cultivava os ditos três prédios - resposta ao ponto 19. da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>46) </font></b><font>Em finais de 1999, quando o R. DD, com a colaboração do seu pai, iniciaram negociação com o R. BB, apenas estava livre o “S...” ou “E...”, que tinha sido entregue pelos caseiros PP e mulher QQ, que já só “traziam” o “P...” e a “Quinta” - resposta ao ponto 20. da base instrutória -;</font>
</p><p><b><font>47) </font></b>< | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MjKou4YBgYBz1XKvgin5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>I. - RELATÓRIO.</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Em desavença com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em que, na improcedência das apelações interpostas da decisão proferida no tribunal de 1.ª instância, confirmou a decisão recorrida, recorrem a A., “AA” e o R., “BB”, havendo que considerar para a decisão os sequentes: </font>
</p><p><b><font>I.1. - Antecedentes processuais.</font></b>
</p><p><font>“AA”</font><b><font> </font></b><font>intentou contra “BB” e esposa, “CC” acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, </font><u><font>pedindo</font></u><font> a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de € 51.920,00, sem prejuízo dos juros vincendos, relativa à conclusão das obras.</font>
</p><p><font>A </font><u><font>fundamentar</font></u><font> o peticionado, alegou, em síntese, que:</font><br>
<font>Os RR. dedicam-se à actividade da construção civil, sendo o 1º R. sócio-gerente da “Sociedade de Construções “DD”, Lda.”.</font><br>
<font>Sendo a A. proprietária de um terreno sito no Lugar de C... onde pretendia construir uma moradia, recebeu do R., em Novembro de 2001, um orçamento, no qual se propunha executar a obra, no prazo de 1 ano e meio a contar da adjudicação, pelo preço de € 83.549,00.</font><br>
<font>Em Dezembro de 2001, A. e R. acordaram no preço de € 69.832,00, entregando aquela, nessa altura, a execução dos trabalhos orçamentados ao R., que confirmou que os mesmos estariam concluídos em 30.06.03.</font><br>
<font>O R. apenas começou os trabalhos em Fevereiro de 2002 e teve a obra parada por várias vezes, não obstante a A. lhe ir efectuando os pagamentos, de acordo com o acordado ou a pedido do R.</font><br>
<font>Em Outubro de 2002, o R. voltou a solicitar dinheiro à A., que, após se deslocar à obra para ver como estava a decorrer, lhe disse que só dava mais dinheiro depois daquele arranjar o telhado, que estava mal assente e desalinhado.</font><br>
<font>De Outubro de 2002 a Março de 2003, apesar das insistências da A., o R. nunca mais a contactou.</font><br>
<font>Em Abril de 2003, a A. exigiu ao R. que arranjasse o telhado e terminasse a obra até à data acordada, sugerindo-lhe este que mandasse arranjar o telhado por uma terceira pessoa, após o que terminaria a obra, o que a A. recusou.</font><br>
<font>Em Maio de 2003, o R. garantiu à A. que a casa estaria pronta no dia acordado, mas em Junho de 2003 a A. foi alertada por um vizinho que a casa estava aberta e o R. havia levado todo o material que conseguiu.</font><br>
<font>Não obstante as insistências da A., o R. não compareceu à reunião, nem nunca mais a contactou.</font><br>
<font>Um engenheiro contratado pela A. apresentou relatório das deficiências da construção, alertando para a necessidade de concluir rapidamente as obras, para obstar a maiores prejuízos, o que a A. fez, contratando novo empreiteiro que apresentou um orçamento de € 50.812,00 para acabar a moradia, gozando a A. de um crédito sobre os RR., no referido montante, acrescido de juros de mora vencidos de € 1.108,00, sem prejuízo dos vincendos.</font>
</p><p><font>Regularmente citados, os RR. contestaram, </font><i><font>por excepção</font></i><font>, alegando ser parte ilegítima na acção, por a A. ter contratado com a Sociedade “DD”, Lda., e </font><i><font>por impugnação</font></i><font>, propugnando pela improcedência da acção, bem como deduziram reconvenção, alegando, em síntese, que:</font>
</p><p><font>A obra foi adjudicada por € 69.832,00.</font>
</p><p><font>Por obras fora do orçamento, a A. deve € 3.970,00.</font>
</p><p><font>Tendo a A. pago, apenas, € 52.370,00, a obra deveria ser concluída mediante a entrega de € 21.432,00, que a A. não pagou, preferindo avançar para tribunal.</font>
</p><p><font>O R. deixou de ter o proveito que iria ter da obra, no montante de € 7.430,00.</font>
</p><p><font>Terminam </font><u><font>pedindo</font></u><font> a condenação da A. a pagar ao R. a quantia de € 14.860,00.</font>
</p><p><font>A A. replicou, propugnando pela improcedência da excepção invocada, impugnou a matéria da reconvenção, propugnando pela sua improcedência, e pediu a condenação dos RR. como litigantes de má-fé em multa e no pagamento de uma indemnização de € 2.500,00.</font>
</p><p><font>Foi</font><b><font> </font></b><font>proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente a invocada excepção de ilegitimidade dos RR., absolvendo-os, em consequência, da instância.</font>
</p><p><font>Interposto agravo de tal despacho, foi proferido acórdão por esta Relação, que julgou as partes legítimas e determinou o prosseguimento da acção.</font>
</p><p><font>Foi, então, seleccionada</font><b><font> </font></b><font>a matéria de facto assente e B.I., as quais não foram objecto de reclamação.</font><br>
<font>Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, vindo, oportunamente, a ser proferida sentença que:</font><br>
<font>a) julgou a acção parcialmente procedente, e condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 50.812,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento, absolvendo a R. do pedido; </font><br>
<font>b) julgou a reconvenção improcedente, absolvendo a A. /Reconvinda do pedido;</font><br>
<font>c) condenou os RR., por litigância de má fé, no pagamento da multa de 6 Ucs.</font>
</p><p><font>d) por carência de elementos, relegou para momento posterior a fixação do montante da indemnização a atribuir à A., a título de indemnização por litigância de má fé dos RR.</font>
</p><p><font>Das apelações que impulsaram veio o tribunal da Relação de Lisboa a decidir pelo respectivo improvimento.</font>
</p><p><font>Interposto recurso de revista para este Supremo Tribunal – cfr. fls. 535 (do recorrente “BB”) e fls. 537 (da recorrente “AA”) – veio a recorrente "AA" requerer a prestação de caução – fls. 545;</font>
</p><p><font>- Porque o recorrente “BB” havia arguido a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação veio a ser decidido não enfermar o mesmo da acoimada nulidade – cfr. fls. 584;</font>
</p><p><font>- A fls. 589 e 590 foi deferida a prestação da caução, tendo do despacho do Exmo. Senhor Relator intentado interpor recurso que não foi admitido, tendo sido ordenado a remessa do processo à conferência para efeitos de sobre o despacho que admitiu vir a ser proferida decisão colegial que permita a impugnação posterior – cfr. artigo 700.º, n.º 3 do CPC. </font>
</p><p><b><font>II.2. – Quadro conclusivo. </font></b>
</p><p><font>Do acervo fundante do recurso extraíram os recorrentes os sequentes epítomes conclusivos:</font>
</p><p><b><font>Da Autora/recorrente</font></b><font>: </font><br>
<i><font>A)</font></i><font> </font><i><font>Conhecem os autos elementos suficientes para qualificar o acto do 1.º R como acto de comércio, quer subjectiva, quer objectivamente; </font></i><br>
<i><font>B) Pois que aceitar e erguer – ainda que defeituosamente – a obra encomendada pela A. constitui um acto de comércio; </font></i><br>
<i><font>C) Assim, e nos termos do art. 13.º do Código Comercial, praticou o 1.º R. um acto de comércio em sentido subjectivo porque detém a capacidade, nos termos do art. 7.º do Cód. Com – facto já assente – e fê-lo com profissionalidade com carácter de habitual idade, conhecendo os autos de, pelo menos, três moradias edificadas pelo 1° R. que alegou, no seu articulado, pagar salários a trabalhadores, ter de racionalizar recursos, deter estaleiro onde guarda materiais de construção, denotando organização e visando o lucro, porque não o fez por caridade nem beneficência, tendo recebido o preço e, autodenominando-se, na sua contestação, de empreiteiro; </font></i><br>
<i><font>D) Praticou este acto de comércio em nome próprio e por sua conta, o que, pese embora o previsto no art. 253.º do C. Com., não impede que seja comerciante - vide Ac. do STJ de 11.02.2007, proferido no processo 07B3336, com o numero convencional JSTJ000, disponível em www.stj.pt.</font></i><br>
<i><font>E) A Sociedade de que é sócio-gerente não é titular de autorização que lhe permita construir ou edificar casas, pelo que o 1.º R o tem vindo a fazer ao longo dos anos, por sua própria conta; </font></i>
</p><p><i><font>F) Praticou o 1.º R um acto de comércio em sentido objectivo, porque previsto pelos artigos 2.º e 230.º, 6.º, ambos do C. Com, detendo uma organização de recursos humanos e materiais que geria, sendo certo que as empreitadas são, pela sua própria natureza, actos complexos que exigem elevado grau de organização. Daí encontrarem-se exaustivamente legisladas; </font></i><br>
<i><font>G) Pese embora o art. 1691.º, n.º 1, al. d) do CC operar sozinho, também se encontram preenchidos os requisitos do art. 15.º do C. Com, desencadeando uma dupla presunção que, não ilidida nos autos pela 2.ª R., beneficia a Autora, ora Recorrente </font></i><br>
<i><font>H) E, porque os RR são casados entre si sob o regime de comunhão de adquiridos – facto já assente e aditado à factualidade provada – e a dívida se presume comercial. opera outra presunção: a do art. 1691/1. al. d) do Cód. Civil, presumindo-se o proveito comum da 2.ª R; </font></i><br>
<i><font>I) Proveito comum, este, que os próprios RR reconhecem e quantificam no seu pedido reconvencional e no pedido por condenação por litigância de má fé, no qual foram condenados; </font></i><br>
<font>J)</font><i><font> Assim, competia à 2.ª R, querendo, ilidir a presunção legal iuris tantum, nos termos do art. 349.º e 350.º do Cód. Civil o que a 2.ª R. não fez, devendo a douta sentença ser alterada, no sentido de conhecer das qualificações e presunções que deixou de conhecer e, consequentemente, condenar a 2</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> R. no pedido, concluindo-se como no Ac. do STJ de 04.03.1980, proferido por unanimidade, no processo n.º 068398, Relator Hernâni de Lencastre e disponível em </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt.</font></u></i></a><i><font>” </font></i>
</p><p><font>Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o </font><i><font>mui </font></i><font>douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão ser revogada e substituída por outra que condene a 2.ª R no pedido, mantendo-se as decisões recorridas, no demais. </font>
</p><p><b><font>Do Réu/recorrente. </font></b>
</p><p><i><font>“I – Não foi apreciado criticamente o seguinte, ou seja, para os dois lados: </font></i>
</p><p><i><font>Sociedade de Construções </font></i>
</p><p><i><font>“DD”, LDA. </font></i>
</p><p><i><font>"Vem por este meio fazer o orçamento que me foi pedido... </font></i>
</p><p><i><font>Note-se o sujeito (a sociedade) a concordar com e o predicado (vem e não venho). </font></i>
</p><p><i><font>Compreende-se perfeitamente a menção de "todas as responsabilidades há minha conta" não só porque também se diz que me ''foi pedido" (ao sócio-gerente) mas também porque não se pode ignorar o nível literário do povo português aqui mesmo manifesto no "há minha conta". </font></i>
</p><p><i><font>II – De resto também a restante prova não foi apreciada, segundo as regras da experiência, analisando os motivos e a sua complexidade e passa sobre referências iluminadoras que podem levar ao conhecimento da verdade material. </font></i>
</p><p><i><font>III – E insuficiente a apreciação da conclusão VI, ou seja, "A decisão proferida no processo de contra-ordenação n.º PI xxx/xx, do INSTITUTO DA CONSTRUÇÃO E DO IMOBILIÁRIO, que se encontra junta aos autos, teve origem numa queixa da A. “AA” contra a sociedade “DD” Lda. por causa da casa que esta lhe estava a construir, o que mostra provado que o contrato para a construção da mesma era com esta sociedade, porque nem sequer diz porque é que a A. se queixou da sociedade e não do R. </font></i>
</p><p><i><font>IV – Não tendo sido apreciada esta questão, foi cometida a nulidade da sentença do n.º 1, alínea d), do art. 668.º do CPC. </font></i>
</p><p><i><font>V – A questão de fundo desta acção não devia ser resolvida sem uma completa prova, produzida pelos meios adequados, que determinasse com precisão os valores em causa e de quem era a mora porque por este modus faciendi a A. ficaria com uma construção do valor de € 59.800 (sujeito a prova adequada como todos os outros valores referentes à obra) por € 1.558,00. </font></i>
</p><p><i><font>VI As testemunhas não podem fazer prova de valores de trabalhos de uma obra mas sim peritos competentes. </font></i>
</p><p><i><font>IX – A A. litiga com má fé porque, através do modus faciendi do Tribunal, quer ficar com uma construção do valor de € 59.800 (sujeito a prova adequada como todos os outros valores referentes à obra) por € 1.558,00. </font></i>
</p><p><i><font>X – Foram violados os artigos 653.º, n.ºs 2 e 4, 668.º n.º 1, alínea d), 1.ª parte, e 655.º do C. P. Civil. (</font></i><font>Na numeração indicada nas conclusões do recorrente verifica-se um salto do VI para o IX - cfr. fls. fls. 565 e 566</font><i><font>) </font></i>
</p><p><i><font>Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, devendo o processo baixar à 1.ª instância para julgamento suficiente da matéria de facto, assim se fazendo.”</font></i><font> </font>
</p><p><b><font>I.2. - Questões a merecer apreciação.</font></b>
</p><p><font>As conclusões permitem ressumar as sequentes questões, para apreciação:</font>
</p><p><font>Do recurso da recorrente, “AA”; </font>
</p><p><font>- Acto comercial – Comunicabilidade da dívida (artigo 1691.º, n.º 1, al. d) do Código Civil);</font>
</p><p><font>Do recurso dos Recorrentes, “BB” e “CC”:</font>
</p><p><font>- Nulidade do acórdão (por falta/deficiência de fundamentação na reapreciação da decisão de facto).</font>
</p><p><b><font>II. - FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO.</font></b>
</p><p><font>O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:</font>
</p><p><i><font>“1.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O 1.º R. é sócio-gerente da “Sociedade de Construções “DD”, Lda.” – al. A) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><i><font>2.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Em Dezembro de 2001, o 1.º R. apresentou à A. um orçamento no qual se propunha construir uma moradia unifamiliar num terreno daquela, sito na Rua de S… J…, Lote xxx, Bairro C… N…, freguesia de C…, no prazo de um ano e meio a contar da adjudicação, pelo preço total de Esc. 16.750.000$00 (dezasseis milhões setecentos e cinquenta mil escudos), o equivalente a € 83.549,00 (oitenta e três mil quinhentos e quarenta e nove euros) – resposta ao quesito 1º da B.I..</font></i>
</p><p><i><font>3.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Em Dezembro de 2001, a A. e o 1.º R. acordaram no preço de € 69.832,00 (sessenta e nove mil oitocentos e trinta e dois euros) para a construção da moradia unifamiliar referida em 2. - al. B) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><i><font>4.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Nessa altura (Dezembro de 2001), a A. entregou ao 1.º R. a execução dos trabalhos discriminados no orçamento constante de fls. 13 dos autos – al. C) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><i><font>5.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O 1.º R. confirmou à A. que os trabalhos estariam terminados em 30 de Junho de 2003 – resposta ao quesito 2º da B.I.</font></i>
</p><p><i><font>6.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Foram acordadas as seguintes condições de pagamento, consoante os trabalhos já orçamentados:</font></i>
</p><p><i><font>a) fundações da 1.ª placa - € 14.964,00 (Esc. 3.000.000$00);</font></i>
</p><p><i><font>b) segunda placa e telhado - € 14.964,00 (Esc. 3.000.000$00);</font></i>
</p><p><i><font>c) pedras reboco exterior e telhado - € 9.976,00 (Esc. 2.000.000$00);</font></i>
</p><p><i><font>d) madeiras, esgotos, águas e electricidade - € 9.976,00 (Esc. 2.000.000$00);</font></i>
</p><p><i><font>e) cozinha, casas de banho e loiças - € 7.482,00 (Esc. 1.500.000$00);</font></i>
</p><p><i><font>f) portas, chão e pinturas - € 9.976,00 (Esc. 2.000.000$00);</font></i>
</p><p><i><font>g) final - € 2.494,00 (Esc. 500.000$00) - al. D) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><i><font>7.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>No dia 25 de Março de 2002, conforme acordado, a A. entregou ao 1.º R. a quantia de € 24.940,00 (vinte e quatro mil novecentos e quarenta euros) – al. E) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><i><font>8.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>De Fevereiro a Abril de 2002 a obra esteve em execução – al. F) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><i><font>9.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Em Abril ou Maio de 2002 houve uma pausa nas obras, sem que tivesse sido dada qualquer explicação à autora – resposta ao quesito 5º da B.I.</font></i>
</p><p><i><font>10.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Apesar das insistências frequentes da A., a obra só retomou o seu curso normal em meados de Julho de 2002 – resposta ao quesito 6º da B.I.</font></i>
</p><p><i><font>11.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>No dia 3 de Agosto de 2002, a pedido do 1.º R., a A. entregou-lhe a quantia de Esc. 2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos), o equivalente a € 12.470,00 (doze mil quatrocentos e setenta euros), apesar de o 1.º R. não estar a cumprir com o acordado previamente por ambos – al. G) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><i><font>12.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Apesar de as obras se encontrarem paradas, no dia 3 de Setembro de 2002, a A. voltou a entregar ao 1.º R., após insistência deste, a quantia de Esc. 3.000.000$00 (três milhões de escudos), o equivalente a € 14.960,00 (catorze mil novecentos e sessenta euros) – al. H) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><i><font>13.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Em Outubro de 2002, o 1.º R. voltou a solicitar dinheiro à autora – al. I) dos factos assentes. </font></i>
</p><p><i><font>14.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Após se ter deslocado à obra, a autora falou com o 1.º R. e solicitou-lhe que arranjasse o telhado, dizendo que só voltaria a dar-lhe dinheiro depois deste estar arranjado – al. J) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><i><font>15.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>No inverno de 2002, as deficiências na construção provocaram várias infiltrações, tendo o estuque ficado molhado durante um período que não se logrou apurar com rigor – resposta ao quesito 7º da B.I.</font></i>
</p><p><i><font>16.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O telhado estava mal assente e desalinhado – resposta ao quesito 8º da B.I.</font></i>
</p><p><i><font>17.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Em Abril de 2003, a A. solicitou ao 1.º R. um encontro, no qual relembrou que precisava da habitação em 30 de Junho de 2003, data acordada para entrega das chaves – resposta ao quesito 13º da B.I..</font></i>
</p><p><i><font>18.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O 1.º R. concordou, garantindo à A. que teria a casa pronta no dia 30 de Junho de 2003 – resposta ao quesito 14º da B.I.</font></i>
</p><p><i><font>19.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Em Abril de 2003, a A. exigiu ao 1.º R. que arranjasse o telhado, relembrando-lhe, ainda, que as obras teriam de estar terminadas até ao dia 30 de Junho de 2003, conforme haviam acordado – resposta ao quesito 10º da B.I..</font></i>
</p><p><i><font>20.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Na primeira semana do mês de Junho de 2003, o 1.º R. sugeriu à A. que contratasse uma terceira pessoa para arranjar o telhado e, depois deste arranjado, terminaria a obra – resposta ao quesito 11º da B.I..</font></i>
</p><p><i><font>21.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>A A. recusou tais propostas, uma vez que tinha acordado a execução das obras referenciadas com o 1.º R. – resposta ao quesito 12º da B.I.</font></i>
</p><p><i><font>22.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Na primeira semana de Junho de 2003, a esposa do Sr. F… L…, vizinho da A., informou-a de que a casa estava aberta, uma vez que o 1.º R. havia levado todo o material que conseguiu (incluindo a pedra mármore para colocar na escada, a qual se encontrava a aguardar colocação) – respostas aos quesitos 15º e 40º da B.I..</font></i>
</p><p><i><font>23.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>De imediato, a A. contactou telefonicamente o 1.º R. e marcou com este uma reunião para o dia 12 de Junho de 2003, na referida moradia – resposta ao quesito 16º da B.I..</font></i>
</p><p><i><font>24.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Apesar do combinado, o 1.º R. não compareceu a essa reunião – resposta ao quesito 17º da B.I.. </font></i>
</p><p><i><font>25.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>A A. ainda contactou telefonicamente com o 1.º R., mas este recusou-se a comparecer na reunião – resposta ao quesito 18º da B.I..</font></i>
</p><p><i><font>26.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O 1.º R. abandonou a obra sem dar qualquer explicação à autora – resposta ao quesito 24º da B.I.. </font></i>
</p><p><i><font>27.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Em 12 de Junho de 2003, a moradia apresentava, entre outras, as seguintes anomalias:</font></i>
</p><p><i><font>“Coberturas</font></i>
</p><p><i><font>- As telhas da cobertura da moradia propriamente dita, encontram-se desalinhadas e mal assentes.</font></i>
</p><p><i><font>- Idem, da cobertura do telheiro.</font></i>
</p><p><i><font>- Idem, da cobertura da garagem, que apresenta um deficiente isolamento do guarda-fogo, para além de estar mal executada.</font></i>
</p><p><i><font>- Beirado “à portuguesa” mal assente e desalinhado.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>Chaminés</font></i>
</p><p><i><font>- Mal executadas. Altura insuficiente face à linha de cumieira do telhado.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>Rampa de Acesso à Garagem e Degrau</font></i>
</p><p><i><font>- O degrau de acesso à garagem está totalmente desalinhado.</font></i>
</p><p><i><font>- O pavimento cerâmico deveria ser anti-derrapante.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>Pavimento e Paredes da Sala Comum</font></i>
</p><p><i><font>- Existe um sensível desnivelamento de cotas do pavimento ao tecto, o que faz pressupor um desnível do tecto.</font></i>
</p><p><i><font>- As paredes estão desalinhadas.</font></i>
</p><p><i><font>(…) </font></i>
</p><p><i><font>Diversos</font></i>
</p><p><i><font>Para além das anomalias principais acima descriminadas, constatam-se muitas outras deficiências de construção” – resposta ao quesito 20º da B.I.</font></i>
</p><p><i><font>28.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O 1.º R. executou algumas das obras sem respeitar o projecto, nomeadamente:</font></i>
</p><p><i><font>“Pilares exteriores</font></i>
</p><p><i><font>- Para além dos remates deficientes, falta o “capitel” de acordo com o projecto de arquitectura da obra.</font></i>
</p><p><i><font>Instalação de gás</font></i>
</p><p><i><font>- Falta a protecção da instalação e o prolongamento da rede até ao muro exterior – conforme projecto de obra.</font></i>
</p><p><i><font>Porta de Entrada Principal</font></i>
</p><p><i><font>- A porta de entrada principal possui dimensões reduzidas, não obedecendo a quanto constante do projecto de arquitectura da obra” – resposta ao quesito 21º da B.I..</font></i>
</p><p><i><font>29.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O relatório junto a fls. 23 a 59 dos autos conclui que relativamente à situação da obra e “independentemente das anomalias acima descritas, cumpre-nos aqui registar que a moradia se encontrava paralisada já há algum tempo, com evidentes infiltrações ao nível da cobertura motivadas pela deficiente execução da mesma, o que irá danificar os tectos e paredes já estucados, caso tais deficiências não sejam colmatadas o mais brevemente possível, sendo de toda a conveniência que tal suceda antes do próximo inverno, a fim de se minimizar os prejuízos daí decorrentes” - al. K) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><i><font>30.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>A A. contratou um novo empreiteiro para acabar a referida obra, nomeadamente, para arranjar o telhado e pintura exterior – resposta ao quesito 22º da B.I..</font></i>
</p><p><i><font>31.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O novo empreiteiro apresentou um orçamento de € 50.812,00 (cinquenta mil oitocentos e doze euros) para acabar a referida moradia – resposta ao quesito 23º da B.I..</font></i>
</p><p><i><font>32.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O 1.º R., quando contratou com a A., fê-lo em nome pessoal, e não em nome de qualquer sociedade de que fosse gerente – resposta ao quesito 39º da B.I..”</font></i>
</p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO.</font></b>
</p><p><font>Na metodologia necessária dos recursos interpostos, tem-se por precípuo o conhecimento do recurso do recorrente “BB” e mulher “AA”, dado que da sorte que vier caber a este recurso – nulidade do decisão recorrida – dependerá o conhecimento do recurso da recorrente.</font>
</p><p><b><font>II.B.1. – Nulidade do acórdão (por falta/deficiência de fundamentação na reapreciação da decisão de facto (Recurso dos Recorrentes, “BB” e “CC”).</font></b>
</p><p><font>Para o Réu o aresto revidendo estaria ervado de vício por insuficiente fundamentação da decisão de facto. [</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>No fundo o objectivo da recorrente arranca de uma impugnação da decisão de facto, agora neste supremo tribunal.</font>
</p><p><font>A lei adjectiva, a partir do DL n.º 39/95, de 15-02 introduziu significativas alterações no procedimento judiciário quanto ao regime de registo de prova, inculcando a ideia de pretender consagrar e fincar um grau de recurso de facto que até aí resultava bastante difuso. Ao instituir, como regime-regra a gravação da prova produzida em audiência de julgamento o legislador pretendeu instituir e aprofundar um grau e recurso que atentasse e procedesse, dentro dos limites que uma gravação, deserta e despida dos factores possibilitados pela imediação, a uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto ditada na primeira instância.</font>
</p><p><font>Daí que tendo uma audiência decorrido com recurso a gravação da prova o recurso que vier a ser interposto da decisão de facto deva seguir regras muitas apertadas de conhecimento sob pena de se frustrar o espírito que o legislador pretendeu inculcar com a consagração de um efectivo e eficaz grau de decisão da matéria de facto.</font>
</p><p><font>A fim de confinar ou inibir divagações dos sujeitos processuais e evitar impugnações genéricas, generalizantes ou generalizadoras o legislador cingiu e apertou as malhas para o recurso da matéria de facto, introduzindo exigências e mecanismos de contenção que, pela concreção dos elementos exigíveis para a impugnação da matéria de facto, importam um controlo apertado pela instância de recurso por forma a comprimir e reduzir os impulsos recursórios deficientes e/ou inapropriados.</font>
</p><p><font>Tendo presente este quadro torna-se natural que as exigências postas aos recorrentes devam ter uma contrapartida da parte das instâncias de recurso. Vale por dizer que se o legislador exige – cfr. artigo 690.º-A do CPC (na redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24-09) - que o recorrente seja meticuloso e parcimonioso na forma como impugna a decisão de facto - impondo-lhe, nomeadamente, a especificação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgadas e quais os concretos meios probatórios constante do processo ou de registo ou gravação nele realizado que imponham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto em dissensão - não pode o tribunal superior deixar de corresponder através de uma análise meticulosa e incisiva da matéria de facto que haja sido objecto de impugnação. [</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>É, pois, função, no regime de recurso da matéria de facto, que o tribunal de recurso aja ou se comporte como um tribunal de instância – que é – e exerça o seu múnus de proceder a um reexame cingido e impressivo das provas que foram produzidas no tribunal de 1.ª instância. Não se pode bastar com a alegação generalizadora e remissiva de que o tribunal de 1.ª instância, no razoamento a que procedeu para fundamentação da decisão de facto, colheu as provas necessárias e congraçou os argumentos por forma a conferir um lastro de coerência, logicidade e coesão de raciocínio à fundamentação da decisão de facto. O que se pede ao julgador de 2.ª instância é que revisite as provas com que o recorrente abonou a impugnação por forma a atestar ou infirmar a razão probatória fundamentadora utilizada pela 1.ª instância para conferir determinada decisão sobre um concreto ponto de facto. </font>
</p><p><font>Este Supremo Tribunal já teve ocasião de pronunciar sobre questão similar em acórdão desta secção tendo ficado decidido que: “</font><i><font>Não é compatível com a exigência da lei, em termos de reapreciação da matéria de facto, o exercício (apenas formal) por parte da Relação de um poder que se fique por afirmações genéricas de não modificação da matéria de facto, por não se evidenciarem erros de julgamento ou se contenha numa simples adesão aos fundamentos da decisão, ou numa pura aceitação acrítica das provas, abstendo-se de tomar parte activa na avaliação dos elementos probatórios indicados pelas partes ou adquiridos oficiosamente pelo tribunal.</font></i><font>” </font><font>[</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Não pode o aresto em questão ser apodado de nulo, por falta ou deficiência de fundamentação. </font>
</p><p><font>Em recente acórdão, que subscrevemos como adjunto, escreveu-se a propósito da nulidade da sentença que: “[</font><i><font>D]e facto, a nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, alínea d) – primeira parte – do CPC, traduz-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art. 666º, n.º 2 do mesmo Código, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra [</font></i><a><b><i><u><sup><font>[4]</font></sup></u></i></b></a><i><font>].</font></i>
</p><p><i><font>Esta nulidade é uma constante nos recursos, originada na confusão que se estabelece entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. São, na verdade, coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte.</font></i>
</p><p><i><font>Com efeito, quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão pois a expressão “questões” referida nos arts 660º, nº 2 e 668º, nº 1, al. d), do CPC não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes [</font></i><a><b><i><u><sup><font>[5]</font></sup></u></i></b></a><i><font>]. </font></i>
</p><p><font>[…] Ora, neste contexto, “</font><i><font>é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão</font></i><font>” (al. b), do nº 1, do art. 668º).</font>
</p><p><i><font>O dever de fundamentar as decisões judiciais que não sejam de mero expediente está previsto no n.º 1 do art. 205º da Constituição da República Portuguesa, que prescreve</font></i><font>: “</font><i><font>As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei</font></i><font>”.</font>
</p><p><i><font>Mas, não definindo nem delimitando o âmbito do dever de fundamentar as decisões judiciais a Constituição remete essa definição para a lei ordinária.</font></i>
</p><p><i><font>Sintetiza Lebre de Freitas o conceito de fundamentação da sentença do seguinte modo:</font></i><font> “</font><i><font>Na fundamentação, o juiz discrimina os factos que considera provados, determina as normas jurídicas aplicáveis, interpreta-as e aplica-as</font></i><font> …” [</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>] . </font>
</p><p><i><font>Neste âmbito, importa lembrar que tanto a doutrina como a jurisprudência têm unanimemente entendido que só a falta absoluta de fundamentação é causa de nulidade da sentença, mas já não a qu | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MTKBu4YBgYBz1XKvUBP8 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>I</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>1. O Conselho Diretivo dos Baldios de ... intentou ação contra </font><i><font>AA, S.A.</font></i><font>, pedindo a condenação desta a (i) reconhecer que ocupa espaço aéreo do autor com a implantação de seis torres destinadas a produção de energia eólica; (ii) pagar uma indemnização anual ao autor pela ocupação desse espaço, na proporção de 3.740,00 Euros por cada torre, para além de juros moratórios; (iii) pagar uma indemnização ao autor de 10.000,00 Euros, para ressarcimento dos prejuízos sofridos por esta pela não fruição plena dos seus terrenos. </font>
</p><p><font>Fundamentou a sua pretensão alegando ter celebrado com BB um contrato de cessão de exploração dos Baldios de ..., por força do qual o segundo pagaria por cada torre e como contrapartida da ocupação do solo, um valor de 2.500,00 Euros até estar concluído o estudo e licenciamento do parque e o valor de 3.740,00 Euros, a partir daí; em 15.03.2006, tomou conhecimento que o referido BB cedeu a sua posição contratual à Ré, tendo esta iniciado a construção de um parque eólico, com a instalação de seis ventoinhas, sendo que apenas tem vindo a pagar a indemnização relativa a uma das ventoinhas. </font>
</p><p><font>Mais alegou que no contrato celebrado com BB, apenas se cedia o direito de servidão para passagem de pessoas, máquinas, linhas elétricas e meios de ligação, já não uma servidão para ocupação do espaço aéreo pelas hélices das torres. </font>
</p><p><font>A </font><i><font>CC, S.A. </font></i><font>requereu a sua intervenção principal espontânea, com fundamento em que a Ré lhe cedeu a sua posição contratual no contrato debatido nos autos, intervenção essa que veio a ser admitida.</font>
</p><p><font>A interveniente deduziu contestação, por exceção e por impugnação. </font>
</p><p><font>A Ré manifestou a sua adesão ao requerimento da Interveniente. </font>
</p><p><font>Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu (i) condenar a interveniente </font><i><font>CC, S.A.</font></i><font> (i.i) a reconhecer que ocupa o espaço aéreo dos AA., com a implantação de 5 torres destinadas a produção de energia eólica e (i.ii) a pagar a estes uma quantia anual de 3.740,00 Euros por cada uma das cinco torres aerogeradoras que ocupam o espaço aéreo dos seus terrenos, num total anual de 18.700,00 Euros; (ii) absolver a mesma interveniente dos demais pedidos dos AA. e (iii) absolvendo a Ré AA dos pedidos formulados pelos AA.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Apelou a interveniente.</font>
</p><p><font>Proferido acórdão pela Relação, julgando procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo a interveniente Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. O Autor pede, agora, revista.</font>
</p><p><font>Formula, a final da alegação, as seguintes conclusões.</font>
</p><p><i><font>«1. Por acórdão datado de 2 de fevereiro de 2017, foi decidido pelo tribunal a quo, o Tribunal da Relação de Guimarães, julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e decidindo-se agora absolver a ré integralmente dos pedidos formulados pelo autor;</font></i>
</p><p><i><font>2. Entende o Tribunal da Relação de Guimarães, que as "utilidades" proporcionadas pelas servidões prediais são prespetivadas em função dos proveitos que trazem ao prédio dominante, e não em função da pessoa/entidade que em cada momento seja o seu proprietário. Pese embora este posso disfrutar da "utilidade" proporcionada, a trave mestra da servidão implica sempre que o proveito é constituído de forma imediata ao prédio e só de forma mediata ao seu proprietário;</font></i>
</p><p><i><font>3. Entende também que num contrato de cessão de exploração de terrenos baldios cuja finalidade é a “implantação de sistemas de produção de energia eólica, que compreende todo o conjunto de aerogeradores, estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação", sabendo-se que os aerogeradores são constituídos por torres implantadas no solo, com vários metros de altura, encimadas pelas ditas hélices, também elas com vários metros, não pode deixar de se concluir que no âmbito do contrato também está incluído o espaço aéreo correspondente aos terrenos;</font></i>
</p><p><i><font>4. Entende ainda que, perante a necessidade de integração de lacunas contratuais, opera-se com a vontade hipotética ou conjetural das partes, sem deixar de atender ao equilibro contratual e às regras de boa fé (artigo 239.° do C.C.), mas sempre com o limite do domínio negocial traçado pelas partes, e que os limites impostos pelo n.° 2 do artigo 1344.° do C.C. à plena in re potestas em termos de espaço aéreo (o proprietário não pode proibir os atos de terceiro que, pela altura a que tenham lugar, não haja interesse em impedir) devem ser avaliados tendo como referente a função social exercida pelo direito de propriedade e a ponderação dos interesses que estiveram em conflito;</font></i>
</p><p><i><font>5. Tendo-se demonstrado que o aerogerador n.° 4 apenas ocupa os terrenos dos Baldios de ..., restava apurar se é devida "indemnização" ao Autor pela ocupação do espaço aéreo das ventoinhas dos outros quatro aerogeradores;</font></i>
</p><p><i><font>6. Nos termos do contrato apenas se prevê que, uma vez construído o parque eólico, a contraprestação da ré será o pagamento de € 3.740,00 por cada torre instalada (cláusula 4.ª);</font></i>
</p><p><i><font>7. Por outro lado, resulta da cláusula 2.ª do contrato que a finalidade do mesmo era a “implantação de sistemas de produção de energia eólica, que compreende todo o conjunto de aerogeradores, estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação", não estando aqui incluída a exploração do espaço aéreo;</font></i>
</p><p><i><font>8. Entende erradamente o tribunal a quo quando conclui que as regras da boa fé não permitem que a ré seja condenada ao pretendido pagamento no âmbito do cumprimento das obrigações, já que nenhuma das obrigações assumidas se mostra incumprida, nem a integração da declaração negocial permite concluir pela obrigação de pagamento nos termos pretendido pelo autor;</font></i>
</p><p><i><font>9. Como resultou provado em sede de primeira instância, a 6 de abril de 2009, a ré AA celebrou um contrato com a interveniente CC, S.A., que denominaram de "cessão de posição contratual (parque eólico de Montalegre)", contrato esse do qual fazem parte integrante os contratos efetivamente cedidos à aqui ré;</font></i>
</p><p><i><font>10. Com base na predita cessão da posição contratual, a ré não apresentou contestação no prazo legalmente estabelecido para o efeito, tendo sido suscitado incidente de intervenção principal espontânea da CC, no qual se alega tal cessão, sendo este o argumento principal em que se escusou esta ultima na sua defesa diante do presente processo;</font></i>
</p><p><i><font>11. Analisando os documentos juntos com o incidente de intervenção/contestação apresentado, nomeadamente o Anexo I do Documento n.° 1, verificamos que a cessão, base alegada com vista a uma eventual ilegitimidade passiva da ré - que não logrou sucesso -, abrange somente os contratos de cessão de exploração de ..., e não o contrato relativo a ...;</font></i>
</p><p><i><font>12. Uma vez que a cessão de posição contratual não operou quanto aos contratos de ..., deveria a ré contestado no prazo legal, o que não fez, pelo que nos termos do disposto nos artigos 566.° e 567,° do Código de Processo Civil, se consideram confessados os fatos articulados pela autora;</font></i>
</p><p><i><font>13. Deveremos atentar no disposto no artigo 574.° do Código de Processo Civil, com a epígrafe "ónus de impugnação", de acordo com o qual "ao contestar, deve o Réu tomar posição definida perante os fatos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor";</font></i>
</p><p><i><font>14. Verifica-se estarmos diante de uma errónea interpretação da lei processual civil, nomeadamente no que concerne aos seus artigos 566.° e 567.°, o que aqui expressamente se invoca, pelo que deveria terem sido julgados todos os factos articulados pelo autor porque não contestados pela ré;</font></i>
</p><p><i><font>15. De acordo com o disposto no artigo 1305.° do Código Civil, "o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela impostas";</font></i>
</p><p><i><font>16. O n.° 1 do artigo 1344.° do Código Civil estipula que "a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou por negócio jurídico", acrescentando o seu n.° 2 que "o proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir";</font></i>
</p><p><i><font>17. Embora do contrato celebrado pelas partes não se possa ver estabelecido nada em concreto relativamente ao espaço aéreo ocupado, se deve fazer aqui a interpretação das suas declarações;</font></i>
</p><p><i><font>18. O acórdão proferido pelo tribunal a quo baseia o seu entendimento no disposto no artigo 239.° do Código Civil. Todavia, somos do entendimento de que, e no seguimento do explanada em sede de decisão de primeira instância, em primeira linha nos devemos socorrer aqui de artigo 236.° do mesmo diploma legal;</font></i>
</p><p><i><font>19. Considerando, por um lado, o que será o fito negocial em jogo, concluir-se-á que, por aquele negócio jurídico (contrato de cessão de exploração inicial), o autor dispôs a favor do segundo outorgante (e subsequentemente da ré e da terceira interveniente) do seu direito de fruição dos seus terrenos, para efeitos de implantação dos sistemas de produção de energia eólica, cedendo, dessa forma, os direitos de exploração do solo, subsolo e espaço aéreo para efeitos de implantação de todas as estruturas necessárias à exploração da energia eólica;</font></i>
</p><p><i><font>20. Dessa forma, as declarações negociais que os outorgantes dos aludidos contratos aí emitiram pressupõem que ambos estarão de acordo que as referidas infraestruturas, efetivamente, para realizarem o seu fim, têm necessidade de ocupar espaço aéreo dos terrenos afetados pelo seu raio de ação;</font></i>
</p><p><i><font>21. Se não estivessem tais terrenos ocupados, teriam como destino o comércio dos seus frutos, matos, árvores, a pastagem e o usufruto dos compartes;</font></i>
</p><p><i><font>22. Parece-nos, e salvo o devido respeito, ser também neste sentido que se deve fazer a integração de lacuna por aplicação do disposto no artigo 239.° do Código Civil, na medida em que a ocupação do espaço aéreo se mostra equivalente a uma eventual implantação no que concerne à impossibilidade de fruição da propriedade;</font></i>
</p><p><i><font>23. Nos diz também o tribunal a quo, face aos termos da ação, afigura-se-nos suficientemente claro que o Autor se sente prejudicado, mormente ao olhar para a situação do vizinho Baldios de ..., onde a Ré implantou as outras 5 torres, recebendo o correspondente preço (€ 3.740,00 cada), sendo que as hélices/ventoinhas de 4 delas ocupam parcialmente o espaço aéreo do Autor sem qualquer contrapartida;</font></i>
</p><p><i><font>24. Porém, há que atentar no equilíbrio contratual e perspetivar também a posição da ré;</font></i>
</p><p><i><font>25. Nunca se deverá fazer uma interpretação e integração de tal forma, lhes assistindo plenamente o direito do autor, ora recorrente, a que a ré e a terceira interveniente reconheçam que esta última (a CC, S.A.) ocupa o espaço aéreo dos Baldios de ... com a implantação de cinco torres (os aerogeradores n.°s 1,2,3,5 e 6) destinados à produção de energia eólica;</font></i>
</p><p><i><font>26. Assim se fazendo esta interpretação, ficam arredadas todas e quaisquer considerações acerca da relação íntima entre o fundamento do direito real e a sua função social, da qual surgem aquilo que se poderão denominar de limitações sociais à propriedade";</font></i>
</p><p><i><font>27. Como todos os direitos, também o direito de propriedade não poderá ser exercido de forma abusiva, se impondo uma consideração funcional ou finalística do direito de propriedade;</font></i>
</p><p><i><font>28. Não obsta o autor, ora recorrente, à utilização do espaço aéreo das suas propriedades pela ré e pela terceira interveniente, não contrariando, por isso, interesses sociais relevantes, apenas pretendendo o justo ressarcimento pela não fruição dos terrenos a que tal ocupação de espaço aéreo obriga.»</font></i>
</p><p><font>Contra-alegou a Ré, defendendo a inadmissibilidade do recurso no segmento coberto pela decisão da 1ª instância, na parte, já transitada, que absolveu a Ré AA e pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Afirma, designadamente (conclusões nº 10 e 11 da contra-alegação):</font>
</p><p><i><font>«10. No contrato celebrado entre as partes, estava incluída a cedência do espaço aéreo, na medida em que, as partes contratantes sabiam que se pretendia a construção de um parque eólico, sendo este constituído por aerogeradores, os quais são compostos por torres implantadas no solo, com vários metros de altura, encimadas por hélices, também elas com vários metros.</font></i>
</p><p><i><font>11. A contrapartida devida pela implantação de uma torre (aerogerador n.° 1), corresponde à totalidade da obrigação da Recorrida para com a Recorrente, em termos de pagamento de contrapartida, exatamente por a exploração do espaço aéreo já estar incluída no contrato dos autos e as partes nada terem previsto quanto a esta exploração sem implantação de torre, em termos de contrapartida.»</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font> </font>
<p><font>II</font></p></div><br>
<font> </font>
<p><font>5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação do A., ora Recorrente, para efeitos de delimitação do objeto do recurso (CPC, arts. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5.1. O Recorrente, nas conclusões 9 a 14, suscita a questão da inexistência de cessão de posição contratual por parte da AA para a </font><i><font>CC, S.A.</font></i><font>, no que respeita aos contratos do ..., pelo que, não tendo aquela deduzido impugnação, deveriam todos os factos articulados pelo autor sido dados como provados.</font>
</p><p><font>Trata-se de questão não anteriormente suscitada no recurso para a Relação; questão resolvida na sentença da 1ª instância, na parte a ela respeitante, transitada em julgado.</font>
</p><p><font>Questão, pois, de que se não poderá conhecer no presente recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5.2. Importa, deste modo, decidir no presente recurso se (i) a interveniente R. ocupa o espaço aéreo do A. com implantação de cinco torres – os aerogeradores nºs. 1, 2, 3, 5 e 6 – destinados à produção de energia eólica e (ii) a verificar-se tal ocupação, deve o A. receber da mesma R. algum pagamento, em contrapartida, e em que termos. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):</font><br>
<i><font>«</font></i><font>1. Todas as terras que vão do ... até ao .... são terrenos que integram os Baldios de ... e que têm vindo a ser administrados pela comunidade de ..., há mais de 30 anos. </font>
</p><p><font>2. Consta da acta n.º 4, de 25 de Março de 2002, da reunião celebrada entre os Presidentes das Juntas de Freguesia de ..., ... e de ... e as “</font><i><font>comissões de compartes</font></i><font>” de .... e de ... que: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>… todos juntos acordamos a divisão dos Baldios destas Freguesias: Denominação das divisões: É da ..., à possa grande, em linha recta pelas ..., até ao marco Geodézico, depois pelas águas vertentes pelo alto fora, até à partilha com...; pelos mesmos ficou acordada esta divisória…</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>3. Estes terrenos são locais privilegiados para a construção de ventoinhas para aproveitamento de energia eólica. </font>
</p><p><font>4. A 21 de Agosto de 2005, o Conselho Directivo dos Baldios de ... celebrou um acordo com BB, que denominaram de “</font><i><font>contrato de cessão de exploração</font></i><font>”, onde consta, além do mais, que: </font><br>
<font> “(…) </font><br>
<i><font>Segunda: Pelo presente contrato o primeiro outorgante concede ao segundo, e este aceita, a exploração dos terrenos baldios de ... no seu todo, para fins de implantação de sistemas de produção de energia eólica, que compreende todo o conjunto de aerogeradores, estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação. </font></i><br>
<font>(…) </font><br>
<i><font>Quarta: Como contrapartida da cessão, o segundo outorgante paga ao primeiro, na sua sede, os seguintes valores: </font></i><br>
<i><font>- 2.500,00 € por ano até estar concluído o estudo e licenciamento completo do parque de produção e instalação as duas primeiras torres. </font></i><br>
<i><font>- A partir daí, o segundo outorgante pagará a quantia de 3 740,00 € anuais por torre instalada. </font></i><br>
<i><font>Quinta: Os valores atrás referidos são actualizados anualmente a requerimento do primeiro outorgante de acordo com o índice da inflação anual calculado pelo Instituto Nacional de Estatísticas para o ano a que disser respeito. </font></i><br>
<font>(…) </font><br>
<i><font>Sétima: O número de torres a instalar fica dependente da aprovação de projecto a apresentar às autoridades competentes, sendo da responsabilidade do segundo outorgante as despesas de licenciamento e instalação do sistema de produção. </font></i><br>
<i><font>Oitava: As lenhas e madeiras que venham a ser cortadas para implantar a exploração, são entregues ao primeiro outorgante que indicará um local próximo onde serão depositadas. </font></i><br>
<font>(…) </font><br>
<i><font>Décima segunda: A presente cessão é feita sem prejuízo de os compartes manterem para si a exploração e fruição do baldio, a título pessoal e gratuito, designadamente de apascentação de gados, recolha de lenhas, mato e qualquer outra fruição de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola. As fruições previstas na cláusula anterior deverão ser exercidas sem prejudicar a normal exploração de produção e transporte de energia, nomeadamente com o cuidado de não permitir movimentos de gados e de não deixar crescer árvores, plantações ou outras explorações florestais que prejudiquem o normal funcionamento do parque a instalar bem como prejudiquem ou alterem o normal percurso dos ventos, ou que afectem os aerogeradores, instalações, postes, linhas de transporte de energia ou </font></i><font> </font><i><font>quaisquer outras actividades que de qualquer modo possam afectar, reduzir ou impedir a normal exploração por parte do primeiro outorgante. O exercício destes direitos por terceiros, fica, no entanto, dependente de autorização do segundo outorgante. </font></i><br>
<font>(…) </font><br>
<i><font>Décima sétima: O segundo outorgante poderá associar-se a terceiros nesta exploração, bem como ceder a sua posição contratual a terceiros, podendo igualmente subarrendar no todo ou em parte os terrenos objecto do presente contrato, actos para o qual o primeiro outorgante dá desde já consentimento irrevogável. </font></i><font>(…)”. </font>
</p><p><font>5. A 18 de Novembro de 2005, BB celebrou um acordo com a ré AA, que denominaram de “</font><i><font>contrato de cessão de posição contratual</font></i><font>”, onde consta, além do mais, que: </font><br>
<font>“(…) </font><br>
<i><font>… O Primeiro Outorgante celebrou em 21 de Agosto de 2005 </font></i><font>(…) </font><i><font>um contrato de cessão de exploração de baldios, cujo original se junta como Anexo I </font></i><font>(…) </font><br>
<font>(…) </font><br>
<i><font>Cláusula 1.ª </font></i><br>
<i><font>Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante cede à Segunda Outorgante que aceita, a sua posição no contrato. </font></i><br>
<font>(…)”. </font>
</p><p><font>6. Corria o dia 15 de Março de 2006, quando o autor tomou conhecimento que BB cedera, em 18 de Novembro de 2005, a sua posição, no acordo celebrado consigo, à aqui ré AA. </font>
</p><p><font> 7. A 6 de Abril de 2009, a ré AA celebrou um acordo com a interveniente CC, S.A., que denominaram de “</font><i><font>cessão da posição contratual (parque eólico de Montalegre)</font></i><font>”, onde consta, além do mais, que: </font><br>
<font>“(…) </font><br>
<i><font>Cláusula 1.º </font></i><br>
<i><font>Pelo presente contrato, a Cedente cede à ... a posição contratual emergente dos Contratos Cedidos. </font></i><br>
<i><font>Cláusula 2.º </font></i><br>
<i><font>A cessão da posição contratual abrange todos os direitos e deveres que resultavam dos Contratos Cedidos para a Cedente relativamente aos terrenos que são objecto de cessão, aceitando desde já a SPV todo o cláusulado dos mesmos, que declara conhecer. </font></i><font>(…)”. </font>
</p><p><font>8. Na carta dirigida pelo gestor de projectos ... ao Presidente do Conselho Directivo dos Baldios de ..., datada de 12 de Abril de 2009, com o assunto “</font><i><font>Parque Eólico de ... / Início de Construção</font></i><font>”, consta que:</font><br>
<font>“(…) </font><br>
<i><font>Vem a CC, S.A. </font></i><font>(…) </font><i><font>informar V. Exa. que assumiu a posição contratual de Exploração dos Baldios do Conselho Directivo por V. Exa. Presidido. </font></i><br>
<i><font>Ainda pela presente carta e no âmbito do Processo de Avaliação de Impactes Ambientais do Parque Eólico de ..., incumbiu-nos a Agência Portuguesa do Ambiente na respectiva Declaração de Impacte Ambiental, de informar do início de construção e respectiva calendarização das obras de construção do Parque Eólico de .... </font></i><font>(…)”. </font>
</p><p><font>9. A partir desta comunicação, a CC, S.A. iniciou os trabalhos necessários à construção de um parque eólico com 6 ventoinhas. </font>
</p><p><font>10. O aerogerador n.º 1 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 5281 m2 do raio de acção do aerogerador. </font>
</p><p><font>11. O aerogerador n.º 2 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 625 m2 dos terrenos baldios de ..., correspondente a 12% do raio de acção do aerogerador. </font>
</p><p><font>12. O aerogerador n.º 3 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 995 m2 dos terrenos baldios de ..., correspondente a 19% do raio de acção do aerogerador. </font>
</p><p><font>13. O aerogerador n.º 4 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 5281 m2 destes terrenos. </font>
</p><p><font>14. O aerogerador n.º 5 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 975 m2 dos terrenos baldios de ..., correspondente a 18% do raio de acção do aerogerador. </font>
</p><p><font>15. O aerogerador n.º 6 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 1181 m2 dos terrenos baldios de ..., correspondente a 22% do raio de acção do aerogerador. </font>
</p><p><font>16. A CC, S.A. vem pagando, anualmente, ao autor a quantia devida relativamente ao aerogerador n.º 1. </font>
</p><p><font>17. Se a CC, S.A. não estivesse a ocupar estes terrenos, tais teriam como destino o comércio dos seus frutos, matos, árvores, a pastagem e o usufruto dos compartes. </font>
</p><p><font>18. A CC, S.A. tem obrigado o autor a respeitar distâncias e a não fazer plantações próximas das torres.</font><i><font>»</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. Examinando as questões que importa decidir (</font><i><font>supra</font></i><font>, 5.2).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1. Dos seis aerogeradores que constituem o </font><i><font>Parque Eólico de ...e</font></i><font>, um encontra-se implantado nos terrenos do A. – o aerogerador nº 1 (ponto 10 da matéria de facto) – e os outros cinco nos Baldios de ...; desses outros estão aqui em causa os aerogeradores nºs. 2, 3, 5 e 6, os quais, em diferentes proporções, ocupam o </font><i><font>espaço aéreo</font></i><font> dos terrenos do A. (pontos 11, 12, 14 e 15 da matéria de facto).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.1. Estabelece o nº 1 do art. 1344º do CC que </font><i><font>«a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, (…)»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Espaço aéreo esse sujeito a uma </font><i><font>reserva de soberania</font></i><font>, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 84.º da Constituição: </font><i><font>«As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Precisa-se na alínea f) do DL 477/80, de 15 de Outubro, que integram o domínio público do Estado </font><i><font>«As camadas aéreas superiores aos terrenos e às águas do domínio público, bem como as situadas sobre qualquer imóvel do domínio privado para além dos limites fixados na lei em benefício do proprietário do solo»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Na ausência da prevista fixação legal, tem a doutrina procurado dimensionar tais limites. </font>
</p><p><font>Assim, </font><i><font>«Marcello Caetano [Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 906] sustenta que integra o domínio público o espaço aéreo a partir do qual o proprietário já não tem interesse legítimo em impedir actos de terceiro. Menezes Cordeiro [Tratado de Direito Civil, pág. 67] considera que o domínio público aéreo começa para lá da altitude onde o proprietário já não alcança (…). Oliveira Ascensão [Direito Civil, Reais, 5.ª edição, págs. 178/9 e 185] entende que o critério dominante da extensão dos limites em altura dos direitos incidentes sobre imóveis reside no interesse prático influenciado pela consagração do princípio da função social: são inaceitáveis “poderes de expansão” do direito a outras zonas que não correspondam a qualquer interesse efectivo do respectivo titular (…)» </font></i><font>(ASTJ, de 14.2.2013, publicado em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>Tendo igualmente por subjacente a </font><i><font>função social da propriedade</font></i><font>, dispõe o nº 2 do mesmo art. 1344º (reproduzindo, conforme anotação ao preceito de Pires de Lima e Antunes Varela, a doutrina da parte final do parágrafo 905º do Código alemão e o segundo parágrafo do art. 840º do Código italiano de 1942) que </font><i><font>«O proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela</font></i><font> </font><i><font>altura (…) a que têm lugar, não haja interesse em impedir».</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.2. É ao espaço aéreo dominial do A. que os citados pontos 10, 11, 12, 14 e 15 factualmente se referem, não se podendo, com razoabilidade, pretender que os aerogeradores operariam nas </font><i><font>camadas aéreas superiores</font></i><font>, objeto do domínio público do Estado. </font>
</p><p><font>Em vista do objeto do contrato, tal como definido na cláusula segunda (ponto 4 da matéria de facto), ter-se-á por necessariamente compreendida a utilização, quer do solo (e subsolo), quer do espaço aéreo, neste em função do sobrevoo das hélices dos aerogeradores.</font>
</p><p><font>Observa-se, justamente, no acórdão da Relação: </font><i><font>«sabendo-se que um parque eólico é constituído por aerogeradores, os quais são compostos por torres implantadas no solo, com vários metros de altura, encimadas pelas ditas hélices, também elas com vários metros, não pode deixar de se concluir que no contrato celebrado também estava incluído o espaço aéreo correspondente aos terrenos da Autora»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Mesmo nos casos de servidão administrativa de linhas de transporte de eletricidade (aí incluídas as de alta tensão, de mais elevada altura), dispõe o art.37º do DL 43335, de 19 de Novembro de 1960, preceito ainda atualmente vigente, que </font><i><font>«Os proprietários dos terenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas»</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.3. Conclui-se, tal como decidido em 1ª instância, que a R., ora Recorrida, com a edificação dos aerogeradores nºs. 2, 3, 5 e 6, embora implantados em propriedade vizinha, passou a ocupar o espaço aéreo do A.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.2. Confirmada a ocupação do espaço aéreo do A. com a edificação daquelas quatro torres nos terrenos vizinhos, importa decidir se ao A. é devido algum pagamento, em contrapartida, por parte da R., e em que termos [supra, 5.2.(ii)].</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.2.1. Questão a ser examinada e decidida no quadro contratualmente estabelecido entre as partes – ambas as partes convergem no entendimento da licitude, por via do contrato, da ocupação do espaço aéreo pelas torres em causa (conclusões nº 28 da alegação do A. e nº 10 da contra-alegação da R.).</font>
</p><p><font>O A. </font><i><font>«apenas pretendendo o justo ressarcimento pela não fruição dos terrenos a que tal ocupação de espaço aéreo obriga»</font></i><font> (conclusão nº 28, cit.).</font>
</p><p><font>A ocupação parcial de espaço aéreo do A., sem a implantação da torre do aerogerador nos terrenos da mesma – como justamente se observa no acórdão da Relação –, integra situação não prevista no contrato.</font>
</p><p><font>Situação diferentemente resolvida pelas instâncias,</font><br>
<font>· A 1ª instância, centrando-se na interpretação da cláusula 4ª do contrato, com apelo aos arts. 236º e ss. do CC e à </font><i><font>teoria objectivista da impressão do destinatário</font></i><font>, entendeu que </font><i><font>«para cumprimento da dita obrigação do pagamento do preço no âmbito do contrato de cessão de exploração, deve a chamada CC, S.A. pagar ao autor, anualmente, a quantia de 3.740,00 Euros (três mil setecentos e quarenta Euros) por cada uma das cinco torres aerogeradoras que ocupam os terrenos dos Baldios de ..., isto é, pela ocupação do espaço aéreo pelos aerogeradores n.ºs 1, 2, 3, 5 e 6), num total anual de 18.700,00 Euros (€3.740,00 x 5 aerogeradores»</font></i><font> – ou seja, determinou-se exclusivamente pela ocupação do espaço aéreo do A. consequente à edificação da torre do aerogerador nela implicada, irrelevando o facto de a mesma torre ter sido implantada em terrenos de terceiro (terrenos contíguos, pertencentes aos Baldios de ...).</font><br>
<font> </font><br>
<font>· A Relação considerando que </font><i><font>«Se a exploração do espaço aéreo estava incluída no contrato e se as partes apenas previram contrapartida de pagamento em função do número de torres implantadas, deve concluir-se que, tendo a Ré apenas lá instalado uma torre (aerogerador nº 1), apenas por essa terá de pagar, estando a utilização do restante espaço aéreo de todos os terrenos dos Baldios de Sacozelo incluído nesse pagamento»</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.2.2. Rege-se a interpretação e integração dos contratos, como já observado nas instâncias, pelo disposto nos arts. 236º a 239º do CC.</font>
</p><p><font>Interessa particularmente à resolução do caso o disposto no art. 239º do CC. </font>
</p><p><font>Em vista da aplicação do regime definido naquele preceito, escreve-se no acórdão da Relação: </font><i><font>«</font></i><font>Quanto à </font><i><font>vontade hipotética</font></i><font> ou </font><i><font>conjetural</font></i><font> das partes, nenhum facto indiciador foi alegado (e, </font><i><font>pour cause</font></i><font>, nada foi provado) que nos pe | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JjKSu4YBgYBz1XKvpB13 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AA e mulher BB</font></b><font>, por si e em representação da sua filha menor, </font><b><font>CC </font></b><font>residentes na ..., ..., ..., intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra </font><b><font>DD, S.A.</font></b><font> com sede na Rua ..., …, Lisboa, </font><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de € 200 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo € 100 000 pela perda do direito à vida de seu filho menor EE e € 100 000 pelos danos morais sofridos pelos próprios, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação.</font>
</p><p><font> Para tanto alegam, em síntese, que no dia 6 de Setembro de 2009, cerca das 14 horas, o condutor FF conduzia o veículo ligeiro de passageiros Audi A4, 1.8 TDI, com a matrícula -FZ-, segurado na R., dentro da povoação da ... e pela Rua … no sentido …, sendo que no mesmo sentido, mas à sua frente, seguia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula -RB, conduzido por GG. Naquele local a estrada é uma grande recta, com bom piso, mede 5,60 metros de largura e tem boa visibilidade. O condutor FF aumentou a velocidade da viatura que conduzia para iniciar a ultrapassagem do veículo RB que seguia à sua frente a uma velocidade de, pelo menos, 50 Km/hora, máximo legalmente permitido no local. Ao iniciar a ultrapassagem, o FF acelerou e imprimiu ao veículo que conduzia uma velocidade superior a 70 Km/hora. Nesse referido dia, hora e local e tendo em conta a marcha do FZ e do RB, o menor EE caminhava visivelmente na referida Rua ..., da esquerda para a direita, tendo iniciado a marcha partindo de um portão que limitava o terreno da habitação de HH, onde momentos antes estava em companhia dos seus pais e de outras crianças que eram permanentemente vigiadas e dos quais repentinamente se separou. Quando o menor começou a atravessar a Rua ..., o condutor do FZ encontrava-se a uma distância de cerca de 20 metros, o que lhe permitia avistar a criança, mas não vinha atento à condução do seu veículo. O condutor FF não buzinou quando se aproximou do local, nem diminuiu a velocidade, não fez qualquer travagem e foi atingir com muita violência o menor EE, tendo este embate ocorrido por inconsideração, negligência, falta de destreza do condutor do veículo segurado e por este circular a uma velocidade excessiva. O embate deu-se com a parte dianteira do veículo na parte exterior do braço e perna direitas e cabeça da criança, sendo que esta já tinha percorrido 1,70 metros da berma do lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo em conta o sentido de marcha do veículo. Após o embate, o corpo da criança ficou a cerca de 8 metros do local do embate e junto da berma do lado esquerdo e o veículo FZ imobilizou-se a cerca de 20,60 metros, tendo o respectivo condutor violado várias disposições do Código da Estrada, designadamente as que disciplinam a velocidade e ultrapassagens. O embate provocou no menor EE lesões craneo–meningo–encefálicas e torácico–abdominais que foram a causa necessária e directa da sua morte. A proprietária do veículo FZ era II, casada com o condutor FF, veículo esse que circulava com o conhecimento e consentimento daquela. Os AA. são, respectivamente, os pais e a irmã do falecido EE, que à data do acidente tinha apenas 22 meses de idade, os quais sofreram um profundo desgosto e ficaram em estado de choque com a perda do filho e irmão, por quem sentiam muito amor, afecto, amizade e dedicação, e vão continuar a sofrer no futuro. Esta família passou a ser assistida e medicada por médicos especialistas da área de psicologia e psiquiatria, sendo ainda assistidos desde 9/09/2009 no Centro Médico e Enfermagem de ... e no Hospital Distrital de Santarém. Os AA. AA e BB gastaram a quantia de € 950,00 com o funeral do filho e € 3 000,00 no arranjo estético e compra de terreno da campa. </font>
</p><p><font> A R. Seguradora contestou, arguindo a ilegitimidade da A. CC (irmã do falecido) por não ser titular do direito de indemnização e impugnando alguns dos factos alegados pelos AA., nos seguintes termos e em síntese:</font>
</p><p><font> O veículo RB circulava à frente do FZ com velocidade inferior a 50 Km/hora, sendo que não se aproximava dos referidos veículos qualquer trânsito em sentido contrário e, por isso, o condutor do FZ iniciou a ultrapassagem ao RB depois de previamente ter accionado o pisca-pisca esquerdo e de ter verificado que à sua frente, em toda a extensão da estrada, não era visível qualquer trânsito de veículos ou peões. O FF acelerou o FZ mas não ultrapassou os 50 Km/hora. No decurso da ultrapassagem, quando o FZ rodava a par do RB surgiu repentinamente à frente do FZ o menor EE, que saiu por detrás de um muro de uma casa a correr para o meio da estrada, atravessando esta da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do FZ, de forma súbita e inopinada, quando o FZ já estava a menos de 20 metros dele, tendo o menor feito a travessia sem se deter à entrada da faixa de rodagem e sem verificar se se aproximava algum trânsito. O menor cortou a linha de marcha do FZ de forma brusca e inesperada, metendo-se repentinamente e a curta distância na frente do FZ, não dando tempo do respectivo condutor evitar a colisão com o mesmo. Sendo o menor incapaz, dada a sua tenra idade, a culpa do sucedido recai sobre os seus pais, por força da conjugação dos artºs 489º, 491º, 571º e 1878º todos do Código Civil. O FF era o condutor habitual do FZ e não conduzia por conta, nem em relação de subordinação com a sua mulher, não existindo qualquer relação de comitente-comissário entre ele e a sua mulher.</font>
</p><p><font> Conclui, pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, onde </font><u><font>se julgou a A. CC parte ilegítima</font></u><font>, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Nesta julgou-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu-se a R. Seguradora do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os AA. de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí julgado parcialmente procedente o recurso interposto pelos AA. AA e mulher BB e, em consequência, revogou-se a sentença recorrida, decidindo-se: </font>
</p><p><font> a) fixar a percentagem de culpabilidade na produção do acidente dos autos em 40% (quarenta por cento) para o condutor do veículo FZ e em 60% (sessenta por cento) para a vítima EE (</font><u><font>rectificação efectuada pelo acórdão de 11-8-2014).</font></u><font> </font>
</p><p><font> b) - condenar a R. DD, S.A. a pagar aos AA. a quantia de € 32 000 (trinta e dois mil euros), como indemnização pela perda do direito à vida de seu filho menor EE, e ainda a pagar a cada um dos AA. a quantia de € 12 000 (doze mil euros), como compensação pelos danos não patrimoniais por eles sofridos em resultado da morte de seu filho menor, acrescidas dos correspondentes juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde a data da citação até integral e efectivo pagamento. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. Seguradora para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- Ao contrário do douto entendimento resultante do Acórdão recorrido, a culpa do acidente dos autos foi exclusiva da infeliz vítima, tendo sido a sua conduta que causou o acidente, </font>
</p><p><font> 2ª- O acidente foi exclusivamente causado pelo menor, que se meteu na frente do Audi (veículo seguro na Recorrente) de forma completamente inesperada, não se podendo exigir que alguém pudesse prever aquela situação. </font>
</p><p><font> 3ª- O condutor do Audi não estava obrigado a assinalar a sua presença com sinal acústico, nas circunstâncias do acidente dos autos (reta extensa, com ampla visibilidade), nem fez qualquer ultrapassagem irregular. </font>
</p><p><font> 4ª- No decurso da referida ultrapassagem, quando o FZ rodava a par do RB, o menor EE iniciou a travessia da Rua ... da esquerda para a direita do FZ sem se deter à entrada da estrada e sem atentar ao trânsito que se aproximava </font>
</p><p><font> 5ª- O menor EE saiu de um portão que limitava o terreno da habitação de HH. </font>
</p><p><font> 6ª- Onde momentos antes estava em companhia dos seus pais e de outras crianças que eram permanentemente vigiadas pelo conjunto de vários convidados adultos e espacialmente pelos pais do EE, dos quais repentinamente o EE se separou. </font>
</p><p><font> 7ª- Quando o Audi iniciou a ultrapassagem a criança não estava próximo da berma da estrada nem era visível.</font>
</p><p><font> 8 – Portanto é inequívoco que "a causa do acidente foi o facto do menor atravessar a via repentinamente e sem olhar ao trânsito o que induz que a decisão da travessia foi imponderada e tomada impulsivamente”, era uma criança de 22 meses e devia estar sob permanência e apertadíssima vigilância, como muito bem se decidiu na douta sentença da 1ª Instância </font>
</p><p><font> 9ª- A velocidade do veículo não foi causal nem do acidente nem das suas consequências, dado que a criança surgiu como obstáculo totalmente inesperado não tendo ficado provado que o condutor do Audi não conseguia parar o veículo no espaço livre visível à sua frente não fosse o surgimento brusco na sua frente do peão. </font>
</p><p><font> 10ª- Consequentemente a única censura que se pode fazer no presente acidente é aos pais da mesma que estavam em convívio com outras pessoas e descuidaram da sua vigilância e protecção. </font>
</p><p><font> 11ª- Por conseguinte nenhum condutor normal, com capacidades de reações normais podia evitar o sucedido e nenhum condutor está obrigado a prever que lhe possam surgir situações como a do acidente dos autos, não se podendo assim fazer qualquer censura ao condutor do automóvel, e a velocidade do veiculo não foi de todo causal do acidente.</font>
</p><p><font> 12ª- E se a criança estivesse acompanhada pelos pais naquele local e momento a travessia nunca teria sido feita naquele momento e os condutores teriam avistado com antecedência os peões que pretendiam atravessar. Devendo aos presentes autos aplicar-se o disposto no artigo 101º do Código da Estrada e nos artigos 489º, 491º, 571º e 1878º do Código Civil, não sendo de aplicar aos autos o artigo 570º do Código Civil nem o disposto nos artigos, 25º e 38º do Código Estrada </font>
</p><p><font> 13ª- Sem prescindir e por mera cautela existe lapso de escrita na parte da decisão do acórdão recorrido ao fixar as percentagens da culpabilidade do acidente, uma vez que na fundamentação da decisão consta sempre que as culpas deveriam ser repartidas na proporção de 60% para o peão e 40% para o condutor. </font>
</p><p><font> Nestes termos, deve dar-se provimento ao recurso absolvendo-se a Recorrente do pedido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Culpa pela verificação do acidente.</font>
</p><p><font> - Rectificação do erro material cometido na decisão do acórdão, ao fixar as percentagens de culpas pelo evento. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> 1. No dia 06 de Setembro de 2009, cerca das 14,00 horas, o condutor FF tripulava o veículo ligeiro de passageiros, Audi A4 1,8 td cinzento, com a matrícula -FZ-, segurado na Ré pela apólice … (Al. A)).</font>
</p><p><font> 2. Conduzia-o dentro da povoação da ..., concelho de ... e pela Rua ... no sentido … (Al. B)).</font>
</p><p><font> 3. No mesmo sentido, mas à sua frente, seguia outro veículo ligeiro de passageiros, Fiat Punto, de matrícula -RB, conduzido por GG (Al. C)).</font>
</p><p><font> 4. Naquele local, a estrada é uma grande recta, o piso é liso, mede 5,60 metros de largura e tem uma amplíssima visibilidade (Al. D)).</font>
</p><p><font> 5. Havia sol e àquela hora verificava-se muito calor e o piso estava seco e limpo (Al. E)).</font>
</p><p><font> 6. O condutor FF conduzia o aludido veículo na referida rua e aumentou a velocidade para iniciar a ultrapassagem do veículo Fiat, que seguia à sua frente (Al. F)).</font>
</p><p><font> 7. O veículo FZ, ao iniciar a ultrapassagem do veículo RB, acelerou (Al. G)).</font>
</p><p><font> 8. O condutor do veículo FZ não buzinou, quando se aproximou do local (Al. H)).</font>
</p><p><font> 9. O embate do veículo FZ deu-se com a parte dianteira deste na parte exterior do braço e perna direita e cabeça da criança (Al. I)).</font>
</p><p><font> 10. Os autores são pais do EE (Al. J)).</font>
</p><p><font> 11. O EE tinha a idade de 22 meses, à data do embate (Al. L)).</font>
</p><p><font> 12. A ré DD era a seguradora do veículo com a matrícula -FZ- responsável pelos danos causados a terceiros (Al. M)).</font>
</p><p><font> 13. II era dona do veículo -FZ- (Al. N)).</font>
</p><p><font> 14. Veículo este que circulava, com conhecimento e consentimento de II, quando era conduzido por FF, no momento do embate (Al. O)).</font>
</p><p><font> 15. Os autores AA e BB, aquando do falecimento do EE, tinham, respectivamente, 39 e 37 anos (Al. P)).</font>
</p><p><font> 16. No local referido em B) da Matéria Assente há limite de velocidade de 50 quilómetros por hora (2.º).</font>
</p><p><font> 17. O veículo RB, conduzido por GG, que circulava à frente do FZ, conduzido por FF, na referida Rua ..., seguia, nesse momento a uma velocidade entre 40 e 50 quilómetros por hora (3.º e 32.º).</font>
</p><p><font> 18. Aquando do referido nas respostas dadas aos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 32.º, 36.º, 37.º e 39.º da Base Instrutória não se aproximava dos referidos veículos qualquer trânsito em sentido contrário (33.º).</font>
</p><p><font> 19. Por isso o FF, condutor do FZ, iniciou a ultrapassagem ao RB, depois de, previamente ter accionado o pisca-pisca esquerdo (34.º).</font>
</p><p><font> 20. E de ter verificado que à sua frente, em toda a extensão da estrada, não era visível qualquer trânsito de veículos ou de peões (35.º).</font>
</p><p><font> 21. O veículo FZ, conduzido por FF, ao fazer a ultrapassagem do veículo RB seguia a uma velocidade entre 70 e 80 quilómetros por hora (4.º e 36.º).</font>
</p><p><font> 22. No decurso da referida ultrapassagem, quando o FZ rodava a par do RB, o menor EE iniciou a travessia da Rua ..., da esquerda para a direita, atento o sentido …, surgindo na frente do FZ (5.º, 37.º e 39.º).</font>
</p><p><font> 23. O menor fez a travessia sem se deter à entrada da faixa de rodagem e sem verificar se se aproximava algum trânsito antes de iniciar a travessia (40.º e 41.º).</font>
</p><p><font> 24. O menor EE foi embatido pelo FZ sensivelmente a meio da faixa de rodagem esquerda, atento o sentido … (11.º).</font>
</p><p><font> 25. A estrada no local onde se deu o embate era ladeada do lado esquerdo, atento o sentido …, por uma berma em terra batida (42.º).</font>
</p><p><font> 26. O menor EE saiu de um portão que limitava o terreno da habitação de HH (6.º).</font>
</p><p><font> 27. Onde momentos antes estava em companhia dos seus pais e de outras crianças que eram permanentemente vigiadas pelo conjunto de vários convidados adultos e especialmente pelos pais do EE (7.º).</font>
</p><p><font> 28. Dos quais repentinamente o EE se separou (8.º).</font>
</p><p><font> 29. Após o embate, a criança ficou a cerca de 8 metros do local onde este ocorreu e junto da berma esquerda, atento o sentido …, na faixa de rodagem (12.º).</font>
</p><p><font> 30. O veículo FZ, após o embate na criança imobilizou-se a cerca de 20,60 metros (13.º).</font>
</p><p><font> 31. O embate provocou no EE lesões e traumatismo craneo-meningo-encefálico e tórax - abdominal, que foram a causa necessária e directa da sua morte (15.º).</font>
</p><p><font> 32. Verificada no local, após tentativas de reanimação por parte dos bombeiros e pelos médicos do INEM (16.º).</font>
</p><p><font> 33. A morte do EE causou aos autores profundo desgosto, ficando em estado de choque (18.º).</font>
</p><p><font> 34. Os autores nutriam por este filho grande amizade, afecto e dedicação (19.º).</font>
</p><p><font> 35. Sentindo intensamente a sua perda (20.º).</font>
</p><p><font> 36. Com efeitos que perduram e se vão ressentir neles ao longo das suas existências (21.º).</font>
</p><p><font> 37. O EE era uma criança saudável, alegre, activa e com muita alegria no convívio (22.º).</font>
</p><p><font> 38. A morte do EE continuará a causar, no futuro, repercussões na alegria de viver e no dia a dia dos autores (23.º).</font>
</p><p><font> 39. Os autores passaram, regularmente, a deslocar-se ao cemitério da ..., onde a criança ficou sepultada, para aí deixarem em permanência flores em grandes quantidades e variedades (24.º).</font>
</p><p><font> 40. Os autores despenderam com o funeral do EE a quantia de 950,00 euros (25.º).</font>
</p><p><font> 41. Os autores choram com saudades e dor, sempre que se fala do seu filho (27.º).</font>
</p><p><font> 42. Por força do profundo abalo psíquico e sofrimento permanente e contínuo passaram a isolar-se de amigos e familiares (28.º).</font>
</p><p><font> 43. O autor AA foi assistido numa consulta de psiquiatria no Centro Médico e Enfermagem de ..., em 10 de Setembro de 2009, e ambos os autores recorreram ao serviço de urgência do Hospital Distrital de Santarém no dia 10 de Setembro de 2009 (30.º).</font>
</p><p><font> 44. Os autores perspectivavam uma esmerada educação, um futuro próspero e felicidade para o EE (31.º). ---------------------------------</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-3- Como se vê do teor das alegações e conclusões da recorrente, a questão primordial que haverá a apreciar e decidir diz respeito à culpabilidade pela produção do acidente de viação que originou as graves lesões ao menor EE e a sua consequente morte. E diga-se, desde já, que as instâncias tomaram posição diferente sobre a questão. Enquanto a primeira instância excluiu a culpabilidade do condutor do veículo que atropelou a vítima, a Relação considerou que também aquele teve culpa na produção do acidente, tendo-lhe atribuído a percentagem de 40% (atribuindo os restantes 60% ao comportamento do referido menor).</font>
</p><p><font> Aquela 1ª instância, de essencial, considerou que a ocorrência do acidente se ficou a dever exclusivamente à conduta imprevidente e temerária do menor EE, por este não ter tomado as mínimas precauções antes de atravessar a faixa de rodagem, tendo atravessado a via repentinamente e sem olhar ao trânsito, “</font><i><font>metendo-se à frente do veículo FZ e por forma a que lhe foi impossível evitar o acidente</font></i><font>”, infringindo, assim, o disposto nos artºs 3º, nº 2 e 101º, nºs 1 e 3 do Código da Estrada. Entende | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JjKZu4YBgYBz1XKvWCH3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AA</font></b><font> e mulher, </font><b><font>BB</font></b><font>, residentes na Rua …, nº ..., ..., …, propuseram a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>EP - Estradas de Portugal, E.P.E.</font></b><font> (actualmente “EP- Estradas de Portugal, S.A.”) </font><i><font>pedindo</font></i><font> que a R. seja condenada, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente, em quantia não inferior a € 66.731,50, mas a liquidar no respectivo incidente, e a quantia de € 5.000, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Para tanto alegam, em síntese, que a R. instalou o estaleiro de uma obra a que procedeu num prédio rústico sito em frente à casa de habitação dos AA. e a uma distância dela de 10 metros, que utilizou até Dezembro de 2004, tendo, para o efeito, procedido a obras de desaterro e terraplanagem do dito prédio rústico, utilizando retroescavadoras e camiões, o que implicava o constante sair e entrar desse estaleiro, provocando constantes vibrações e aparecimento de buracos em todo o troço da rua que separa os prédios e fissuras na sua casa de habitação, que originaram infiltrações de água, humidades, rachadelas nos passeios em volta da casa e outros danos, cuja reparação ascende ao montante de € 66.731,50, IVA incluído, situação que lhes provocou ainda danos de natureza não patrimonial, como tristeza e desgosto, que computam em € 5.000.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Contestou o R. que, impugnando os factos alegados pelos AA., por desconhecimento e impossibilidade de vistoriar a casa dos AA., por impedimento destes, aduz, invocando a excepção dilatória da sua ilegitimidade, que a obra em causa foi realizada, em regime de empreitada, por um consórcio constituído pelas sociedades “CC - …, S.A.”, “DD, S.A.” e “EE, S.A.”, cuja intervenção acessória requer.</font>
</p><p><font> Termina </font><i><font>pedindo</font></i><font> que seja declarada parte ilegítima, com a consequente absolvição da instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Foram admitidas, apesar da oposição dos AA., como intervenientes acessórias, aquelas sociedades que contestaram nos seguintes termos:</font>
</p><p><font> A “</font><b><font>CC, S.A</font></b><font>.” defende-se por excepção, invocando a prescrição do direito dos AA., e por impugnação, aduzindo que, por força da repartição interna dos trabalhos do consórcio, não desenvolveu quaisquer trabalhos de movimentação de terras e terraplanagens, que foram atribuídos aos restantes elementos do consórcio, concluindo pela sua absolvição do pedido.</font>
</p><p><font> A “</font><b><font>DD, S.A.” </font></b><font>e</font><b><font> “Empresa de Construções EE, S.A.</font></b><font>”, que apresentaram defesa conjunta, defendem-se por excepção, em que suscitam a incompetência, em razão da matéria, do tribunal recorrido para a apreciação do litígio, e a prescrição do direito dos autores, e por impugnação, designadamente alegando que a instalação e montagem do estaleiro não eram susceptíveis de provocar os danos invocados pelos AA., mais aduzindo que haviam transferido para a seguradora “FF - Companhia de Seguros, SPA” a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a execução da empreitada, cuja intervenção acessória requerem, concluindo pela procedência das excepções e pela improcedência da acção, com as legais consequências.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Admitida, sem oposição, a sua intervenção, a interveniente “</font><b><font>FF, SPA</font></b><font>” contestou impugnando os factos articulados pelos AA. e, aduzindo que os danos não patrimoniais peticionados se encontram excluídos do contrato de seguro, conclui nos mesmos termos das suas seguradas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Na réplica os AA. pugnam pela improcedência das excepções e reafirmam o anteriormente alegado, concluindo como na petição inicial.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Em sede de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria do tribunal recorrido, após o que se fixou a matéria assente e se elaborou a base instrutória. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Instruída a causa, com realização de prova pericial, procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.</font>
</p><p><font> Foi, então, proferida sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se solidariamente a R. Instituto de Estradas de Portugal e as chamadas que integram o consórcio adjudicatário (CC …, S.A., DD S.A., e Empresa de Construções EE, S.A.), e ainda a chamada Companhia de Seguros FF Companhia de Seguros, SPA, a pagar aos AA. a quantia, já liquidada de 25.000 Euros (+ IVA), acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo da quantia que se vier a liquidar em sede de liquidação para fins executivos, correspondente a eventual aumento de preço.</font>
</p><p><font> Mais se condenou a R. e as chamadas que integram o Consórcio Adjudicatário a pagar aos AA., a quantia de 5.000 Euros, a título de danos morais, acrescida de juros desde a citação.</font>
</p><p><font> No mais, foram a R. e as chamadas absolvidas do pedido contra elas formulado. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela </font><u><font>recorreram a R. e as intervenientes</font></u><font> de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 11-10-2012, julgado improcedente o recurso interposto pela R., mas parcialmente procedente os recursos interpostos pelas intervenientes, declarando nula a sentença na parte em que omitiu pronúncia sobre a excepção da prescrição do direito dos AA. e condenou, solidariamente com a R., as intervenientes a pagar aos AA. as indemnizações que lhes foram arbitradas, que absolvem do pedido, julgando parcialmente procedente a acção e condenando a R. a pagar aos AA. a quantia liquidada de € 25.000 (+IVA), sem prejuízo da quantia que se vier a liquidar no respectivo incidente para fins executivos, correspondente ao eventual aumento de preço, e a quantia de € 5.000, a título de danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora desde a citação</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R., E.P. Estradas de Portugal, para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- O fundamento específico do presente recurso é a violação da lei substantiva, nomeadamente dos artigos 303.° do CC e 493.°/3 e 496.° do CPC; invocando-se ainda a nulidade do artigo 668º/1/c) e d) do CPC. </font>
</p><p><font> 2ª- Foi dado como provado pela sentença que "o consórcio dirigiu e executou, por sua conta e risco, os trabalhos de construção da obra citada". </font>
</p><p><font> 3ª- Os factos descritos não se prendem com actos de execução da obra, mas com supostos actos executados no estaleiro propriedade das empresas EE, S.A., e DD S.A. e na rua que com este confronta, a Rua ..., eventualmente por funcionários destas, seus fornecedores ou empresas subcontratadas. </font>
</p><p><font> 4ª- Fundamenta a sentença a atribuição da responsabilidade à EP como dono da obra numa série de situações imaginárias que não tem qualquer correspondência com os factos dados como provados. </font>
</p><p><font> 5ª- Nem foi provado que houve culpa do dono da obra na escolha do empreiteiro, ou nas instruções que lhe deu. </font>
</p><p><font> 6ª- Nem, obviamente, relevam os factos imaginários mencionados pela sentença, como a "errada definição da implantação da auto-estrada, descurando a proximidade de habitações que não poderiam deixar de ser afectadas pelos movimentos de entrada e saída de veículos pesados no estaleiro" ou "um erro de projecto, que não acautelou a proximidade dessas habitações". </font>
</p><p><font> 7ª- A função que a R. confiou ao empreiteiro consistiu na construção de uma obra rodoviária, não tendo os actos materiais de execução da mesma sido os responsáveis pela produção dos danos peticionados. </font>
</p><p><font> 8ª- A construção do estaleiro e todos os actos praticados na sua envolvência são da exclusiva responsabilidade do empreiteiro. </font>
</p><p><font> 9ª- Estando os fundamentos citados em oposição com a decisão a final, deveria a sentença ter sido declarada nula, nos termos do artigo 668°/1 c) do CPC. </font>
</p><p><font> 10ª- Pelas intervenientes foi invocada a excepção peremptória da prescrição do direito dos AA. </font>
</p><p><font> 11ª- Uma vez que a sentença omitiu a pronúncia sobre a referida excepção, decidiu a Relação que ocorreu a prescrição do direito dos AA, uma vez que a dona da obra foi demandada já terminado o prazo de 3 anos do artigo 498°/1 do C.C. </font>
</p><p><font> 12ª- Claramente se encontra preenchido o disposto no artigo 303° do C.C. uma vez que aproveita às intervenientes acessórias a prescrição dos direitos dos autores, uma vez que a R. goza do direito de regresso contra elas quanto à indemnização que for condenada a final. </font>
</p><p><font> 13ª- No caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> há um interesse inequívoco da parte da primeira interveniente acessória, na improcedência da pretensão do A, já, para evitar posterior acção de regresso. </font>
</p><p><font> 14ª- No momento em que foi deduzida a excepção peremptória da prescrição pela primeira interveniente acessória, ainda a R. tinha o direito de a invocar, uma vez que naquele momento não tinha conhecimento dos factos que preenchem esta excepção. </font>
</p><p><font> 15ª- Em primeiro lugar porque desconhecia se já tinha decorrido o prazo prescricional de 3 anos, o que só à </font><i><font>posteriori</font></i><font> se veio a provar. </font>
</p><p><font> 16ª- Só supervenientemente é que foram dados como provados os factos que atestam a existência da prescrição do direito dos autores. </font>
</p><p><font> 17ª- Pelo que se encontra assegurado o requisito da superveniência elencado no artigo 189°/2 do CPC. </font>
</p><p><font> 18ª- Uma vez que aproveita à R, deve a excepção em causa ser conhecida e declarada, sendo a R. absolvida do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre as nulidades do acórdão invocadas pela recorrente, sustentando a sua não verificação (fls. 790 e 791).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Responsabilidade civil da R. Estradas de Portugal.</font>
</p><p><font> - Nulidade do acórdão.</font>
</p><p><font> - Aproveitamento da prescrição invocada pelas intervenientes, por parte da recorrente. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> 1) Os AA. são donos, senhores, legítimos possuidores e proprietários de um prédio urbano, destinado exclusivamente a habitação, composto por casa de habitação, de cave, rés do chão e andar, com quintal, sito no Lugar ... ou ..., freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão.</font>
</p><p><font> 2) Tal prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o nº .../..., onde se encontra inscrito a favor dos AA. pela inscrição G-1, e inscrito no competente Serviço de Finanças sob o artigo ...º urbano.</font>
</p><p><font> 3) Foi adquirido por contrato de compra e venda em que foi a A. esposa compradora e vendedores GG e esposa HH, contrato esse titulado por escritura pública realizada em 5 de Maio de 1995 e lavrada a folhas 29 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas número … do 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão.</font>
</p><p><font> 4) De qualquer modo, quer por si quer por antepossuidores, antecessores e anteriores proprietários, desde há mais de 5, 10, 15 e 20 anos que os AA. estão na posse do identificado prédio, arrendando-o, colhendo os frutos, recebendo os frutos, venerando construções, quintais e culturas, pagando as respectivas contribuições, sempre á vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja e na convicção de exercerem um direito próprio, sem prejudicar ninguém e em tudo se comportando como donos e por todos como tal sendo considerados, sendo que a sua posse sempre foi pública, pacífica, contínua e de boa fé, pelo que sempre haveriam adquirido o referido prédio por usucapião ou prescrição aquisitiva que expressamente aqui invocam para todos os efeitos legais.</font>
</p><p><font> 5) O A., mediante carta datada de 10/09/2003 (Vd. doc. 2), solicitou ao IEP - Instituto das Estradas de Portugal, a presença de um técnico para proceder aos levantamentos dos estragos ocorridos na sua moradia em consequência da instalação dos estaleiros EE e DD.</font>
</p><p><font> 6) Igualmente em 23/09/2003, o IEP enviou ofício ao A., acusando a recepção da sua carta e informando que o assunto tinha sido remetido ao Consócio adjudicatário da empreitada, para ser analisado no âmbito da garantia de responsabilidade perante terceiros.</font>
</p><p><font> 7) Por contrato de seguro titulado pela apólice nº … emitida pela Companhia de Seguros FF, S.P.A. - Sucursal em Portugal, com sede na Rua ... …, … Lisboa, as Chamadas transferiram a responsabilidade civil por danos causados a terceiros no exercício da sua actividade no âmbito da execução da empreitada designada Variante Nascente de Famalicão, referida no art. 5º da P.I.</font>
</p><p><font> Resultantes das respostas dadas à base instrutória (indicando-se a final o correspondente artigo):</font>
</p><p><font> 8) O estaleiro situava-se do outro lado da Rua ..., ..., Vila Nova de Famalicão, em frente à casa de habitação dos autores - 3º.</font>
</p><p><font> 9) A confrontação poente da casa de habitação dos autores é, em toda a sua extensão (cerca de 15 metros) virada à Rua ... - 4º.</font>
</p><p><font> 10) Entre a casa de habitação dos AA. e o estaleiro somente distavam cerca de 10 (dez) metros (ocupados pela Rua ...) - 5º - alterada a resposta na Relação.</font>
</p><p><font> 11) Sendo que a entrada em tal estaleiro se situava mesmo em frente à casa de habitação dos AA - 6º.</font>
</p><p><font> 12) Porque se tratava de um prédio rústico sem qualquer aptidão para tal destino (Estaleiro), procedeu-se a obras de desaterro e terraplanagem do mesmo - 7º.</font>
</p><p><font> 13) Após tal preparação e até, pelo menos, Dezembro de 2004, esse estaleiro foi utilizado pela EE, S.A. e DD S.A. - 8º.</font>
</p><p><font> 14) Quer para a instalação dos gabinetes dos responsáveis, engenheiros e técnicos da obra - 9º.</font>
</p><p><font> 15) Quer para a instalação dos dormitórios dos trabalhadores - 10º.</font>
</p><p><font> 16) Provocando, diariamente, o constante entrar e sair, em tal estaleiro, de veículos automóveis ligeiros transportando os técnicos bem como veículos automóveis pesados de transporte de pessoal - 11º.</font>
</p><p><font> 17) Até Dezembro de 2004, esse estaleiro foi também utilizado para depósito e armazenagem de alguns dos materiais empregues na obra - 12º.</font>
</p><p><font> 18) Isto significa que, diariamente, davam entrada no estaleiro, quantidades não concretamente apuradas de brita, areia e demais matérias primas, utilizadas na execução da referida variante - 13º.</font>
</p><p><font> 19) Tais matérias primas chegavam transportadas em camiões de grande porte e que tinham capacidade para várias toneladas de carga - 14º.</font>
</p><p><font> 20) Camiões esses que descarregavam tais matérias primas no estaleiro e voltavam, passado algum tempo, com nova carga - 15º.</font>
</p><p><font> 21) A balança de tais camiões estava situada mesmo em frente à casa de habitação dos AA. - 16º.</font>
</p><p><font> 22) Tudo o acima descrito provoca um intenso transito de camiões, a entrar e a sair do estaleiro, mesmo em frente à casa de habitação dos autores - 17º.</font>
</p><p><font> 23) No interior do estaleiro, havia várias máquinas que, diariamente, em laboração contínua procediam à transformação das já referidas matérias primas de modo a serem aplicadas na execução da obra - 18º.</font>
</p><p><font> 24) Todas as matérias primas transformadas no estaleiro eram, por sua vez, também transformadas por camiões de grande porte para a obra - 19º.</font>
</p><p><font> 25) O estaleiro foi utilizado para depósito e garagem de alguma da maquinaria pesada e veículos utilizados durante a obra, nomeadamente cilindros de compactação, retroescavadoras, giratórias, camiões de caixa aberta de grande capacidade, máquinas próprias para alcatroar e todos os seus acessórios, autobetoneiras, tractores, veículos de mercadorias e veículos automóveis ligeiros - 20º e 21º.</font>
</p><p><font> 26) Todos os dias, manhã cedo, várias das máquinas já referidas saiam do estaleiro, em direcção à obra e que todos os dias, ao fim do dia, várias máquinas já referidas regressavam ao estaleiro - 22º e 23º.</font>
</p><p><font> 27) O trânsito naquele local, intenso e pesado, causa constantes vibrações - 25º.</font>
</p><p><font> 28) O trânsito rodoviário contínuo para o estaleiro, originou o aparecimento de inúmeros buracos ao longo da rua ... - 26º.</font>
</p><p><font> 29) Os autores e outros residentes nas imediações, apresentaram várias queixas - 27º.</font>
</p><p><font> 30) Os factos descritos levaram a que, por toda a casa de habitação dos autores, tanto no interior como no exterior, surgissem fissuras de várias dimensões:</font>
</p><p><font> a) fissuras diversas na fachada lateral direita, com maior incidência junto à caixa de escadas ao nível da laje;</font>
</p><p><font> b) fissuras junto aos cunhais da fachada traseira com a fachada lateral direita e fachada lateral esquerda;</font>
</p><p><font> c) fissuras na fachada lateral esquerda, junto à porta principal e passando para o interior, verificando-se a presença das mesmas no hall de entrada e escadas interiores;</font>
</p><p><font> d) fissuras nas paredes da fachada principal e lateral direita da sala comum;</font>
</p><p><font> e) fissuras na dispensa, parede da fachada lateral direita;</font>
</p><p><font> f) fissuras no quarto principal, no tecto e paredes das fachadas principal e lateral direita;</font>
</p><p><font> g) fissuras na parede da fachada lateral direita do quarto das traseiras;</font>
</p><p><font> &nb | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JjKbu4YBgYBz1XKvLiJ1 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> I- Relatório:</font>
</p><p><font> 1-1- AA interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, da sentença proferida na 1ª instância na acção que intentou contra Banco BB S.A..</font>
</p><p><font> Recebidos os autos na Relação, a Exmª Relatora convidou o apelante a corrigir “as prolixas, obscuras e complexas conclusões de recurso” que havia apresentado.</font>
</p><p><font> O recorrente apresentou novas conclusões mas a Exmª Relatora considerou que as mesmas padeciam da (mesma) prolixidade, obscuridade e complexidade e que, por isso, não seria possível, conhecer do recurso, razão por que decidiu não proceder à correspondente apreciação.</font>
</p><p><font> O recorrente reclamou para a conferência, mas os Exmºs juízes da formação decidiram confirmar a decisão proferida pela Exmª Relatora.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o recorrente para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu não conhecer do recurso da sentença proferida na acção que intentou contra o Banco BB, ora recorrido.</font>
</p><p><font> 2ª- Os autos subiram e entendeu o Douto Tribunal que as conclusões de recurso eram prolixas, obscuras e complexas, tendo formulado o convite a corrigir as mesmas.</font>
</p><p><font> 3ª- O apelante apresentou novas conclusões, sem o manifesto objectivo de desrespeitar a forma legal de concluir de forma sintética, e por entender que as mesmas são minimamente compreensíveis e, embora com prevalência do fundo sobre a forma, não deixam de constituir um enquadramento sintético das questões postas ao tribunal de recurso para resolver, mencionando quais os supostos erros cometidos na decisão recorrida e as razões porque devem ser solucionadas em determinado sentido.</font>
</p><p><font> 4ª- Apresentou ainda os fundamentos por que se pretende obter a sua alteração ou revogação, tudo em termos minimamente aceitáveis que formalmente viabilizem o seu conhecimento.</font>
</p><p><font> 5ª- Alegou, ainda, o recorrente, que o ónus da conclusão sintética, imposto na parte final do nº 1 do art. 685.°-A, deve ser interpretado com moderação, importando mais ver em tal imposição uma recomendação de boa técnica processual, do que um comando rigoroso e rígido, a aplicar com severidade e sem contemplações.</font>
</p><p><font> 6ª- Pelo que, assim sendo, considera-se prejudicado pela aplicação inflexível da cominação ínsita ao teor do despacho proferido, que representa um impedimento de acesso à Justiça, de todo inconstitucional, pelo que, inconformado, ao abrigo do disposto no art. 700°, n° 3, do C.P.C., reclamou para a conferência, requerendo que sobre a matéria do mesmo recaísse um acórdão.</font>
</p><p><font> 7ª- Entende o ora recorrente que no recurso apresentado, alegou factualidades tidas por suficientes, e com fundamentos juridicamente válidos, expondo as razões de facto e de direito em conformidade com os normativos aplicáveis in casu, sustentados no articulado e pelos documentos probatórios juntos aos autos, termos em que a sentença recorrida se revela como não conducente à mais correcta interpretação da lei, afronta direitos reconhecidos, não conduz a uma solução justa, pelo que não pode e nem deve, salvo o devido respeito por melhor e superior douta opinião, ser sufragada.</font>
</p><p><font> 8ª- O recorrente, respondendo ao convite formulado, indicou os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, com a indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou;</font>
</p><p><font> 9ª- Mencionou "as concretas passagens das gravações em que funda a impugnação que imporia decisão diversa",</font>
</p><p><font> 10ª- Evidenciou, de forma clara, a vontade de impugnar a decisão sobre factos julgados, requerendo a alteração de cada um deles.</font>
</p><p><font> 11ª- Não se pode dizer não ser possível conhecer do recurso na totalidade, por as conclusões continuarem a padecer de prolixidade, obscuridade e complexidade, num texto formatado em longuíssimos parágrafos, vertido em 21 folhas e, em 46 (designadas) conclusões que receberam de forma caótica preceitos jurídicos, factos, comentários, dissertações e expressões ininteligíveis,</font>
</p><p><font> 12ª- Nem sequer haver falta de especificações, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar.</font>
</p><p><font> 13ª- O convite, feito ao recorrente, teve como objecto a síntese das conclusões, e, por isso, só a falta de cumprimento deste convite poderia legitimar o não conhecimento do recurso.</font>
</p><p><font> 14ª- O Tribunal apenas poderia não tomar conhecimento do recurso, se o recorrente não tivesse sintetizado as conclusões, o que no caso em apreço não aconteceu.</font>
</p><p><font> 15ª- A Relação, ao proceder da forma como o fez, não conheceu da impugnação da matéria de facto, já que a rejeitou por razões meramente formais, omitindo a pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que reportam o art. 668° do CPC.</font>
</p><p><font> 16ª- O normativo atinente às conclusões é constituído basicamente pelo artigo 685.°-A, aí se prevendo como devem ser apresentadas as conclusões - sintéticas e indicando os fundamentos - (n° 1), o que vale para a impugnação tanto da matéria de direito como da matéria de facto.</font>
</p><p><font> 17ª- A seguir, no n° 2 deste artigo, refere-se as especificações que as conclusões devem conter em matéria de direito. Quanto à impugnação dos factos, o legislador preferiu não mencionar neste mesmo preceito as especificações requeridas e optou por as fixar num artigo próprio (685 -°-B), o que se compreende por uma questão de técnica legislativa e em virtude da maior pormenorização das exigências nesta matéria.</font>
</p><p><font> 18ª- Ainda no artigo 685°-A, segue-se a previsão do convite ao aperfeiçoamento, sem distinção entre matéria de direito e de facto, aplicando-se por isso às duas (n° 3). O direito de resposta do recorrido ao aditamento ou ao esclarecimento do recorrente é válido também indistintamente para a impugnação de direito e de facto.</font>
</p><p><font> 19ª- Todavia, atendendo à sistemática da lei e ao elemento racional da interpretação conjugada dos artigos 685°-A, 685°-B, 684°, n° 2 e 3, estas disposições tanto impõem nas conclusões a especificação dos pontos de facto, como a dos respectivos meios probatórios, que com aqueles devem ser individualmente conexionados.</font>
</p><p><font> 20ª- Na verdade, estes dois elementos são igualmente necessários à delimitação do objecto do recurso e, por consequência, também dos poderes de apreciação do tribunal.</font>
</p><p><font> 21ª- Aliás, a economia desta importante figura jurídica constituída pelas alegações, e sobretudo das respectivas conclusões, aponta inequivocamente para uma referência clara, objectiva e sucinta nestas últimas de todas as questões que o recorrente pretende que o tribunal de recurso tome como objecto do seu conhecimento. Embora a dissertação epidíctica sobre essas questões, de facto ou de direito, deva ser feita no corpo alegatório.</font>
</p><p><font> 22ª- Afigura-se, no entanto, que o ónus de concluir também terá de ser cumprido sempre nas conclusões das alegações, para delimitação do objecto do recurso.</font>
</p><p><font> 23ª- Como resulta dos artigos 684° n° 3 e 685°-A, n° 1, são as conclusões que fixam o objecto do recurso, e assim se compreende quão importantes elas são para o tribunal ad quem apreciar e decidir, concretamente no tocante aos seus poderes de cognição.</font>
</p><p><font> 24ª- Por outro lado, as especificações que a lei manda alinhar nas conclusões, têm a importante função de definir e delimitar o objecto do recurso e, desta maneira, circunscreverem o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento.</font>
</p><p><font> 25ª- Cabe ao recorrente o ónus de especificar cada um dos pontos da discórdia com a decisão recorrida, seja quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, seja a respeito dos factos que considera incorrectamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente.</font>
</p><p><font> 26ª- O recorrente procedeu a duas estirpes de especificações: uma relativa às normas que entende terem sido violadas, mal interpretadas ou erroneamente aplicadas (artigo 685°-A n° 2) e outra que lhe impõe a menção concreta dos pontos de facto e dos meios probatórios a considerar em sede de recurso (artigo 685°-B n° 1).</font>
</p><p><font> 27ª- Não se limitando a uma completa impugnação genérica e global da decisão de facto, manifestando genérica discordância com a decisão da 1ª instância. Pelo contrário, cingiu-se, em concreto, na reapreciação de algumas provas produzidas, pela sua indicação individual, especificando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre a matéria de facto impugnada, com a indicação dos depoimentos e as exactas passagens da gravação da prova em que se funda.</font>
</p><p><font> 28ª- A formulação de conclusões, consoante a extensão e a complexidade do litígio em apreço, pode ser mais ou menos longa. Nalguns casos, a copiosidade dos factos impõe, forçosamente, um maior número de conclusões.</font>
</p><p><font> 29ª- Ora no caso sub judice, a existência de variada impugnação da matéria de facto debatida na acção, deu azo a que o recorrente considere justificada a copiosidade das conclusões, apesar do esforço de condensação.</font>
</p><p><font> 30ª- Daí que para aferir da razoabilidade da extensão das conclusões não deva ter-se em consideração apenas o número de artigos ou de páginas que as contêm.</font>
</p><p><font> 31ª- O recorrente pretendeu fazer uma correcta identificação dos respectivos pontos em crise, bem como os exactos meios de prova adquiridos para o processo e que, na sua versão, impunham uma decisão diferente da que foi proferida, censurando os fundamentos, e apontando quais os que deveriam ter sido considerados.</font>
</p><p><font> 32ª- E concluiu que determinados pontos da base instrutória mereciam uma sentença diferente, no sentido de que a matéria de facto seja alterada, mencionando esses pontos de facto e as pertinentes provas ou a falta delas que justifiquem ou impunham essa alteração.</font>
</p><p><font> 33ª- O recorrente, admite ter-se excedido na quantidade, e recebeu de bom grado o convite da Mm.a relatora, e conseguiu, em concreto, redução efectiva de texto.</font>
</p><p><font> 34ª- Assim, é de realçar que, com uma densidade idêntica de caracteres, com os mesmos tipos de letra, com o mesmo espaço de entrelinhas, e todas as folhas com as mesmas margens laterais, superiores e inferiores, nas novas conclusões, relativamente às conclusões iniciais apresentadas, houve redução notória do n° de folhas, de 19 para 8 (cerca de 58%), respeitante a matéria de direito, e de 42 para 13 (cerca de 69%), respeitante a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.</font>
</p><p><font> 35ª- Nas novas conclusões o recorrente cumpriu, ainda, a parte final do despacho de 09-10-2012, ao separar as questões respeitantes ao recurso sobre a matéria de direito das que dizem respeito à impugnação da decisão de facto, procurando sintetiza-las, tanto quanto lhe foi possível.</font>
</p><p><font> 36ª- Porém, as conclusões do recorrente não se limitaram a uma singela afirmação de procedência do pedido, antes procurando imprimir todo um raciocínio lógico-jurídico a contrariar as razões adoptadas no aresto posto em crise, cumprindo o imposto no art. 685°-A n° 2, de a) a c), e o art. 685°-B n° 1, a) e b) e n° 2, do CPC.</font>
</p><p><font> 37ª- O recorrente considera que não utilizou os meios processuais ao seu dispor de modo abusivo, limitando-se a atacar a decisão recorrida e dizer das razões por que se discorda dela, para serem apreciadas no tribunal superior.</font>
</p><p><font> 38ª- Depreende-se das novas conclusões, que são suficientemente entendíveis as razões da discordância da sentença, sendo possível delimitar as questões de facto e de direito que o recorrente levanta.</font>
</p><p><font> 39ª- Acresce que, as questões levantadas no recurso e levadas às conclusões são muitas e variadas e, algumas delas, complexas, pelo que não tem razão de ser exigir uma síntese mais resumida do que aquela que foi feita.</font>
</p><p><font> 40ª- Do exposto resulta que as conclusões apresentadas satisfazem minimamente a sua finalidade, ou seja, dar a conhecer de forma sintética (ainda que complexa quando as questões também o sejam) as razões jurídicas que estão na base da interposição do recurso e quais as questões que pretende ver reapreciadas.</font>
</p><p><font> 41ª- Com o devido respeito pela decisão proferida pelo Tribunal " a quo", não se entende como não se pode considerar que o não conhecimento do recurso "representa um impedimento de acesso à Justiça, de todo inconstitucional", por violação do direito ao recurso, pois que o recorrente considera que cumpriu com os requisitos essenciais impostos por lei, reduzindo drasticamente o n° de folhas nas novas conclusões (relativamente às conclusões inicialmente apresentadas), e colocando as questões que queria que fossem apreciadas e conhecidas pelo tribunal.</font>
</p><p><font> 42ª- Por outro lado, afigura-se que a cominação de não conhecimento do recurso, constante do 685°-A n° 3, do CPC não está coligada à satisfação do convite ao aperfeiçoamento, mas sim à própria existência de conclusões deficientes obscuras ou complexas.</font>
</p><p><font> 43ª- No caso em apreço, não há qualquer decisão concreta sobre a complexidade de alguma, algumas ou todas as conclusões, apenas um despacho de convite ao aperfeiçoamento.</font>
</p><p><font> 44ª- E seria temerário avançar-se que na ausência de indicação da parte afectada, seriam, afinal, todas as conclusões que o despacho tinha detectado estar afectadas de complexidade.</font>
</p><p><font> 45ª- Não se pode ver, assim, nesse despacho, uma decisão que, bem ou mal, o juiz relator tenha tomado como decisão final sua sobre as conclusões das alegações.</font>
</p><p><font> 46ª- Ora, como se disse, a consequência de não conhecimento do objecto do recurso na parte afectada, como dispõe o artigo 685°-A, não releva do convite, se convite é.</font>
</p><p><font> 47ª- A consequência releva da própria existência da complexidade, da deficiência ou obscuridade não resolvidas, apesar de convite para o efeito.</font>
</p><p><font> 48ª- O que se pretende é que a parte tenha a oportunidade de se pronunciar (princípio do contraditório, proibição de decisão surpresa) e, mais ainda, de suprir a deficiência, se ela existe.</font>
</p><p><font> 49ª- O acórdão recorrido haveria de ter apreciado, sim, se as conclusões das alegações eram efectivamente complexas. E só no caso afirmativo, e no segmento afectado, poderia deixar de conhecer do recurso, em aplicação do artigo 685°-A n° 3, do CPC.</font>
</p><p><font> 50ª- O douto acórdão proferido ofende, pois, em domínios particularmente sensíveis, normas constitucionais, de onde cabe dele recurso para o Tribunal Constitucional.</font>
</p><p><font> 51ª- Violou, assim, o douto acórdão os artigos 668°, 685°, 685°-A do Código do Processo Civil e artigo 20° n° l e n°4 da Constituição da Republica Portuguesa.</font>
</p><p><font> 52ª- Pelo que, e consequentemente na medida das articuladas conclusões deverá ser revogado o Douto Acórdão recorrido, no respeitante à interpretação do n° 3 do artigo 685° do CPC, considerando-se tempestiva a apresentação do requerimento de interposição de recurso e apresentação das respectivas alegações da recorrente, assim se fazendo a costumada justiça.</font>
</p><p><font> TERMOS EM QUE</font>
</p><p><font> Com o douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, revelando-se o acórdão ora recorrido como não conducente à mais correcta interpretação e aplicação da lei, e ser revogado, e, assim, devendo ser considerado procedente o recurso interposto pelo recorrente ao Tribunal da Relação de Lisboa, alterando-se a douta sentença recorrida, seguindo-se os ulteriores termos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O recorrido contra-alegou pronunciando-se, por um lado, pela não admissão da revista (uma vez que o acórdão recorrido não conheceu do mérito da causa e, por isso, o acórdão proferido é irrecorrível nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 721° do C.P.Civil) e afirmando que o recurso é nulo, uma vez que não se encontra previsto na lei e carece por completo de cabimento legal (nº 1 do artigo 201°), nulidade que arguiu, nos termos e para os efeitos do artigo 205° do C.P.C., fundamentos que o relator do presente acórdão indeferiu e pelo outro lado afirmando que o recurso deve ser rejeitado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> II- Fundamentação:</font>
</p><p><font> 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º nº 3 e 685º A nº 1 do C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se as conclusões retiradas se afiguram sintetizadas e válidas e se existe razão para não se conhecer do recurso.</font>
</p><p><font> - Se a decisão proferida pelo Tribunal "a quo", ao decidir-se pelo não conhecimento do recurso, "representa um impedimento de acesso à Justiça, de todo inconstitucional", por violação do direito ao recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- No douto acórdão recorrido, para além do mais, referiu-se:</font>
</p><p><font> “Pela Relatora do processo foi proferida a decisão que segue: "AA interpôs recurso da sentença proferida na acção que intentou contra Banco BB, S.A. Os autos subiram a esta instância e receberam o primeiro despacho a convidar o apelante a corrigir as prolixas, obscuras e complexas conclusões de recurso que havia apresentado. As novas conclusões apresentadas padecem, no entanto, da mesma prolixidade, obscuridade e complexidade, não sendo, pois, possível, conhecer do recurso. Com efeito, o novo texto apresentado está formatado em longuíssimos parágrafos, foi vertido em 21 folhas e, em 46 (designadas) conclusões que receberam de forma caótica preceitos jurídicos, factos, comentários, dissertações e expressões ininteligíveis. A elaboração das conclusões do recurso convoca o recorrente a ser claro e preciso quanto às suas razões e fundamentos, permitindo assim ao recorrido responder adequadamente e facilitando, também, ao tribunal ad quem, a delimitação do objecto do recurso. Por isso, para além de ser um instrumento de disciplina, constitui, igualmente, uma forma célere de apreensão do objecto do recurso, potenciando uma eficaz administração da justiça. A formulação legal - concluir de forma sintética - deve ser interpretada, todavia, de forma flexível, deixando a aplicação da cominação somente para aqueles casos em que é manifesto e objectivo o desrespeito pelas conclusões sintéticas. Expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão. O que importa, essencialmente, é que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso. Os fundamentos dos recursos devem ser claros e concretos, pois aos tribunais não incumbe perscrutar a intenção das partes, mas sim apreciar as questões que são submetidas ao seu exame. A exigência de formulação de conclusões prende-se com a necessidade de delimitar o objecto do recurso, fixando, com precisão, quais as questões a decidir, de modo a que a sua apreciação se revista de maior segurança. Carecem, em consequência, de ser elaboradas sob a forma de proposições claras e sintéticas, que condensem o exposto na motivação do recurso… Sendo altura de terminar, diremos que as conclusões são, necessariamente, a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos. Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma actuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida». Com apoio no citado Acórdão e vistos os vícios de que padece a peça processual apresentada, não se conhece do recurso interposto”.</font>
</p><p><font> Em síntese, o douto acórdão recorrido entendeu que não foram deduzidas conclusões de recurso sintéticas e consequentemente válidas. Daí não ter apreciado a apelação.</font>
</p><p><font> Discordando deste entendimento, o recorrente defende, em resumo, que as conclusões apresentadas satisfazem minimamente a sua finalidade, ou seja, dar a conhecer de forma sintética (ainda que complexa quando as questões também o sejam) as razões jurídicas que estão na base da interposição do recurso e quais as questões que pretende ver reapreciadas. Por isso, sustenta que a apreciação do recurso não poderia deixar de ser efectuada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Vejamos:</font>
</p><p><font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JjKku4YBgYBz1XKvcSbd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
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<tbody><tr><td><img></td><td><img></td></tr>
<tr><td><img></td><td><font><br>
</font>
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<tbody><tr><td><font> </font></td></tr>
</tbody></table>
<p><font> </font></p></td></tr>
</tbody></table>
<font> </font><b><font> Revista nº 96/1999.G1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a><div><br>
<p><font> </font></p></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I – RELATÓRIO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AA, </font></b><font>residente no lugar da ..., intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB e mulher CC, residentes no mesmo lugar, “</font><b><font>Caixa Geral de Depósitos, S.A</font></b><font>.”, com sede na Av. João XXI, 63, Lisboa, e “</font><b><font>Caixa Económica Montepio Geral</font></b><font>”, com sede na Rua do Ouro, nº 219 a 241, Lisboa, pedindo a condenação:</font>
</p><p><font>a) Dos 1.ºs réus a pagarem à autora a quantia de 6.974.630$00, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data em que os réus estão na posse das parcelas dos valores que perfazem esta importância;</font>
</p><p><font>b) Dos 1.º réus a pagarem à autora os valores que vierem a apurar-se, em conformidade com o alegado nos art.ºs 43.º a 52.º da petição inicial, cuja liquidação se relega para execução de sentença, acrescida de juros vencidos e vincendos;</font>
</p><p><font>c) Das 2.ª e 3.ª rés a, solidariamente, pagarem à autora a quantia de 6.810.579$00, acrescida dos respectivos juros vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde a data em que tais importâncias foram pagas ao 1.º réu.</font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que exerce a actividade industrial de fabrico de componentes para calçado, tendo contratado com o 1º réu os respectivos serviços de contabilista, no exercício dos quais o 1.º réu recebia da autora as importâncias necessárias ao pagamento das correspondentes contribuições e impostos.</font>
</p><p><font>A relação entre a autora e o 1º réu durou desde o 3.º trimestre de 1994 até 1998/12/31 mediante contraprestação mensal de 10.000$00. Durante este período de tempo, o 1.º réu solicitou regularmente à autora os montantes devidos à Segurança Social e aos SIVA, por si calculados, a fim de proceder à sua entrega no Centro Regional de Segurança Social e nos SIVA, respectivamente. Apesar de a autora lhe entregar tais montantes, o 1.º réu apropriava-se de parte dos mesmos, procedendo à entrega de apenas uma parte aos serviços públicos a que se destinavam.</font>
</p><p><font>Nesse período, a autora entregou ao 1.º réu, em cheques e dinheiro, para este entregar no Centro Regional de Segurança Social, a quantia de 2.125.603$00, mas ele apenas entregou o valor de 667.973$00, apropriando-se de 1.457.630$00. Do mesmo modo, entregou-lhe, em cheques, a quantia de 6.810.597$00, e deste valor, o 1.º réu apenas entregou aos SIVA o montante de 1.293.597$00, apropriando-se de 5.517.000$00.</font>
</p><p><font>Relativamente a estes cheques, o 1.º réu, na sua posse, apagava a designação “Direcção-Geral do Tesouro” aposta no lugar destinado ao beneficiário e aí colocava o seu próprio nome. Após esta operação, o 1.º réu dirigia-se ao balcão do “Montepio Geral”, agência de Felgueiras, e aí depositava na sua conta bancária os ditos cheques recebidos da autora Os Bancos, ora 2.º e 3.º réus, apesar da falsificação, procederam ao pagamento das referidas quantias directamente ao 1.º réu, não cuidando de apurarem das razões daquela falsificação, tanto mais que muitos dos cheques estavam cruzados.</font>
</p><p><font>Regularmente citados, todos os réus contestaram.</font>
</p><p><font>Os 1.ºs excepcionaram a ilegitimidade passiva da ré mulher, e impugnaram o alegado na petição, nomeadamente reconhecem estar em dívida à Segurança Social não a quantia indicada na petição mas a de 1.384.509$60, e, quanto ao IVA, não ter a autora sofrido qualquer prejuízo pois as verbas em dívida pertencem ao Estado que ainda as não reclamou.</font>
</p><p><font>A 2.ª ré, “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, impugnou a matéria da petição e invocou nunca ter tido acesso à maior parte dos cheques em questão, em virtude de os mesmos terem sido apresentados a pagamento nos balcões da 3.ª ré, não lhe tendo sido enviados para conferência de acordo com as regras vigentes para o sistema de compensação implementado pelo Banco de Portugal. </font>
</p><p><font>Assim, não lhe era possível detectar a alegada falsificação, mas também a forma sumaríssima de preenchimento dos cheques pela autora facilitou a tarefa do falsificador, e concluiu pedindo a improcedência da acção quanto a si.</font>
</p><p><font>- A 3.ª ré,“Caixa Económica Montepio Geral”, impugnou a matéria da petição inicial, alegando ter actuado sempre de boa-fé, desconhecendo os pactos existentes entre a sacadora e o endossado, o que foi combinado quanto ao preenchimento e destino dos cheques, bem como a falsificação dos cheques em causa.</font>
</p><p><font>A autora replicou, pugnando pela improcedência das excepções e referindo ter recebido dos SIVA os avisos para proceder, em relação aos 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 1998, ao pagamento da quantia de 1.240.030$00, acrescida de juros referentes a esse mesmo período, no total de 75.928$00.</font>
</p><p><font>No despacho saneador julgou-se procedente a excepção de ilegitimidade suscitada pelos 1.ºs réus, e, consequentemente, foi absolvida a 1.ª ré mulher da instância. Procedeu-se à condensação dos autos, sem reclamações.</font>
</p><p><font>A autora requereu a intervenção principal da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, desta vez na figura de credora titular de hipoteca sobre o prédio urbano pertencente aos 1.ºs réus objecto de providência cautelar de arresto promovida pela impetrante no apenso A, penhorado no processo executivo n.º 84/01, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras. Tal intervenção foi admitida (fls. 181 a 183 e 215/216).</font>
</p><p><font>A chamada agravou desta decisão, recurso admitido com subida diferida.</font>
</p><p><font>Posteriormente, por via do falecimento do 1.º réu marido, foram habilitados como seus herdeiros, para com eles prosseguir a acção, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL e MM.</font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, sem reclamação, a sentença que se seguiu julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, decidiu:</font>
</p><p><font>A) Condenar solidariamente a herança aberta por óbito do 1.º R., BB, representada pelos seus herdeiros, a 2.ª R. “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” e a 3.ª R. “Caixa Económica Montepio Geral”, a pagarem à autora a quantia de 18.659,34 €, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, contados desde a data da entrega de cada uma parcelas que compõem o referido montante, sobre o correspondente valor, até efectivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>B) Condenar solidariamente a referida herança, e a 2.ª R. “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, a pagarem à autora a quantia de 5.754,36 €, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, contados desde a data da entrega de cada uma parcelas que compõem o referido montante, sobre o correspondente valor, até efectivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>C) Condenar a mesma herança a pagar à autora, a quantia de 10.375,61 €, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, contados desde a data da entrega de cada uma parcelas que compõem o referido montante, sobre o correspondente valor, até efectivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>D) Absolver todos os réus, da restante parte do pedido.</font>
</p><p><font>Inconformadas, recorreram as rés CGD e CEMG. O Tribunal da Relação de Guimarães, por unanimidade, deliberou, no acórdão de 28/06/11, a improcedência dos recursos e manteve a decisão recorrida (fls. 813 a 842).</font>
</p><p><font>Mantendo-se irresignadas, recorrem para este Supremo Tribunal de Justiça.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nas alegações que apresentam formulam as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><u><font>Caixa Geral de Depósitos, S.A</font></u>
</p><p><font>1) A responsabilidade contratual da recorrente baseia-se em culpa presumida, uma vez que embora alguns dos cheques indevidamente pagos ao falecido BB apresentassem rasuras, não consta, todavia, dos factos provados, a dimensão e visibilidade dessas mesmas rasuras, designadamente a sua possibilidade de detecção por um funcionário bancário, medianamente diligente, apto e experiente, sobretudo em relação aos cheques cuja cópia foi enviada à CGD pelo Montepio, porque, quanto aos demais - cheques de valor inferior a 200.000$00 - a CGD nem acesso teve aos mesmos </font>
</p><p><font>2) A viciação dos cheques ocorreu numa fase que antecedeu a entrega dos mesmos ao beneficiário, num momento em que os mesmos estavam ainda na esfera de disponibilidade da sacadora, responsável pela sua guarda, até que se concretizasse aquela entrega ao SIVA. </font>
</p><p><font>3) Incumbia à autora, enquanto cliente do banco e titular dos cheques, a guarda cuidadosa dos mesmos até à sua entrega ao destinatário e o seu preenchimento correcto. </font>
</p><p><font>4) Para além da obrigação de entrega dos cheques, no SIVA, a autora incumbiu o mesmo contabilista da guarda e conservação dos mesmos cheques, evitando a sua adulteração, obrigações que este manifestamente não cumpriu e sendo que foi na incumbência dessa tarefa (e não por ter furtado os cheques, por exemplo) que tais actos foram praticados. </font>
</p><p><font>5) Por isso, a autora responde, independentemente de culpa, por acto desse terceiro e como se estivesse em causa acto culposo dela mesma que, como tal, implica a exclusão da obrigação de indemnizar a cargo dos bancos RR </font>
</p><p><font>Sem prescindir: </font>
</p><p><font>6) Embora se apropriasse dos cheques em causa destinados a pagar IVA, o falecido BB substituía o pagamento das verbas neles contidas por outras de menor valor que entregou no SIVA, num total de 1.293.597$000 (6.452,43 €). </font>
</p><p><font>7) O valor global dos cheques ora em causa é de 4.894.508$00 (24.413,70 €), inferior ao valor total de 5.517.000$00 referido no facto provado 19 e que necessariamente englobará outros cheques ou outros meios de pagamento que aqui não estão em causa. </font>
</p><p><font>8) Assim só em incidente de liquidação de sentença em que se demonstre qual o montante - daquela verba global de1.293.597$000 (6.452,43 €) - que o BB entregou, no SIVA em "substituição" de cada um dos cheques de cujo montante se apropriou é que se poderá fixar o valor dos danos suportados pela autora. </font>
</p><p><font>9) Circunstância que, por arrastamento, implicará que não sejam devidos juros de mora (art 805, nº 3 do C Civil) </font>
</p><p><font>10) Decidindo de outro forma, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts 800, nº 1, 570, nºs 1 e 2, 571, 562 e 563 C Civil e 661, nº 2 do C P civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><u><font>Caixa Económica Montepio Geral</font></u>
</p><p><font>I - Em 1994 e 1995 a A. foi avisada de que o 1º R. seu contabilista, tinha comportamentos irregulares desonestos. </font>
</p><p><font>II - A A. teve esse conhecimento através de um seu familiar. </font>
</p><p><font>III - A A. apesar de avisada não tomou, atempadamente, qualquer medida com vista ao controle da actividade do seu contabilista, que esteve na origem dos factos danosos de que tratam os presentes. </font>
</p><p><font>IV - A conduta permissiva da A. tem juridicamente peso em termos de repartição de culpas. </font>
</p><p><font>V - Existe culpa da A. lesada nos efeitos da conduta do seu contabilista infiel, ao escolher, ao confiar no mesmo sabendo que ele não usava de correcção. </font>
</p><p><font>VI - Por força do disposto nos artigos 570º, nº 1; 571º e 572º, todos do Código deve ser reduzido o valor a pagar pela recorrente. </font>
</p><p><font>VII - Na sentença recorrida foi feita uma errada interpretação e aplicação dos mencionados preceitos, que deviam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de que, por também haver culpa da A. lesada, deve ser reduzido o valor a pagar pela ora recorrente.</font>
</p><p><font>VIII - Deve ser revogada, parcialmente, a sentença recorrida, em consequência, reduzido o valor a pagar pela CEMG, dado haver culpa da A. lesada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A recorrida contra-alegou argumentando que as alegações e conclusões das recorrentes em nada são inovadoras em relação às que apresentaram na apelação, sobre as quais já obtiveram o acórdão recorrido, e pugnando pela manutenção do decidido. </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> – por diante CPC.</font>
<p><font>São as seguintes as questões suscitadas que importa apreciar e decidir: </font>
</p><p><font>a) Se existe culpa da autora ou ela responde, independentemente de culpa, por acto de terceiro;</font>
</p><p><font>b) Se deve ser excluída a obrigação de indemnizar a cargo dos bancos ou reduzido o seu valor a pagar;</font>
</p><p><font>c) Se só em incidente de liquidação de sentença é que se poderá fixar o valor dos danos suportados pela autora;</font>
</p><p><font>d) Se não são devidos juros de mora.</font></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>A matéria de facto que vem provada é a seguinte: </font>
</p><p><font>1) O 1.º R. marido é o proprietário e gerente de um gabinete de contabilidade, sito no ...(MFA).</font>
</p><p><font>2) No exercício da sua actividade, o 1.º R. presta serviços de contabilidade fiscal e de Segurança Social a sociedades e a firmas em nome individual (MFA).</font>
</p><p><font>3) A A. exerce, em nome individual, a actividade industrial de componentes para calçado, num estabelecimento sediado no referido ... (BI).</font>
</p><p><font>4) O 1.º R. convence os seus clientes que, face aos elementos nas suas empresas, organiza, estuda e elabora a planificação dos circuitos contabilísticos para a obtenção dos elementos mais adequados ao cumprimento da legislação comercial e fiscal (BI).</font>
</p><p><font>5) …Procede à escrituração dos registos e livros de contabilidade, elabora informações contabilísticas a fornecer aos serviços públicos, preenchendo os correspondentes impressos, de conformidade com aquela escrituração, para os serviços do IVA, IRS e da Segurança Social, calcula os impostos ou contribuições devidos a estes referidos serviços (BI).</font>
</p><p><font>6) …Solicita aos seus clientes as importâncias calculadas para proceder ao pagamento das mesmas nos correspondentes serviços (BI).</font>
</p><p><font>7) A A., que nada sabia, nem sabe, de contabilidade, e sempre se convenceu que o R. era um bom contabilista e honesto, entregou-lhe a sua contabilidade (BI).</font>
</p><p><font>8) Desde o 3.º trimestre do ano de 1994 até 1998/12/31, o 1.º R. prestou serviços de contabilidade fiscal e de Segurança Social à A., mediante a contraprestação mensal de Esc. 10.000$00 (BI).</font>
</p><p><font>9) Durante este período de tempo, o R. solicitou mensalmente à A., em razão dos seus trabalhadores, os montantes devidos à Segurança Social, para efeitos de proceder à sua entrega no Centro Regional de Segurança Social (BI).</font>
</p><p><font>10) A A. sempre se convenceu que o R. procedia à entrega dos referidos montantes no Centro Regional de Segurança Social e por isso entregava-lhe os montantes por ele solicitados para esse fim (BI).</font>
</p><p><font>11) A A., durante todo o período referido em 9), entregou ao 1.º R., para este entregar no Centro Regional de Segurança Social, várias parcelas de valores, em cheques e em dinheiro, que perfazem a quantia global de Esc. 2.125.603$00, do qual o 1.º R. apenas entregou no referido Centro a quantia de Esc. 667.973$00, não entregando a quantia de Esc. 1.457.630$00, montante este que a A. deve e terá que pagar à Segurança Social, só se tendo inteirado desta situação em finais de 1998 (BI).</font>
</p><p><font>12) O 1.º R. solicitou à A. trimestralmente os montantes devidos ao IVA correspondentes ao 4.º trimestre de 1994 até ao 3.º trimestre de 1998, ambos inclusive (BI).</font>
</p><p><font>13) O 1.º R. preenchia os respectivos impressos e neles calculava o imposto devido ao Estado, relativamente ao IVA, após o que levava estes impressos à A. para que a mesma os assinasse e emitisse o cheque correspondente ao IVA calculado para cada trimestre (BI).</font>
</p><p><font>14) Para melhor tranquilidade da A. e de acordo com os avisos do SIVA, o 1.º R. solicitava-lhe que os cheques fossem emitidos em nome da Direcção-Geral do Tesouro (BI).</font>
</p><p><font>15) A A. assinava as declarações que lhe eram apresentadas pelo 1.º R. e, de conformidade com o valor do imposto calculado pelo 1.º R., emitia a favor da Direcção-Geral do Tesouro, no preciso valor indicado, os correspondentes cheques, que assinava, após o que os entregava ao 1.º R., para serem enviados ao SIVA (BI).</font>
</p><p><font>16) A A. entregou ao 1.º R. para o efeito cheques no montante global de Esc. 6.810.597$00, sacados sobre a “Caixa Geral de Depósitos”, agência de Felgueiras, entre os quais os enumerados na relação constante do documento n.º 15 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido (BI).</font>
</p><p><font>17) O 1.º R., uma vez na posse destes cheques, apagou a designação “Direcção-Geral do Tesouro” ou “D.G.T.” aposta nos cheques elencados na relação constante do documento n.º 15 sob os n.ºs 4, 5, 6, 7, 9, 10, 12, 13, 14, 15 e 16 e sobre a correspondente linha colocou o seu próprio nome, após o que procedeu ao depósito dos cheques aludidos em 7, 9, 10, 12, 13, 14, 15 e 16 do mesmo documento na sua conta bancária no balcão do “Montepio Geral” (BI).</font>
</p><p><font>18) Os banqueiros 2.º e 3.º RR. procederam ao pagamento da quantia de Esc. 3.740.862$00 directamente ao 1.º R. – referente aos cheques aludidos em 7, 9, 10, 12, 13, 14, 15 e 16 da relação constante do documento n.º 15 -, tendo a 2.ª R. e o “B.C.P.” pago directamente ainda ao 1.º R. a quantia de Esc. 1.153.646$00 – referente aos cheques aludidos em 4, 5 e 6 da relação constante do dito documento n.º 15 -, não apurando das razões da adulteração de tais cheques</font><b><u><font> </font></u></b><font>(BI).</font>
</p><p><font>19) O 1.º R., por conta das participações que fizera ao SIVA, sem o conhecimento da A., apenas pagou à Direcção-Geral do Tesouro a quantia global de Esc. 1.293.597$00, guardando para si a quantia de Esc. 5.517.000$00 (BI).</font>
</p><p><font>20) Os cheques recebidos da A. pelo 1.º R. marido foram apresentados a pagamento no balcão do “Montepio Geral”, agência de Felgueiras (MFA).</font>
</p><p><font>21) Até Dezembro de 1996, a 2.ª R. “C.G.D.” não teve acesso aos cheques de valor inferior a Esc. 200.000$00, e a partir desta data aos cheques de valor inferior a Esc. 500.000$00 e à sua forma de preenchimento (BI).</font>
</p><p><font>22) Os cheques que chegaram à “C.G.D.”, vindos da compensação, não apresentavam qualquer rasura quanto aos elementos respeitantes aos valores, data e assinatura do emitente, embora alguns deles evidenciassem uma rasura (em outros elementos) (BI).</font>
</p><p><font>23) O 1.º R. BB era uma pessoa conhecida dos funcionários da agência da “C.G.D.”, respeitado e considerado (BI).</font>
</p><p><font>24) A A. já recebeu do SIVA os avisos para proceder ao pagamento, em relação ao 1.º, 2.º e 3.º trimestres do ano de 1998, da quantia de Esc. 1.240.030$00, tendo ainda de pagar relativamente a este mesmo período, de juros, a quantia de Esc. 75.298$00 (BI).</font>
</p><p><font>25) Teor do acórdão proferido no processo comum colectivo n.º 280/00.1TBFLG, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, junto por certidão a fls. 583 a 601, que aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc.).</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font> </font>
<p><b><font> DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>A) </font><u><font>Se existe culpa da autora ou ela responde, independentemente de culpa, por acto de terceiro</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em apreciação e interpretação da prova produzida a Relação decidiu, de forma soberana, pois como é jurisprudência corrente a determinação da culpa é matéria de facto</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, que a autora não contribuiu culposamente para a emissão e pagamento dos cheques em causa.</font>
</p><p><font>Porém, como as recorrentes suscitam tal avaliação de culpa por reporte à interpretação de algumas normas do Código Civil, arts. 800º, nº 1 e 571º, cabe dentro da esfera de competência deste Tribunal a respectiva sindicância.</font>
</p><p><font>Sendo assim, perante a matéria de facto apurada pelas instâncias, para melhor compreensão, delineemos os traços fundamentais do litígio que opõe as partes:</font>
</p><p><font>- A autora/recorrida exerce, em nome individual, a actividade industrial de fabrico de componentes para calçado, enquanto o 1º réu BB, entretanto falecido, era proprietário e gerente de um gabinete de contabilidade; </font>
</p><p><font>- Desde o 3º trimestre de 1994 até 31/12/1998, este réu prestou serviços de contabilidade fiscal e de Segurança Social à autora mediante o pagamento de uma contraprestação mensal de 10.000$00;</font>
</p><p><font>- No âmbito desses serviços, o réu encarregou-se de proceder à escrituração dos registos e livros de contabilidade da sociedade da autora, elaborar informações contabilísticas a fornecer aos serviços públicos, preencher os correspondentes impressos de conformidade com aquela escrituração para os serviços do IVA (SIVA), IRS e Segurança Social, calcular os impostos ou contribuições devidas aos referidos serviços, e recebia da autora as importâncias calculadas para proceder ao pagamento das mesmas nos correspondentes serviços; </font>
</p><p><font>- A autora, durante aquele referido período, entregou ao réu, para ele entregar no Centro Regional de Segurança Social, relativamente aos seus trabalhadores, vários cheques nos montantes devidos, assinava as declarações que lhe eram apresentadas pelo réu de conformidade com o valor do imposto por ele calculado, e emitiu a favor da Direcção-Geral do Tesouro, no preciso valor indicado, os correspondentes cheques, que assinava, após o que lhos entregava para serem enviados aos SIVA;</font>
</p><p><font>- O réu BB, uma vez na posse desses cheques, sacados sobre a CGD, apagou a designação do beneficiário “Direcção-Geral do Tesouro” ou “D.G.T.” e sobre a correspondente linha colocou o seu próprio nome, após o que procedeu ao depósito dos cheques na sua conta bancária no balcão do “Montepio Geral”, agência de Felgueiras, que lhes deu pagamento, e depois a Caixa Geral de Depósitos (CGD) por via do sistema de compensação interbancária;</font>
</p><p><font>- O réu entregava ao CRSS e aos SIVA valores inferiores aos que indicava à autora.</font>
</p><p><font>Entendidas as razões da emissão dos cheques, os seus portadores, e itinerário, temos que os cheques sacados pela autora sobre a recorrente CGD denunciam haver sido entre elas celebrado um contrato de depósito bancário e estabelecido um “contrato ou convenção de cheque” tacitamente concluido com a entrega do livro de cheques à autora. </font>
</p><p><font>O depósito bancário pode caracterizar-se como “o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante”. O banco adquire a propriedade e a disponibilidade do dinheiro, e o depositante um direito de crédito sobre o banco</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Trata-se de um depósito irregular a que são aplicáveis, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo (arts. 1185º, 1205º e 1206º do Código Civil).</font>
</p><p><font>Por seu turno, e com especial relevância para a questão que nos ocupa, a convenção de cheque é um contrato de prestação de serviços, mais concretamente um contrato de mandato sem representação</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>, sinalagmático, que se caracteriza por o banco aceder a que o seu cliente, titular de um direito de crédito sobre a provisão</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>, mobilize os fundos à sua disposição, por meio da emissão de cheques, vinculando-se o banco ao respectivo pagamento (cfr. art. 3º da Lei Uniforme Sobre Cheques – LUCH)</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Desta convenção de cheque deriva para os seus celebrantes uma multiplicidade de direitos e deveres gerais e específicos de conduta e de protecção, de entre os quais sobressaem, para o cliente, a possibilidade de emitir cheques sobre os fundos de que dispõe, sabendo que o banco os pagará, recaindo paralelamente sobre si a obrigação de verificar regularmente o estado da sua conta e de guardar cuidadosamente os cheques, pondo-os a salvo de apropriações ilegítimas e a coberto de falsificações, e de dar imediatamente notícia de uma eventual perda. Traduz-se tal obrigação no cumprimento de um dever de diligência, de uma prestação de facto, que, em princípio, deve ser pontualmente satisfeita pelo próprio devedor.</font>
</p><p><font>Para o banco, distingue-se como seu dever principal o dever de pagamento, e como deveres laterais o de rescindir o contrato de cheque em caso de utilização indevida, de observar a revogação do cheque, de esclarecer terceiros que reclamem informações sobre essa revogação, de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados, de não pagar em dinheiro o cheque para levar em conta, de informar o cliente/sacador sobre o destino e tratamento do cheque, especialmente sobre a pessoa do apresentador</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>No que concerne ao que aqui nos importa, e como se acaba de referir, sobre o banco recai o dever de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados para pagamento, o que "pode ser decisivo na determinação do suporte do risco de falsificações e de apresentação por um não titular", bem como o de informar o cliente sobre o destino do cheque.</font>
</p><p><font>Se, por se entender estar-se perante um </font><i><font>negócio de massas</font></i><font>, na determinação do conteúdo deste dever de fiscalização as exigências não podem ser exageradas, todavia, como considera Sofia Galvão, a págs. 67/68 da obra que vimos citando, “</font><i><font>em qualquer caso, o Cliente nunca pode ser prejudicado por um abrandamento do cumprimento das obrigações do Banco que seja, meramente, ditado por objectivos de redução de custos ou de celeridade de trânsito.</font></i>
</p><p><i><font>Assim, de um modo geral, o Banco cumpre o seu dever de fiscalização quando se convence, de um modo que corresponde às exigências do trânsito em massa, que o cheque, pela sua aparência global exterior, dá impressão de ser verdadeiro.</font></i>
</p><p><i><font>Expressão decisiva deste dever é um outro dever essencial. O de verificação da assinatura.</font></i>
</p><p><i><font>Este é verdadeiramente absoluto. O Banco só se liberta da responsabilidade se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente tal dever, não podia ter dado pela falsificação</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Este princípio geral, contudo, não exclui que o cliente/sacador não deva ser responsabilizado, nomeadamente se não acautelou a vigilância dos cheques, se não adoptou um “</font><i><font>cuidado razoável no saque dos cheques</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font> e com um preenchimento pouco precautório dos mesmos deu origem à sua falsificação, ou se conhecia a falsificação e não informou o banco.</font>
</p><p><font>Trata-se de situações de que o cliente tem um particular domínio, e nessa medida deve ser responsabilizado.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>Alinhados estes princípios, consideremos, então, as censuras apontadas ao acórdão recorrido. </font>
<p><font>Recorda-se que as instâncias concluíram por culpa das rés recorrentes no pagamento dos cheques mencionados, por violação do seu dever de fiscalização associado à convenção de cheque, de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados. Responsabilidade que elas pretendem excluir ou esbater com a culpa da autora.</font>
</p><p><font>Assim, começando pela recorrente/ré CGD, sustenta a mesma que a autora deve responder, independentemente de culpa, por acto do réu BB, e como se estivesse em causa acto culposo dela autora, o que implica a exclusão da obrigação de indemnizar a cargo dos bancos réus.</font>
</p><p><font>Isto, porquanto a viciação dos cheques ocorreu numa fase que antecedeu a sua entrega ao beneficiário, num momento em que os mesmos estavam ainda na esfera de disponibilidade da sacadora/autora, responsável pela sua guarda, até que se concretizasse aquela entrega aos SIVA. </font>
</p><p><font>Para tanto, invoca que a autora incumbiu o 1º réu BB, seu contabilista, da guarda e conservação dos mesmos cheques, evitando a sua adulteração</font><b><font>,</font></b><font> obrigações que este manifestamente não cumpriu e sendo que foi na incumbência dessa tarefa que tais actos foram praticados. Se, para cumprir tal obrigação - guarda e protecção dos cheques e entrega dos mesmos ao beneficiário - a autora se socorreu de um colaborador desonesto que procedeu á falsificação</font><b><font>,</font></b><font> responderá pela actuação deste, ao invés de, lavando daí as mãos imputar a responsabilidade a terceiros.</font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>É um facto que este Supremo Tribunal, no caso de pagamento de cheque falsificado, vem decidindo que o banco só se liberta da responsabilidade provando que não teve culpa e que o pagamento foi devido a comportamento culposo do depositante, sendo necessário que a culpa do depositante se sobreponha ou anule a responsabilidade do banco</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>, e é nesta linha de entendimento que a recorrente se acolhe.</font>
</p><p><font>No acórdão recorrido desatendeu-se tal invocação argumentando-se que: “</font><i><font>não foi na execução do serviço cometido ao 1º réu, que este praticou qualquer acto que lesou terceiro ou a autora. O serviço que lhe foi cometido foi o de entregar os cheques aos respectivos beneficiários, neles indicados. Pelo facto dele não ter cumprido essa incumbência, responde a autora perante os beneficiários dos cheques, in casu, perante as Finanças e a Segurança Social, pagando a dívida, as eventuais coimas e juros de mora. Por qualquer acto por ele praticado na execução das tarefas cometidas, poderia a autora responder, mas não pelos actos dolosos que não foram praticados no exercício das funções cometidas. </font></i>
</p><p><i><font>A falsificação dos cheques e sua apropriação pelo 1º réu não cabem na tarefa de que a autora o encarregou, nem sequer lateralmente. Seria o mesmo que responsabilizar a autora por um assalto ao Banco, perpetrado pelo 1º réu quando, eventualmente, aí fosse tratar de assuntos do interesse desta. </font></i>
</p><p><font>(...) </font><i><font>A “ocasião” foi gerada pela autora, mas é da inteira responsabilidade do 1º réu, que dolosamente falsificou os cheques (como poderia ter assaltado o Banco) e é também da responsabilidade do Banco que não curou de analisar os cheques, sendo certo que se o tivesse feito poderia ter-se apercebido das rasuras, letras emendadas e diferentes das outras (escrita descontínua) e alterações na textura do papel, aliás palpáveis e por nós constatadas em sede da reapreciaçã | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JjKtu4YBgYBz1XKvei15 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- AA, residente na Rua P... H... de M..., Porto, propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>BB- I...B... Imobiliária, Ldª</font></b><font>, com sede na Rua C... L..., ..., ...º ...º, Braga</font><i><font> pedindo</font></i><font> que a R. seja condenada pagar-lhe a quantia de € 124.699,47, a título de indemnização pelo incumprimento do contrato promessa em causa nos autos ou, caso assim se não entenda, deverá o mesmo contrato ser declarado anulado, condenando-se a R. a restituir-lhe a quantia de € 24.939,89, que este lhe entregou, acrescida de capitalização. </font><br>
<font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que em 7/05/98, celebrou com a R., por escrito, um contrato promessa, nos termos do qual esta última prometeu vender ao A. o prédio urbano identificado no artigo 1º da petição inicial, pelo preço de € 99.759,58, dos quais já foram pagos € 24.939,89, como sinal e principio de pagamento, devendo o restante ser pago no acto de celebração da escritura. Após ter passado a residir na aludida habitação, constatou que na mesma se verificava a existência de humidades e de infiltrações de águas das quais, de imediato deu conhecimento à A., que as reconheceu, sendo que, a reparação de todos os defeitos de construção que essa habitação apresentava orçava em € 22.445,91. A R., perante a existência de tais defeitos, limitou-se a fazer obras pontuais sem, contudo, efectuar as que se revelava, necessárias à erradicação de todos esses defeitos.</font><br>
<font> Existe incumprimento do contrato por parte da R. e caso assim se não entenda, ocorre uma situação de venda de coisa defeituosa, podendo o A. arguir, atendendo que o negócio não foi cumprido, a anulação do negócio a todo o tempo</font><br>
<font> A R. contestou e após impugnar os factos invocados pelo A., alegou não ter entregado a chave da habitação a este último a fim de que ele para aí ir habitar, mas tão somente, por este lha ter solicitado com a exclusiva finalidade de mostrar o apartamento a pessoas amigas. Assim, desde a primeira hora que o A. ficou ciente que faculdade concedida foi transitória e sem qualquer cariz de permanência. A invocação dos defeitos não é mais que um pretexto para o A. deixar de celebrar o contrato prometido. O A. tem uma mera detenção do prédio em causa, não tendo existido qualquer incumprimento do contrato celebrado. O A. ocupa abusivamente a fracção.</font><br>
<font> Termina </font><i><font>pedindo </font></i><font>a improcedência da acção. </font><br>
<font> </font><br>
<font> O A. ofereceu réplica e a R. tréplica, onde reafirmaram as posições anteriores.</font><br>
<font> </font><br>
<font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu a essa base e se proferiu a sentença.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, declarou-se resolvido o contrato de compra promessa de compra e venda em causa nos presentes autos celebrado a 7/05/98 e condenou-se a R., BB-I... B... Imobiliária Ldª, a restituir ao A., AA, o montante de € 24.939,89, que por este lhe foi entregue a título de sinal e início do pagamento do preço devido pelo aludido imóvel, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães tendo-se aí, por acórdão de 27-10-2009, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 1-2 Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª- Atenta a matéria dada como provada pelo Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> jamais a decisão proferida poderia ter ido no sentido de julgar parcialmente procedente, o pedido aduzido pelo Autor.</font><br>
<font> 2ª- A conclusão de direito a que chegou o Tribunal recorrido com a aplicação do disposto nos artigos 437°, 252° nº 2 e 913° e ss. do Código Civil, não pode proceder. </font><br>
<font> 3ª- No caso de venda de coisa defeituosa, são concedidos ao comprador, em princípio, os seguintes direitos: anulação do contrato; redução do preço; indemnização do interesse contratual negativo; e reparação da coisa ou a sua substituição.</font><br>
<font> 4ª- Como são diferentes os pressupostos dos referidos direitos, a pretensão que o comprador deve adoptar resolve-se por interpretação - integração do negócio jurídico concreto: se as qualidades da coisa fizerem parte integrante do conteúdo negocial, o problema é de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato; de contrário, o problema só pode ser de erro. </font><br>
<font> 5ª- Impende sobre o comprador o ónus da prova dos termos precisos e concretos em que o contrato foi celebrado, designadamente de ter o vendedor asseverado as qualidades da coisa e ter-se responsabilizado por elas.</font><br>
<font> 6ª- A douta decisão concluiu pela resolução do contrato, porque o bem objecto de venda não apresenta as qualidades enunciadas pelo vendedor.</font><br>
<font> 7ª - O DL 67/2003 de 08/04 transpôs para a Ordem Jurídica Interna a Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores (art. 1° do citado Decreto-Lei).</font><br>
<font> 8ª- Decorre do regime estabelecido no referido diploma que o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda (art. 2°/1 do citado diploma).</font><br>
<font> 9ª- Determina o art. 2°/2 do referido diploma, que presume-se: “que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar, algum dos seguintes factos: não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo”.</font><br>
<font> 10ª- Decorre, ainda, do regime previsto no art. 3°/2 do mesmo diploma que “As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade”.</font><br>
<font> 11ª- Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato, independentemente de culpa do vendedor no cumprimento inexacto da obrigação de entregar o bem devido, conforme ao contrato - art. 4º/1 do citado diploma ( Calvão da Silva “Venda de Bens de Consumo”, pág. 80, Almedina, 3ª edição). </font><br>
<font> 12ª- A citada lei visa regular as relações entre consumidor e fornecedor, consideram-se como consumidor” todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.” (ob. cit., pág. 54).</font><br>
<font> 13ª- Porque dos factos provados não resulta o fim a que se destina a aquisição, sempre seria de considerar, atenta a matéria de facto apurada, que não assiste ao Autor o direito de resolução do contrato, sem que previamente se esgote a via da reparação ou substituição do bem objecto de venda.</font><br>
<font> 14ª- Verificando-se existir a aludida desconformidade entre o bem objecto de venda e o bem que o consumidor se propõe adquirir, o consumidor pode exercer qualquer dos direitos enunciados, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais (art. 4°/5 do mesmo diploma).</font><br>
<font> 15ª- Como refere Calvão da Silva (ob. citada, pág. 82), a Directiva subordina o exercício dos direitos pelo consumidor a um conjunto de requisitos objectivos que cumpre considerar para efeito de interpretar (a norma portuguesa), conforme a Directiva.</font><br>
<font> 16ª- Refere o Ilustre Professor: “Assim, e à cabeça, salta à vista na Directiva a seguinte hierarquia: primus, a reparação ou substituição do bem; secundus, redução do preço ou resolução do contrato. </font><br>
<font> 17ª- É o que resulta da conjugação do nº 3 — “Em primeiro lugar, o consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso seja impossível ou desproporcionado” - com o n° 5: “O consumidor pode exigir uma redução adequada do preço, ou a resolução do contrato:</font><br>
<font> - se o consumidor não tiver direito a reparação nem a substituição, ou </font><br>
<font> - e o vendedor não tiver encontrado uma solução num prazo razoável, ou </font><br>
<font> - se o vendedor não tiver encontrado uma solução sem grave inconveniente para o consumidor. </font><br>
<font> 18ª- A regra e proeminência da parelha” Reparação/ substituição “sobre o par” redução/resolução” surge confirmada no considerando nº 10: “em caso de não conformidade do bem com o contrato, os consumidores devem ter o direito de obter que os bens sejam tornados conformes com ele sem encargos, podendo escolher entre a reparação ou a substituição, ou, se isso não for possível, a redução do preço ou a resolução do contrato. </font><br>
<font> 19ª- Quer dizer: o consumidor tem o poder-dever de seguir primeiramente e preferencialmente a via da reposição da conformidade devida (pela reparação ou substituição da coisa) sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato “(ob. citada, pág. 82-83). </font><br>
<font> 20ª- No que respeita ao exercício do direito à resolução do contrato no seu estudo, o Professor Calvão da Silva, salienta dois aspectos:</font><br>
<font> 21ª - O consumidor não tem direito à resolução do contrato se a falta de conformidade for insignificante - art. 3º/5 da Directiva;</font><br>
<font> 22ª- No reembolso ao consumidor do preço por força da resolução potestativa do contrato ou da </font><i><font>actio quanti minoris</font></i><font>, a eventual utilização do produto pelo consumidor pode justificar uma redução do valor a restituir (art. 432°/2 CC).</font><br>
<font> 23ª- São estas considerações que permitem no caso concreto avaliar da boa-fé do consumidor, na escolha das suas pretensões. </font><br>
<font> 24ª- Assim, ao abrigo do regime do DL 67/2003 de 08/04, não assiste ao Autor o direito à resolução do contrato.</font><br>
<font> 25ª- Desta forma, cumpre apreciar do direito do Autor, à luz do regime previsto no Código Civil para a venda de coisa defeituosa.</font><br>
<font> 26ª- No domínio do contrato de compra e venda como se refere no Ac. STJ 23.04.98 BMJ 476, 389:” Três princípios informam todo o cumprimento da obrigação:</font><br>
<font> - a prestação tem de ser pontualmente cumprida - art. 406° e 762° CC;</font><br>
<font> - agindo de boa-fé, evitando prejuízos ao credor - art. 762° CC; e</font><br>
<font> - em princípio integralmente - art. 763° CC. </font><br>
<font> - Quando a quantidade da prestação não é devida, pode o credor recusá-la - art. 763° CC. </font><br>
<font> 27ª- De igual modo se passará quanto à qualidade, quando de forma diversa da acordada: é a aplicação do assinalado princípio de integralidade do cumprimento.</font><br>
<font> 28ª- Não querendo e não podendo recusar a prestação nem recorrer ao instituto da excepção de não cumprimento o comprador como meio de tutela do seu direito tinha:</font><br>
<font> - o direito à anulação do contrato de compra e venda por erro ou dolo (art. 905° e 913° CC);</font><br>
<font> - o direito à redução do preço -art. 911° e 913° CC;</font><br>
<font> - o direito à indemnização - art. 908°, 909°, 913°, 915° CC;</font><br>
<font> - o direito à reparação ou à substituição da coisa se ela for fungível - art. 914º CC. </font><br>
<font> 29ª- O direito à reparação ou substituição pressupõe por um lado que a coisa padeça de um vício e por outro, que o vendedor conheça o defeito ou o desconheça com culpa.</font><br>
<font> 30ª- O vício a considerar para este efeito, conforme resulta do art. 913° CC:</font><br>
<font> - vício que desvalorize a coisa;</font><br>
<font> - vício que impeça a realização do fim a que é destinada;</font><br>
<font> - falta das qualidades asseguradas pelo vendedor;</font><br>
<font> - falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.</font><br>
<font> 31ª- O nº 2 do referido preceito manda atender para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria. </font><br>
<font> 32ª- Assim, não se verificando estes vícios a anulação do contrato não é possível, nem o comprador pode beneficiar do regime previsto para a venda de coisa defeituosa - art. 913° e segs.. </font><br>
<font> 33ª- Como referem Pires de Lima e Antunes Varela: os pressupostos fundamentais do regime especial consagrado nesta secção (...) assentam mais nas notas objectivas das situações por ele abrangidas do que na situação subjectiva do erro em que, nalguns casos, se encontre o comprador, ao contrário do regime da anulação do contrato, também aplicável ao caso com algumas adaptações, que repousa essencialmente na situação subjectiva do comprador. (...) Não se trata por conseguinte de garantir o estrito cumprimento dos deveres de prestação contraídos pelas partes. As soluções da lei mergulham as suas raízes mais fundas no princípio da justiça comutativa subjacente a todos os contratos onerosos, em geral, e à compra e venda em especial (Código Civil Anotado, vol. II, pag, 212).</font><br>
<font> 34ª- Não resulta do regime específico da compra e venda de coisa defeituosa, a faculdade de pedir a resolução do contrato.</font><br>
<font> 35ª- Por outro lado, não resulta dos factos apurados que o vendedor agiu com dolo ou que se verifica uma situação de erro que conceda a faculdade de anulação do contrato, convolando-se o pedido de resolução para anulação. </font><br>
<font> 36ª- De acordo com o regime geral da resolução previsto no art. 432° CC, a resolução é possível desde que fundada na lei ou em convenção das partes.</font><br>
<font> 37ª- A resolução fundada na lei prevista nos arts. 793º e 801° CC pressupõe a perda de interesse na prestação ou a impossibilidade da prestação, o que no caso presente, também não se verifica, nem resulta da matéria dada por assente.</font><br>
<font> 38ª- Assim, e na hipótese que ora nos ocupa deve a sentença recorrida ser revogada e, em sua substituição, ser proferido decisão na qual se julgue improcedente o pedido formulado pelo Autor.</font><br>
<font> 39ª- Face ao exposto, violou o Tribunal recorrido o dispositivo consagrado nos arts. 252º nº 2, 437°, 913° e ss. do Código Civil, 659°, nº 3 e 660°, nº 2 do C.P.Civil, o que, inelutavelmente importa igualmente a nulidade da sentença proferida, nos termos do disposto no art. 668°, nº 1 al. d) do mesmo diploma que igualmente se argui para todos os efeitos.</font><br>
<font> </font><br>
<font> O recorrido não contra-alegou</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se o contrato em causa pode ser anulado, como decidiram as instâncias.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> 1- Em 7/05/98, o A. e a R. celebraram o contrato promessa de compra e venda de uma habitação do tipo T2, com garagem, de um prédio em construção, sito na Avenida A... V..., freguesia de F..., em Esposende.</font><br>
<font> 2- Não foi estipulada qualquer data para a realização da escritura de compra e venda. </font><br>
<font> 3- Após a assinatura do contrato promessa referido no facto 1), a R. facultou ao A. a chave do imóvel, o qual nele passou a habitar.</font><br>
<font> 4- Em Novembro de 1998, com as primeiras chuvas, o A. constatou a existência de humidades e infiltrações.</font><br>
<font> 5- O A. deu de imediato conhecimento à R. e interpelou-a para realizar as reparações necessárias.</font><br>
<font> 6- A R. reconheceu a existência daqueles defeitos mas limitou-se a executar reparações pontuais não tendo efectuado as necessárias à erradicação dos defeitos.</font><br>
<font> 7- O A. consultou uma empresa da especialidade, com vista à definição da extensão e custos dos trabalhos necessários. </font><br>
<font> 8- O A. interpelou de novo a R., enviando-lhe a carta correspondente ao doc. de fls. 9.</font><br>
<font> 9- A fracção aludida em 1) carece das seguintes intervenções:</font><br>
<font> - Retirar as soleiras existentes e substituí-las por novas, nas janelas e portas;</font><br>
<font> - Retirar as janelas e portas de alumínio e regularizá-las para poderem receber as novas soleiras.</font><br>
<font> - Substituição dos vidros duplos nas portas, pela necessidade de as encurtar ligeiramente.</font><br>
<font> - Impermeabilização das fachadas.</font><br>
<font> - Reparação e pintura das paredes interiores nas partes afectadas.</font><br>
<font> - Despolimento do chão de madeira e aplicação de verniz no mesmo.</font><br>
<font> - Reparação ou substituição dos móveis de cozinha danificados.</font><br>
<font> - Verificação da vedação do telhado. </font><br>
<font> 10- O custo dessa intervenção ascende a valor não concretamente determinado, mas não inferior a € 20.000,00.</font><br>
<font> 11– Perante os aludidos defeitos, o imóvel não preenche os requisitos de habitabilidade normais e adequados em termos de assegurar, com a qualidade mínima exigível, o gozo a que o prédio se destina. </font><br>
<font> 12- O apartamento ainda não se encontrava completamente concluído quando foi celebrado o contrato promessa. </font><div><font> ------------- </font></div><font> 2-3- No douto acórdão recorrido, quanto à fundamentação de direito, remeteu-se integralmente para os termos da decisão de 1ª instância. Assim, considerou-se, de essencial, que os factos provados não demonstram a existência do incumprimento definitivo do contrato por banda da R.. Com efeito, não foi inicialmente estipulado qualquer prazo para a celebração do contrato, não houve recusa do cumprimento, também não houve qualquer interpelação admonitória, bem como, marcação da escritura por parte do A. no sentido de converter a mora em incumprimento definitivo. Por isso se concluiu que não se podia aplicar no caso a sanção de restituição do sinal em dobro “</font><i><font>cuja atribuição assenta ou tem por base a existência de uma situação de incumprimento definitivo</font></i><font>”. </font><br>
<font> Entendeu-se depois no aresto que pelo facto de não ocorrer a situação de incumprimento definitivo da prestação, tal não significa que o A. não tenha forma de se desvincular da prestação contratual a que se obrigou e, bem assim, de reaver aquilo que já cumpriu previamente à celebração do contrato definitivo. O A. pede subsidiariamente a anulação do contrato, fundando este pedido na circunstância de o imóvel objecto do contrato padecer de defeitos ou vícios que, uma vez não reparados, tornam anulável o negócio. Acrescentou-se que se discute nos autos o cumprimento defeituoso do contrato, cujo regime legal é regulado nos arts. 913º e segs. do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem). No caso de coisas defeituosas, pode o comprador, nos termos do art. 914º, exigir do vendedor a reparação da coisa ou, tratando-se de coisa fungível, a sua substituição, ou nos termos do disposto nos artigos 913º nº 1 e 905º, se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, pode ainda pedir a anulação do contrato por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade. Entendeu-se depois, no que toca ao erro, que é incontroverso, a existir, que ele só se poderá subsumir à previsão contida no n º 2 do art. 252º e não à do nº 1 pois que, não incide sobre a pessoa do declaratário nem sobre o objecto do negócio, mas sim sobre a base negocial, ou seja, sobre as circunstâncias concretas em que as partes basearam a sua decisão de contratar. Assente que do contrato promessa celebrado constava que o imóvel a alienar se destinava a habitação do promitente comprador e que este estava, indubitavelmente convencido de que tal imóvel teria todas as condições necessárias para ser afecto a esse fim e que disso deu conhecimento aos representantes da R., conhecendo estes ou não podendo ignorar, que os defeitos que o imóvel enfermava, sem adequadas obras de reparação, que por si não foram efectuadas, o que tornava o imóvel de todo imprestável para o objectivo a que se destinava, que era a de servir de habitação do A.. Assim e de harmonia com o regime fixado no artigo 437º, </font><i><font>ex vi </font></i><font>do nº 2 do artigo 252º, reconheceu-se ao A. o direito à resolução do negócio visto que as circunstância em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal uma vez que a intenção do A. ao adquirir a fracção em causa era a de a destinar à sua própria habitação e que a exigência da obrigação por ele assumida afecta gravemente os princípios da boa-fé e não estando cobertos pelos riscos do negócio. Concluiu-se dizendo que “</font><i><font>assim, dúvidas não restam de que, encontrando-se preenchidos todos os pressupostos de cuja verificação depende, assiste ao A. o direito à resolução do contrato em causa nos autos</font></i><font>”, pelo que, sendo em conformidade com o disposto no artigo 433º a resolução equiparada à nulidade, anulou-se o contrato em causa nos autos e, em consequência, procedeu-se à condenação acima referenciada, ou seja condenou-se a R. condenado a restituir ao A. valor por si pago, a título de preço sinal e inicio de pagamento pelo imóvel, ou seja, o montante de € 24.939,89.</font><br>
<font> No recurso, a recorrente, em síntese, sustenta que resulta do Dec-Lei 67/2003 de 8/4 (que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Maio), primeiramente a reparação ou substituição do bem e só depois a redução do preço ou resolução do contrato, razão por que face a esse diploma, não estando esgotada aquela primeira hipótese, não assiste ao A. o direito à resolução do contrato. Também face ao regime previsto no Código Civil para a venda de coisa defeituosa, o direito à reparação ou substituição pressupõe por um lado que a coisa padeça de um vício e por outro, que o vendedor conheça o defeito ou o desconheça com culpa, sendo que não se verificam os vícios a que alude o art. 913º, pelo que anulação do contrato não é possível, nem o comprador pode beneficiar do regime previsto para a venda de coisa defeituosa (art. 913° e segs.) Por outro lado, não resulta dos factos apurados que o vendedor agiu com dolo ou que se verifica uma situação de erro que conceda a faculdade de anulação do contrato, convolando-se o pedido de resolução para anulação. De acordo com o regime geral da resolução previsto no art. 432°, a resolução é possível desde que fundada na lei ou em convenção das partes. A resolução fundada na lei prevista nos arts. 793º e 801° pressupõe a perda de interesse na prestação ou a impossibilidade da prestação, o que no caso presente, também não se verifica, nem resulta da matéria dada por assente. Assim, a decisão recorrida deve ser revogada e, em sua substituição, deve ser proferido acórdão em que se julgue improcedente o pedido formulado pelo A..</font><br>
<font> Vejamos:</font><br>
<font> Não existe qualquer dúvida que as partes celebraram um contrato-promessa em relação à fracção autónoma acima identificada, mediante o qual o A. acordou com a R. a compra desse imóvel (art. 410º).</font><br>
<font> Também não existe dúvida sobre a circunstância, declarada no aresto recorrido, de não ocorrer uma situação de incumprimento definitivo da prestação por parte da R., sendo certo que a recorrente se conformou com a correspondente decisão. Não será possível, assim, aplicar à questão o regime de incumprimento de um contrato-promessa e, portanto, não poderá ser aplicada à R. a sanção própria do incumprimento, a restituição do sinal em dobro, conforme foi pedido pelo A..</font><br>
<font> No acórdão recorrido entendeu aplicar-se à questão o regime de venda de coisa defeituosa a que aludem os arts. 913º e segs. e consequentemente, atendendo-se à remissão que esta disposição faz para a secção precedente, adoptar o regime estabelecido no art. 905º, considerando o contrato anulável por erro, acabando-se por declarar, nos termos acima referidos, a respectiva nulidade.</font><br>
<font> Com a celebração do contrato-promessa as partes vincularam-se à concretização do contrato prometido. Como refere Calvão da Silva “</font><i><font>o contrato promessa é um contrato autónomo, distinto do contrato definitivo, cuja função consiste em impor a celebração de ulterior contrato definitivo</font></i><font>”(1) . O contrato-promessa é a fonte da obrigação de contratar. Num contrato promessa de compra de compra e venda (como sucede no caso), não se produz o efeito translativo da propriedade. Este efeito só se concretizará com a realização do contrato prometido. O contrato promessa ao desencadear a obrigação de contratar, gera o correspondente do direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento. Produz, assim, mero efeito obrigacional de realizar o contrato prometido(2). Este, celebrado na sequência da obrigação decorrente do contrato-promessa, é equivalente a um contrato celebrado desde logo sem precedência do contrato-promessa.</font><br>
<font> Quer dizer, com a celebração do contrato-promessa as partes só lograram vincular a contraparte à realização do contrato prometido, no caso, a compra e venda do imóvel em questão. Como diz Almeida Costa (3) “</font><i><font>no contrato-promessa a prestação devida consiste na emissão de uma declaração de vontade negocial destinada a realizar o contrato prometido</font></i><font>”.</font><i><font> </font></i><font>Daqui decorre que, em relação ao cumprimento/incumprimento do contrato-promessa, devem valer primacialmente as normas próprias deste contrato, designadamente as disposições dos arts. 442º e 830º.</font><br>
<font> O art. 410º nº 1 estabelece que ao contrato-promessa são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. Estabelece-se aqui o princípio da equiparação, afastando-se as regras relativas à forma e </font><i><font>as que pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.</font></i><br>
<font> Para o presente caso, interessa-nos esta segunda excepção a tal princípio de equiparação. Como o estabelecido no art. 410º nº 1 “</font><i><font>não distingue, na sua aplicação, entre os requisitos de formação e os efeitos do negócio, são aplicáveis à promessa de venda, com as necessárias adaptações, as regras que na compra e venda se referem à determinação e a redução do preço, à venda de bens alheios, de coisa defeituosa, de bens onerados etc</font></i><font>” (4) .</font><br>
<font> Quer dizer, nos termos do referido art. 410º nº 1 e porque a disposição não distingue entre os requisitos de formação e os efeitos do negócio, face ao dito princípio da equiparação, deve aplicar-se à situação vertente as regras atinentes à venda de coisa defeituosa. </font><br>
<font> Já se disse que, como decidiram as instâncias, não poderá ser aplicada à R. a sanção própria do incumprimento do contrato-promessa, a restituição do sinal em dobro, conforme foi pedido pelo A.. Mas o A. pediu também, subsidiariamente, a anulação do contrato por venda de coisa defeituosa, tendo as instâncias respondido afirmativamente a esta pretensão.</font><br>
<font> É sobre esta parte do acórdão que a recorrente mostra o seu inconformismo.</font><br>
<font> Estabelece o art. 913º nº 1, em relação ao contrato de compra e venda, que “</font><i><font>se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes</font></i><font>”.</font><br>
<font> Esta norma faz equivaler o vício à falta de qualidade da coisa. Como refere Calvão da Silva (5) em relação a este paralelismo “</font><i><font>a lei posterga a definição conceitual e privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante à aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera</font></i><font>. Nesta medida, diz o mesmo autor que “</font><i><font>diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art. 913º nº 2)</font></i><font>”. Pedro Marinez (6) diz que "</font><i><font>o defeito da coisa constitui um desvio com respeito à qualidade corpórea que seria devida</font></i><font>".</font><br>
<font> Quer dizer, a coisa será defeituosa quando for imprópria para o uso concreto destinado pelo contrato, ou quando não satisfaça a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo (nº 2 do art. 913º).</font><br>
<font> O vício que haverá, no presente caso, de ponderar, será o que impede a coisa da “</font><i><font>realização do fim a que é destinada</font></i><font>”, visto que as deficiências verificadas provocam, uma redução da aptidão da casa para o seu uso comum, que é a de proporcionar aos que a habitam, como é notório, uma vivência satisfatória. A este propósito será de sublinhar que o imóvel sofre dos defeitos indicados no nº 9 dos factos dados como provados, donde será possível inferir que a casa carece de condições de habitabilidade adequadas.</font><br>
<font> Quanto a este aspecto, deu-se ainda como assente que a fracção não preenche os requisitos de habitabilidade normais e adequados em termos de assegurar, com a qualidade mínima exigível, o gozo a que o prédio se destina (facto 11 acima referenciado). Estas circunstâncias, porém, têm conteúdo patentemente conclusivo(7) (8), pelo que terão que se ter como não escritas (arts. 511º, 646º nº 2 e 653º nº 2 do C.P.Civil). Todavia, pese embora esta conjuntura será possível deduzir as precárias condições de habitabilidade da habitação, das deficiências ou defeitos que a mesma apresenta, retratadas no nº 9 dos factos assentes.</font><br>
<font> Assente que o contrato incidiu sobre a venda de coisa defeituosa, vejamos agora a responsabilidade da demandada.</font><br>
<font> De harmonia com o disposto no art. 914º “</font><i><font>o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou se for necessário e esta tiver a natureza de fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece</font></i><font>”.</font><br>
<font> A razão de ser desta disposição está em que “</font><i><font | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1zKAu4YBgYBz1XKvsxJB | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font>
<p><font> </font><br>
<font>(1ºs)</font><b><font> AA</font></b><font> e os demais herdeiros da herança indivisa aberta por óbito do seu marido e (2ºs) </font><b><font>BB </font></b><font>e</font><b><font> CC</font></b><font> intentaram a presente acção contra </font><b><font>DD </font></b><font>e</font><b><font> EE</font></b><font>, pedindo que estes sejam condenados a: - reconhecer o seu direito de circulação pelo caminho público de acesso a cada um dos seus respectivos prédios (que identificam) ou,</font><font> </font><font>subsidiariamente, a constituição por usucapião, em benefício daqueles seus referidos prédios e sobre o dos RR, de uma servidão de passagem de pessoas, carros e demais utilidades; - em consequência e para o efeito, a demolir o muro, portão e pilares de suporte que construíram no referido caminho, repondo a situação existente em 23-02-2015, e abster-se de praticar qualquer acto que impeça ou perturbe o exercício do seu direito.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Foi proferida sentença absolvendo os RR da pretensão formulada pelos AA.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Inconformados, os AA interpuseram </font><b><font>apelação</font></b><font> no </font><u><font>41º dia</font></u><font> subsequente à sua notificação da sentença, impugnando a decisão nela proferida sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito, suscitando, nomeadamente, a questão de saber se os mesmos estavam dispensados de provar a sua intenção de agirem como titulares do direito de servidão de passagem, cujo exercício se demonstrara.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Os RR contra alegaram, defendendo, além do mais, estar precludido o direito dos AA ao recurso, para cujo exercício os mesmos dispunham do prazo de 30 dias, tendo-se servido, em fraude à lei, do expediente de darem a aparência de pretenderem alterar a matéria de facto fixada, mas sem o fazerem.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A Sra. Juíza de 1ª instância determinou que os recorrentes fossem notificados para o pagamento da multa prevista no art. 139º nº 6 do CPC (a fls. 400) e, na sequência, uma vez observado tal trâmite, admitiu o recurso interposto (fls. 404).</font><br>
<font> </font><br>
<font>A Relação julgou improcedente a questão prévia colocada pelos RR da extemporaneidade da apelação, por ter concluído, pela análise que fez dos elementos do processo, não haver dúvida de que os recorrentes tinham pretendido a reponderação da matéria de facto e que, por isso, o prazo para recurso era de 40 dias, apesar de, depois, vir a rejeitar a impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, por não ter sido devidamente cumprido o estatuído no art.640º do CPC. E, a final, esse Tribunal, revogando parcialmente a sentença recorrida, condenou os RR a:</font><br>
<font>- reconhecer a constituição por usucapião de uma servidão legal de passagem de pessoas e de circulação de carros sobre o caminho descrito em V) dos factos provados;</font><br>
<font> - demolir os muros, portão e pilares de suporte que construíram na referido caminho, repondo a situação existente à data dessa construção, em toda a sua extensão;</font><br>
<font>- a abster-se de praticar qualquer acto que impeça, perturbe ou diminua o exercício dos direitos dos AA, em benefício dos prédios de cada um destes.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Os RR interpuseram recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> desse acórdão, cujo objecto delimitaram com conclusões em que suscitam as questões de saber se:</font><br>
<font>1ª) foi tempestiva a apelação interposta pelos AA;</font><br>
<font>2ª) tendo os AA apenas alegado expressamente a sua convicção de usarem o caminho como sendo público, pode considerar-se também presumido o seu “</font><i><font>animus</font></i><font>” correspondente ao direito de servidão predial de passagem;</font><font> </font><br>
<font>3ª) existe suporte fáctico suficiente para reconhecer a servidão de passagem também em benefício do prédio dos 2ºs AA, BB e Ana Brito, e para a</font><br>
<font> 4ª) condenação dos RR na demolição decidida pela Relação.</font></p><div><font>*</font></div><font>Cumpre apreciar e decidir as enunciadas questões, para o que releva o antecedentemente relatado e os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido.</font><br>
<font> </font><br>
<font>1. </font><u><font>A tempestividade da apelação</font></u><font>.</font><br>
<font>Como já se relatou, a Relação rejeitou a impugnação da decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto, por ter reputado de inepta a sua materialização por parte dos apelantes. Contudo, pela análise que fez dos elementos do processo – com saliência para o corpo da motivação alegatória –, o mesmo Tribunal considerou provado que os AA/apelantes tinham, realmente, pretendido a reponderação da matéria de facto e evidenciado o aludido esforço adicional resultante do tempo necessário ao exame de meios de prova gravados, sendo, por isso, de 40 dias o prazo para a apelação.</font><br>
<font>Entendem os ora recorrentes que a Relação, pelo contrário, deveria ter considerado que a intenção dos apelantes foi, sim, a de contornar e defraudar a lei e não a de impugnar a prova gravada, pois esta não resultava do teor das alegações.</font><br>
<font>Contrapõem os recorridos com o acima referido despacho de fls. 400 que, dizem, constitui uma decisão interlocutória sobre a questão da tempestividade da apresentação da apelação que, não tendo sido impugnada, transitou em julgado. </font><br>
<font>Ora, a objecção dos recorridos não tem fundamento, pois trata-se de um despacho que apenas determinou que os recorrentes fossem notificados para o pagamento da multa prevista no art. 139º nº 6 do CPC e, por isso, destinou-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes (art. 152º nº 4 do CPC), pelo que, sendo de mero expediente, o mesmo não admitiria recurso (art. 630º nº 1 do CPC). Ainda que, porventura, pretendessem evocar, sim, o despacho que admitiu a apelação (fls. 404), proferido na sequência do pagamento da multa pelos apelantes, os recorridos não teriam razão porque, face à regra especial contida no art. 641º nº 5 do CPC, tal admissão não</font><font> </font><font>poderia ser autonomamente impugnada pelas partes nem vincularia o tribunal superior. </font><br>
<font>É certo que a norma do art. 638º nº 7 do CPC, invocada pelos ora recorrentes, é bem clara ao dispor que, relativamente ao prazo (normal) que o nº 1 do preceito confere para a interposição do recurso de apelação, o acréscimo de 10 dias é apenas para a situação em que esse recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada. A aludida extensão temporal é de fácil e imediata compreensão, pois tem como justificação as dificuldades adicionais inerentes ao cumprimento do ónus de apresentação de alegações respeitantes à impugnação da decisão da matéria de facto, que implique o acesso e subsequente exame de meios de prova oralmente produzidos e gravados.</font><br>
<font>Porém, como é por todos sabido, o STJ é, organicamente, um Tribunal de revista, pelo que, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito (art. 46º da LOSJ), sendo a sua competência para a cognoscibilidade, em matéria de recurso (de revista), circunscrita a questões de direito (arts. 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do CPC) e não discutindo, pois, a matéria de facto nem as provas em que assentou a decisão que a fixou, com excepção das que envolverem a violação de direito probatório material.</font><br>
<font>Não ocorrendo, no caso, qualquer de tais situações de excepção, não pode este Tribunal ponderar um facto – a intenção fraudatória dos apelantes – diferente do afirmado pelo Tribunal recorrido, ou seja, a intenção dos apelantes de obterem a reponderação da matéria de facto.</font><br>
<font>Improcedem, pois, as conclusões de recurso sobre este ponto.</font><br>
<font> </font><br>
<font>2. </font><u><font>O “</font></u><i><u><font>animus</font></u></i><u><font>”</font></u><font>.</font><br>
<font>A passagem de pessoas e de carros, tal como quaisquer outras utilidades susceptíveis de serem gozadas por intermédio de um prédio, podem constituir uma servidão predial, configurada como um encargo ou limitação ao direito de propriedade sobre outro prédio, em proveito exclusivo daquele, devendo os prédios pertencer a donos diferentes (arts. 1543º e 1544º do CC </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>). </font><br>
<font>Essa servidão predial pode ser constituída, designadamente, por usucapião (art. 1547º, nº 1) </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, ou seja, pela posse de tal direito real de gozo, mantida por certo lapso de tempo, já que a mesma, dispondo de certas características, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação (art. 1287º).</font><br>
<font>Relembrando, apurou-se que os AA, os seus familiares, os seus amigos, os fornecedores de bens e materiais e quaisquer outras pessoas utilizaram o caminho indicado em V) para aceder, de carro ou a pé, ao prédio dos 1ºs AA (a que aludem as als. B, R e S dos factos), livremente e sem qualquer constrangimento, de forma pacífica, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja, o que assim sucedeu durante mais de 50 anos (cf. als. W e Y), até que, em 23-02-2015, os RR erigiram colunas, muro de sustentação e suporte e colocação de um portão, na rua de acesso à propriedade dos AA (al. Q). Tal caminho – que sempre se encontrou com trilho duro e perfeitamente demarcado, inicialmente em terra batida e mais tarde complementada e estruturada com cimento – constituiu-se, durante esse período, como acesso que permitia a entrada e saída de veículos à casa ora da A AA e o aparcamento de viaturas no seu interior, à vista de toda a gente e dos próprios RR e seus antecessores, na convicção de que não lesavam direito alheio, jamais tendo tal utilização sido colocada em causa por quem quer que fosse (cf. als. Z e BB).</font><br>
<font> Como também é sabido, a posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício de um direito real (art. 1251º), nela se distinguindo um elemento material – a actuação material praticada sobre a coisa – e um elemento intelectual – a intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados,</font><font> </font><font>que, em caso de dúvida, se presume naquele que exerce o poder de facto (art. 1252º nº2) – e adquire-se, nomeadamente, pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito e mantém-se enquanto durar essa actuação ou a possibilidade de a continuar,</font><font> </font><font>podendo aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte juntar à sua a posse do antecessor (arts. 1251º, 1252º, 1256º, 1257º e 1263º). </font><br>
<font>A Relação, constatando que dos factos assentes se extrai a prática reiterada pelos AA, com publicidade, há mais de 50 anos, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de servidão cujo reconhecimento os mesmos pediram subsidiariamente, concluiu que deve, por isso, presumir-se o seu “</font><i><font>animus</font></i><font>”, isto é, que os AA sempre utilizaram o caminho em questão convencidos de exercerem um direito de passagem, mesmo que radicado na dominialidade pública do caminho, e, assim sendo, embora este não possa qualificar-se de público, «</font><i><font>o mesmo constitui uma servidão legal de passagem constituída há mais de 50 anos, que dá acesso aos prédios dos AA</font></i><font>».</font><br>
<font>Objectam os recorrentes que os AA apenas alegaram (expressamente) a sua convicção de usarem o dito caminho como sendo público, razão pela qual defendem que, contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, não se pode considerar presumido também o “</font><i><font>animus</font></i><font>” daqueles correspondente ao direito de servidão predial de passagem.</font><br>
<font>Como se disse, os AA pediram na acção, subsidiariamente, o reconhecimento da constituição, por usucapião, de uma servidão de passagem pelo caminho cuja caracterização pública visaram, em primeira linha. </font><br>
<font>É certo que a</font><font> </font><font>satisfação dos interesses da colectividade ou de uma comunidade através das vantagens proporcionadas pela circulação (desde tempos imemoriais) num determinado caminho público traduz uma fruição deste pelas pessoas em geral que nada tem a ver com o conceito de «posse» fixado no Código Civil, não sendo os que nele transitem, considerados isolada ou colectivamente, verdadeiros possuidores do mesmo, já que não o fazem como titulares de qualquer direito real. E daí que só se admita a posse relativamente a coisas que podem ser objecto de direitos privados [cf. arts. 202º e 1267º, nº 1, b)], o que implica, tão-somente, que os leitos dos caminhos públicos são insusceptíveis de os privados deles se apropriarem, não, evidentemente, de sobre eles circularem.</font><br>
<font>Não se apurou que os 1ºs AA (e seus antecessores) utilizassem o referido caminho no convencimento de exercerem um direito de uso de coisa pública, apenas se tendo provado uma materialidade correspondente ao exercício de um direito real de servidão predial de passagem, sobre um trato de terreno alheio, de e para o prédio daqueles, embora já não o correspectivo “</font><i><font>animus</font></i><font>”.</font><br>
<font>Contudo, a relevância do “</font><i><font>animus</font></i><font>”, enquanto requisito integrante da posse, deverá ser adequadamente circunscrita: o que está em causa não é tanto a indagação sobre o elemento subjectivo do alegado possuidor, mas a questão de saber se os actos materiais por ele praticados em relação à coisa denotam um exercício coadunável com o “</font><i><font>animus</font></i><font>” correspondente ao direito a que o mesmo se arroga, i. é, se estamos perante uma actuação em que possa ser revelada, a qualquer pessoa que a observe, a vontade de agir como se de titular do direito se tratasse. A intenção deve inferir-se da própria actuação, porquanto, sendo «</font><i><font>incompreensível que se fundamentasse a posse, que deve representar uma exteriorização facilmente reconhecível, na perscrutação da intenção do agente … deveremos concluir que há posse, porque há </font></i><font>corpus</font><i><font>, sem que seja necessário deslindar o elemento </font></i><font>animus» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. </font><br>
<font>Sendo o questionado “</font><i><font>animus</font></i><font>” aqui recebido na sua veste meramente psicológica, do que se trata, segundo entendemos, não é da necessidade de deslindar o “</font><i><font>animus</font></i><font>”, mas de afirmar ou de presumir uma certa condição psicológica, uma vontade esclarecida ou revelada pelos actos materiais exteriorizados em relação à coisa. Assim, é no controlo material das utilidades gozadas – neste caso, o exercício da passagem por intermédio de um trato de terreno alheio – que se deve descobrir a posse, não podendo ser rejeitadas a presença e a relevância do respectivo “</font><i><font>animus</font></i><font>” quando o “</font><i><font>corpus</font></i><font>” que o traduz seja revelador, por parte de quem o exerce, da vontade de criar em seu benefício uma aparência de titularidade correspondente ao direito real.</font><br>
<font>Ora, a intenção de os 1ºs AA (e seus antecessores) se comportarem como titulares do direito real correspondente aos actos de passagem por eles praticados, numa perspectiva prática, em nada se distingue, qualitativamente, da intenção de exercitar um direito de uso de coisa pública, ou seja, da circulação com o convencimento de o fazerem sobre um caminho público. </font><br>
<font>Por outro lado, se a vontade se exprime pelo poder de facto, esse “</font><i><font>animus</font></i><font>” não tem de ser explicitado através de palavras por quem invoca a posse. O que importa é que ele se infira do próprio modo de actuação ou de utilização: «</font><i><font>A prova do animus da posse necessária à usucapião constitutiva da servidão resulta de uma presunção, ou seja o exercício do corpus da posse faz presumir a existência daquele, o que de resto resulta de jurisprudência uniformizada - ac. de 14-05-96 - cuja doutrina se mantém</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>E, assim sendo, concordamos com o acima extractado segmento da decisão recorrida para concluir que se presume nos 1ºs AA, que vêm exercendo o aludido poder de facto de passagem de e para o seu prédio, a intenção de se comportarem como titulares do direito real correspondente aos actos praticados. Donde, tendo em conta o que dispõe o art. 350º nº 1, competiria aos RR/recorrentes ilidir essa presunção, provando que os AA não eram possuidores, o que não lograram fazer, pois não se provou a alegação de que seria por sua mera complacência e tolerância, ou por autorização tácita por parte dos seus passados, que aos familiares da 1ª A «</font><i><font>era permitido que cortassem a direito pelo caminho identificado em V</font></i><font>» (cf. itens 29 e 30 da matéria tida por não provada).</font><br>
<font>O que vale por dizer que os 1ºs AA adquiriram a posse da servidão predial em proveito exclusivo do seu prédio há, pelo menos, 50 anos e, por conseguinte, a factualidade assente permite concluir que decorreu o período de tempo a que alude o art. 1296º para a aquisição por usucapião dessa servidão, por eles (subsidiariamente) pretendida.</font><br>
<font>Portanto, esta questão suscitada no recurso também improcede, nesta vertente, mas com o apontado limite, ou seja, apenas em relação ao prédio pertencente aos 1ºs AA, ou, com mais rigor,</font><font> </font><font>à 1ª A e à herança indivisa aberta por óbito do seu marido.</font><br>
<font> </font><br>
<font>3. </font><u><font>A servidão em benefício do prédio dos 2ºs AA</font></u><font>.</font><br>
<font>Entendem os recorrentes que não se retira da factualidade assente suporte suficiente para reconhecer a servidão de passagem também em benefício do prédio dos 2ºs AA, BB e CC. </font><br>
<font>E, neste ponto, têm razão, atendendo ao já anteriormente expendido quanto à configuração da servidão predial, enquanto encargo, não pessoal, mas real, ou seja, uma limitação ao direito de propriedade sobre um prédio, em proveito exclusivo de outro prédio.</font><br>
<font> Na verdade, neste conspecto, apenas se provou que o acesso à garagem da casa destes demandantes, BB e CC, desde a sua aquisição (em 19-12-2005) até à já aludida construção (em 23-02-2015), fez-se exclusivamente pelo referido caminho (cf. al. AA).</font><font> </font><font>Nada mais se apurou sobre o exercício da passagem de e para este prédio através do mencionado caminho, nomeadamente que estes AA ignoravam que, ao adquirirem a posse, lesavam o direito de outrem (cf. art. 1260º nº 1) ou que os seus antecessores concretizaram idêntica actuação, em relação ao prédio em questão, autonomamente considerado (cf., especialmente, os itens 5, 8, 10 a 13, 17 e 19 da matéria não provada).</font><br>
<font>Assim, vislumbra-se na factualidade provada uma actuação correspondente ao exercício de um direito real de servidão predial de passagem, sobre tal trato de terreno, também de e para este prédio, mas mantida por lapso de tempo inferior a 10 anos, logo, insuficiente para facultar a aquisição do direito a cujo exercício correspondeu essa actuação que, no caso, seria o de 20 anos, porque a posse, sendo não titulada, se presumiria de má-fé, sem que essa presunção tivesse sido ilidida (cf. arts. 1260º nº 2 e 1296º).</font><br>
<font> Por conseguinte, procede o recurso relativamente ao prédio pertencente aos 2ºs AA.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 4. </font><u><font>A condenação dos RR na demolição</font></u><font>.</font><br>
<font>Os recorrentes também apontam a insuficiência de suporte fáctico para a condenação dos RR na demolição do muro, portão e seus pilares de suporte, alegando não estar provado que estes estejam a perturbar o livre uso da servidão.</font><br>
<font>Contudo, o conteúdo e extensão do exercício de uma servidão constituída por usucapião determinam-se pela posse do respectivo titular, segundo a máxima «</font><i><font>tantum prescriptum quantum possessum</font></i><font>», pelo que o correspectivo direito compreende tudo o que é necessário</font><font> </font><font>para o seu uso e conservação, fórmula que abarca os meios adequados ao pleno aproveitamento da servidão (cf. art. 1565º, nº 1). </font><br>
<font>Ora, as colunas, o muro de sustentação e o suporte do portão foram construídos «</font><i><font>na rua de acesso à propriedade dos AA</font></i><font>» (al. Q), pelo que é forçoso concluir que esses elementos estão implantados no leito do caminho por onde foi sendo exercida a servidão, sendo, portanto, idóneos a prejudicar o conteúdo e a extensão do seu exercício, conformados pela posse dos respectivos titulares.</font><br>
<font> Equivale isto a dizer que os RR/recorrentes violaram o direito de servidão de que a herança é titular e, por isso, não têm razão nesta questão recursiva.</font><div><font>*</font></div><font>Síntese conclusiva:</font><br>
<font>1. Tendo a Relação considerado provado que os apelantes evidenciaram um esforço adicional resultante do tempo necessário ao exame de meios de prova gravados (cf. art. 638º nº 7 do CPC), com a intenção de obterem a reponderação da matéria de facto, não pode o STJ, organicamente um Tribunal de revista,</font><font> </font><font>ponderar um facto – a alegada intenção fraudatória dos apelantes – diferente do afirmado por aquela instância.</font><br>
<font>2. A indagação sobre o “</font><i><font>animus</font></i><font>”, enquanto requisito integrante da posse, deverá circunscrever-se à questão de saber se os actos materiais praticados pelo alegado possuidor em relação à coisa revelam, a qualquer pessoa que os observe, a vontade de agir como se se tratasse do titular do direito a que o mesmo se arroga, não podendo ser rejeitadas a presença e a relevância desse elemento quando o “</font><i><font>corpus</font></i><font>” que o traduz denote, por parte de quem o exerce, a vontade de criar em seu benefício uma aparência de titularidade correspondente a esse direito real. </font><br>
<font>3. O conteúdo e extensão do exercício de uma servidão constituída por usucapião determinam-se pela posse do respectivo titular, pelo que, o correspectivo direito compreende tudo o que é necessário para o uso e conservação da servidão, fórmula que abarca os meios adequados ao seu pleno aproveitamento (cf. art. 1565º, nº 1 do CC), devendo ser demolida a obra erigida no leito do caminho por onde a mesma foi sendo exercida. </font><div><font>*</font></div><br>
<u><font>Decisão</font></u><font>:</font><br>
<font>Nos termos expostos, concedendo parcialmente a revista, decide-se revogar em parte a decisão recorrida e, por consequência, restringir o reconhecimento da constituição da servidão de passagem ao proveito exclusivo do prédio a que alude a alínea S) dos factos assentes, pertencente à 1ª A e à herança indivisa aberta por óbito do seu marido, e confirmar tal decisão no demais.</font><br>
<font>Custas pelos RR/recorrentes e pelos 2ºs AA, em partes iguais. </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Lisboa, 15/2/2018</font></div><br>
<font> </font><div><br>
<font>Alexandre Reis</font>
<p><font> </font>
</p><p><font>Lima Gonçalves</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cabral Tavares </font></p></div><br>
<font>--------------------------</font><br>
<a><font>[1]</font></a><font> Diploma a que pertencem as normas que vierem a ser invocadas sem outra menção.</font><br>
<a><font>[2]</font></a><font> Razão pela qual é imperceptível a alegação contida na conclusão XII do recurso.</font><br>
<a><font>[3]</font></a><font> Como salienta Oliveira Ascensão (“Direito Civil, Reais”, Coimbra Editora, 4ª ed., 1983, 93 e s). Também Paula Costa e Silva (“Posse ou Posses?” (Coimbra Editora, 2ª ed., 2005, p. 27), fazendo um apelo à figura do comportamento concludente (em que a intenção está intimamente ligada à actuação), sustenta que tal elemento se traduz numa intenção exteriorizada através do comportamento de quem actua, não num mero facto interno inacessível.</font><br>
<a><font>[4]</font></a><font> Acórdão deste Tribunal de 08-05-2001 (Revista 1232/01 </font><sup><font>- 6.ª Secção).</font></sup><font><br>
</font><hr><br>
<br>
<br>
<font>Al</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1zKYu4YBgYBz1XKv0CAu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> Recurso de Revista nº12865/02.7TVLSB.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> I - RELATÓRIO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA, Lda.</font></b><font>, com sede na Av. ..., nº …, …., Lisboa, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra </font><b><font>BB, S.A., </font></b><font>com sede</font><b><font> </font></b><font>no Edifício ..., sala ..., ..., ..., Oeiras, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 1.596.330,40€, acrescida de juros, à taxa legal para empresas comerciais, desde a citação até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese, que por acordo, a ré obrigou-se a desenvolver uma aplicação para gestão da base de dados da autora na internet, mediante retribuição, tendo concluído essa aplicação informática com muitos erros, defeitos e disfuncionalidades que impediram a sua utilização comercial pela autora, em consequência do que perdeu totalmente a quota de mercado que tinha na sua área de actividade, ascendendo tal perda a, pelo menos, 311.081.487$00.</font>
</p><p><font>Despendeu a autora diversas quantias, que mencionou, num estudo económico-financeiro elaborado pela CC, em remunerações pagas à sua gerente pelas horas que ela despendeu na tarefa de acusar os sistemáticos defeitos dos serviços da ré, em remunerações pagas aos seus funcionários que se dedicaram a essa tarefa, com as adaptações informáticas que realizou no velho software enquanto a ré não concluía o novo, e em comunicações e experiências que a ré mandava efectuar para verificação e correcção dos defeitos, às quais se soma o valor de 658.125$00 que pagou à ré por conta dos seus serviços, e que tem direito a haver.</font>
</p><p><font>A ré contestou, invocando, em suma, que a autora nunca lhe forneceu o caderno de normas gráficas a utilizar, durante a execução da aplicação a autora modificou os seus logótipos e normas gráficas alterando a base sobre a qual a ré vinha trabalhando, com o consequente atraso na execução da aplicação.</font>
</p><p><font>A autora não fez a descrição pormenorizada das características e especificações da aplicação, antes foi fazendo essa definição à medida que a aplicação ia sendo desenvolvida, o que tornou muito mais difícil e lento o trabalho que a ré ia efectuando, assim como solicitou alterações à aplicação, o que aumentou a sua extensão e complexidade, gerando necessidade de a refazer, com retrocesso para as suas fases preliminares, proporcionando novos erros decorrentes da sua interacção com outros aspectos informáticos já delineados.</font>
</p><p><font>Acresce que ocorriam incorrectas utilizações por parte da autora. e a DD apenas disponibilizou a plataforma “NT”, onde a autora iria instalar a sua aplicação, em 2001.</font>
</p><p><font>Em reconvenção alegou, no essencial, que entregou a aplicação informática à autora depois de corrigida e em condições de funcionar.</font>
</p><p><font>A autora não pagou o remanescente do valor acordado, nem do IVA, e deve ainda pagar, de acordo com o estipulado, 155 horas de trabalho suplementar que gastou no desenvolvimento da aplicação.</font>
</p><p><font>Concluiu pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, peticionando a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 9.689,15€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da contestação até integral pagamento, bem como o valor de 2.205,19€ relativo ao IVA sobre aquela quantia.</font>
</p><p><font>As partes apresentaram, reciprocamente, réplica e tréplica.</font>
</p><p><font>Teve lugar uma audiência preliminar, na qual foi proferido tabelar despacho saneador e se procedeu à selecção da matéria de facto.</font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi fixada a matéria de facto, sem reclamações, e, de seguida, proferida sentença que condenou a ré no pagamento da quantia de 18.704,92€, relegando o mais para “liquidação em execução de sentença”, e absolveu a autora do pedido reconvencional (fls. 733 a 752).</font>
</p><p><font>Interposto recurso pela ré, a Relação de Lisboa, por Acórdão de fls. 1277 a 1296 revogou a decisão impugnada, anulou as respostas dadas aos quesitos 9.º, 15.°, 17.° e 18.°, e ordenou a repetição do julgamento por forma a observar-se a ampliação da matéria de facto nos parâmetros aí expostos.</font>
</p><p><font>Realizou-se nova audiência de discussão e julgamento, no tocante à matéria dos números da base instrutória reformulados pelo acórdão da Relação, e, subsequentemente, foi proferida nova decisão que julgou a acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência: condenou a ré a pagar à autora o montante a apurar em incidente de liquidação, correspondente à perda de actividade de recrutamento da autora por falta do </font><i><font>software</font></i><font>, ao tempo de ocupação da gerente da autora com a ré e respectivo valor remuneratório, à quantia despendida pela autora com as adaptações informáticas que realizou no velho </font><i><font>software</font></i><font>, enquanto a ré concluía o novo </font><i><font>software</font></i><font>, e à quantia suportada pela autora com as comunicações telefónicas e ligações à DD com a aplicação e em experiências solicitadas pela ré para verificação e correcção dos defeitos, acrescida de juros de mora, à taxa legal referida, desde a citação até integral pagamento. </font>
</p><p><font>No mais, absolveu a ré do pedido (fls. 1367 a 1383).</font>
</p><p><font>Inconformada, a ré interpôs novo recurso de apelação, tendo a Relação de Lisboa, por Acórdão de 11/04/13, por unanimidade, decidido “</font><i><font>julgar parcialmente procedente a apelação, e em revogar em parte a sentença impugnada no segmento em que</font></i><font> </font><i><font>condenou a Ré a pagar à A. o montante a apurar em incidente de liquidação correspondente à quantia despendida por esta com as adaptações informáticas que realizou no velho software, enquanto a Ré concluía o novo software, e, bem assim, na parte em que condenou esta a pagar à demandante a quantia suportada por esta com as comunicações telefónicas e ligações à DD com a aplicação.</font></i>
</p><p><i><font> No mais confirma-se a decisão recorrida</font></i><font>” (fls. 1659 a 1734).</font>
</p><p><font>Mantendo a sua discordância, a ré interpôs, agora, recurso de revista para este Supremo Tribunal, concluindo, assim, as suas alegações:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>i) A Ré, ora Recorrente, não pode conformar-se com o douto Acórdão que foi proferido nestes autos, que, manteve a sua condenação em alguns dos pedidos já antes julgados procedentes em 1.ª Instância;</font>
</p><p><font>ii) Nestes autos discute-se o cumprimento defeituoso de um contrato através do qual a Recorrente se obrigou a desenvolver uma aplicação informática, invocando a Recorrida que essa aplicação apresentava inúmeros erros ou defeitos e alegando a Recorrente que, para além dos erros informáticos que são habituais em qualquer aplicação, a maior parte daquilo que é qualificado como erros pela Recorrida, são pedidos de alteração àquilo que havia sido previamente acordado ou mesmo executado;</font>
</p><p><font>iii) A habitualidade da existência de erros nas aplicações informáticas, as fases pelas quais passa a criação destas e os problemas decorrentes da alteração da feição original, depois de iniciado o processo de construção, estão bem patentes na matéria de facto dada como provada e constante dos artigos 78.° a 81.° da base instrutória;</font>
</p><p><font>iv) À Recorrida, Autora nos autos, caberia a ela não só alegação concreta desses erros, mas também a sua demonstração, a alegação dos erros foi feita genericamente, por referência a comunicações trocadas entre as partes nas quais se fazia referência a esses erros (artigos 10.°, 12.° a 14.º, 16.° e 19.°) ou por referência vaga e imprecisa à existência abstracta de erros (artigos 9.°, 15.°, 17.° e 18.°);</font>
</p><p><font>v) A abstracção e o carácter genérico da matéria onde assenta a invocação da existência de erros por parte da Recorrida, não pode permitir que a decisão a proferir nela seja fundada, razão pela qual, essa matéria, constantes nos referidos artigos 9.°, 15.°, 17.° e 18.° da base instrutória, nem sequer deveria ter sido respondida, devendo, pois, tais pontos ter-se por não escritos e essa foi a decisão proferida por este Meritíssimo Tribunal da Relação de Lisboa, que considerou não escritas as respostas dadas aos referidos artigos da base instrutória e ordenou a formulação de novos artigos;</font>
</p><p><font>vi) Não obstante, o Tribunal não poderia ter-se substituído à Recorrida na alegação dos factos essenciais à causa de pedir, por força da proibição que a esse respeito decorre do Art. 264.° do C.P.C., pelo que tais novos artigos da base instrutória devem continuar a ter-se por não escritos, sendo a acção julgada improcedente;</font>
</p><p><font>vii) Ainda que assim não se entenda, nos artigos cuja prova incumbia à Recorrida no âmbito da repetição do julgamento, sendo a demonstração desta matéria era essencial para a procedência da acção, na medida em que era aquela que definia se, efectivamente, a aplicação informática padecia dos erros e disfuncionalidades alegados pela Recorrida e que motivaram as comunicações por ela enviadas;</font>
</p><p><font>viii) Assim, seria necessário que a Recorrida tivesse demonstrado que efectivamente os erros referidos nos documentos n.°s 17 e 19 a 53 se verificavam e, também, se se tratava de erros que pudessem ser imputados à Recorrente, mas, da resposta dada a tais artigos da base instrutória não resultam tais asserções, uma vez que essa resposta é a seguinte:</font>
</p><p><font>• Em 30 de Março de 1999 a aplicação informática comportava-se e apresentava as situações descritas no documento de fls. 61 e 62 (ponto 23. do relatório de facto);</font>
</p><p><font>• No período de 3 de Agosto de 1999 a 27 de Julho de 2000 a aplicação informática apresentava as situações descritas nos documentos de fls. 73 e 74, 76 e 77, 78 (na parte correspondente à comunicação de 20 de Setembro de 1999), 82 a 85, 86 e 87, 91 a 93, 94, 97, 102 (na parte correspondente à comunicação de 29 de Fevereiro de 2000,15h59), 1033</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font> a 106, 113 na parte correspondente à comunicação de 4 de Abril de 2000), 114 a 116 e 177</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font> e 118 (ponto 29. do relatório de facto);</font>
</p><p><font>• Em 3 de Agosto de 2000 tendo sido efectuados testes de verificação, a aplicação informática comportava-se e apresentava as situações descritas no documento de fls. 122 a 126 (ponto 31. do relatório de facto);</font>
</p><p><font>• Que impediram a utilização da aplicação informática pela Autora (ponto 32. do relatório de facto).</font>
</p><p><font>ix) Da resposta que se transcreveu não resulta, pois, que aquilo que é referido como sendo "situações" constantes dos documentos referidos corresponda a erros que inquinassem a aplicação e que tais erros fossem da responsabilidade da Recorrente;</font>
</p><p><font>x) A prova que foi feita nos autos não permite determinar mais do que aquilo que se deu como provado, ou seja, que na aplicação informática se verificavam as situações relatadas nos documentos, sem que pudesse afirmar-se que tais situações corresponderiam a desconformidades entre aplicação informática na forma como havia sido construída e a forma que deveria ter nos termos daquilo que havia sido acordado;</font>
</p><p><font>xi) Com efeito, um "erro", na acepção que deverá ter nos autos, é um vício ou desconformidade de um bem que o impede de realizar as finalidades para as quais está destinado, ou seja, um defeito e que, na situação dos autos, tivessem sido asseguradas pela Recorrente;</font>
</p><p><font>xii) E para que essa desconformidade tivesse ficado demonstrada, teria a Recorrida que ter provado nos autos que aplicação informática não corresponderia àquilo que havia sido acordado, em abstracto, por não ser apta às finalidades acordadas pelas partes, e, sobretudo, em concreto, por não corresponder às especificações também acordadas;</font>
</p><p><font>xiii) Para tanto necessário seria que tivesse sido efectuada a prova das características que deveria ter a aplicação, para que, perante as situações com ela ocorridas pudesse depois aferir-se pela existência, ou não, de tal desconformidade.</font>
</p><p><font>xiv) E, da matéria elencada pelo Meritíssimo Tribunal "a quo" para fundar a existência de cumprimento defeituoso não resulta essa conclusão, faltando, antes de mais, definir quais as condições e parâmetros que deveria a aplicação informática, os quais teria que concluir-se que não haviam sido respeitados pela Recorrente;</font>
</p><p><font>xv) Com efeito, e como já viu, a matéria constante dos artigos 9.°, 15.°, 17.° e 18.° da base instrutória (pontos 23., 29., 31. e 32. do relatório de facto) apenas resulta que na aplicação se verificavam as situações que constam dos documentos para onde se remete, sem que se possa dizer que tais situações corresponderiam a desconformidades com aquilo que havia sido acordado e toda restante matéria, constante dos pontos 24. a 28. e 33. do relatório apenas demonstra diversas comunicações enviadas pela Recorrida nas quais esta se refere a defeitos;</font>
</p><p><font>xvi) É evidente que a comunicação de que existem defeitos sem a prova de que tais defeitos na realidade existem e se verificavam nas datas em que tais comunicações foram efectuadas é irrelevante, pelo que, não se encontra demonstrada a matéria que permitiria demonstrar a existência de cumprimento defeituoso;</font>
</p><p><font>xvii) De acordo com a matéria que se encontra demonstrada nos autos, nomeadamente, o ponto 5. do relatório de facto constante da douta decisão de 1.ª Instância, não foi um "site" aquilo que constituiu o objecto do contrato celebrado entre as partes, mas, outrossim, uma aplicação destinada a permitir a difusão de um "site";</font>
</p><p><font> xviii) E, a natureza da obra a ser realizada decorre também dos pontos 49.° a 64.° do relatório de facto constante da douta decisão de 1.ª Instância, e que demonstra que aquilo que se pretendia era a criação de uma aplicação que alojasse o "site" da Recorrida que já existia e funcionava;</font>
</p><p><font>xix) Por essa razão, deve - como se fez e muito bem no douto Acórdão - qualificar-se o contrato celebrado entre as partes como empreitada, por a obra nele prevista não poder ser considerada de natureza artística ou meramente intelectual;</font>
</p><p><font>xx) Ora, ainda que da matéria que resultou demonstrada nos autos resultasse que a aplicação padecia de defeitos e que, tendo esses defeitos sido denunciados, a Recorrente não procedeu a sua reparação, sempre existiria como se entende cumprimento defeituoso no âmbito de um contrato de empreitada, mas, ao constatar tais defeitos, a Recorrida limitou-se, de acordo com o ponto 33. do relatório de facto constante da decisão de 1.ª Instância, a endereçar um fax à Recorrente com a lista dos defeitos;</font>
</p><p><font>xxi) E sendo essa a entrega final da aplicação, tinha o direito de exercer os direitos que decorrem do Art. 1221.° do C.C., ou seja exigir a eliminação dos defeitos ou, caso os defeitos não fossem susceptíveis de ser eliminados, exigir a construção de uma nova aplicação;</font>
</p><p><font>xxii) A Recorrida não exerceu qualquer dessas faculdades, limitando-se, em 2002, a instaurar a presente acção destinada a exigir a indemnização dos prejuízos que alega;</font>
</p><p><font>xxiii) Ao contrário daquilo que se entendeu no douto Acórdão, essas faculdades não são alternativas face ao pedido de indemnização efectuado, sob pena de assim não se entendendo se esvaziar totalmente o regime legal do contrato em questão. Com efeito, o regime em questão, face à natureza do contrato de empreitada, não foi estabelecido em benefício do dono da obra, mas, e sobretudo, em favor do empreiteiro, sendo essa a razão que leva a que a tal regime seja diverso do regime geral que preside ao incumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações;</font>
</p><p><font>xxiv) Assim, não pode o dono da obra, como o fez a Recorrida, ignorar pura e simplesmente tal regime e limitar-se a exigir indemnização dos danos que alega terem-lhe sido provocados;</font>
</p><p><font>xxv) É certo que o Art. 1223.° do C.C. prevê um direito de indemnização a cargo do dono da obra pelo cumprimento defeituoso da empreitada, mas, "este direito de indemnização é residual relativamente aos direitos de eliminação dos defeitos, de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato" (Cura Mariano, "A Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra", Almedina, 2004, pág. 103);</font>
</p><p><font>xxvi) Assim, só sendo exercidas as faculdades anteriores, nos termos em antes se formulou, pode, pelos prejuízos que ainda assim restem por ressarcir, ser exigida uma</font><u><font> </font></u><font>indemnização, que, por natureza se destina apenas a compensar o dono da obra por esses prejuízos para os quais não se revelou suficiente o exercício das faculdades que antes exerceu;</font>
</p><p><font>xxvii) Não poderia, pois, a Recorrida ter, sem exercer as faculdades antes referidas, exigir, pura simplesmente, uma indemnização pelo cumprimento defeituoso que imputou à Recorrente, e devendo, por isso, a presente acção ser julgada improcedente;</font>
</p><p><font>xxviii) Ainda que se entendesse que a indemnização que se refere na disposição legal antes citada do Art. 1223.º do C.C. não exclui o direito de indemnização nos termos gerais, essa indemnização apenas pode abranger os danos que, tendo sido originados pelo cumprimento defeituoso, extravasam o puro âmbito da relação contratual e abrangerá apenas os danos que excedam o objecto da prestação e que incidam sobre outros bens do credor, e que podem ser denominados como "extra rem", ou seja, aqueles que sempre fundamentariam, por violação de direitos "erga omnes", uma responsabilidade delitual do empreiteiro;</font>
</p><p><font>xxix) Ora, "nos danos "extra rem" são de incluir unicamente duas situações: danos pessoais sofridos pelo credor; danos ocasionados no restante património do "accipiens"." (Pedro Romano Martinez, "Cumprimento Defeituoso", Almedina, 2001, pág. 238) e nenhum dos alegados prejuízos da Recorrida se insere nesse âmbito, pois, nenhum deles tem carácter colateral face ao contrato, adiantando-se, desde já, que alguns desses prejuízos, como se demonstrará adiante, nem sequer podem qualificar-se como prejuízos;</font>
</p><p><font>xxx) Com efeito, a perda de mercado alegada pela Recorrida e não demonstrada, insere-se ainda, no objecto da prestação, por ter sido, segundo foi alegada, resultado da falta da aplicação (vd. a esse respeito Pedro Romano Martinez, obra citada, pág. 317) e mesmo sucede com o estudo referido no ponto 44. do relatório de facto constante da douta decisão de 1.ª Instância e com as despesas mencionadas nos pontos 45. a 47. do relatório de facto dessa decisão (vd. a esse respeito Pedro Romano Martinez, obra citada, pág. 318);</font>
</p><p><font>xxxi) Deste modo, não poderá, ainda assim, a Recorrida obter o ressarcimento desses prejuízos, devendo a presente acção ser julgada improcedente.</font>
</p><p><font>xxxii) O Tribunal "a quo" continuou a entender que, tendo a Recorrida sofrido prejuízos e, não sendo possível determinar o montante desses prejuízos, a fixação do seu quantitativo deve ser relegada para liquidação de sentença, mantendo-se a decisão já antes proferida em 1.ª Instância;</font>
</p><p><font>xxxiii) Ora, a condenação genérica é apenas permitida ao abrigo do disposto no n.º 2.º do Art. 661.° do C.P.C., que "só permite remeter para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos não como consequência do fracasso da prova, na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade, mas sim como consequência de ainda não se conhecerem, com exactidão as unidades componentes da universalidade ou de ainda não se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito no momento da propositura da acção declarativa; isto é a carência de elementos não se refere à inexistência de prova dos factos já produzidos e que foram alegados e submetidos a prova mas sim à inexistência de factos provados porque estes factos ainda não eram conhecidos ou estavam em evolução aquando da propositura da acção ou que, como tais se apresentavam no momento da decisão de facto" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1995.01.17 in BMJ 443 pág 404) (no mesmo sentido Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 2005.02.24 (P.° 758/2005-6) e de 2005.04.20 (P.° 1814/2005-4) ambos em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>);</font>
</p><p><font>xxxiv) A disposição legal citada, de facto, não pode ser entendida como susceptível de possibilitar, através de um novo incidente de liquidação, uma segunda oportunidade de demonstrar aquilo que fracassou em sede declarativa, porquanto se toda a defesa deve ser apresentada na contestação, também, todos os elementos objectivos da acção deverão ser apresentados na petição inicial;</font>
</p><p><font>xxxv) Ora, nos presentes autos e atenta até a base instrutória a Recorrida conclui em relação a cada uma das parcelas em que se compõe o seu pedido global com um pedido inteiramente líquido, como decorre dos 76.°, 79.°, 84.°, 85.°, 86.°, 87.°, 90.°, 91.° a 93.° e 95.° da petição inicial que foram levados à base instrutória e sujeitos a prova, não tendo resultado provados;</font>
</p><p><font>xxxvi) A Recorrida, e como aliás foi por ela entendido, não estava em condições de deduzir um pedido genérico ao abrigo do Art. 471.° do C.P.C., tanto mais, que não existia ou era previsível qualquer evolução ou alteração dos prejuízos que alegou que poderiam e deveriam, como ocorreu ser imediatamente quantificado e não usou também a faculdade prevista no Art. 569.° do C.C. que lhe permitira também dentro dos pressupostos dessa disposição legal deduzir pedido genérico;</font>
</p><p><font>xxxvii) Deste modo, a não demonstração da quantificação dos prejuízos decorreu unicamente da falta de prova dos valores invocados e não de qualquer outra razão, pelo que não poderia a douta sentença ter relegado para liquidação essa quantificação, permitindo à Recorrida, por uma segunda vez, efectuar uma prova onde antes soçobrara;</font>
</p><p><font>xxxviii) Com efeito, tal decisão viola o principio da estabilidade da instância, bem assim como, as garantia de defesa da Recorrente e o principio da igualdade de armas, devendo, pois, em relação aos prejuízos que não foram demonstrados nos valores peticionados, a acção ser julgada improcedente.</font>
</p><p><font>xxxix) Ainda que assim não se entendesse, sempre a douta decisão viola a mesma disposição legal do Art. 661.° do C.P.C, quando condena a Recorrente na quantia se apurar para indemnizar a Recorrida pelos alegados prejuízos a que se refere constantes dos artigos 34.° a 39.° e 43.°, por corresponder a objecto diverso daquilo que nesse âmbito foi peticionado;</font>
</p><p><font>xl) Com efeito, na douta sentença condena-se a Recorrente a indemnizar os prejuízos pela perda da actividade de recrutamento, quando aquilo que foi peticionado foi a indemnização pela expectativa de lucros líquidos desta, quantificados nos termos dos artigos 54.° e 76.° da petição inicial;</font>
</p><p><font>xli) São, pois, realidades diversas aquelas que estão em causa, uma vez que a perda de actividade representará economicamente um valor e a expectativa de lucro um outro diverso, bastando para tal verificar que uma empresa poderá ter uma elevada quota de mercado e intensa actividade e nenhum lucro líquido ou suceder o inverso;</font>
</p><p><font>xlii) De qualquer modo, o valor de uma quota de mercado e a perda actividade de recrutamento consubstanciam apenas a perda de valor da empresa, prejuízo que apenas poderá reflectir-se no património dos sócios e não no dessa empresa, sendo que, nesta acção, apenas a sociedade Recorrida deduziu pedidos, pelo que, o prejuízo para a Recorrida só poderia ser o da perda de lucros futuros que foi efectivamente alegado mas não logrou ser demonstrado, devendo, por isso, nesta parte a acção ser julgada improcedente; </font>
</p><p><font>xliii) De qualquer forma, o ressarcimento de qualquer um destes últimos valores, quer de perda de actividade, quer mesmo de perda de expectativa de lucros, colocaria a Recorrida numa situação manifestamente melhor do que aquela que teria caso o contrato tivesse sido celebrado, pois, não contemplaria todos os restantes factores económicos que determinariam tais valores para além da aplicação informática, como decorre do estudo económico que ela mesma junta com a petição inicial como Documento n.° 54 e que para além de prever uma série de outros investimentos se refere a resultados negativos até essa data;</font>
</p><p><font>xliv) Ora, o não cumprimento e a responsabilidade que dele decorra não podem ser fonte de lucros para o credor, que, perante um situação de incumprimento apenas pode "escolher entre o interesse positivo no cumprimento e o interesse negativo na confiança (...) mas sempre com o limite do primeiro" (Paulo Mota Pinto, "Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Negativo", Vol II, Coimbra, 2009, pág. 1549) e o interesse positivo no contrato apenas permitiria à Recorrente obter uma indemnização correspondente ao valor da aplicação que constituía o objecto do contrato, cujo valor era de Esc. 1.125.000$00 como decorre do ponto 7. do relatório de facto constante da douta decisão;</font>
</p><p><font>xlv) A não ser assim, a Recorrida teria um benefício extraordinário, tendo a Recorrente funcionado como garante da sua futura actuação no mercado e do cumprimento das expectativas – e apenas expectativas - que nele tinha, numa situação que excede em muito a função do cumprimento contratual;</font>
</p><p><font>xlvi) Devem, pois, os pedidos efectuados pela Recorrida, nomeadamente, aqueles que se referiram, ser limitados ao valor da aplicação que se referiu, e sendo, no restante julgados improcedentes.</font>
</p><p><font>xlvii) Acresce ainda que, estando em causa no contrato a execução de uma aplicação informática cujo custo total era de apenas Esc. 1.125.000$00, mal se compreende, que possa ser o incumprimento desse contrato, a causa adequada à perda de quota de mercado, de actividade ou à perda de expectativa de lucros que se alega na acção e que, segundo foi alegado mas não provado, teriam o valor de Esc. 311.081.487,00;</font>
</p><p><font>xlviii) Com efeito, a imputação dos prejuízos ao lesante é feita através do principio da causalidade adequada, segundo a qual causa de certo efeito é a condição que se mostra, em abstracto, adequada a produzi-lo e é seguro que o evento que se reputa nestes autos como danoso, não é, em abstracto, causa adequada à produção dos prejuízos referidos, de perda de quota mercado ou de actividade, pois, para tanto teriam que ter concorrido diversos outros factores;</font>
</p><p><font>xlix) Aliás, a alteração da matéria de facto efectuada pelo douto Acórdão, ao contrário do que neste se entende, tem uma relevância enorme na apreciação do pedido efectuado pela Recorrida e relativo à "perda de actividade de recrutamento";</font>
</p><p><font>I) Com efeito, deu-se como provado que:</font>
</p><p><font>• "A Autora (ora Recorrida) na data em que contactou a Ré (ora Recorrente) estava alojada no servidor da "DD", numa plataforma "unix" e pretendia utilizar uma plataforma "microsoft NT", mantendo alojamento no serviço "DD"" - resposta ao artigo 49° da base instrutória;</font>
</p><p><font>• "...embora a "DD" tivesse previsto que disponibilizaria uma plataforma desse tipo durante o ano de 1998 só em 2001 disponibilizou a plataforma "NT" - resposta ao artigo 105° da base instrutória;!;</font>
</p><p><font>li) De acordo com as respostas dadas aos artigos 29° e 30° da base instrutória, a alteração relevante do mercado onde a Recorrida desenvolvia a sua actividade ocorreu entre 1998 e Setembro de 2000, sendo por não ter nesse período de tempo disponível a aplicação informática que encarregou a Recorrente de construir que a Recorrida sofreu o prejuízo de "perda de actividade de recrutamento";</font>
</p><p><font>lii) Ora, ainda que tivesse disponível a aplicação em questão, como decorre da nova matéria que se julgou provada, a Recorrida teria ficado impedida de a utilizar, pois, não havia sido disponibilizada plataforma necessária para o seu funcionamento, o que, de acordo com a resposta ao artigo 105° da base instrutória, só ocorreria em 2001;</font>
</p><p><font>liii) O prejuízo em causa - de "perda de actividade de recrutamento" ou "perda de expectativa de lucros" - não poderia decorrer da falta da aplicação, por que esta, mesmo que tivesse sido devidamente construída e entregue pronta a funcionar logo em 1998, não poderia ser usada pela Recorrida antes de 2001;</font>
</p><p><font>liv) O incumprimento imputado à Recorrente não é, pois, a causa adequada à produção dos prejuízos em causa, sendo irrelevante para a produção desse dano, sendo, pois, afastada a causalidade entre evento e dano, de acordo com o Art.° 563° do C.C., devendo o pedido em questão ser julgado improcedente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A recorrida não contra-alegou.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> ●</font>
</p><p><font>As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684.º, nº 3 e 690.º, nº 1 do Código de Processo Civil – CPC</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>, levantam as seguintes questões:</font>
</p><p><font>a) Se as respostas aos artigos 9.º, 15.º, 17.º e 18.º da base instrutória, dever-se-ão considerar não escritas (iv a vi);</font>
</p><p><font>b) Se não se encontra provada matéria de facto que permita demonstrar o cumprimento defeituoso (vii a xvi);</font>
</p><p><font>c) Aceitando-se por demonstrados os defeitos, se não poderia a recorrida, sem antes exercer as faculdades referidas no art. 1221.º do Código Civil, exigir, pura simplesmente, uma indemnização pelo cumprimento defeituoso (xvii a xxvii);</font>
</p><p><font>d) Se a indemnização do art. 1223.º do Código Civil não abrange nenhum dos alegados prejuízos da recorrida/autora (xxviii a xxxi);</font>
</p><p><font>e) Se a não demonstração da quantificação dos danos impede que se relegue para liquidação essa quantificação, nos termos do art. 661.º, n.º 2, do CPC (xxxii a xxxviii);</font>
</p><p><font>f) Se a decisão recorrida viola o disposto no art. 661.º do CPC, quando condena a recorrente na quantia que se apurar para indemnizar a recorrida pelos alegados prejuízos constantes dos arts. 34.º a 39.º e 43.º da base instrutória, por corresponder a objecto diverso do peticionado (xxxix a xlvi).</font>
</p><p><font>g) Se o incumprimento imputado à recorrente não é causa adequada do prejuízo de “perda de actividade de recrutamento” ou “perda de expectativa de lucros”, sendo de afastar a causalidade adequada entre evento e dano, de acordo com o art. 563.º do Código Civil (xlvii a liv). </font>
</p><p><font> ● </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
</p><p><b><font | [0 0 0 ... 0 0 0] |
PDKXu4YBgYBz1XKv2SDx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><u><font>Relatório</font></u></b></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar,</font><br>
<b><u><font>AA,</font></u></b>
<p><font>intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra </font><br>
<b><u><font>Companhia de BB S.A.</font></u></b><b><font>, </font></b><font>hoje incorporada n</font><b><font>a </font></b><b><u><font>Companhia de CC, S.A.</font></u></b><font>,</font>
</p><p><font>peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização de 207.700 €, a título de danos patrimoniais e 130.000 €, a título de danos não patrimoniais ou morais.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Em fundamento, alega, em resumo, que no dia 13.03.2007, pelas 17h50m, na Avenida ..., ..., freguesia da ..., concelho de Gondomar, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula -ZB, por si conduzido, e o veículo pesado de passageiros, com a matrícula MQ-, propriedade da "DD, Lda.”, conduzido por EE, funcionário da dita empresa e por conta de quem fazia aquele trajecto, sendo certo que a responsabilidade civil emergente de acidente de viação desta última viatura estava transferida para a ré, através do respectivo contrato de seguro.</font>
<p><font>Descreve a dinâmica do acidente, concluindo pela responsabilidade do condutor do veículo "MQ" (excesso de velocidade, invasão da sua mão de trânsito e falta de qualquer sinal sonoro, sendo certo que a colisão se deu na sua mão de trânsito).</font>
</p><p><font>Mais alega os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu, em virtude do acidente referido nos autos. </font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Contestou a ré por impugnação, alegando, em síntese, que quem invadiu a mão de trânsito do "MQ" foi o autor, o qual seguia desatento, por estar a conversar ao telemóvel, pelo que o embate se deu já na mão de trânsito do "MQ", numa altura em que o respectivo condutor já havia quedado a sua marcha.</font>
<p><font>Mais alega que o autor conduzia a viatura "ZB" no transporte de materiais de construção ao serviço da "FF...".</font>
</p><p><font>Conclui, pois, que o acidente se deveu a culpa exclusiva do autor.</font>
</p><p><font>Quanto aos danos, deduziu defesa por impugnação.</font>
</p><p><font>Pugna assim pela improcedência da acção, com a sua inerente absolvição.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Replicou o autor, mas essa peça processual foi mandada desentranhar por legalmente inadmissível (cfr. fls. 119).</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Proferiu-se despacho saneador e seleccionou-se a matéria de facto assente e controvertida, a qual mereceu uma reclamação por banda do autor (parcialmente atendida).</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Foi produzida prova pericial, cujos relatórios se acham juntos aos autos.</font>
<p><font>Realizou-se, por fim, a audiência de discussão e julgamento, observando-se o legal formalismo, como da respectiva acta consta, encontrando-se a matéria de facto controvertida respondida por despacho datado de 17.12.2012.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Na sentença final considerou-se que nenhum dos condutores intervenientes teve culpa na produção do acidente.</font>
<p><font>Aplicou-se, por isso, o regime da responsabilidade objectiva, mas atentas as circunstâncias concretas do caso, imputou-se ao veículo segurado na Ré (pesado de passageiros) a totalidade do risco.</font>
</p><p><font>Atribui-se, então, ao A. a indemnização de 50.000 € pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente e 70.000 €, a título da perda da capacidade de ganho, deduzindo-se a este último valor a quantia global de 24.358,50 €, já recebida pelo A. no âmbito do processo laboral referente ao mesmo acidente, ficando assim a indemnização parcelar pelos danos patrimoniais reduzida a 45.641,50 €.</font>
</p><p><font>Quanto à perda salarial, remeteu-se a determinação do seu valor para posterior liquidação.</font>
</p><p><font>Os juros de mora foram contabilizados a partir da citação, por ter sido essa a opção do A.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Proferiu-se, portanto, a seguinte decisão:</font><br>
<i><font>“Nos termos do exposto, julgo esta acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, pelo que, consequentemente:</font></i><br>
<i><font>a) Condeno a ré "Companhia de CC, SA", no pagamento ao autor AA:</font></i><br>
<i><font>- Da quantia de €50.000 (cinquenta mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais, a que acrescem os respetivos juros de mora, a contar da data da citação até integral pagamento, à taxa legal;</font></i><br>
<i><font>- Da quantia de €45.641,50 (quarenta e cinco mil seiscentos e quarenta e um euros e cinquenta cêntimos), a que acrescem os respetivos juros de mora, a contar da data da citação até integral pagamento, à taxa legal, sem prejuízo do desconto dos valores que o autor entretanto venha a receber da "GG" até à data do pagamento pela ré;</font></i><br>
<i><font>- Da quantia que se vier a liquidar em decisão ulterior, respeitante a perdas salariais e subsídios, até ao limite do valor global do pedido, a que acrescem os respetivos juros de mora, a contar da data da citação até integral pagamento, à taxa legal;</font></i><br>
<i><font>b) Absolvo a ré "Companhia de CC, SA", do demais peticionado.”</font></i><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Inconformadas recorreram a Ré e o A., este subordinadamente.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Apreciadas as apelações, a Relação concedeu parcial provimento a ambos os recursos, tendo, nessa conformidade, alterado parcialmente a sentença recorrida nos seguintes aspectos: </font><br>
<font>- repartiu-se o risco na produção do acidente na proporção de 95% para o veículo pesado, segurado na Ré, e 5% para o ligeiro conduzido pela A.</font><br>
<font>- alterou-se a resposta ao quesito 25, que tivera por provado que “ À data do embate, o A. procedia ao transporte de material por conta da empresa «FF... Construções, Ld.ª», para </font><u><font>NÃO PROVADO</font></u><font>; </font><br>
<font>- aumentou-se a indemnização a título de danos morais, de 50.000 € para 100.000 € (a que se deduziu os 5% de risco imputado ao ligeiro);</font><br>
<font>- aumentou-se a indemnização pela perda de capacidade do ganho, de 70.000 € para 180.000 € (a que se deduziu, igualmente os referidos 5%).</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>No mais manteve-se o decidido, fazendo reportar os juros de mora à data da citação.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>É deste acórdão que volta a recorrer a Ré, agora de revista e para este S.T.J. </font>
<p><font> </font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font> </font></p></div><br>
<b><u><font>Conclusões</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Oferecidas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font><br>
<i><font>“1ª- Considera a ora recorrente que o acórdão proferido pelo douto Tribunal "a quo" viola o regime previsto no artigo 506, n° 1, primeira parte, do Código Civil, ou seja, viola a ratio da norma, no que concerne á proporção do risco a atribuir a cada veículo interveniente.</font></i><br>
<i><font>2ª- Não havendo culpa de nenhum dos condutores intervenientes, a atribuição da proporção com a qual cada veículo contribuiu para a produção da colisão ou seja, o risco de cada um, reporta às suas características, pelo que sendo o veículo do recorrido um veículo ligeiro, se considera ser de imputar uma maior proporção ao veículo seguro na recorrente, na ordem dos 65% e ao veículo ligeiro 35%;</font></i><br>
<i><font>3ª- Nunca a percentagem atribuída pelo acórdão recorrido de 5%, manifestamente exígua, face as circunstâncias do caso concreto.</font></i><br>
<i><font>4ª- Considera a ora recorrente que o montante arbitrado a título de danos não patrimoniais no valor de 100.000,00€ pelo Tribunal "a quo" é absolutamente desajustado e sem fundamento, apesar de reconhecidamente graves as sequelas sofridas pelo recorrido. Todavia,</font></i><br>
<i><font>5ª- Quando em comparação com situações clinicamente muito mais graves, inclusive com dependência absoluta de terceiro, como em situações de paraplegia ou tetraplegia em que a média de danos de natureza idêntica se situa nos valores ora fixados, repita-se, é extremamente elevado.</font></i><br>
<i><font>6ª- Considerando-se adequado e ajustado o valor inicial de 50.000,00 €, cuja reposição se requer. </font></i><br>
<i><font>7ª- Quanto aos danos decorrentes da perda de capacidade de ganho, considera-se o montante fixado de 180.000,00 € completamente infundado. Com efeito,</font></i><br>
<i><font>8ª- O recorrido, não fez sequer, como lhe competia, a prova do seu salário. Mesmo assim foi arbitrada a indemnização com referência ao salário de 500€ que se admite como critério decorrente das regras da experiência comum. Todavia os 180.000,00 € fixados pelo Tribunal "a quo" não têm qualquer critério objetivo subjacente e violam frontalmente o disposto nos artigos 562 e 563° ambos do Código Civil. Com efeito,</font></i><br>
<i><font>9ª- O âmbito da obrigação de indemnizar assenta na teoria da diferença e, portanto, não pode ser pura e simplesmente uma ponderação, tendo apenas como referencia o resultado do acidente!</font></i><br>
<i><font>10ª- Qual o critério objetivo para se chegar ao montante de 180.000,00 € ? Salvo melhor opinião não é evidenciado, não indica critérios de cálculo, não considera a antecipação de capital, o facto do recorrido se encontrar a receber pensão de acidentes de trabalho e ter direito à mesma vitaliciamente...Assim,</font></i><br>
<i><font>11ª- Considera-se dever ser revogado, mantendo-se o montante fixado na decisão de 1ª instância. </font></i><br>
<i><font>12ª- Mantém a ora recorrente a opinião de que, tendo sido o pedido do recorrente genérico quanto aos juros de mora, deverão, quanto aos danos não patrimoniais, ser contabilizados apenas a partir da sentença e não da citação, já que apesar da fundamentação do douto acórdão recorrido, também não há nenhuma referência nas decisões á fixação do montante reportado à data do acidente.</font></i><br>
<i><font>13ª- A fixação desses montantes, naturalmente e automaticamente, são feitas pelos Tribunais com referência às decisões contemporâneas...Ou seja,</font></i><br>
<i><font>14ª- Os 100.000,00 € de danos não patrimoniais reportam a 2007, data do acidente? Nada decorre da douta decisão nesse sentido, pugnando-se por isso pela fixação dos juros moratórios apenas a partir da sentença. </font></i><br>
<i><font>Nestes Termos, </font></i><br>
<i><font>E demais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, com a consequente revogação do acórdão proferido pelo Tribunal “a quo", fazendo-se desse modo,</font></i><br>
<i><font>VERDADEIRA JUSTIÇA”. </font></i>
<p><font> </font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Os Factos </font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Foi a seguinte a factualidade fixada pela Relação: </font>
<p><font> </font><br>
<font>1. No dia 13 de Março de 2007, pelas 17,50 horas, na Avenida ..., ..., freguesia da ..., Concelho de Gondomar, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula -ZB, conduzido pelo autor, e o veículo pesado de passageiros, com a matrícula MQ-, conduzido por EE, propriedade da HH, Lda. (al. A) dos factos assentes);</font><br>
<font>2. O veículo conduzido pelo autor circulava no sentido Pé de Moura/... e o veículo com a matrícula MQ- circulava no sentido .../Pé de Moura (al. B) dos factos assentes);</font><br>
<font>3. O local onde ocorreu o embate configura uma curva à direita, com inclinação no sentido descendente, atento o sentido .../Pé de Moura, não sendo visível a faixa de rodagem em toda a sua extensão (al. C) dos factos assentes);</font><br>
<font>4. À data do embate o piso estava seco, sendo em asfalto e a rua marginada por edificações (al. D) dos factos assentes);</font><br>
<font>5. No local do embate a faixa de rodagem tem a largura de 5,25 metros, dispondo de uma linha longitudinal contínua no respectivo eixo de forma a delimitar cada uma das hemi-faixas, dispondo ainda de uma berma do lado direito com 60 cm de largura e uma berma do lado esquerdo com 40 cm de largura, atento o sentido de marcha do veículo "MQ" (resposta aos itens 1º e 15º da BI);</font><br>
<font>6. O "MQ" tem de largura 2,20 metros (sem considerar os espelhos retrovisores) e 12 metros de comprimento (resposta ao item 1º-A da BI);</font><br>
<font>7. À data do acidente o condutor do veículo "MQ" era funcionário da empresa de transportes públicos de passageiros " HH, Lda.", com sede em …, Santa Maria da Feira (resposta ao item 2º da BI);</font><br>
<font> </font><br>
<font>8. No momento em que ocorreu o embate entre os veículos "ZB" e o "MQ", o condutor deste último fazia-o no exercício das suas funções de motorista, ao serviço da sua entidade patronal, sob as ordens e instruções desta, mediante remuneração e cumprindo o horário que aquela lhe estipulou (resposta ao item 3º da BI);</font><br>
<font>9. A viatura "ZB" seguia a velocidade não superior a 50 km/h e na sua mão de trânsito, pela direita da via (resposta ao item 4º da BI);</font><br>
<font>10 - O veículo "MQ" seguia a uma velocidade não superior a 50 km/h (resposta aos itens 5º e 16° da BI);</font><br>
<font>11. O condutor do veículo "MQ", quando efectuava a curva à direita, atento o seu sentido de marcha, devido às dimensões de tal veículo e à largura da faixa de rodagem, teve necessidade de invadir parte da hemifaixa de rodagem destinada à circulação do trânsito em sentido contrário, por onde circulava o autor, ao volante do "ZB", colidindo então ambos algures na zona do eixo da via, mas ainda dentro da mão de trânsito destinada à circulação do "ZB", não obstante o condutor do "MQ" ter accionado o mecanismo de travagem de tal veículo quando avistou o "ZB", deixando por isso no pavimento um rasto de travagem de 2,40 metros, o que não foi suficiente para evitar a colisão entre ambos, conforme pretendia (resposta aos itens 6º, 7º, 17º, 18º, 19º e 20° da BI); </font><br>
<font>12. A colisão ocorreu entre a frente/canto esquerdo do veículo seguro na ré e a parte da frente/canto esquerdo do veículo onde seguia o autor...(resposta ao item 8º da BI);</font><br>
<font>13. ...Abalroando e arrastando o veículo onde seguia o autor da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do veículo onde seguia o autor (resposta ao item 9º da BI);</font><br>
<font>14. O veículo seguro na ré, em consequência do embate, ficou "encaixado " na frente do veículo onde seguia o autor (resposta ao item 11º da BI);</font><br>
<font>15. Após o embate o condutor do "MQ", fazendo marcha atrás, retirou tal veículo do local a fim de facilitar o trabalho dos bombeiros e da equipa médica do INEM que procediam ao desencarceramento do autor, o que - atento o referido no item 11º - fez com que o veículo "ZB" fosse arrastado da sua direita para o meio da via, atento o sentido de marcha do autor, na posição assinalada nos croquis de fls. 22 (resposta aos itens 12º, 13°, 23° e 24° da BI); </font><br>
<font>16. O condutor do veículo "MQ" fazia habitualmente aquele percurso (resposta ao item 14° da BI);</font><br>
<font>17. Em consequência do embate, o autor sofreu esfacelo da perna esquerda com perda de massa muscular e fracturas expostas da tíbia e perónio (resposta ao item 26° da BI);</font><br>
<font>18. Foi internado nos cuidados intensivos do Hospital de S. João no Porto, onde permaneceu entre o dia 14 de Março de 2007 e 28 de Março de 2007 (resposta ao item 27° da BI);</font><br>
<font>19. Foi submetido a uma primeira cirurgia logo no dia 13 de Março - osteotaxia com Hoffman das fracturas dos ossos da perna esquerda e miorafias múltiplas do extenso esfacelo com avulsão de tecidos da perna esquerda sob anestesia geral (resposta ao item 28º da BI);</font><br>
<font>20. Durante os primeiros 6 dias fez antibioterapia, com fluxoxacilina gentaminicina + metrocinadozol, para profilaxia de infecção de tecidos moles (resposta ao item 29º da BI); </font><br>
<font>21. Após 6 dias de internamento foi submetido a nova cirurgia para amputação da perna esquerda abaixo do joelho (resposta ao item 30º da BI);</font><br>
<font>22. E iniciou antibioterapia com meropen – amicacina - vancominicina (resposta ao item 31° da BI);</font><br>
<font>23. Após a cirurgia mencionada no ponto 22º sobrevieram ao autor infecções no coto e persistência de febre, e ao 12º dia de internamento foi submetido a nova cirurgia para amputação do fémur esquerdo (resposta ao item 32º da BI);</font><br>
<font>24. Durante o internamento surgiram várias complicações, o que obrigaram a que o mesmo fosse sujeito a tratamentos com medicação diária e constante (resposta ao item 33º da BI);</font><br>
<font>25. Após a operação mencionada no ponto 24º sobreveio ao autor pneumonia nosocomial, o que originou mais tratamento com antibióticos e morfina para as dores (resposta ao item 34º da BI); </font><br>
<font>26. Após a terceira cirurgia o autor apresentou perturbações a nível emocional e neurológico, sendo sujeito a TAC cerebral e ecocardiograma (resposta ao item 35º da BI);</font><br>
<font>27. Tendo posteriormente sido transferido para os cuidados intermédios onde permaneceu durante várias semanas, sujeito a tratamentos e medicação (resposta ao item 36º da BI); </font><br>
<font>28. O autor andou em tratamento de fisioterapia, de forma regular e semanalmente, durante mais de 9 meses (resposta ao item 37º da BI); </font><br>
<font>29. Teve alta médica em 16.04.2008, data da consolidação médico-legal das lesões (resposta ao item 38º da BI);</font><br>
<font>30. Foi colocada uma prótese ao autor (resposta ao item 39° da BI);</font><br>
<font>31. Em consequência das lesões sobrevindas em consequência do acidente de viação, dos autos, o A ficou de baixa médica durante 400 dias (resposta ao item 40º da BI);</font><br>
<font>32. Em consequência das lesões o autor não pode correr, caminhando e andando de bicicleta, com esforço (resposta ao item 41º da BI);</font><br>
<font>33. À data do acidente o autor exercia a sua actividade na distribuição de produtos de drogaria, carregando os materiais e transportando os mesmos, em veículo de mercadorias (resposta ao item 42º da BI);</font><br>
<font>34. O autor tem dificuldade em pegar num saco de cimento ou em qualquer outro produto de drogaria que implique esforço físico acentuado, seja para entregar a clientes, seja para armazená-los (resposta ao item 43° da BI);</font><br>
<font>35. Como consequência directa e necessária do acidente dos autos o autor apresenta as seguintes sequelas:</font><br>
<font>A)- Membro inferior esquerdo: Amputação pelo terço inferior da coxa esquerda.</font><br>
<font>B)- Quatro cicatrizes no coto da amputação (resposta ao item 44° da BI);</font><br>
<font>36. As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares e com as limitações mencionadas no ponto 34º, implicando ainda um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 50 pontos (resposta aos itens 45º e 46° da BI); </font><br>
<font>37. O autor exercia a sua actividade numa empresa de drogaria/venda de produtos de drogaria e similares, exercendo diversas funções, nomeadamente de motorista e distribuidor, auferindo, por isso, um vencimento mensal (resposta ao item 48º da BI);</font><br>
<font>38. Antes do acidente o autor gostava de ir à praia, fazer caminhadas com a mulher e fazer pesca desportiva, tratava do quintal e do jardim (resposta ao item 49º da BI);</font><br>
<font>39. Em consequência das lesões e sequelas emergentes do acidente, designadamente por não possuir um adequado equilíbrio nos membros inferiores (necessitando de apoio para caminhar com alguma segurança, designadamente uma prótese), o autor evita exercer as actividades referidas no ponto 38º (resposta ao item 50º da BI);</font><br>
<font>40. No dia do acidente, e em consequência dele, o autor sentiu aflição por ter ficado encarcerado, com a perna presa e consciente, durante dezenas de minutos, tendo tido a percepção que não sentia a perna e que se estava a esvair de sangue (resposta ao item 51º da BI);</font><br>
<font>41. Durante o tempo que esteve em tratamento passou por enormes dores e sofrimento e teve de ser sujeito a medicação com morfina, para aliviar as dores (resposta ao item 52° da BI);</font><br>
<font>42. O simples tocar de tecido no coto do membro esquerdo acarretava-lhe enormes e indescritíveis dores (resposta ao item 53º da BI);</font><br>
<font>43. Ainda no hospital, o autor passou por momentos de delírios e dores, nomeadamente no dia em que se apercebeu que tinha sido amputado o seu membro esquerdo, tendo entrado em completo isolamento, sem vontade de estar ou sequer de conversar com familiares e amigos, sentiu e sente um enorme desgosto e complexo de inferioridade (resposta aos itens 54º e 55º da BI);</font><br>
<font>44. Não conseguia dormir, comer, tomar banho sozinho ou sequer conviver com quem quer que fosse, sentindo-se completamente dependente dos outros, nomeadamente da esposa e filhos, pois, quando teve alta hospitalar e durante mais de 10 meses, tinha de haver especial cuidado com a zona operada, necessitando de ajuda para sair da cama, ir para a cadeira de rodas (resposta aos itens 56° e 57° da BI);</font><br>
<font>45. Em consequência do acidente, o autor necessitou de andar em cadeira de rodas, o que o fez sentir agastado, com alteração constante de humor e irritabilidade (resposta ao item 58° da BI);</font><br>
<font>46. Durante mais de um ano foi sujeito a tratamentos, exames e medicação (resposta ao item 59º da BI);</font><br>
<font>47. Durante o período em que esteve de baixa deixou de auferir rendimentos provenientes do trabalho (resposta ao item 60° da BI);</font><br>
<font>48. O autor, ainda hoje, tem pesadelos, com frequência (resposta ao item 61° da BI);</font><br>
<font>49. Sentindo-se diminuído fisicamente, triste e angustiado, com vergonha do seu estado físico e por isso não vai à praia, como até então ia (resposta ao item 62º da BI);</font><br>
<font>50. E sente desgosto e tristeza, pelo facto de ter sido amputado o seu membro inferior esquerdo, com complexos de inferioridade (resposta ao item 63° da BI);</font><br>
<font>51. Devido às sequelas que apresenta, o autor tem dificuldade em fazer caminhadas e em praticar pesca desportiva com os amigos, como até então fazia e lhe dava prazer, o que lhe provoca tristeza e angústia (resposta ao item 64º da BI);</font><br>
<font>52. Ainda hoje sente dores, que o acompanharão para o resto da vida na zona do coto (resposta ao item 65ºda BI);</font><br>
<font>53. O autor nasceu a 18 de Fevereiro de 1960 (cfr. documento de fls. 151);</font><br>
<font>54. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo com a matrícula MQ-, à data do embate, encontrava-se transferida para a ré, por contrato de seguro automóvel, titulado pela Apólice ... (al. E) dos factos assentes);</font><br>
<font>55. A "GG, Companhia de Seguros, SA", pagou ao autor as quantias de 4.958,04 euros, a título de incapacidade temporária absoluta (de 14.03.2007 a 16.04.2008) e 19.400,46 euros, a título de pensão anual vitalícia (o montante em causa circunscreve-se ao período de 17.04.2008 a 31.10.2012), visto que o acidente se deu nas circunstâncias referenciadas no ponto 9º (cfr. informação de fls. 530).</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><u><font>Fundamentação </font></u></b></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Como se vê das conclusões da revista, que, como é sabido, delimitam o seu objecto, são quatro as questões suscitadas.</font>
<p><font>A </font><u><font>primeira</font></u><font> diz respeito à proporção do risco a atribuir a cada um dos veículos intervenientes no acidente. </font>
</p><p><font>A </font><u><font>segunda</font></u><font> refere-se à valorização dos danos não patrimoniais.</font>
</p><p><font>A </font><u><font>terceira</font></u><font>, à valorização dos danos patrimoniais (perda de ganho futura), e </font>
</p><p><font>A </font><u><font>quarta</font></u><font> tem a ver com a data inicial a considerar para a contagem dos juros de mora no que concerne aos danos </font><u><font>não patrimoniais</font></u><font>, isto é, se devem contabilizar-se desde a citação, como decidiram as instâncias, se a partir da sentença da 1ª instância, como pretende a Ré/recorrente.</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>Vejamos.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><b><u><font>1ª Questão</font></u></b>
</p><p><b><u><font>Repartição do Risco </font></u></b>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>Como resulta dos autos a sentença da 1ª instância excluiu, à partida, a culpa de qualquer dos condutores intervenientes na produção do acidente, configurando toda a decisão no âmbito da responsabilidade objectiva ou pelo risco.</font>
<p><font>Tal opção não mereceu contestação de qualquer das partes que a subscreveram, pelo que tem-se por assente que nos movemos no âmbito da responsabilidade objectiva.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Portanto, uma vez que ocorreu colisão entre o veículo pesado de passageiros, de matrícula MQ-, e o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ZB, há que chamar à colação o disposto no Artº 506º do C.C., segundo o qual, num caso de colisão de veículos, não havendo culpa de qualquer dos condutores, a responsabilidade pelos danos será repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos.</font>
<p><font>Mas, se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigado a indemnizar.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>No caso concreto ficou apurado que o MQ (pesado), dadas as suas grandes dimensões, </font><u><font>não podia efectuar a curva onde ocorreu o embate, senão ocupando parte da hemifaixa esquerda</font></u><font>, atento o seu sentido de marcha e </font><u><font>que foi essa obstrução parcial das faixa de rodagem contrária a causa do acidente</font></u><font>, visto que o ZB circulava, dentro da metade direita da via, atento o seu sentido de marcha, tendo sido surpreendido pela obstrução da via pelo MQ, sem poder evitar a colisão.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Deste modo, excluída a culpa do condutor do pesado, como definitivamente se excluiu, sem controvérsia, concluiu a 1ª instância que “</font><i><font>A causa do acidente radica assim exclusivamente no risco acrescido de circulação da viatura «MQ», com aquelas dimensões e numa via com aquelas características, o que motivou que tivesse invadido parcialmente a hemifaixa de rodagem contrária, facto de que o autor (condutor do ZB) não se podia aperceber a uma distância superior a 20 metros, tendo sido surpreendido pela aproximação do «MQ» nos moldes já descritos e sem qualquer hipótese (para cada um dos condutores) de evitar a colisão…</font></i><font>”.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Porém, a Relação, diferentemente, considerando que a simples colocação em circulação de um qualquer veículo é bastante para contribuir para a produção de um acidente rodoviário, procedeu, nesse pressuposto, à repartição de responsabilidades, considerando que o veículo do A. contribuiu em 5% para a verificação do acidente e o veículo segurado na Ré (o pesado MQ), com os restantes 95%, o que, naturalmente, fez repercutir no valor final das indemnizações que atribuiu ao A.</font><div><br>
<font> *</font></div><br>
<font>Por sua vez, entende a recorrente seguradora que esta repartição não respeita o disposto no Artº 506º, nº 1, do C.C., porquanto não considera o risco real e objectivo de circulação do ligeiro, até porque se o ZB não estivesse em circulação naquele momento e local, não teria ocorrido o acidente…</font>
<p><font>Propõe, por isso, que a repartição de responsabilidades se faça, no caso concreto, na proporção de 65% para o veículo pesado (MQ) e 35% para o ligeiro (ZB).</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>Não lhes assiste, porém, qualquer razão.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Na verdade, na nossa perspectiva, a solução correcta foi a da 1ª instância.</font><div><br>
<font> *</font></div><br>
<font>Quando o Artº 506º nº 1 manda repartir a responsabilidade “</font><i><font>na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos</font></i><font>” refere-se, naturalmente, a situações em que no processo causal dos danos interferiram, adequadamente (nos termos da doutrina da causalidade adequada) ambos os veículos.</font>
<p><font>É, pois, necessário que o </font><u><font>risco próprio</font></u><font> de cada um dos veículos intervenientes tenha concorrido, de forma adequada e simultaneamente, para a verificação dos danos, ainda que em proporções diversas.</font>
</p><p><font>Por outras palavras, é necessário a verificação de uma conexão causal entre os riscos próprios dos veículos colididos e o dano. Só então haverá que averiguar qual a medida em que os danos podem ser atribuídos ao risco de cada veículo para, nas circunstâncias concretas de cada caso, produzir os danos (confr. Menezes Cordeiro – Obrigações, 1980 – 2ª - 39º).</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Pode, porém, acontecer que, apesar de ocorrer uma colisão de veículos, sem que se verifique culpa de qualquer dos condutores, os danos decorrentes só possam ser imputados a um dos veículos.</font>
<p><font>Pense-se, por exemplo, no caso em que um determinado veículo, transitando normalmente, fica, de repente, sem travões e, por isso, vai colidir com a traseira do veículo que transitava à sua frente.</font>
</p><p><font>Será óbvio que os danos resultantes da colisão foram provocados exclusivamente pelo veículo sem travões, sendo certo que o risco da falha de travões é, sem qualquer dúvida, um risco inerente à circulação automóvel.</font>
</p><p><font>Neste caso, é evidente, não há que repartir proporcionalmente a responsabilidade, visto que o veículo que seguia à frente (isto é, o risco da sua circulação) não concorreu em qualquer medida para a colisão.</font>
</p><p><font>Será, de resto, a situação como a descrita, a que se refere a 2ª parte do nº 1 do Artº 506º do C.C.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ora, é uma situação conceitualmente idêntica à descrita, a que se verifica no caso concreto.</font>
<p><font>Só a grande dimensão do pesado (MQ), conjugado com a estreiteza da via, tornaram necessário que, para realizar a curva onde ocorreu o embate, o MQ tivesse de ocupar parte da hemifaixa contrária, de modo que, circular por aquele local, aliás bem conhecido do respectivo condutor, acarretava um elevado risco acrescido, tendo ficado demonstrado que foi esse risco a única causa adequada do acidente.</font></p><div><br>
<font> *</font></div><br>
<font>Diz-se no acórdão recorrido que, ao pôr-se em circulação determinado veículo, estar-se-á, só por isso, a contribuir para a produção de acidentes rodoviários, afirmando, por sua vez, a recorrente, que se o ZB não estivesse em circulação naquele local, não teria ocorrido o acidente.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>É claro que a circulação de qualquer veículo potencia a verificação de um acidente, assim como se o ZB não circulasse naquele local, o acidente não ocorreria, só que, trata-se de verdades evidentes mas totalmente irrelevantes e sem sentido no contexto que aqui interessa considerar.</font><div><br>
<font> *</font></div><br>
<font>De facto, há muito que se abandonou a concepção naturalística da causa.</font>
<p><font>A nossa lei adoptou a teoria da causalidade adequada, segundo a qual, não é suficiente que o facto do agente tenha sido, em determinado caso concreto, condição s.q.n. do dano. É ainda necessário que, | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gjKbu4YBgYBz1XKvvSKT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
</div><br>
<br>
<b><u><font>Relatório</font></u></b>
<p><b><u><font>AA – …, SA</font></u></b><b><font>,</font></b>
</p><p><font>instaurou processo de injunção contra</font>
</p><p><b><u><font>BB …, CRL</font></u></b><font>,</font>
</p><p><font>pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 49.908,60 €, acrescida de 23.755,45 €, a título de juros de mora já vencidos, bem como os vincendos.</font>
</p><p><font>Alegou em fundamento que, entre a requerente e a requerida foram celebrados dois contratos de subempreitada, denominados:</font>
</p><p><font>— «Parcela 1.13.02 – ... – concepção – construção de contenção periférica e escavação», cujos trabalhos foram concluídos em Junho de 2002, e</font>
</p><p><font>— «Parcela 1.13.02 – ... – Execução de microestacas», cujos trabalhos foram concluídos em Março de 2003.</font>
</p><p><font>Os trabalhos de ambos as subempreitadas, foram adjudicados à A. nos termos das propostas apresentadas (Propostas da A. Ref. FD/04.01.1494 de 18/6/01 e Ref. 1571, de 31/1/2003, respectivamente).</font>
</p><p><font>Tais trabalhos foram executados e tacitamente recepcionados.</font>
</p><p><font>Desta prestação, resultou a emissão de diversa facturação, remetida à requerida, sendo certo que apenas relativamente à primeira subempreitada foram liquidadas as respectivas facturas.</font>
</p><p><font>A facturação </font><u><font>relativa à segunda subempreitada não foi liquidada pela requerida.</font></u></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>A requerida deduziu oposição, invocando a prescrição da dívida titulada pela factura de 31/3/2003 (Art.º 317º, b) de C.C.).</font>
<p><font>Além disso, impugna a matéria alegada, referindo, que, na data em que a A. concluiu os trabalhos de microestacas no lote da Ré (Março de 2003), a Ré dispunha de um crédito sobre a A., no montante de 109.457,98 €, a título de reembolso da reparação das avarias verificadas na anterior empreitada de «concepção-construção de contenção periférica e escavação no lote 1.13.02» que a A. executara para a Ré.</font>
</p><p><font>Assim, quando a A. enviou à Ré a factura agora em causa, ficou combinado entre a A. e a Ré, que o valor dos trabalhos facturados seria deduzido do referido crédito da Ré sobre a A.</font>
</p><p><font>Por isso, operou-se a compensação do crédito da A. ora reclamado, com a parte correspondente do aludido crédito da Ré sobre a A..</font>
</p><p><font>Está, pois, extinto há mais de 8 anos, o crédito ora reclamado.</font>
</p><p><font>Deduziu, ainda, reconvenção, no âmbito da qual pretende a condenação da A. a pagar-lhe a parte restante do alegado crédito da Ré, ou seja, </font><u><font>59.549,38 €</font></u><font>.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Termina a sua oposição pedindo, </font>
<p><font>a) o deferimento da excepção da prescrição presuntiva deduzida, com a consequente absolvição do pedido da A.;</font></p><div><br>
<u><font>ou, quando não</font></u></div><br>
<font>b) deve a Ré ser absolvida do pedido por se verificar a extinção do crédito reclamado pela A., por compensação.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Deve a reconvenção ser julgada procedente, porque provada, com a consequente condenação da A. a pagar à Ré reconvinte a quantia de 59.549,38 €, acrescida dos juros à taxa legal, que se vencerem a partir da notificação à A. da reconvenção.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>A A. replicou.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>No despacho saneador, o Tribunal “a quo” rejeitou o pedido reconvencional, por não ser legalmente admissível no processo de injunção, e </font><u><font>julgou procedente a excepção peremptória de prescrição presuntiva, absolvendo a Ré do pedido</font></u><font>.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>Inconformada recorreu a A..</font>
<p><font>Também a Ré recorreu, subordinadamente.</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>A Relação apreciando as apelações, julgou-as a ambas procedentes, tendo, em conformidade, admitido o pedido reconvencional, e </font><u><font>decidido pela improcedência da excepção presuntiva invocada pela Ré</font></u><font>.</font>
<p><font>Revogou, pois, a decisão recorrida e </font><u><font>ordenou a remessa dos autos à 1ª instância a fim de aí prosseguirem os autos seus trâmites legais</font></u><font>.</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>*</font></p></div><br>
<font>Inconformada, volta a recorrer a Ré, agora de revista e para este S.T.J..</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Conclusões</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Oferecidas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<b><u><font>Conclusões da Revista</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>«1. Na contestação, a R. alegou a compensação do crédito peticionado com a quantia que lhe era devida pela A., mas, ao contrário do entendido no douto acórdão recorrido, dessa alegação não resulta que "a Requerida não pagou a quantia peticionada".</font>
<p><font>2. Na verdade, a Ré alegou que o crédito da autora existiu de facto, mas que o mesmo foi extinto em Março de 2003, por compensação, o que equivale ao pagamento, dessa forma e nessa data tendo ficado extinto o crédito peticionado na presente acção. </font>
</p><p><font>3. Dessa forma, a Ré alegou que pagou a quantia peticionada, pois a compensação é uma forma de satisfação do direito do credor equiparada ao pagamento (cfr. art. 523° do C.C.).</font>
</p><p><font>4. Assim, a defesa apresentada pela Ré é perfeitamente compatível com a presunção de cumprimento porque a R. alegou que o pagamento mediante compensação ocorreu em Março de 2003.</font>
</p><p><font>5. Só seria incompatível se a Ré tivesse requerido, na acção ou na reconvenção, que o crédito da Autora fosse, agora, compensado com um crédito da R., o que não é o caso.</font>
</p><p><font>6. E não se diga que, apesar de a Ré ter considerado o crédito extinto por compensação em 2003, não está provado que a Autora tenha aceite tal compensação, pois, o que está aqui e agora em causa é apenas o que foi alegado pela Ré na contestação para fundamentar a prescrição e não o que, nessa matéria está ou virá a provar-se.</font>
</p><p><font>7. Por outro lado, não está provado nos autos que o crédito peticionado resulte de um contrato de empreitada.</font>
</p><p><font>8. Pelo contrário, o Autor, no Requerimento injuntivo, alega, apenas, que o crédito peticionado respeita a transacção comercial titulada pela Factura n.° …, de 31.03.2003, só nas suas alegações da apelação a Autora veio sustentar que celebrou com a Ré 2 contratos de empreitada,</font>
</p><p><font>9. Porém, entre Autora e Ré, foi celebrado apenas um contrato de empreitada, que foi o de "Concepção-construção de contenção periférica e escavação", celebrado em 14 de Novembro de 2001 e cujo preço foi integralmente pago à Autora, como a mesma reconhece, sendo deste o único título contratual de empreitada que se encontra nos autos.</font>
</p><p><font>10. Os trabalhos agora em causa, consistentes na "Execução de Microestacas", foram realizados pela Autora em Março de 2003, já depois de executados todos os trabalhos da referida empreitada, tratando-se de um fornecimento pontual que a Autora fez para a Ré, na altura em que já estava em curso a empreitada de "Execução da Estrutura do Edifício" celebrado entre a Ré e a "CC, S.A.".</font>
</p><p><font>11. De resto, se existisse o contrato de empreitada de "Execução das microestacas", sempre teria de ter sido reduzido a escrito, sob pena de nulidade, por imposição do disposto no artigo 51° do D.L. n.° 61/99, de 2 de Março, então em vigor, regra que, para contratos do valor que está em causa (49.908,60€), continua a vigorar (cfr. artigo 29° do D.L. 12/2004, de 9 de Janeiro).</font>
</p><p><font>12. O crédito em causa nos presentes autos foi facturado pela Autora à Ré em Março de 2003 e, nessa altura, foi extinto por compensação aceite pela Autora que, durante cerca de 8 anos, não reclamou da Ré o pagamento do valor da factura respeitante ao crédito sub iudice.</font>
</p><p><font>13. Quando, volvidos cerca de 8 anos, foi confrontada com o requerimento injuntivo, a Ré opôs-se e, legitimamente, invocou a prescrição, até porque já está praticamente esgotado o seu objecto social e mudaram os membros da sua Direcção, pelo que teve a maior dificuldade na reconstituição dos factos pertinentes para sua defesa, que só em parte logrou alegar e documentar.</font>
</p><p><font>14. Situação que é perfeitamente enquadrável na previsão legal, por isso a douta sentença proferida em 1a instância julgou, e bem, verificada a dita prescrição, decisão que importa recuperar, por ser a juridicamente adequada.</font>
</p><p><font>15. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, a Ré entende que foi feita errada interpretação do disposto na alínea b) do artigo 317° do Código Civil, que deveria ter sido interpretada no sentido de ser considerada verificada a prescrição presuntiva, com as legais consequências.</font>
</p><p><font>Nestes termos e nos mais de direito, que Vossas Excelências doutamente se dignarão suprir, deverão as presentes alegações ser julgadas procedentes e, consequentemente, ser proferido acórdão que, concedendo provimento ao recurso, revogue o douto acórdão recorrido na parte que julgou procedente a apelação da Autora e declare procedente a excepção da prescrição presuntiva conforme o decidido em 1ª instância.</font>
</p><p><font>Assim fazendo esse Venerando Tribunal, como é seu timbre, a habitual Justiça.»</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Os Factos</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>A Relação fixou a seguinte factualidade:</font>
<p><font>— O presente processo deu entrada em juízo em 14/7/2011 e destina-se à cobrança da quantia de 73.664,05 € (incluindo juros já vencidos).</font>
</p><p><font>— Tal quantia refere-se ao preço de trabalhos executados pela requerente no âmbito de um contrato de empreitada celebrado com a requerida.</font>
</p><p><font>— A factura relativa ao montante peticionado data de 31 de Março de 2003.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Além desta factualidade, interessa considerar toda a situação descrita no antecedente relatório.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>A única questão suscitada na revista, traduz-se em saber se a Ré pode prevalecer-se da prescrição presuntiva do Art.º 317º, b) do C.C. que invocou, como decidiu a 1ª instância, ou se, pelo contrário, o preceito em causa não tem aplicação no caso concreto, como entendeu o acórdão recorrido.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Vejamos:</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Como se vê do acórdão sob censura, entendeu-se que a Ré não podia prevalecer-se da prescrição presuntiva que invocou, desde logo porque resulta da contestação que o crédito da A. </font><u><font>não foi pago pela Ré</font></u><font>, porquanto, alegadamente, teria sido acordado entre as partes </font><u><font>compensá-lo</font></u><font> com um contra-crédito detido pela Ré e que ela podia exigir à A.</font>
<p><font>Assim, a defesa da Ré seria incompatível com a prescrição, uma vez que esta assenta na presunção do cumprimento.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ora, é isso mesmo que resulta, inequivocamente da contestação da Ré, o que evidentemente ilide a presunção do cumprimento que está subjacente à prescrição de curto prazo do Art.º 317º, b) do C.C..</font>
<p><font>Na verdade, as prescrições dos Art.ºs 316º e 317º, são prescrições de curto prazo, </font><u><font>de natureza presuntiva</font></u><font>, visto que se fundam </font><u><font>na presunção do cumprimento</font></u><font>, presunção que pode ser ilidida pelo credor, embora só por via de confissão do devedor.</font>
</p><p><font>Tal confissão pode ser extrajudicial, e nesse caso, só releva se for escrita, ou pode ser também judicial, caso em que tanto vale a confissão expressa como a tácita (Art.º 313º e 314º do C.C.).</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Quer dizer, o efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, </font><u><font>a extinção da obrigação</font></u><font>, mas antes a inversão do ónus da prova, que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento (e só por confissão do devedor, como se disse).</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>A razão de ser deste regime especial desenhado para este tipo de prescrições de curto prazo, assenta em considerações de ordem prática, colhidos da experiência comum e conexionadas com o tipo de relações contratuais (seus sujeitos e objecto) que estão em causa.</font>
<p><font>Como ensina Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica – II- 452), a lei “... estabeleceu curtos prazos para a prescrição dos créditos do merceeiro, do hoteleiro, do advogado, do procurador etc., etc., porque se trata de créditos que o credor adquire pelo exercício da sua profissão, da qual vive. Ao fim de um prazo relativamente curto o credor, em regra, exige o seu crédito, pois precisa do seu montante para viver. Por outro lado, o devedor, em regra, também paga estas dívidas dentro de curto prazo, porque são dívidas que contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes.</font>
</p><p><font>Mesmo quando o devedor é pessoa de más contas, prefere não pagar outras dívidas e ir pagando estas, até porque de outra maneira acabaria por não ter quem o servisse.</font>
</p><p><font>Finalmente, o devedor em regra não cobra recibo destas dívidas, quando as paga; e se exige recibo não o conserva por muito tempo”.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Sendo assim, atenta a especial natureza deste tipo de prescrição, não basta invoca-la, sendo ainda necessário que, quem dela pretenda prevalecer-se, alegue o pagamento, ainda que não tenha de o provar, ou pelo menos, não pode alegar factualidade incompatível com a presunção de pagamento, sob pena de ilidir a presunção.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Diz a Ré que a sua alegação de defesa, não é incompatível com o funcionamento da prescrição que invocou, pois reconheceu que a dívida existiu, afirmando apenas que, entretanto, foi extinta por compensação.</font>
<p><font>É certo que a Ré alegou a extinção da dívida por compensação, mas ao que nos parece, a compensação não é um modo de cumprimento da obrigação, mas apenas um dos modos da sua extinção para </font><u><font>além do cumprimento</font></u><font> (como diz a lei).</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>«Cumprimento é a actuação da obrigação, ou seja, </font><u><font>a realização da prestação</font></u><font>, trate-se de prestação de coisa ou prestação de facto (Art.º 762º, n.º 1).</font>
<p><font>Cumpre aquele que executa a sua obrigação, entregando a soma de dinheiro ou a coisa devida ou prestando os serviços que está adstrito ...».</font>
</p><p><font>(Confr. Galvão Telles – Direito das Obrigações – 2ª ed. – 1979).</font>
</p><p><font>Resumindo, diz a lei, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (Art.º 766º, n.º 1 C.C.).</font>
</p><p><font>Portanto, o cumprimento assim definido, representa o </font><u><font>meio normal</font></u><font> de liberação do devedor, sendo, por conseguinte, uma das causas de extinção da obrigação.</font>
</p><p><font>Mas, a par do cumprimento, existem outras causas de extinção que não se confundem com o cumprimento.</font>
</p><p><font>É o caso da compensação, da dação em cumprimento, da consignação em depósito, da novação da remissão ou da confusão, todas figuras jurídicas que determinam a extinção da obrigação por meio diverso do cumprimento.</font>
</p><p><font>Esta distinção tem consagração legal.</font>
</p><p><font>Como observa A. Varela (Das Obrig. Em Geral – II)</font>
</p><p><font>“Foi precisamente com o intuito de realçar a </font><u><font>função capital do cumprimento</font></u><font> que o Código Civil o inseriu, a par da matéria afim do </font><u><font>não-cumprimento</font></u><font>, num capítulo autónomo, distinto daquele (capítulo VIII: art.ºs 837º e seguintes) em que são reguladas as restantes causas de extinção das obrigações.”.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ora, as prescrições presuntivas a que se referem os Art.ºs 312º e seg. do C.C., baseiam-se, como se disse, numa presunção de cumprimento (ou pagamento) e por isso são prescrições de curto prazo pelas razões já referidas.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Parece-nos, pois, evidente, que não abrangem outras formas de extinção dos créditos a que se referem, senão a que decorre do pagamento desses créditos.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Dito por outras palavras, </font><u><font>decorridos os prazos prescricionais, presume-se o pagamento dos créditos mencionados nos Art.ºs 316º e 317º</font></u><font> (C.C.), </font><u><font>mas não se presume a extinção desses créditos por via da compensação, da novação, da remissão, etc.</font></u><font> ...</font>
<p><font>Na verdade, se é normal na vida real de relação, que os créditos a que se referem os preceitos citados, sejam pagos em curto espaço de tempo, muitas vezes sem a exigência de recibos, ou sem a preocupação de os guardar por longos períodos, já nada tem de normal ou habitual que tal tipo de créditos se extingam por compensação ou por qualquer das outras formas reguladas no capítulo VIII (Art.º 837º e seg.) do C.C..</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Sendo assim, como nos parece, tendo a Ré invocado a prescrição do Art.º 317º, b) do C.C., mas vindo depois alegar que o crédito se extinguiu por compensação, está a confessar claramente que </font><u><font>não pagou o preço dos serviços prestados pela A</font></u><font>.. Isto é, a causa da alegada extinção do crédito accionado, não é </font><u><font>o cumprimento da obrigação</font></u><font>, mas a compensação.</font>
<p><font>Porém, só o pagamento do preço dos serviços pode presumir-se à luz do Art.º 317º, b) do C.C. .</font>
</p><p><font>Consequentemente, neste sentido, a defesa é incompatível com a presunção invocada, ou, se se quiser, a presunção subjacente à referida prescrição não abrange outra forma de extinção da obrigação pecuniária em causa, que não seja por via do cumprimento, este, traduzido, no caso, no pagamento do preço convencionado.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Assim, resultando da defesa da Ré que ela não pagou o preço dos serviços prestados pela A. (no âmbito do contrato da empreitada que com ela celebrou), está ilidida a presunção do cumprimento que justifica a invocada prescrição, restando-lhe provar a existência do contra-crédito alegado e da parcial compensação convencional invocada.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>Mas, ainda que assim não fosse, tal como decidiu o acórdão recorrido, também pensamos que nunca seria de aplicar ao caso concreto em lide, a prescrição do Art.º 317º, b) do C.C..</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>É que a </font><u><font>prescrição presuntiva em questão, não tem aplicação no âmbito de créditos emergentes de contrato de empreitada de construção civil, ou relacionados com a construção</font></u><font>.</font>
<p><font>Como se refere no Ac. deste S.T.J. de 29/11/2006 – Proc. n.º 1466/2006 – 6ª,</font>
</p><p><font>“Representando o crédito parte do preço de um contrato de empreitada de construção de imóvel, não é aplicável o regime do Art.º 317º, b) do C.Civil”.</font>
</p><p><font>Da mesma forma entendeu o Ac. da R.L. de 23/3/2006, já que a expressão utilizada no Art.º 317º, b) “</font><u><font>execução de trabalhos</font></u><font>” “não se destina a abranger empreitadas relativas a obras levadas a efeito na construção civil de imóveis, que habitualmente demoram largos meses e até anos, em que, como se sabe, até mesmo no que respeita à garantia de reparação dos eventuais defeitos, que entretanto ocorram, é de cinco anos, para os imóveis ...”.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>É, na verdade, esta a jurisprudência assente na matéria, não se vendo qualquer razão para a alterar.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ora, apesar do que em contrário diz a ré recorrente, não haverá dúvidas sérias de que o crédito accionado pela A., decorre de um </font><u><font>contrato de empreitada</font></u><font>, como a A. logo o qualificou no requerimento de injunção (embora aí o denomine de subempreitada, discrepância qualificativa irrelevante para o caso).</font>
<p><font>Também a Ré qualifica o contrato celebrado com a A. como empreitada como se vê dos pontos 10, 38 e 39 da sua contestação.</font>
</p><p><font>De qualquer modo, os trabalhos realizados pela A. para a Ré, encontram-se descriminados na sua proposta de fls. 112/113, como referindo-se à “Parcela 1.13.02 – Fundações das Paredes PA1 e PA2 – Microestacas ...” bastando a sua leitura para se concluir com segurança que se está </font><u><font>perante uma empreitada de obra de construção civil</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Foi essa obra que a A. se obrigou a realizar para a Ré, mediante um preço e nas condições constantes na dita proposta, que foi expressamente aceite pela Ré (Art.º 1207º C.C.).</font>
</p><p><font>E, embora a empreitada seja uma modalidade de contrato de prestação de serviços (Art.º 1155º do C.C.), trata-se de uma modalidade especialmente regulada pela lei, à qual, por isso, corresponde uma disciplina própria, que a distingue do contrato de prestação de serviços definido no Art.º 1154º, designadamente, porquanto, neste, o que se promete é uma actividade através da utilização de trabalho, enquanto na empreitada se promete o resultado do trabalho.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Alega, porém, a recorrente que, a tratar-se de um contrato de empreitada, seria um contrato nulo por falta de forma, uma vez que não foi reduzido a escrito como impunha a lei vigente à data da sua celebração (Art.º 51º do D.L. 61/99 de 2/3).</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Como resulta dos autos, a A. remeteu à Ré uma proposta escrita onde discrimina os trabalhos que se propõe realizar, o prazo, o preço e demais condições (cofr. doc. de fls. 111/112/113 – não impugnado pela Ré – ).</font>
<p><font>A Ré, por sua vez, remeteu à A. o telefax de fls. 114, por via do qual adjudicou à A. empreiteira, a obra, nas condições propostas, o que corresponde a aceitação.</font>
</p><p><font>Assim, uma vez que a proposta e a respectiva aceitação obedeceu à forma escrita exigida por lei, podia discutir-se se, afinal, não terá sido observada a forma legalmente exigida, mostrando-se o contrato perfeito.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Por outro lado, mesmo a admitir que não terá sido observada a forma legal, uma vez que o contrato foi cumprido pela A. e a obra entregue à Ré, que dela se aproveitou, parece que nunca a Ré poderia invocar a nulidade do contrato por falta de forma, uma vez que uma tal conduta integraria flagrante abuso de direito, traduzido num “venire contra factum proprium”.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Não interessa, no entanto, aprofundar qualquer destas situações, porquanto, sendo certo que o art.º 51º do D.L. 61/99 de 2/3 (diploma à data em vigor) exigia documento escrito para titular o contrato de empreitada ou subempreitada de obra, sob pena de nulidade, não é menos certo que no seu n.º 2 </font><u><font>imputa à entidade que dá a obra de empreitada, a responsabilidade pela falta de forma do contrato</font></u><font>, e no seu n.º 3 determinava que </font><u><font>essa nulidade não pode ser oposta ao industrial que toma a obra de empreitada por quem dá tal obra de empreitada</font></u><font>.</font>
<p><font>Tal significa que a Ré, como dona da obra que a deu de empreitada à A., não podia opor a esta a nulidade do contrato por falta de forma legal.</font>
</p><p><font>Trata-se, pois, de uma nulidade atípica, que não pode ser conhecida oficiosamente, porque estabelecida em benefício do empreiteiro.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Assim, improcede manifestamente o argumento contido na conclusão 11.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>A conclusão é de que o crédito invocado pela A. deriva directamente de um contrato de empreitada de obra de construção civil, daí que, como acima se deixou dito, não tenha aplicação ao caso concreto o regime especial da prescrição prevista no Art.º 317º, b) do C.C..</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>A acção deve, pois, prosseguir como decidiu o acórdão recorrido, que não merece censura.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Improcedem, assim, todas as conclusões da revista.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Decisão</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Custas pela Ré/recorrente.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Lisboa, 8 de Maio de 2013</font>
<p><font>Moreira Alves (Relator)</font>
</p><p><font>Alves Velho</font>
</p><p><font>Paulo Sá</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Conclusões</font></u></b>
<p><font>1 – O efeito da prescrição presuntiva do Art.º 317º do C.C. não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova do pagamento, que deixa de onerar o devedor, que, por isso não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento (e só por confissão do devedor);</font>
</p><p><font>2- A razão de ser das prescrições presuntivas (de curto prazo), é a de proteger o devedor contra a dificuldade da prova do pagamento e tem em vista as dívidas que, de acordo com as regras da experiência comum, se pagam em curtos prazos, sem que o devedor exija documento de quitação ou exigindo-o, por regra o não conserva por muito tempo;</font>
</p><p><font>3- A compensação de créditos não é um modo de cumprimento da obrigação, mas apenas uma das causas da sua extinção (para além do cumprimento);</font>
</p><p><font>4- Decorrido o prazo prescricional previsto no Art.º 317º do C.C. presume-se o pagamento dos créditos nele mencionados, mas não se presume a extinção desses créditos por via da compensação, da novação, da remissão etc.;</font>
</p><p><font>5- Deste modo, invocada a prescrição do Art.º 317º do C.C. e depois vir alegar que o crédito accionado se extinguiu por compensação, traduz defesa incompatível com a presunção do cumprimento inerente à prescrição invocada, o que determina ter-se por ilidida aquela presunção;</font>
</p><p><font>6- A prescrição presuntiva do Art.º 317º do C.C., não se aplica aos créditos emergentes de contratos de empreitada de construção civil.</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TTKRu4YBgYBz1XKvSxwc | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>I – Relatório</font></b><font>.</font>
</p><p><font>AA e BB, instauraram (15/3/2006), na Comarca de Porto de Mós acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus: CC e DD (1.ºs Réus); EE e FF (2.ºs Réus); GG (por sua morte os habilitados HH e II) e HH (3.ºs Réus).</font>
</p><p><font>Para o pedido que formulam, alegam, em síntese, que:</font>
</p><p><font>São donos de um prédio que anteriormente fazia parte de um prédio-mãe, sendo que deste prédio-mãe faziam parte ainda outros dois prédios, um dos quais pertencente aos 1.ºs Réus.</font>
</p><p><font>Do prédio dos 1.ºs Réus foi por sua vez destacado um prédio, hoje pertencente aos 2.ºs Réus.</font>
</p><p><font>A sul dos prédios dos Autores e dos 1.ºs Réus sempre passou um caminho, o qual sempre deu acesso a uma moagem. Sucede que os 1.ºs Réus entenderam que tal caminho terminava a cerca de 50 metros desde que se iniciou junto à Rua …, tendo estendido a área do seu imóvel para cima do caminho em questão, ficando os Autores sem possibilidade de pelo mesmo circular.</font>
</p><p><font>No prédio dos Autores encontra-se construída uma casa de habitação, anexos e logradouro, sendo que uma das construções abarca em toda a sua extensão a largura do imóvel sem ter deixado qualquer espaço para se aceder ao logradouro e vinha situado nas traseiras, e que os Autores sempre cultivaram desde que adquiriram o prédio, ao mesmo acedendo pelo caminho acima referido.</font>
</p><p><font>Os Autores adquiriram o direito de servidão relativamente a tal caminho, constituído por destinação de pai de família e por usucapião.</font>
</p><p><font>Sem prescindir, os Autores sempre teriam direito à constituição da aludida servidão de passagem uma vez que o seu prédio identificado não tem qualquer comunicação com a via pública na parte do logradouro (art. 1550.º do Código Civil).</font>
</p><p><font>Concluíram pedindo que os Réus sejam condenados:</font>
</p><p><font>a) A reconhecer o direito de servidão de passagem a pé e de carro dos Autores para acesso ao logradouro e vinha do seu prédio, descrito sob o n.º … (prédio dominante) sobre os descritos, em parte do n.º 156, a fls. 79 do Livro B1, da extinta Conservatória Privativa, e sob os n.ºs …. e …, todos da freguesia da ..., prédios dos Réus (prédios servientes), constituído por usucapião;</font>
</p><p><font>b) Caso assim não se entenda, a reconhecer o direito de servidão legal de passagem a pé e de carro dos Autores, face a terreno encravado, para acesso ao logradouro e vinha em causa, constituído por usucapião, nas mesmas condições da alínea anterior;</font>
</p><p><font>c) A restituir aos Autores a livre passagem sobre a aludida servidão, abstendo-se de praticar quaisquer actos que possam obstar ou limitar o exercício de tal direito.</font>
</p><p><font>Na contestação com que pretenderam contraminar a pretensão autoral, alegaram os 1ºs e 2ºs Réus, que:</font>
</p><p><font>A passagem pretendida pelos Autores não atravessa o prédio dos 2.ºs Réus, atravessando o prédio confinante do lado sul, dos herdeiros do falecido Réu GG.</font>
</p><p><font>O prédio dos Autores nunca foi servido por qualquer serventia pelo lado sul, confinando em toda a sua extensão norte com caminho público (Rua …), e jamais passaram sobre os prédios dos 1.ºs e 2.ºs Réus para acederem ao seu prédio (nunca o tendo feito também sobre o prédio dos 3.ºs Réus). Também não foi criada, por determinação de alguém, qualquer área de passagem de uns terrenos para os outros, designadamente junto do seu limite sul.</font>
</p><p><font>O prédio dos Autores não beneficia de qualquer direito de servidão de passagem sobre os prédios dos Réus.</font>
</p><p><font>Concluíram pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font>Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 29/11/2013 (fls. 279 e segs.) que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>a) (…) todos os Réus a reconhecer o direito de servidão predial de passagem, a pé e de carro, em benefício do prédio dos Autores identificado na al. a) dos Factos Provados, para acesso ao logradouro desse prédio, direito aquele constituído por usucapião sobre o prédio dos Réus CC e DD, melhor identificado na al. b) dos Factos Provados, sendo a passagem feita por um caminho com início na Rua …, tomando o traçado da Rua … e passando sobre o prédio identificado na al. b) dos Factos Provados com cerca de 2,50 metros (dois metros e meio) de largura, junto à estrema sul desse prédio e paralelamente a tal estrema, até atingir o prédio dos Autores identificado na al. a) dos Factos Provados;</font></i>
</p><p><i><font>b) Os Réus CC e DD a restituir aos Autores a livre passagem sobre a aludida servidão;</font></i>
</p><p><i><font>c) (…) todos os Réus a abster-se de praticar quaisquer actos que possam obstar ou limitar o exercício do direito dos Autores; e</font></i>
</p><p><i><font>d) Absolver os Réus do mais que é pedido nesta acção pelos Autores.</font></i><font>”</font>
</p><p><font>Na apelação que interpuseram da decisão extractada, viria a ser decidido (sic):</font>
</p><p><i><font>“1) Julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, em parte, a sentença, e </font></i>
</p><p><i><font>Julgar a acção parcialmente procedente, e</font></i>
</p><p><i><font>- Condenar os 1.ºs e 3.ºs Réus a reconhecer o direito de servidão predial de passagem, a pé, em benefício do prédio dos Autores identificado na al. a) dos Factos Provados, para acesso ao logradouro desse prédio, direito aquele constituído por usucapião sobre o prédio dos Réus CC e DD, melhor identificado na al. b) dos Factos Provados, sendo a passagem feita por um caminho com início na Rua da …, tomando o traçado da Rua … e passando sobre o prédio identificado na al. b) dos Factos Provados com cerca de 2,50 metros (dois metros e meio) de largura, junto à estrema sul desse prédio e paralelamente a tal estrema, até atingir o prédio dos Autores identificado na al. a) dos Factos Provados; </font></i>
</p><p><i><font>- Condenar os Réus CC e DD a restituir aos Autores a livre passagem sobre a aludida servidão; </font></i>
</p><p><i><font>- Condenar os 1.ºs e 3.ºs Réus a abster-se de praticar quaisquer actos que possam obstar ou limitar o exercício do direito dos Autores; </font></i>
</p><p><i><font>- Absolver os 2°s Réus dos pedidos</font></i><font>." </font>
</p><p><font>Da decisão prolatada a fls. 1343 a 1364 impele o demandado/recorrente recurso de revista, para o que dessume o quadro conclusivo que a seguir queda extractado. </font>
</p><p><b><font>I.A. – Quadro Conclusivo</font></b><font>.</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Acresce que, atenta a actual redacção da alínea w) dos factos provados, o reconhecimento de direito de servidão de passagem de carro, adquirido por usucapião, sobre o prédio dos Recorrentes a favor do prédio dos AA., viola o disposto no art. 1287.º do Cód. Civil, pois está em causa a aquisição de um direito cuja extensão não corresponde aos actos possessórios efectivamente praticados pelos adquirentes, pelo que deve ser revogada a d. decisão recorrida no que se refere à passagem de carro. </font></i>
</p><p><i><font>3ª - O depoimento prestado pela 3ª R. HH - requerido, admitido e prestado ainda antes da entrada em vigor do novo CPC - não podia ser valorado pelo Tribunal a quo uma vez que não contém qualquer confissão, </font></i><i><u><font>por ausência de factos que efectivamente lhe pudessem ser desfavoráveis</font></u></i><i><font>, não se circunscrevendo no âmbito de aplicação do art. 563º/1 do anterior CPC, nem têm aplicação as disposições dos arts. 358º/4 e 361º do Código Civil. </font></i>
</p><p><i><font>4.ª - Por outro lado, à data em que foi requerido e prestado aquele depoimento da 3.ª R. HH, não estava prevista na Lei a chamada "prova por declarações de parte", actualmente prevista no art. 466º do NCPC e que é apreciada livremente pelo tribunal (cf. nº 3 do art. 466º) nem aquela podia depor como simples testemunha por a tal obstar o art. 617º do CPC/61. </font></i>
</p><p><i><font>5.ª - Ao valorar o depoimento daquela Ré - ainda que sobre o princípio da livre apreciação da prova - o Tribunal a quo admitiu um meio de prova que a Lei não previa, sobrepondo-se ao Legislador e violando as disposições dos arts. 554º/1, 563º/1 e 617º todos do anterior CPC e bem assim, os arts. 352º e 361º a contrario, do Código Civil; e tendo tal depoimento contribuído de forma significativa para a conformação da convicção do Tribunal, interferindo dessa forma no sentido da decisão final da causa, existe nulidade processual nos termos do art. 201º do CPC (actual 195º/1 do CPC), que deverá ser reconhecida, determinando-se a não valoração desse depoimento na fundamentação da decisão. </font></i>
</p><p><i><font>6.ª - Por outro lado, sendo reconhecida a sobredita nulidade processual, terá que ser reconhecido o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos provados nas alíneas w); aa) e bb), já que para além da referida Ré HH, nenhuma outra prova foi produzida que permitisse dar por provados aqueles factos, nomeadamente quanto ao facto dos AA. e seus antepossuidores acederem ao seu prédio pelo dito caminho, ou há quanto tempo o fazem ou deixaram de fazer, nem tampouco com que convicção o faziam. </font></i>
</p><p><i><font>7.ª - A valoração do depoimento da Ré HH foi essencial na fixação dos sobreditos factos, sendo aquela a única pessoa que referiu actos concretos dos AA. e seus antepossuidores, situando-os no tempo. </font></i>
</p><p><i><font>8.ª - Uma vez que o depoimento da referida Ré não era legalmente admissível, a apreciação pelo Tribunal a quo dessa alegada "prova", a ela atendendo na fixação dos factos materiais da causa ofende as normas processuais relativas à admissibilidade das provas (arts. 554º/1, 563º/1 e 617º todos do anterior CPC) e mais, as normas substantivas relativas ao valor de cada prova (arts. 352º e 361º a contrario, do Código Civil), situação que se enquadra no caso excepcional do art. 674º, nº 3 do NCPC, em que é admitido recurso de revista para apreciação do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa. </font></i>
</p><p><i><font>9ª - Donde, deve ser apreciado e reconhecido o erro na apreciação da prova, devendo ser desconsiderado o depoimento da R. HH, alterando-se a matéria de facto relativa aos pontos w), aa) e bb), que face à ausência de outras provas conclusivas devem ser dados como não provados, nos termos previstos no art. 682º, nº 2 in fine do NCPC. </font></i>
</p><p><i><font>10ª - Devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se dos RR. dos pedidos, ou caso assim se não entenda, deve ser anulada a decisão recorrida determinando-se a repetição do julgamento da matéria de facto, por não ser possível determinar quais os pontos concretos e em que medida contribuiu tal depoimento para a formação da convicção.” </font></i>
</p><p><font>Os demandantes/recorridos não contraminaram a pretensão dos recorrentes.</font>
</p><p><b><font>I.B. – Questões a merecer apreciação na revista</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Apurada e turificada que foi a decisão com a assumpção do erro apontado na conclusão 1.ª – nulidade do acórdão por contradição entre a fundamentação e a decisão – cfr. fls. 1397 e 1308 – a única questão que ressuma dos fundamentos do recurso é a do eventual erro na apreciação da prova, por errada valoração do depoimento de parte de uma das partes (HH). </font>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>As instâncias deram por adquirida a factualidade que a seguir extractada.</font>
</p><p><b><i><font>“</font></i></b><i><font>a) Está inscrita na Conservatória do Registo Predial da ..., sob o n.º …, da freguesia da ..., a aquisição a favor dos Autores, pela Ap. …, do prédio misto sito no lugar ..., composto por casa de habitação de rés-do-chão, arrecadação anexa, com a área de 235 m2, logradouro com 25 m2 e vinha com a área de 1.190 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com JJ, do nascente com KK e do poente com LL, estando inscrito sob o artigo … urbano e … rústico (cf. documento de fls. 81, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>b) Está inscrita na Conservatória do Registo Predial da ..., sob o n.º …, da freguesia da ..., a aquisição a favor dos 1.ºs Réus, do prédio rústico sito no lugar ..., composto por vinha e oliveiras, com a área de 2.610 m2, a confrontar do norte e nascente com caminho, do sul com JJ e do poente com AA (Autor marido), inscrito sob o artigo … da mesma freguesia (cf. documento de fls. 92, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>c) Os 1.ºs Réus realizaram, junto da Câmara Municipal da ..., uma operação de destaque de uma parcela do terreno identificado na al. b) para efeitos de construção urbana, ficando o prédio com uma área de 730 m2, ao invés dos iniciais 2.070 m2.</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>d) Está inscrita na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º …, da freguesia da ..., a aquisição, a favor dos 2.ºs Réus, do prédio urbano composto por terreno para construção urbana, com a área de 1.340 m2, a confrontar a norte e nascente com caminho, do sul com caminho e CC e poente com AA, inscrito na matriz urbana sob o artigo … da mesma freguesia (cf. documento de fls.16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>e) A parcela destacada do prédio referido na al. b) deu origem ao prédio identificado na al. d).</font></i>
</p><p><i><font>f) Pertence aos 3.ºs Réus o prédio sito em Rebolaria, freguesia e concelho da ..., que confronta do norte com LL, do sul com herdeiros de MM, do nascente com NN (presentemente, OO) e do poente com PP.</font></i>
</p><p><i><font>g) Nos autos de inventário orfanológico com os n.ºs 12/35 e 20/53, que correram termos no Tribunal Judicial de Porto de Mós, foi atribuído a QQ (casada com RR), LL (casado com SS) e aos menores TT, UU, VV, XX e KK a verba n.º 12, identificada como terra com vinha e oliveiras, no sítio ..., freguesia da ..., que confronta do norte com estrada pública, do nascente com serventia de fazendas, do sul também com serventia, do poente com ZZ, não descrita na Conservatória do Registo Predial e inscrita na respectiva matriz predial sob os artigos rústicos ….º e ….º (cf. documento de fls. 18, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>h) Em 22/09/1976, a Repartição de Finanças da ... certificou que o prédio referido na al. g) estava inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ... sob os artigos ..., … e … (cf. documento de fls. 22, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>i) Por escritura lavrada em 18/10/1976 no Cartório Notarial da ..., AAA e mulher declararam doar à Autora mulher o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ... sob o artigo …, identificado como terra de vinha na …, desta freguesia da ..., a confinar do norte com caminho, do nascente com KK e outros, do sul com JJ e do poente com LL (cf. documento de fls. 23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>j) Por escritura lavrada em 2/01/1980 no Cartório Notarial da ..., XX, BBB e KK declararam vender aos 1.ºs Réus, e estes declararam aceitar a venda, do prédio identificado como terra de vinha e de oliveiras sita na …, na freguesia e concelho da ..., que confronta do norte com estrada pública, do nascente com serventia de fazendas, do sul com serventia e do poente com ZZ, omissa na Conservatória do Registo Predial de Porto de Mós e inscrita na matriz no artigo … (cf. documento de fls. 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>k) Por escritura lavrada em 12/10/1981 no Cartório Notarial da ..., CCC e DDD declararam vender e OO, casado com EEE declararam aceitar a venda, de um prédio identificado como terra de semeadura com 10 oliveiras no sítio da …, na freguesia e concelho da ..., que confronta do norte com caminho, do nascente com FFF, do sul com GGG e do poente com JJ, omissa na Conservatória do Registo Predial de Porto de Mós e inscrita na matriz no artigo … (cf. documento de fls. 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>l) Por deliberação da Câmara Municipal da ... de 14/10/1999, foi autorizado um destaque de uma parcela do prédio referido na al. b) (cf. documento de fls. 29, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>m)Em 11/10/1999, o 1.º Réu marido requereu, junto da Conservatória do Registo Predial da ..., a rectificação da descrição do imóvel identificado na al. b), passando a área de 2.610 m2 para 2.070 m2 e a confrontação a sul de HHH para JJ (cf. documentos de fls. 30 e 91, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>n) A Câmara Municipal da Marinha Grande reconhece como sendo caminho público uma extensão de 72,82 metros e uma largura de 3 metros, a que atribuiu a designação toponímica “Rua …”.</font></i>
</p><p><i><font>O) No prédio identificado na al. a) encontram-se uma casa de habitação de rés-do- chão, anexos e logradouro.</font></i>
</p><p><i><font>p) Uma das construções identificadas na al. o) abarca em toda a sua extensão a largura do prédio, de 50 metros, sem que tenha sido deixado (do lado nascente ou poente) qualquer espaço para se aceder ao logradouro e vinha situados nas traseiras da habitação do prédio referido na al. a).</font></i>
</p><p><i><font>q) O prédio referido na al. a) é confinante de norte, em toda a sua extensão, com a Rua ....</font></i>
</p><p><i><font>r) Até finais da primeira década do século XX, os prédios identificados nas als. a) e b) e o prédio que com estes confina do lado poente, actualmente pertencente a III, eram um prédio único.</font></i>
</p><p><i><font>s) O prédio referido na al. g) confrontava a norte com caminho, hoje Rua ..., e do sul com o prédio que hoje é dos herdeiros de GG.</font></i>
</p><p><i><font>t) O anexo do prédio referido na al. a) que ocupa o seu terreno em toda a sua largura tem uma porta de passagem para as traseiras.</font></i>
</p><p><i><font>u) Em 14/07/2004, o Autor marido requereu a alteração da confrontação do prédio identificado na al. a) no Serviço de Finanças e na Conservatória do Registo Predial da ..., declarando que que o mesmo confina a sul com “Caminho Público denominado Rua …” (cf. documento de fls. 84, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font>v) O Autor marido e GG assinaram a planta apresentada para efeitos da rectificação referida na al. m).</font></i>
</p><p><i><font>w) Desde há pelo menos mais de 50 anos, os autores e seus antecessores, para aceder nomeadamente ao prédio referido na al. a), passavam a pé por um caminho com mais de 100 metros de extensão na continuidade da Rua … até ao local onde existia um moinho de vento, no sítio … (actualmente Urbanização ….).</font></i>
</p><p><i><font>x) Desde há mais de 30 anos que tal caminho tinha cerca de 2,50 metros de largura, conhecendo-se o mesmo no local por sinais de passagem (calcamento) de pessoas e de carros e ausência de culturas.</font></i>
</p><p><i><font>y) Tal caminho parte da Rua ..., toma o traçado e trajecto da Rua … e passa nomeadamente na zona norte do prédio de OO, e depois nos prédios identificados nas als. a) e b) junto à estrema sul destes e paralelamente à mesma.</font></i>
</p><p><i><font>z) Percorridos cerca de 72 metros do caminho, contados desde a Rua ..., existe um corte à esquerda que dá acesso ao prédio identificado na al. f).</font></i>
</p><p><i><font>aa) Desde que adquiriram o prédio referido na al. a), os Autores cultivaram pelo menos parte do logradouro, onde chegou a haver uma vinha.</font></i>
</p><p><i><font>bb) Os actos referidos nas als. w) e seguintes foram praticados pelos Autores e seus antecessores na convicção de que exerciam um direito próprio, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse.</font></i>
</p><p><i><font>cc) O moinho supra referido foi demolido alguns anos antes da instauração da presente acção, encontrando-se agora, junto a esse local, um muro delimitador de uma propriedade.</font></i>
</p><p><i><font>dd) Perto desse moinho existiu um barracão pertença de JJJ, onde ele arrumava o seu automóvel, o que fez passando com o automóvel pelo caminho supra referido durante cerca de 10 anos, a partir de 1975/1976.</font></i>
</p><p><i><font>ee) Quem percorresse esse caminho, primeiro passava pelo prédio referido na al. b), depois pelo prédio referido na al. a), depois passava pelo tal barracão de JJJ e finalmente chegava ao moinho.</font></i>
</p><p><i><font>ff) E passou uma máquina e veículos com materiais de construção aquando da construção de uma casa no imóvel confinante a ponte com o descrito na al. a).</font></i>
</p><p><i><font>gg) Entretanto, em data não apurada, os primeiros Réus construíram um muro em toda a largura do caminho identificado nas als w) e x), impedindo, desde então, que os Autores passassem pelo mesmo.</font></i>
</p><p><i><font>hh) A rectificação referida na al. m), quanto à alteração da confrontação sul, foi feita com o conhecimento e consentimento do Autor marido.</font></i><font>”</font>
</p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.B.1. – Depoimento de parte. Confissão. Atendibilidade. Valor probatório</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.B.1.a. – Sinopse e exposição da questão</font></b><font>. </font>
</p><p><font> A única questão que no recurso ressalta como discrepância relativamente ao julgado da Relação – fazendo daí decorrer as consequências probatórias que inviabilizariam a consagração da decisão de facto que propiciou a decisão – cinge-se à validade e valoração que há-de ser estabelecida para o depoimento de parte de um dos intervenientes processuais directos no desfecho da acção, que não tendo obtido um sentido negativo relativamente aos factos para que foi convocado e para era destinado, acabou por ser valorado com meio de prova e cevar, bastantemente, a convicção do julgador, em primeira instância, o que mereceu a corroboração, ou coonestação, do tribunal de apelação.</font>
</p><p><font>Linearmente, referem os recorrentes, que o depoimento de parte da R. HH, foi reduzido a escrito, mas na desinência da prova produzida, constatou-se a sua inutilidade confessória. Neste entendimento, os RR. requestaram a sua supressão, como meio de prova a ser valorado pelo tribunal, tendo, na decisão do tribunal de primeira instância, sido mantida a assentada, e o depoimento valorado – não como depoimento de parte – mas como meio de prova declaratória pessoal, a ser valorada, conchavadamente, com os demais elementos de prova que as partes aportaram ao acervo probatório judiciário.</font>
</p><p><font>O tribunal de primeira (1.ª) instância – cfr. fls. 289 – apreciou a questão nos termos seguintes: “</font><i><font>Apreciando: nos termos do art. 563.° do Código de Processo Civil na redacção em vigor à data da prática do acto, o depoimento da parte é sempre reduzido a escrito na parte em que houver confissão do depoente ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem a indivisibilidade da declaração confessória. </font></i>
</p><p><i><font>Pretende este artigo dar consagração processual ao regime previsto no art. 358.°, n.º 1 do Código Civil, onde apenas a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente. </font></i>
</p><p><i><font>No momento em que se redige a assentada, a apreciação sobre se a declaração tem eficácia confessória é meramente liminar. Na realidade, e por um lado, casos há em que só após a produção da prova globalmente considerada é que se poderá fazer um juízo seguro sobre se determinado facto é ou não desfavorável a quem o reconhece. Por outro lado, em casos de litisconsórcio, o facto pode efectivamente ser desfavorável à parte que o reconhece, mas a eficácia da confissão pode ser limitada nos termos do art. 353.°, n.º 2 do Código Civil. </font></i>
</p><p><i><font>Ora, parece-me que a prudência aconselha que sempre que um facto tenha a virtualidade de ser entendido como desfavorável à parte que o reconhece, deve ser o depoimento ser reduzido a escrito nessa parte, tanto mais que a redução a escrito tem lugar imediatamente após a prestação do depoimento, não devendo esperar pelos eventuais depoimentos dos restantes Réus em litisconsórcio. </font></i>
</p><p><i><font>Por outro lado, a redução a escrito de um depoimento não lhe dá uma eficácia que o mesmo materialmente não tenha. Ou seja, o reconhecimento de um facto pela parte, reduzido a escrito, não se torna em confissão eficaz só porque está reduzido a escrito, sendo que tal caracterização tem de ser apurada em face da materialidade da declaração e da legitimidade do declarante. </font></i>
</p><p><i><font>Por todo o exposto, entendo que não houve violação de qualquer norma legal ao determinar-se a redacção da assentada que consta de fls. 244-245 - indeferindo-se em consequência o requerido pelos Réus a este respeito -, sendo que a sua eficácia probatória será apreciada em seguida.</font></i><font>” </font>
</p><p><font>O acórdão do tribunal de apelação, seguiu a orientação do decidido na primeira instância, abonando-se em jurisprudência que não vem publicada – pelo menos nas datas indicadas. </font>
</p><p><b><font>II.B.1.b. – Análise dogmática e jurisprudencial</font></b><font>. </font>
</p><p><font>A confissão constitui uma declaração que “</font><i><font>tem por objecto factos passados, ou factos presentes duradoiros</font></i><font>” e visa afirmar a realidade desses factos, de modo a confirmar que eles ocorreram, tal com são afirmados por uma das partes, “sendo, pois, a confissão uma declaração que tem por conteúdo uma informação sobre a realidade exterior, e nesse sentido, poder-se-á dizer que é uma declaração de ciência.” [</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Não exigindo a lei forma escrita para a confissão, exige-a, no entanto, para que adquira força probatória plena – cfr. artigo 358.º do Código Civil. [</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Existindo uma relação de pluralidade de sujeitos numa acção, tendo a confissão por objecto a declaração de um dos sujeitos sobre factos juridicamente relevantes, “</font><i><font>a relação de legitimidade exprime-se na desfavorabilidade do facto ao sujeito do acto, isto é, na contrariedade do efeito jurídico que desse facto resulta, ou pode resultar, ao interesse do confitente</font></i><font>.” [</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>A lei regula – cfr. artigo 356.º, n.º 2 do Código Civil – a forma da confissão provocada, que “</font><i><font>pode ser feita em depoimento de parte, ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Actualmente a lei admite, inovatoriamente, a produção de declarações de parte, não acolhendo de forma plena aquilo que o Professor Lebre de Freitas parece defender, de ser instituído um regime de testemunha de parte que vigorará de forma plena nos sistemas da anglo-saxónicos – </font><i><font>examination and cross-examination</font></i><font> – ou mesmo em Itália com o </font><i><font>interrogatorio libero</font></i><font> ou em França com o </font><i><font>comparation personnelle des parties</font></i><font>, que se baseia, essencialmente, na livre apreciação, pelo julgador, das declarações produzidas pela parte podendo “</font><i><font>este igualmente valorar em termos de prova a declaração favorável ao interrogado, em sintonia com uma versão moderna do principio da oralidade que repousa necessariamente no bom senso e na boa preparação técnica dos juízes (enquanto julgadores lúcidos da questão de mérito, não tanto enquanto peritos em questões de ordem processual) …</font></i><font>” [</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Só a confissão judicial escrita adquire força probatória plena – cfr. artigo 358.º do Código Civil. [</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>/</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>O depoimento de parte não tem que ser reduzido a escrito, apenas o devendo ser se o tribunal, na apreciação que fizer de um depoimento provocado e atendendo à legitimidade da parte que o produz e à relevância fáctica da declaração relativamente ao facto e à sua existência na realidade, pregressa ou actual continuada, verificar que a declaração adquire um efeito desfavorável para aquele que expressa a declaração, traduzindo-se essa confissão representativa de um estado objectivo cuja realidade contraria o interesse subjectivo do confitente. </font>
</p><p><font>A propósito do depoimento de parte escreveu-se no acórdão da Relação de Coimbra, relatado pelo Conselheiro António Piçarra, “</font><i><font>é certo que o depoimento de parte constitui o meio técnico de provocar a confissão judicial (arts. 552º e segs. do CPC e 356º, n.º 2 do CC), ou seja, o reconhecimento de factos favoráveis à parte contrária (art. 352º do CC). E também é verdade que não houve confissão, tanto que não se procedeu à redução a escrito imposta pelo art. 563º do CPC e, como adiante se verá, o núcleo de factos em que o autor radicou a sua pretensão não veio a ser considerado provado. Não obstante isso, o Mm.º Juiz a quo não estava impedido de, para melhor se esclarecer e apurar a verdade necessária à justa composição do litígio, socorrer-se de todos os depoimentos prestados, incluindo o dos referidos réus. </font></i>
</p><p><i><font>É claro que, não tendo os mesmos conduzido à confissão, não podia valorá-los, nessa vertente e atribuir-lhes esse efeito (o confessório), mas podia apreciá-los livremente (art.º 361º do CC) e neles basear-se, em conjugação com os demais meios probatórios, para dirimir a matéria de facto. Há que não olvidar que «o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas (art.º 515º do CPC) e apreciá-las livremente, decidindo segundo a sua prudente convicção» (art.º 655º, n.º 1 do CPC). E, como se alcança do despacho de fundamentação de folhas 382 a 386, foi isso precisamente o que sucedeu: o Mm.º Juiz a quo atendeu às declarações dos réus, mas nenhuma resposta se alicerçou apenas nelas, antes as conjugando com as demais provas, nomeadamente, depoimentos das diversas testemunhas e relatórios médicos juntos, para formar a sua convicção sobre cada facto.</font></i><font> [</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><i><font>Entendemos, por isso, que, ao invés do que sustenta o autor, não foi violado o art.º 361º do CC (…), na medida em que as declarações não confessórias das partes não constituem óbice a que o tribunal nelas se abone e as utilize, segundo a sua prudente e livre apreciação, para em conjunto com todos os outros meios probatórios alicerçar a sua convicção sobre cada um dos factos controvertidos.</font></i><font>” [</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Ainda no plano jurisprudencial importará, pela lhaneza, clareza e razoamento lógico-racional e narrativo-expositivo, convocar o que adrede foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 02-11-2004, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos, “</font><i><font>o depoimento de parte constitui meio de provocar uma confissão - arts 552.º e segs. </font></i>
</p><p><i><font>O depoimento de parte só é admissível quando incidir sobre factos que desfavoreçam o depoente e, assim, possa dar origem a confissão.</font></i>
</p><p><i><font>O art. 553, nº3, do C.P.C. apenas permite que se exija o depoimento de comparte se este toma posição ou alega factos diferentes do comparte que requer o seu depoimento, favoráveis a este e desfavoráveis àquele (Ac. S.T.J. de 27-1-04, Colo. Ac. S.T.J., 1º, 49).</font></i>
</p><p><i><font>Mas coisa diferente é o tribunal decidir que qualquer parte seja ouvido como declarante, para esclarecimento de factos que interessam à decisão da causa.</font></i>
</p><p><i><font>C | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TTKku4YBgYBz1XKvpCaG | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>I. </font></b><font>AA intentou a presente acção declarativa com forma ordinária, pedindo a condenação da Ré BB a pagar-lhe a quantia de € 50.775,00, com juros desde a citação.</font><br>
<font>Alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de seguro de danos próprios, relativamente a um veículo automóvel pelo valor seguro de € 45.000,00, com franquia de € 1.000,00 e que tendo tal veículo sofrido acidente de viação (despiste), quando era conduzido pelo pai da Autora, foi o mesmo considerado como perda total. </font><br>
<font>Inicialmente a R propôs entregar-lhe a quantia de € 36.350,00 vindo depois e reduzir esse valor para € 15.250,00 por entender que o veículo tinha o valor de € 23.900,00 (sendo € 5.650, os salvados, e € 1.000,00, a franquia), facto que a Autora não aceita, por ter pago prémio, considerando o valor atribuído de € 45.000,00, valor que reclama, acrescendo indemnização pela privação de veículo, no montante de € 5.775,00.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A Ré contestou, afirmando que a indemnização emergente de contrato visa a indemnização pelos danos efectivamente sofridos e não proporcionar-lhe qualquer enriquecimento.</font><br>
<font>Mais alegou que a Autora, aquando da celebração do negócio, indicou como valor do veículo € 45.000,00, valor que a Ré, de boa fé, aceitou, tendo apurado depois, em consequência da participação efectuada que o valor do mesmo era de € 23.900,00, valor que, excluída a franquia e salvados (€ 7.650,00), se propôs pagar-lhe, promovendo o estorno à Autora do valor dos prémios de seguro cobrados em excesso.</font><br>
<font>A Autora replicou, invocando o DL 214/97 para considerar que a Ré deve pagar o valor contratado, acrescentando que, aquando da celebração do contrato com a Ré, lhe prestou todas as informações que lhe foram solicitadas.</font><br>
<font>Foi proferida sentença que julgou a acção</font><i><font> “parcialmente procedente e, absolvendo a Ré do demais peticionado, condena-se a mesma a pagar à A. a quantia de € 15.250, 00”.</font></i><br>
<font>A Autora interpôs recurso de apelação na sequência do qual foi proferido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no qual, na procedência da apelação, se decidiu fixar o montante a pagar pela R à A em € 36350,00. </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>II. </font></b><font>Desta decisão interpôs a R BB o presente recurso de revista no qual alega, em síntese, que:</font><br>
<font>a) Não obstante a factualidade provada demonstrar que o veículo seguro não valia mais de € 23900 o tribunal veio a fixar uma indemnização que teve em conta o valor de € 45000, declarado pela A;</font><br>
<font>b) Lembrando que ninguém pode ser indemnizado por valor superior ao dano sofrido conclui que a decisão recorrida acaba por consubstanciar uma situação de enriquecimento ilícito.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>III. Factos provados.</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>1 -</font></b><font> A Autora celebrou com a aqui Ré um contrato de seguro de Responsabilidade Civil e Danos Próprios Ramo Automóvel titulado pela apólice 000000000000, em 18 de Abril de 2008, para a viatura de matrícula 00-00-00, com diversas coberturas, incluído a cobertura de choque colisão ou capotamento, mediante o pagamento dum prémio de seguro semestral de € 405,71, prémio este, que a Autora sempre liquidou à Ré, logo que lhe foi solicitado (al. A).</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>2 -</font></b><font> Do referido contrato de seguro faz parte a cobertura Choque, Colisão ou Capotamento para a dita viatura 00-00-00, de marca Mercedes, modelo 000000000, sendo o valor seguro de € 45.000,00, com uma franquia no valor de € 1.000,00. (doc. de fls. 12) – al. B).</font><br>
<b><font>3 -</font></b><font> A Autora participou o sinistro à aqui Ré que, a após a vistoria aos danos da viatura, entendeu face à gravidade e extensão dos danos, que a opção económica e técnica era a perda total da viatura 00-00-00 (al. C).</font><br>
<b><font>4 -</font></b><font> Os salvados da viatura foram avaliados pela Ré em € 7.650,00. (doc. de fls. 11) – al. D).</font><br>
<b><font>5 -</font></b><font> </font><b><i><font>A Ré, em 2 de Fevereiro de 2009, de acordo com o contrato, propôs-se pagar à Autora a quantia de € 36.350,00 (€45.000,00 – €7.650,00 – €1.000,00) – enviando uma carta à Autora, com o seguinte texto</font></i></b><font>: </font><i><font>“Na sequência da vistoria da viatura em referência…conclui-se que os danos sofridos no veículo tomam a sua reparação desaconselhável, pelo que a indemnização deverá ser estabelecida em dinheiro.</font></i><br>
<i><font>Atendendo a que a apólice tem cobertura facultativa de Choque, colisão ou capotamento, o montante calculado é de 45.000,00 €, de acordo com o estabelecido nas Condições Gerais da Apólice, art.º 2, n.º 2, alínea b), ao qual há a deduzir a franquia contratual de 1.000,00 € e valor do salvado.</font></i><br>
<i><font> </font></i><br>
<i><font>Ao veículo acidentado foi atribuído o valor de 7.650,00 €, pelo que o montante de indemnização será de 36.350,00 €.</font></i><br>
<i><font>Realçamos que, na qualidade de proprietário, pode dar ao veículo o destino que entender conveniente e caso pretenda proceder à sua comercialização, pelo valor acima referido, poderá fazê-lo, através da entidade abaixo referida, que se compromete a adquiri-lo por aquela quantia.</font></i><br>
<i><font>O valor estabelecido é válido por 70 dias, tendo em conta que neste prazo é entregue toda a documentação necessária à respectiva tramitação da viatura acidentada, remetendo para os nossos serviços fotocópias do Livrete e Título de Registo de Propriedade” </font></i><font>(al. E).</font><br>
<font>6 – De imediato a Autora iniciou as diligências no sentido de preparar a documentação para entregar à Ré, a fim de ser ressarcida dos seus prejuízos (Facto aditado, nos termos permitidos pelo art.º 712º, do C. P. Civil, por se encontrar provado por acordo expresso das partes nos articulados – art.º 14º da p.i. e 1º da contestação).</font><br>
<font>7 - </font><i><font>Em 11 de Março 2009, a Ré, por carta enviada à sua segurada, propõe pagar à Autora/segurada o montante de € 15.250,00 (valor do veículo € 23.900,00 – valor salvado € 7.650,00 – franquia € 1.000,00) – doc. de fls. 10 (al. F).</font></i><br>
<font> </font><br>
<b><font>8 -</font></b><font> A Ré, em 14 de Fevereiro de 2009, apesar de saber que a viatura estava completamente destruída, ainda se prontificava para cobrar um prémio de seguro, sempre baseada no capital de 45.000,00 euros, com aplicação da tabela de desvalorização em vigor no contrato, pelo que enviou à Autora o aviso de pagamento de prémio para o semestre de 28/03/2009 a 27/09/2009, agora com um prémio de € 423,40. (Doc de fls. 9) – al. G).</font><br>
<b><font>9 -</font></b><font> O montante contratado de capital seguro para a cobertura de Choque, Colisão ou Capotamento da viatura 00-00-00 é de € 45.000,00, tendo sido sobre este valor que a Autora pagou o prémio e também foi sobre este valor que a Ré recebeu esse mesmo prémio – (al. H).</font><br>
<b><font>10 -</font></b><font> A Autora procedeu à venda do veículo seguro em 30 de Março de 2009, data em que o transmitiu a sociedade Godony Industria Material Contra Incêndio Lda., (doc. de fls. 29) – al. I).</font><br>
<b><font>11 -</font></b><font> O veículo da Autora apresentava danos que determinaram a sua perda total – (resposta ao 5º da BI).</font><br>
<b><font>12 -</font></b><font> Por força dos danos apresentados no veículo, a Autora viu-se impossibilitada de o utilizar – (resposta ao 6º da BI).</font><br>
<b><font>13 -</font></b><font> E sem dinheiro para a substituição da mesma no imediato – (resposta ao 7º da BI).</font><br>
<b><font>14 -</font></b><font> A Autora esteve impossibilitada de utilizar aquele veículo nas suas deslocações profissionais e particulares – (resposta ao 8º da BI).</font><br>
<b><font>15 -</font></b><font> O pai da Autora adquiriu, depois, um veículo automóvel cujo uso cedeu àquela – (resposta ao 9º da BI).</font><br>
<b><font>16 </font></b><b><i><font>–</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Na sequência da participação referida em C), os serviços da Ré verificaram que o veículo da Autora não tinha o valor de € 45.000,00 – (resposta ao 11º da BI</font></i></b><i><font>).</font></i><br>
<b><font>17 </font></b><font>-</font><i><font> </font></i><b><i><font>Os serviços da Ré consideraram que o veículo da Autora, por ser do ano de 2002, tinha o valor de € 23.900,00 (resposta ao 12º da BI).</font></i></b><br>
<b><font>18 -</font></b><font> Os “salvados” do veículo foram avaliados pela Ré em € 7.650,00 (resposta ao 13º da BI).</font><br>
<b><font>19 -</font></b><font> Sem que a Autora nada tenha esclarecido à Ré dessa divergência entre o valor do objecto seguro ao tempo da apresentação dessa proposta e o montante do capital que viria a contratar (resposta ao 14º da BI).</font><br>
<b><font>20 -</font></b><font> </font><b><i><font>Sendo certo que a Autora – que acabara de proceder à importação do veículo para Portugal e à sua legalização neste país – não desconhecia que existia essa diferença (resposta ao 15º da BI).</font></i></b><br>
<b><font>21 -</font></b><font> A Autora indicou como valor do veículo € 45.000,00, tendo o mediador de seguros aceite esse valor (resposta ao 15º da BI).</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font> </font></b><br>
<b><font>IV. Do mérito:</font></b><br>
<font>A questão que se colocou na acção e se mantém neste recurso traduz-se na quantificação/extensão da responsabilidade da R (seguradora) perante a A (segurada) decorrente da alegada verificação de um dano coberto por contrato de seguro do ramo automóvel que abrange os danos próprios do veículo segurado, contrato esse em que o capital seguro é superior ao valor da viatura segurada.</font><br>
<font>Por via desse contrato de seguro e de acordo com a factualidade provada, a R obrigou-se perante a A a indemnizar os danos que para esta adviessem em resultado de choque, colisão ou capotamento, até ao limite do capital seguro, no caso € 45.000,00, valor este declarado pela A como sendo o valor do veículo na altura da celebração do contrato e aceite pelo mediador de seguros (</font><i><font>ponto 21 dos factos provados</font></i><font>).</font><br>
<font>Acontece, porém, que na sequência da participação do sinistro, e após uma primeira declaração expressa de aceitação da obrigação de indemnizar pelo montante relativo ao capital seguro, veio a seguradora a verificar que o real valor do veículo não era o valor declarado de € 45000 mas sim um valor estimado em € 23900, circunstancia que era do conhecimento da A (</font><i><font>pontos 16, 17, 19 e 20 dos factos provados</font></i><font>).</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Estamos perante a verificação de uma situação típica de </font><b><u><font>sobresseguro</font></u></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a><font>, situação que se verifica sempre que </font><i><font>“ab initio”ou no decurso do contrato </font></i><font>o objecto do seguro tenha um valor inferior ao valor declarado ou seja um valor inferior àquele pelo qual se encontra seguro e é nesta perspectiva, e não em qualquer outra, que a questão suscitada no recurso tem e deve ser analisada.</font><br>
<font>Relativamente a esta figura do “sobresseguro” ou “seguro excedente” recordamos que a natureza e função exclusivamente indemnizatória</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> dos seguros de risco (ou seguros contra danos) – </font><i><font>assente no principio de que o segurado deve ser ressarcido dos prejuízos efectivamente sofridos até ao limite da cobertura da apólice </font></i><font>– conduziu a que a generalidade das ordens jurídicas europeias viesse, já nas codificações de direito comercial do século XIX</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, a inserir na legislação sobre seguros a figura do sobresseguro, consagrando, em simultâneo e com base nos mesmos princípios e fundamentos, um principio legal (</font><b><font>principio do indemnizatório</font></b><font>) segundo o qual o seguro só é válido dentro do valor segurável entendido este como o valor real do objecto seguro</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Na legislação nacional a questão do sobresseguro e a consagração do principio do indemnizatório, que vinha sendo objecto de expressa regulação no artigo 435º do Código Comercial</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>, é actualmente regulada pelo Decreto-lei nº 72/2008, de 16 de Abril</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>, o</font><i><font> </font></i><font>qual no seu artigo 132º (</font><b><i><font>sobresseguro) </font></i></b><font>diz que </font><i><font>“se o capital seguro exceder o valor do interesse seguro é aplicável o disposto no artigo 128º, podendo as partes pedir a redução do contrato”</font></i><font> sendo precisamente este artigo 128º que mantém na legislação nacional relativa ao contrato de seguro a consagração do princípio do indemnizatório referindo que </font><i><font>“a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro”.</font></i><br>
<font>Perante o especifico tratamento da questão na legislação nacional em vigor não têm, na situação concreta, sentido relevante para a decisão os argumentos que estão na base da divergência entre as decisões contrárias das instancias e que tem a ver com as diferentes consequências por elas extraídas das duas sucessivas reacções da R seguradora à participação de sinistro efectuada pela A.</font><br>
<font>Vejamos o que se passou.</font><br>
<font>Da matéria de facto resulta que na sequência da participação do acidente sofrido, a R propôs à A, em 2 de Fevereiro de 2009, por carta enviada à sua segurada, pagar-lhe a quantia de € 36.350,00 (€45.000,00 (valor do veículo) – €7.650,00 (valor dos salvados) – €1.000,00 (franquia) – (</font><i><font>ponto 5 dos factos provados</font></i><font>).</font><br>
<font>Posteriormente, e depois de ter averiguado e constatado que o valor real do veículo não era o declarado no contrato de seguro, em 11 de Março 2009 a Ré enviou, em 11 de Março do mesmo ano uma segunda carta à sua segurada, propondo-lhe pagar apenas o montante de € 15.250,00 (€ 23.900,00 (valor do veículo) – € 7.650,00 (valor dos salvados) – € 1.000,00 (valor da franquia) – </font><i><font>(ponto 7 dos factos provados</font></i><font>).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Perante esta factualidade assente a decisão proferida em 1ª Instancia entendeu que a segunda proposta apresentada pela Ré à Autora, não configura uma retratação ou revogação da anterior, mas sim a invocação de factos novos determinantes da invalidação da proposta anterior (resultante de factos dos quais tomou conhecimento em momento posterior à primeira declaração).</font><br>
<font>Diz aquela sentença que</font><i><font> “ao emitir a primeira proposta de atribuição de valor indemnizatório com base em informação errada que lhe foi fornecida pela A, sabendo esta da sua desconformidade com a realidade, labora em erro e, invalidando tal proposta com a invocação do motivo por que o faz, está a lançar mão do expediente de anulação, por força do disposto no art.º 247º (erro) ou mesmo por força do disposto nos artºs 253º e 254º Código Civil (dolo), o que também veio invocar nestes autos quando alegou os factos que servem de fundamento a tal vício de vontade (art.º 287º Código Civil)”.</font></i><br>
<i><font>Sendo assim, conforme invocado pela Ré e demonstrado (cf. supra factos descritos em 15, 16, 18 a 20), verifica-se vício de vontade, senão dolo, pelo menos o erro do art.º 247º Código Civil, relevante porque essencial à apresentação da primeira proposta (o valor do veículo que a Ré tomou como correspondente ao valor real) e porque a A não poderia ignorar a essencialidade desse facto falso na formação da vontade da Ré”.</font></i><br>
<font>Com base nestes argumentos a sentença condenou a R seguradora a indemnizar a A com base no valor real do veículo e não com base no valor declarado no contrato de seguro.</font><br>
<font>Por sua vez o Tribunal da Relação no douto acórdão recorrido entendeu que a Ré se limita a alegar a desconformidade do valor do carro seguro e do seu valor real e o seu desconhecimento de tal facto no momento em que faz a proposta que está na origem do contrato, sem, no entanto, extrair qualquer efeito jurídico dessa alegação.</font><br>
<font>Na tese do acórdão recorrido a R </font><i><font>“não manifesta, por forma alguma, a sua vontade de ver invalidado o contrato celebrado, pelo que não pode o tribunal conhecer da eventual anulabilidade do mesmo, sob pena de exceder os seus poderes cognitivos, violando as limitações impostas pelo art.º 660º, n.º 2, do C. Civil”.</font></i><br>
<i><font> </font></i><font>Com estes fundamentos revoga a decisão ora recorrida a sentença de 1ª Instancia, condenando a R a pagar uma indemnização cujo montante foi fixado com base no valor declarado no contrato.</font><br>
<font>Não se leva em conta (na decisão ora recorrida) que, apesar do contrato de seguro estar sujeito, como qualquer outro contrato, às causas de nulidade e anulabilidade previstas no Código Civil, e ali exaustivamente analisadas, existem, por força da própria natureza desse contrato comercial, causas especificas determinantes da sua nulidade total ou parcial.</font><br>
<font>È precisamente entre elas que se encontra aquela que nos indica expressamente que em caso de sobresseguro (originário ou posterior) o contrato deve por força do principio do indemnizatório, na forma em que este se encontra consagrado na legislação sobre seguros, ser considerado ferido de invalidade na parte excedente</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>, ou seja na parte em que o valor exceda o do objecto segurado</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> – artigos 128º e 132 nº 1 do Decreto lei nº 72/2008, de 16 de Abril</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Se procurarmos uma justificação para esta realidade normativa não podemos deixar de ter presente o principio (</font><i><font>estruturante da nossa ordem jurídica</font></i><font>) segundo o qual o dever de indemnizar visa colocar o lesado na posição que teria se não fosse o dano, significando isto que o </font><i><font>quantum </font></i><font>indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido – principio geral contido no artigo 562º CC – não podendo nunca constituir um meio de proporcionar um injustificado enriquecimento do lesado, ter um carácter especulativo, ou muito menos constituir um modo fraudulento de enriquecimento patrimonial</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>, sendo oportuno, apesar de constituir principio de valoração omnipresente, lembrar a este propósito que o direito nunca pode ser desagregado de sentido ético nem tão pouco da boa fé que constitui, aliás um principio estruturante da nossa ordem jurídica.</font><br>
<font>São precisamente os argumentos acima invocados que conduzem a que as razões da regulamentação dada na nossa ordem jurídica à questão do </font><i><font>sobresseguro</font></i><font> (</font><i><font>ou seguro excedente</font></i><font>) devam ser, como são, consideradas verdadeiras razões de ordem pública</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font> destinadas à salvaguarda do princípio do indemnizatório</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font> daí resultando que se deva considerar ferida de nulidade absoluta toda a parte do valor contratualmente coberto que exceda o valor do objecto segurado</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>No caso concreto, a limitação da obrigação de indemnizar ao montante real do objecto seguro decorre directa e exclusivamente do disposto no artigo 128º do Decreto-lei nº 72/2008</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font>, de 16 de Abril, sendo de todo irrelevante qualquer consequência que se pudesse querer tirar da primeira posição que foi assumida pela seguradora, cujos termos se encontram no ponto 5 dos factos provados.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>V. – Decisão – </font></b><font>nos termos expostos acorda-se em conceder a revista e, revogando-se a decisão recorrida, condena-se a R BB nos precisos termos em que havia sido condenada na sentença de 1ª Instancia</font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<b><font> </font></b><br>
<font>Custas (neste recurso de revista e na apelação) pela A aqui recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, 24 de Abril de 2012</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> Mário Mendes (Relator)</font><br>
<font> Sebastião Póvoas</font><br>
<font> Moreira Alves</font><br>
<font> </font><br>
<font> ___________________ </font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Sobre este assunto vide na doutrina (entre outros) José Vasques “O Contrato de Seguro” Moitinho de Almeida “O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado”, Guerra da Mota “O Contrato de Seguro Terrestre” e Arnaldo Pinheiro Torres “Ensaio sobre o Contrato de Seguro” e na jurisprudência os Acórdãos deste STJ de 25/2/1949 – BMJ nº 11 pagina 247 -, de 2/11/1962 – BMJ 121 pagina 340 – de 2/11/1976 – BMJ 261, pagina 126 e de 9/12/1992 - BMJ 422 pagina 394.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Como de forma exemplar se escreve no acórdão deste STJ de 2/11/1962 (v. nota 1) “no contrato de seguro, que é um contrato de risco, garantia e conservação do património do segurado e não de aquisição de lucro a indemnização parece como reparação ou ressarcimento do dano sofrido”.</font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Caso do nosso Código Comercial.</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> A diferença que se verifica no tratamento desta matéria entre as legislações europeias reside no facto de caso de a verificação do sobresseguro resultar de declaração fraudulenta algumas dessas legislações preverem a nulidade total do contrato – caso de Itália, França e Alemanha – ou preverem que o segurador fica desobrigado – caso da lei Suíça – enquanto que noutros casos – Bélgica e Portugal não distinguirem entre sobresseguro doloso e não doloso consagrando-se apenas um principio de limitação da responsabilidade ao valor do objecto ao tempo do sinistro até à concorrência da quantia segura.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Que se mantém em vigor apesar do estatuído, para situações diferentes das aqui em análise, no Decreto-lei nº 214/97, de 16 de Agosto (vulgo Lei Sócrates).</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> Revogou expressamente o artigo 435º CCom – artigo 6º nº 2 alínea a).</font><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> Referia o acórdão deste STJ, de 25 de Fevereiro de 1949 – (BMJ 11/218) que “</font><i><font>para obstar a que o seguro tenha por parte do segurado fim lucrativo, dispõe o artigo 435º do Código Comercial que excedendo o seguro o valor do objecto segurado, só é valido até à concorrência desse valor</font></i><font>”.</font><br>
<a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> Sobre esta matéria vide Adriano Garção Soares – “Contrato de Seguro”, “I Congresso Nacional de Direito de Seguros – Memórias”, edição Almedina.</font><br>
<a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font> De acordo com estas disposições legais o principio do indemnizatório determina num primeiro momento que o valor do capital seguro não deve ser superior ao valor do interesse seguro (proibição do sobresseguro) e, num segundo momento, que o valor da indemnização não seja superior ao valor do interesse lesado (valor dos danos).</font><br>
<a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font> Já em 2/11/1962 o acórdão deste STJ publicado no BMJ nº 121, pagina 312/313, decidia que o contrato de seguro contra riscos não pode ter fins lucrativos nunca podendo a indemnização ser superior aos prejuízos sofridos, salientando que o contrario seria contra a própria natureza do contrato.</font><br>
<a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font> Idênticas às que estão subjacentes ao disposto no artigo 1146º nº 3 do Código Civil.</font><br>
<a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font> Considerando a estruturação sistemática da Lei do Contrato de Seguro o principio do indemnizatório apenas é válido nos seguros de danos – Título II.</font><br>
<a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font> A consagração do principio da proibição do enriquecimento do segurado à custa do segurador (entre nós principio do indemnizatório) encontra-se primitivamente no paragrafo 1983 do Preussiches Algemeins Landrecht, de 1794, onde consta que </font><i><font>“pelos seguros o segurado deve apenas proteger-se contra danos, e não procurar enriquecer”.</font></i><br>
<a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font> Aplicável ao caso uma vez que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009 – artigo 2º nº 2. Ainda que assim não fosse sempre a decisão deveria ir neste mesmo sentido por força do que dispunha, no mesmo sentido o artigo 435º do Código Comercial.</font><br>
<a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><font> Ainda que com diferentes fundamentos.<br>
</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TTKsu4YBgYBz1XKvZSym | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I – No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, foi intentada, por AA e marido, BB, e CC, a presente acção de reivindicação, com processo ordinário, contra DD, com vista à condenação desta a reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do imóvel sito na Avª … – Pátio … –, com o número de polícia …, e que faz parte do prédio urbano sito na Rua …, nº …, composto de várias moradas de casa, inscrito na matriz sob os artigos ...º e ...º da freguesia da …, concelho de Évora, e a restituí-lo, livre e devoluto, àqueles.</font><br>
<br>
<font>Para fundamentar a sua pretensão, alegam, em síntese, que o arrendamento de tal imóvel caducou por óbito do inquilino, EE, não se tendo transmitido à Ré o direito ao arrendamento por esta e aquele, apesar de casados entre si, se encontrarem separados de facto há alguns anos, não obstante, após o óbito, a Ré ter ocupado o imóvel e recusar-se a entregá-lo aos Autores.</font><br>
<br>
<font>Defendeu-se a Ré, alegando, em resumo, não se verificar a caducidade do arrendamento, por ter sido forçada a abandonar o locado em virtude da agressão de que foi vítima por parte do arrendatário, seu marido, facto este pelo qual ele veio a ser condenado; logo, só por razões e motivos alheios à sua vontade é que teve de abandonar a casa de morada de família, à qual sempre tencionou voltar logo que pudesse.</font><br>
<br>
<font>A final, foi proferida sentença, segundo a qual se julgou a acção improcedente e, em consequência, se absolveu a Ré do pedido de restituição, por se entender que a sua ausência do locado se teria ficado a dever a força maior, impeditiva da caducidade do arrendamento.</font><br>
<br>
<font>Após recurso dos Autores, foi, no Tribunal da Relação de Évora, proferido acórdão, nos termos do qual, julgando-se procedente a apelação, se decidiu “revogar a sentença recorrida e, reconhecendo a propriedade dos AA sobre o imóvel reivindicado – </font><i><font>sito na Av. …– … – com o nº de polícia … e que faz parte do prédio urbano sito na Rua .. . nº …, composto de várias moradias de casa, inscrito na matriz sob os artigos ...º e ...º da freguesia da …, concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o nº ..., inscrito a favor dos requerentes através da inscrição --- ... de 1998/05/14 – </font></i><font>condenar a Ré a restituí-lo livre e devoluto aos recorrentes”.</font><br>
<br>
<font> Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font> A recorrente apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª – Maugrado a Ré se ter visto obrigada a abandonar a casa de morada de família, em Outubro de 2003, por força da agressão perpetrada pelo seu marido, </font><u><font>ainda assim nunca deixou de aí se deslocar, quase diariamente</font></u><font>.</font><br>
<font> 2ª – Nomeadamente, arrumando a casa e lavando a roupa ao seu marido, em virtude de sempre ter ficado, na sua posse, com a chave do locado.</font><br>
<font> 3ª – </font><u><font>A Ré sempre reputou o locado como a sua casa de morada de família</font></u><font>, mesmo após ter saído da mesma, no indicado mês de Outubro de 2003.</font><br>
<font> 4ª – E que </font><u><font>nunca escondeu o seu desejo de aí voltar</font></u><font>, o que era do inteiro conhecimento de familiares e amigos do casal.</font><br>
<font> 5ª – Aliás, a Ré diligenciou no sentido do procedimento criminal instaurado ao seu marido, na sequência das agressões contra si perpetradas, ficar sem efeito, o que só não logrou, estritamente, por impossibilidade legal.</font><br>
<font> 6ª – O seu marido, EE, acabou por falecer em 22 de Maio de 2006, i.e., antes de decorrido o indicado prazo de suspensão da pena em que foi condenado e, assim, da injunção a que teve de se sujeitar, o que contribuiu, decisivamente, para a não aproximação/reconciliação de ambos.</font><br>
<font> 7ª – A Ré não se encontrava – efectivamente – separada de facto do seu marido, mas tão-só separada fisicamente do mesmo.</font><br>
<font> 8ª – O comportamento da Ré e todo o circunstancialismo referido, vistos de fora, na perspectiva de um declaratário médio e sensato, revela implicitamente, com toda a probabilidade, a vontade de reconciliação de ambos e de que aquela voltasse a habitar a casa de morada de família.</font><br>
<font> 9ª – É evidente e palmar que a ausência do locado por banda da Ré se deveu a uma situação de </font><i><font>força maior</font></i><font>.</font><br>
<font> 10ª – Por via desse circunstancialismo, não se operou a caducidade do contrato de arrendamento, transmitindo-se à Ré.</font><br>
<font> 11ª – Salvo o devido respeito, foi violado o correcto entendimento dos preceitos legais aludidos na presente peça.</font><br>
<font> 12ª – Em consequência, deverá ser revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que determine a não caducidade do contrato de arrendamento, por via da sua transmissão à Ré, pelos motivos e razões elencados.</font><br>
<br>
<font> Contra-alegaram os recorridos, defendendo a manutenção do acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<font> Cumpre apreciar e decidir. </font><br>
<br>
<font>II – Nas instâncias, foram considerados provados os seguintes factos:</font><br>
<font>1. Os Autores são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano sito na Rua Dr. … nº …, composto de várias moradas de casa, inscrito na matriz sob os artigos ...º e ...º, da freguesia da …, concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o número …, inscrito a seu favor através da inscrição G AP 54 de 1998/05/14, prédio que adquiriram por partilha da herança de seus pais e vulgarmente conhecido por ….</font><br>
<font>2. Em 23 de Julho de 1963, o cabeça de casal da herança de FF deu de arrendamento a EE 4 divisões do supra identificado prédio urbano sito na Rua Dr. … em Évora – … –, com entrada pelo nº …, destinado a habitação. </font><br>
<font>3. O então arrendatário do prédio, EE, que não era, à data da celebração do contrato de arrendamento, casado com a Ré, veio a falecer, em 22 de Maio de 2006, no estado de casado com esta. </font><br>
<font>4. Por acórdão proferido em 15 de Fevereiro de 2005, no Processo Comum Colectivo, o EE foi condenado, pela prática do crime p. e p. pelos arts. 131º, 22º e 23º do C.P., e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo art. 6º, nº.1, da Lei 22/97, de 27 de Junho, na redacção dada pela Lei 98/2001, de 25 de Agosto, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 4 anos, ficando ainda sujeito às injunções de não contactar e manter-se afastado da ora R., vítima das agressões objecto do julgamento. </font><br>
<font>5. À data do falecimento do Sr. EE, este e a Ré, apesar de casados, já não viviam juntos como marido e mulher há vários anos, com o esclarecimento de que tal ocorreu na sequência do facto referido em 4., e, após essa decisão, os familiares e amigos sempre aconselharam a Ré a não voltar para casa, devido ao perigo de agressão por parte do marido.</font><br>
<font>6. Sendo o imóvel em causa apenas habitado pelo EE.</font><br>
<font>7. Ali não comia.</font><br>
<font>8. Não dormia</font><br>
<font>9. Não recebia correspondência.</font><br>
<font>10. A Ré sempre teve a chave do locado e, embora aí não pernoitasse, quase diariamente ia ao imóvel em causa, antes do marido falecer, quando o marido não estava lá em casa, altura em que lhe arrumava a casa e lhe lavava roupa, e dormia na Travessa …, em Évora, onde residia na casa do filho mais velho.</font><br>
<font>11. A Ré trabalhava numa loja de bicicletas pertença do filho GG, que se situa na R. …, nº …, cuja porta se situa exactamente do lado oposto da rua, e em frente do portão onde se situa o imóvel onde vivia EE. </font><br>
<font>12. O EE trabalhava duas ou três portas abaixo, na mesma rua, com o nº …, numa oficina de bicicletas. </font><br>
<font>13. Este e a Ré viam-se todos os dias. </font><br>
<font>14. Todavia, não trocavam palavras, nem se reconciliaram. </font><br>
<font>15. A Ré, a partir do início do ano de 1975, passou a residir de forma permanente no locado, o que só interrompeu em 5 de Outubro de 2003, porque no mencionado dia, pouco antes das 21h40m, junto ao locado, o falecido EE agrediu a R., através de um pé-de-cabra, com uma pancada na cabeça, altura em que esta saiu de casa, devido ao referido no facto nº 4. e resposta ao quesito 1º, e, após a morte do marido, colocou uma nova fechadura na porta do imóvel, só por questões de segurança, já que não sabia se outras pessoas tinham a chave e fez algumas obras na casa de banho, nas canalizações, pintou as paredes e as portas, fez a limpeza, e a Ré e o filho HH passaram lá a viver, como era e foi sempre o desejo da Ré, por a considerar a sua casa de morada de família, bem como os restantes membros da família, o que era do conhecimento cabal de todos os familiares e amigos do casal, embora a Ré, por vezes, também pernoite na casa do filho mais velho. </font><br>
<font>16. A Ré encontrou-se com os Autores no dia 24 de Junho de 2006, em Évora, junto ao locado. </font><br>
<font>17. Aí, a Ré comunicou pessoalmente aos Autores o falecimento do seu marido, EE, e a sua intenção em suceder no arrendamento em causa. </font><br>
<font>18. Por se ter instalado no locado, logo após o decesso do seu marido. </font><br>
<font>19. A Ré tentou ainda que o procedimento criminal acima aludido ficasse sem efeito, mediante apresentação de desistência de queixa, o que – naturalmente – não logrou, por impossibilidade legal. </font><br>
<font>20. A Ré sempre teve na sua posse a chave do locado. </font><br>
<br>
<font> III – 1. A presente acção foi intentada com fundamento na caducidade do arrendamento por morte do respectivo arrendatário, tendo em conta a situação de, encontrando-se a aqui Ré, mulher do falecido, separada de facto deste e a residir noutro local, não se lhe poder transmitir o arrendamento em causa.</font><br>
<br>
<font> Como é pacífico, o regime jurídico aplicável à solução do presente pleito é o que consta do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, em vigor à data do óbito do arrendatário EE (22.05.2006).</font><br>
<br>
<font>Segundo o nº 1 do artigo 85º do RAU, “O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver:</font><br>
<font>a) cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto;”.</font><br>
<br>
<font>Tudo se resume, pois, a saber se, aquando da morte do arrendatário EE, o casal, constituído por este e pela DD, aqui Ré e ora recorrente, se encontrava ou não em situação de separação de facto.</font><br>
<br>
<font>A 1ª instância, de forma completamente despropositada, desviou o cerne da questão, acabando por considerar estar-se perante o impedimento da resolução constante da alínea a) do nº 2 do artigo 64º do RAU, dispositivo legal que estabelece que “não tem aplicação o disposto na alínea i) do número anterior em caso de força maior ou de doença”, sendo que, segundo a citada alínea i), “o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário conservar o prédio desabitado por mais de um ano ou, sendo o prédio destinado a habitação, não tiver nele residência permanente, habite ou não outra casa, própria ou alheia”.</font><br>
<br>
<font>A separação de facto traduz-se numa ruptura do casamento.</font><br>
<font>Assim não sucederá – como refere o saudoso Conselheiro Aragão Seia (Arrendamento Urbano, 7ª edição, Revista e Actualizada, página 581) – quando consistir num afastamento ditado por motivos profissionais, académicos, de férias, de tratamento de doença, etc..</font><br>
<br>
<font>Nesta alínea, e como bem se refere no acórdão recorrido, a lei não distingue entre separação de facto querida e não querida. Assim, para a caducidade do arrendamento e consequente procedência da acção, é irrelevante que a separação de facto não tivesse sido resultante de conduta voluntária do cônjuge sobrevivo e antes da vontade exclusiva (acto de força) do cônjuge arrendatário e, entretanto, falecido (local citado, em rodapé, com alusão ao acórdão da Relação de Évora de 29.02.1996, BMJ 454º-817).</font><br>
<br>
<font>2. Dito isto, e concordando-se inteiramente com a decisão tomada no acórdão recorrido e respectivos fundamentos, limitamo-nos a remeter para a proficiente fundamentação dele constante, ao abrigo do disposto no artigo 713º, nº 5, aqui aplicável por força do artigo 726º, ambos do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>Decorre, assim, do exposto que não colhem as conclusões da recorrente, tendentes ao provimento do recurso.</font><br>
<br>
<font>IV – Conforme o acórdão recorrido, podem, pois, extrair-se as seguintes conclusões: </font><br>
<font>1ª – O óbito do arrendatário determina a caducidade do contrato de arrendamento para habitação.</font><br>
<font>2ª – Tal caducidade, porém, não se verifica se ao arrendatário sobreviver cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto, o que pressupõe que entre o arrendatário e o seu cônjuge exista ou aparente existir a comunhão de vida típica da relação conjugal, que se manifesta na comunhão de cama, mesa e habitação e na vontade de ambos de a manter.</font><br>
<font>3ª – Inexistindo essa comunhão, e independentemente da causa da separação dos cônjuges e da sua imputabilidade a um deles (por exemplo, o arrendatário), o arrendamento não se comunica nem se transmite ao cônjuge sobrevivo deste, caducando com o óbito.</font><br>
<font>4ª – A causa da separação de facto do casal e a sua imputabilidade a qualquer dos cônjuges não são oponíveis ao senhorio.</font><br>
<br>
<font>V – Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<br>
<font> Lisboa, 7 de Outubro de 2010</font><br>
<br>
<font>Moreira Camilo (Relator)</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bjKqu4YBgYBz1XKvECoq | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<ul><br>
<br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - AA, BB e CC, intentaram acção declarativa contra EE, pedindo que este fosse condenado a reconhecer que o seu prédio se encontra onerado com uma servidão de passagem e em consequência que elimine todos os obstáculos que impedem as AA. de terem acesso ao prédio rústico – artigo 85 J da freguesia de .A......... – do qual são proprietárias e ainda que por todos os danos morais e materiais sofridos pelas AA. seja o R. condenado a indemnização a prestar àquelas em quantia nunca inferior a 2.930,00 euros.</font><br>
<br>
<font>Alegaram, em síntese, que são donas do prédio denominado “Vale”, sito no lugar de .........., freguesia de Alfragide, que em conjunto com um prédio do Réu e outro de AA formavam há mais de cem anos um prédio único, que pertenceu a FF. Após a morte deste, o prédio foi dividido em quatro e o prédio que pertence hoje às AA. ficou encravado, pelo que ficou acordada a constituição a seu favor de uma servidão de passagem sobre do prédio que agora pertence ao Réu. Este cortou o caminho existente, o que impediu as Autoras de acederem ao seu prédio e lhes causou prejuízos.</font><br>
<br>
<font>O Réu contestou, impugnando o alegado pelas Autoras.</font><br>
<br>
<font>A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, reconhecendo o direito de servidão de passagem que onera o prédio do R., a favor do prédio das AA., nos termos supra descritos, condenando o Réu a eliminar todos os obstáculos que impedem as AA. de terem acesso ao prédio rústico inscrito na matriz cadastral da freguesia de .A........., concelho de Alenquer, sob o art.° 85 da Secção J, com o valor patrimonial de € 49,42, do qual são proprietárias, mais condenando o mesmo R. a pagar às AA. a quantia de € 1.200,00, a título de indemnização por danos patrimoniais.</font><br>
<br>
<font>O Réu apelou, mas a Relação confirmou o sentenciado.</font><br>
<br>
<font> O mesmo Réu, interpõe agora recurso de revista, visando a revogação do decidido, para o que argumenta nas conclusões da alegação: </font><br>
<font>I – (…);</font><br>
<font>II - O Tribunal " a quo " fundamentou a sua decisão na existência de uma servidão de passagem que onera o prédio do R. em benefício do prédio das AA, servidão essa que foi constituída por destinação do pai de família, de harmonia com o disposto no artigo 1549° do C. C., cujos pressupostos, no entendimento do Tribunal, se encontram integralmente preenchidos.</font><br>
<font> III - A constituição de servidão por destinação do pai de família tem como pressupostos:</font><br>
<font>1° - Que os dois prédios, ou as duas fracções do prédio, tenham pertencido ao </font><u><font>mesmo</font></u><font> </font><u><font>dono.</font></u><br>
<font>2° - A existência de </font><u><font>sinais visíveis e permanentes,</font></u><font> isto é, que revelem inequivocamente uma situação de serventia estável de um prédio para outro ou de uma fracção para outra fracção do mesmo prédio e que denunciem a existência de uma </font><u><font>servidão que</font></u><font> </font><u><font>não seja de carácter transitório.</font></u><br>
<font>3° - Que os prédios ou as fracções do prédio se separem no que toca ao seu domínio, mantendo-se os respectivos sinais;</font><br>
<font>4° - E, que não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição da servidão.</font><br>
<font>IV - O ónus da prova dos requisitos 1°, 2° e 3° supra enunciados impende sobre os AA., cabendo a quem conteste a existência da servidão o ónus da prova da contrariedade referida no requisito 4°.</font><br>
<font>V - A Doutrina e a Jurisprudência dominantes consideram indispensável a existência de tais sinais no momento da transmissão, persistindo a servidão enquanto permanecerem sinais visíveis e permanentes da mesma.</font><br>
<font>VI - Ora, no entendimento do apelante não tem razão o Tribunal " a quo " ao considerar, no presente caso, preenchidos os pressupostos de constituição da referida servidão, tendo feito uma errada apreciação e avaliação da prova produzida, reflectindo-se na decisão final tal desadequação.</font><br>
<font>VII - Não se entende que o Tribunal tenha considerado provados factos respeitantes ao direito de propriedade e respectivos limites, bem como, factos respeitantes à divisão e partilha de prédios rústicos, como são os factos objecto dos artigos 1°, 3° a 6°, 14° a 16° da base instrutória, baseando-se unicamente em depoimentos de testemunhas (conforme resulta expressamente da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto controvertida).</font><br>
<font>VIII - Ou seja, o Tribunal " a quo " deu como provado que:</font><br>
<font>- O prédio propriedade das AA – artigo 85° da Secção J - o prédio propriedade do R. – artigo 86° da Secção J – e o prédio rústico denominado " V.... " – artigo 90° da Secção J – propriedade da A. AA, formavam há mais de cem anos um único prédio; prédio esse onerado com uma </font><u><font>servidão de passagem</font></u><font> a favor dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 88° e 89° da Secção J e, pasme-se, </font><u><font>a favor do próprio</font></u><font> </font><u><font>prédio inscrito sob o artigo 86 da Secção J,</font></u><font> o qual era simultaneamente prédio dominante e prédio serviente, apesar de ser inequivocamente facto assente que tal prédio sempre confinou com via pública.</font><br>
<font>- Após a morte (em data que não foi provada nos autos, seja por prova documental ou testemunhal) do seu proprietário, FF, os seus herdeiros GG e DD, </font><u><font>declararam verbalmente</font></u><font> </font><u><font>partilhar</font></u><font> entre si o prédio, dividindo-o em quatro novos prédios:</font><br>
<font>- parcela a) – parte do actual artigo 86 Secção J,</font><br>
<font>- parcela b) – parte do actual artigo 86 Secção J; ambas adjudicadas a DD.</font><br>
<font> - parcela c) – actual artigo 90 da Secção J,</font><br>
<font> - parcela d) – actual artigo 85° da Secção J, ambas adjudicadas a GG.</font><br>
<font>Após o levantamento cadastral de 1960 do Instituto Português de Cartografia, as quatro acima identificadas parcelas transformaram-se em três prédios distintos, correspondendo actualmente aos artigos 85°, 86° e 90° da Secção J da freguesia de .A........., correspondendo o artigo 86° às parcelas a) e b) unificadas pelo cadastro, o artigo 85° à parcela d) e o artigo 90° à parcela c).</font><br>
<font>IX - Para a resposta positiva aos acima identificados artigos o Tribunal baseou-se unicamente em prova testemunhal, conforme resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto.</font><br>
<font>X - Contudo, a </font><u><font>prova testemunhal produzida é claramente inidónea para tal</font></u><font> </font><u><font>conclusão, para além de inadmissível legalmente.</font></u><br>
<font>XI - A Lei exige que a partilha de uma herança (in casu do " prédio " pertencente à herança de FF) tem que ser realizada por via judicial, através de inventário, ou extrajudicial, através de escritura pública, mais estabelecendo – artigo 364° n° 1 do Código Civil – que " Quando a lei exigir, como forma da declaração negociai, documento autêntico, autenticado ou particular, </font><u><font>não pode este ser substituído por outro meio</font></u><font> </font><u><font>de prova</font></u><font> ou por outro documento que não seja de força probatória superior " (itálico e sublinhado nosso).</font><br>
<font>XII - Ora, no caso em apreço, </font><u><font>as AA alegaram como fonte constitutiva do seu</font></u><font> </font><u><font>direito a constituição de uma servidão de passaqem por destinação de pai de família</font></u><font> </font><u><font>com base numa divisão e partilha feita verbalmente entre os herdeiros de FF, em data que não indicam nem loqraram provar, mesmo com recurso à prova</font></u><font> </font><u><font>testemunhal.</font></u><br>
<font>XIII - Servidão de passagem essa que o Tribunal considerou plenamente provada ao dar como provados os artigos 1° a 16º e 18º a 25º.</font><br>
<font>XIV - O Tribunal " a quo " violou assim expressamente as normas contidas no artigo 364° do C. C., cuja correcta aplicação levaria necessariamente a uma resposta negativa dos artigos 1°, 3° a 6°, 14° a 16° da base instrutória.</font><br>
<font>XV - Neste pressuposto, o depoimento das testemunhas apenas pode ser interpretado no sentido de que pertencendo todos os prédios ao mesmo dono ( e, repita-se todos os prédios porque nenhuma prova foi feita de que constituía um prédio único ) este e os seu familiares a eles acederiam indistintamente por uns ou por outros, consoante a sua conveniência.</font><br>
<font>XVI - Corroborando tal entendimento está o facto de a única " servidão de passagem " que recolhe o </font><u><font>consenso das testemunhas</font></u><font> e foi comprovada pela prova feita </font><u><font>por inspecção ao local</font></u><font> é </font><u><font>o caminho existente desde a Rua das ......, no sentido do prédio .., ao longo da estrema do prédio 91 e do prédio 90, em toda a sua extensão, com</font></u><font> </font><u><font>cerca de 148 m de comprimento e 2,5 m de largura, existindo , na data da inspecção ao</font></u><font> </font><u><font>local, sinais visíveis da sua utilização por pessoas e veículos. Tal caminho prolonga-se até à</font></u><font> </font><u><font>estrema do prédio 89 e aí encontra uma bifurcarão para o lado direito em direcção ao prédio</font></u><font> </font><u><font>88, não sendo visíveis quaisquer sinais desse alegado caminho junto à estrema desse</font></u><font> </font><u><font>prédio, na confinância com o artigo 86.</font></u><br>
<font>XVII - O que se justifica plenamente porque, conforme resulta da prova documental junta aos autos, nomeadamente as certidões prediais juntas aos autos (cfr. matéria assente), o prédio inscrito na matriz sob o artigo 89°, pertencente actualmente ao R. e o prédio inscrito na matriz sob o artigo 88°, pertencente a terceiros que não AA. e R., apesar de se encontrar na posse do R., não confinam directamente com a via pública, nunca tendo pertencido ao sobredito FF ou aos seus herdeiros.</font><br>
<font>XVIII - A prova produzida, interpretada no seu contexto e de acordo com as regras estatuídas nas disposições legais aplicáveis, nomeadamente as respeitantes à repartição do ónus da prova constantes do artigo 516° do C.P.C., teriam necessariamente que levar a decisão diversa e contrária à decidida pelo Tribunal.</font><br>
<font>XIX - Pois é evidente que não se mostram preenchidos os requisitos para a constituição de servidão de passagem por destinação de pai de família, estatuídos nos artigos 1547° e 1549° do CC, os quais se mostram igualmente violados.</font><br>
<font>XXI - Quanto à condenação do R. no pagamento de uma indemnização, no valor de € 1.200,00, a título de danos patrimoniais, é entendimento do R. ora apelante que não se mostram igualmente preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevista no artigo 483° do C.C., disposição que se mostra igualmente violada.</font><br>
<font>XXII - De facto, na sequência da falta de prova, a qual incumbia às AA, da existência de sinais visíveis e permanentes de uma servidão de passagem onerando o prédio do R., detém este plenamente sobre o prédio todos os poderes de um normal proprietário, nomeadamente os estatuídos no artigo 1356° C.C.</font><br>
<font>XXIII - Não existindo qualquer direito de passagem em beneficio do prédio da AA, não incorreu o R. em qualquer conduta ilícita, susceptível de indemnização, devendo também nesta sede a douta sentença ora em recurso ser revogada.</font><br>
<font>XXIV - A decisão recorrida viola, no entendimento do recorrente, as normas jurídicas aplicáveis ao caso, nomeadamente o disposto nos artigos 364° do C. C, 516° do C. P.C., 1547°, 1549°, 1356 e 483° do C.C.</font><br>
<br>
<font>Os Recorridos responderam em defesa do julgado.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>2. - Do conteúdo das conclusões formuladas e transcritas resultam colocadas para resolução as seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br>
<br>
<font>- Eliminação das respostas aos artigos 1º, 3º a 6º e 14º a 16º da base instrutória, a que correspondem os factos n.ºs 14 a 18, 25, 26 e 27, por, para a respectiva prova, a lei exigir documento, designadamente quanto à partilha da herança;</font><br>
<br>
<font>- Inexistência de servidão de passagem por destinação de pai de família;</font><br>
<br>
<font>- Inexistência de direito de passagem em benefício do prédio dos Autores;</font><br>
<br>
<font>- Inexistência, em consequência, da obrigação de indemnizar por privação da passagem. </font><br>
<br>
<br>
<font>3. - No seguimento da respectiva impugnação pelo ora Recorrente, a Relação fixou a </font><b><font>matéria</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font> nos termos que seguem:</font><br>
<br>
<font>1 - A primeira e segunda AA. e a herança aberta por óbito de Augusto Anselmo, aqui representada pela terceira A., são as únicas donas e legítimas possuidoras, na proporção de 1/3 para cada uma, do prédio rústico denominado "V....", sito no lugar de .........., freguesia de .A........., concelho de Alenquer, ainda não descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer, inscrito na matriz cadastral da dita freguesia sob o art° 85 da Secção J, com o valor patrimonial de € 49,42 – a-1. a) da matéria assente;</font><br>
<font>2 - O aludido imóvel veio à posse, uso e fruição das AA. por lhes ter sido adjudicado em Inventário Obrigatório que correu termos na 2ª Secção do Tribunal Judicial de Alenquer sob o n° 8/86 – al. b) da m.a.;</font><br>
<font>3 - Por seu turno, o R. é dono e legítimo possuidor do prédio misto denominado "Vale", sito na freguesia de .A........., concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer, sob o n° 0000 da freguesia de .A........., a parte rústica inscrita na matriz cadastral da dita freguesia sob o art° 86 da Secção J e a parte urbana ainda omissa na matriz, mas apresentada declaração para a sua inscrição – al. c) da m.a.;</font><br>
<font> 4 - O prédio inscrito na matriz sob o art° 86 da Secção J, por morte de DD, foi adquirido por HH – al. d) da m.a.;</font><br>
<font> 5 - Esta HH, em Julho de 1996, vendeu-o a II, mãe do aqui R. – al. e) da m.a.;</font><br>
<font> 6 - Por seu turno, II, em Outubro desse mesmo ano, vendeu o referido prédio a JJ, a qual, por sua vez, em Julho de 2002 o vendeu a EE, o actual proprietário, aqui R. – al. f) da m.a.;</font><br>
<font> 7 - O prédio inscrito na matriz cadastral sob o artigo 90 da Secção J, é actualmente propriedade de AA, por lhe ter sido adjudicado nos autos de Inventário Obrigatório que correu termos por óbito de GG – al. g) da m.a.;</font><br>
<font> 8 - O R. EE, em 1998, adquiriu o prédio rústico inscrito no artigo 89 da Secção J da freguesia de .A......... e também por essa altura tomou posse de um prédio contíguo – artigo 88 da Secção J da mesma freguesia – al. h) da m.a.;</font><br>
<font> 9 - E vedou todos os prédios, unindo-os como se fosse um único prédio, colocando rede divisória ao longo das suas estremas – al. i) da m.a.;</font><br>
<font>10 - Mais tarde, foram construídos quatro pilares em cimento, dois no topo poente do artigo 86 da Secção J e dois no topo nascente do prédio inscrito no artigo 88 da Secção J, no meio dos quais foram colocados dois meios portões – al. j) da m.a.;</font><br>
<font>11 - De seguida, sem realizar qualquer outro tipo de obra, passou a fechar os portões ao contrário, unindo os portões colocados na estrema norte – parte do artigo 86 J – com a folha do portão colocada na estrema norte – nascente do prédio inscrito no artigo 88 J, e o colocado na estrema sul-poente do prédio inscrito no artigo 86 J com o colocado na estrema sul-nascente do prédio inscrito no artigo 88 J, fechando-o a cadeado – al. k) da m.a.;</font><br>
<font>12 - Passados poucos dias os portões foram retirados dos pilares de cimento que lhe tinham servido de suporte e em sua substituição foi colocada rede divisória – al. l) da m.a.;</font><br>
<font>13 - O R. erigiu uma parede com cerca de dois metros de altura – al. m) da m.a.;</font><br>
<font>14 - O prédio propriedade das AA. – Artigo 85 da Secção J -, o prédio propriedade do R. EE – artigo 86 da Secção J – e o prédio rústico denominado "V...", inscrito na matriz cadastral da dita freguesia sob o artigo 90 da Secção J, também ele propriedade da A. AA, formavam há mais de setenta anos um único prédio resposta ao artigo 1° da base instrutória;</font><br>
<font>15 - Nesse prédio existia um caminho, através do qual se acedia aos prédios actualmente inscritos nos art°s 88 e 89, ambos da secção J da freguesia de .A........., com início no topo nascente – Rua da ..... – do prédio hoje inscrito na matriz sob o art° 90 da secção J da freguesia de .A........., correndo no seu sentido sul poente, a todo o comprimento do mesmo prédio, descrevendo uma curva na estrema sul poente para o prédio actualmente inscrito na matriz sob o art° 86 da secção J – r. ao a. 3°;</font><br>
<font>16 - Após a morte de FF, os seus herdeiros GG, cuja herança é aqui 3ª A. e DD, declararam, verbalmente, partilhar entre si o prédio, dividindo-o em quatro novos prédios:</font><br>
<font>- parcela a) – actual parte do artigo 86 da secção J;</font><br>
<font>- parcela b) – actual parte do artigo 86 da secção J;</font><br>
<font>- parcela c) – actual parte do artigo 90 da secção J;</font><br>
<font>- parcela d) – actual artigo 85 da secção J r. ao a. 4°;</font><br>
<font> 17 - Declararam ainda acordar que as parcelas a) e b) eram adjudicadas a DD – r. ao a. 5°;</font><br>
<font> 18 - E que as parcelas c) e d) ficavam adjudicadas a GG – r. ao a. 6</font><br>
<font> 19 - Para acesso à parcela b), hoje parte do prédio inscrito na matriz sob o art° 86° da secção J foi criado um caminho de carro com cerca de 150 metros de comprimento por 2,5 m de largura – r. ao a. 8°;</font><br>
<font> 20 - Cujo leito tem início na estrema nascente da Rua das ..... e termo na estrema poente, correndo em linha recta pela parte lateral sul do prédio inscrito na matriz sob o artigo 90 da Secção J, imposta à parcela c) – actual artigo 90 da Secção J – r. ao a. 9°;</font><br>
<font>21 - Para o acesso à parcela d) – actualmente artigo 85° da secção J – foi criado um caminho com cerca de 190 m de comprimento e 2,5 m de largura – r. ao a. 10°;</font><br>
<font>22 - Com início na estrema nascente – Rua da ..... – correndo em linha recta pela parte lateral sul e termo na estrema nascente – norte do prédio inscrito na matriz sob o artigo 86 da Secção J, imposta às parcelas A, B e C, actualmente artigos 86 e 90, ambos da Secção J da freguesia de .A......... – r. ao a. 11 °;</font><br>
<font>23 - Manteve-se a antiga servidão a favor dos prédios hoje inscritos na matriz sob os artigos 88 e 89 da Secção J, onerando as parcelas c) e a), actuais prédios inscritos na matriz sob os artigos 90 e 86 da Secção J da freguesia de .A......... – r. ao a. 12°;</font><br>
<font>24 - Após a divisão referida no n.º 16, as servidões constituídas na referida partilha verbal foram sendo respeitadas pelos sucessivos proprietários dos prédios onerados por aquelas e utilizadas pelos proprietários dos prédios dominantes – r. ao a. 13°;</font><br>
<font>25 - Após o levantamento cadastral de 1960 do Instituto Português de Cartografia, as quatro parcelas criadas pela divisão referida em p), transformaram-se em três prédios distintos e que são os actuais artigos 85°, 86° e 90° da Secção J da freguesia da .A......... – r. ao a. 14°;</font><br>
<font>26 - O artigo 86° da Secção J da freguesia de .A......... corresponde às parcelas a) e b), unificadas pelo cadastro – r. ao a. 15°;</font><br>
<font> 27 - E os artigos 85° e 90° da Secção J de .A........., correspondem por seu turno às parcelas c) e d) – r. ao a. 16°;</font><br>
<font>28 - A serventia referida em 21 e 22, foi sempre utilizada pelas AA. e pelos seus antepassados – r. ao a. 18°; </font><br>
<font> 29 - Como passagem de pé e de carro – r. ao a. 19°;</font><br>
<font> 30 - Para o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 85 da Secção J – r. ao a. 20°; </font><br>
<font>30/a - Sem oposição de ninguém – r. ao a. 21 °; </font><br>
<font> 31 - Continuada e ininterruptamente – r. ao a. 22°;</font><br>
<font> 32 - À vista de toda a gente – r. ao a. 23°;</font><br>
<font> 33 - Ausente de qualquer cultura em toda a sua extensão e estava assinalada com trilhos e rodados de carros – r. ao a. 24 e 25°;</font><br>
<font> 34 - A vedação referida em 11,12 e 13 impede as AA. de terem acesso ao prédio inscrito no artigo 85 da secção J da freguesia de .A......... – r. ao a. 27°;</font><br>
<font>35 - O que lhes tem impossibilitado o cultivo do prédio – r. ao a. 28°;</font><br>
<font>36 - O prédio tinha uma vinha com um número de cepas concretamente não apurado, com a qual era possível produzir cerca de 2000 litros de vinho, no valor de, aproximadamente, € 600,00, não tendo sido colhidas quaisquer uvas em 2003 – r. aos a. 29°, 30° e 31º;</font><br>
<font>37 - No ano em curso à data da instauração da acção, as cepas não foram podadas, limpas ou pulverizadas – r. ao a. 32°;</font><br>
<font>38 - Existiam no prédio oliveiras e algumas outras árvores de fruto, nomeadamente laranjeiras, em número concretamente não apurado – r. aos a. 33° a 41°;</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso:</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Impugnação da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>O Recorrente insiste, nos mesmos termos em que já o fizera perante a Relação, em que devem ser negativas as respostas aos artigos 1º, 3º a 6º e 14º a 16º da base instrutória, a que correspondem os factos n.ºs 14 a 18, 25, 26 e 27, por, para a respectiva prova, a lei exigir documento, designadamente quanto à partilha da herança, invocando o disposto no art. 364º C. Civil.</font><br>
<br>
<br>
<font>Como é sabido, o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, encontrando-se subtraído ao conhecimento do STJ, salvo quando seja invocada violação de norma de direito probatório material, designadamente de disposição legal impositiva de certo meio específico de prova para a existência de qualquer facto ou com especial força probatória, condições sempre exigidas nos arts. 721º, 722º-2 e 729º-2 e 3, todos do CPC.</font><br>
<br>
<font>É certo que, como alega o Recorrente, a partilha de bens imóveis da herança está sujeita a forma especial, cabendo-lhe, conforme os casos, a escritura pública ou o inventário judicial – arts. 2102º C, Civil e 80º-2-j) do Cód. Notariado.</font><br>
<font>Por outro lado, está-se perante uma exigência legal quanto à formalidade das declarações integradoras do negócio de que depende a sua existência, validade e prova, pois que se está no campo das denominadas formalidades </font><i><font>ad</font></i><font> </font><i><font>substantiam</font></i><font> cuja inobservância acarreta a nulidade da declaração negocial – arts. 220º e 364º-1 C. Civil </font><br>
<font>Ninguém duvida, pois, que quando se pretendam fazer valer em juízo efeitos jurídicos de uma partilha de bens imóveis ou outro negócio que tenha por objecto a modificação de direitos sobre bens dessa natureza, incluindo a constituição de servidões prediais, a validade e prova desses negócios só pode ser atendida quando se apresente documento que satisfaça os requisitos de forma legalmente exigidos, sem que possa atender-se a meio de prova de menor força, designadamente a testemunhal.</font><br>
<font>De resto, e harmonicamente, proíbe a lei processual que o julgador da matéria de facto responda a quesitos cuja prova tenha de ser documental, quesitos ou pontos de facto que, por isso, não devem ser elaborados, figurando na base instrutória – arts 646º-4 e 511º CPC.</font><br>
<br>
<br>
<font>Só que nada disso está em causa nos quesitos formulados ou no conteúdo positivo das respectivas respostas.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, em qualquer caso, o perguntado e o respondido referem-se a situações de facto relativas e destinadas a averiguar a configuração e extensão dos terrenos que hoje integram os prédios dos Autores e do Réu, bem como a evolução, ao longo dos últimos cem anos, dessa situação de facto, por intervenção dos sucessivos titulares de direitos sobre eles, designadamente a divisão em parcelas do prédio inicialmente único após a morte do respectivo dono e a simultânea constituição de acessos de umas parcelas para as outras, em virtude de encraves gerados por essa divisão. Porém, como da própria alegação e redacção dos pontos de facto consta, desde logo pela expressa referência à natureza informal (meramente verbal) dos negócios de partilha do prédio e da constituição da serventia, jamais se poderia pretender, mediante a inclusão de tal factualidade na base instrutória, com a inerente abertura a qualquer meio de prova, subtrair o regime de validade e eficácia de tais negócios, destinados a produzir efeitos jurídicos reais, à imperatividade da prova documental.</font><br>
<font>Tais factos, que, de resto, revelam natureza meramente instrumental, não se revestem, do ponto de vista da qualificação do direito dos Autores e apreciação dos pedidos (como adiante melhor se verá) de qualquer outra utilidade que não seja a de deixar uma explicação causal naturalística, unicamente ao nível da realidade verificada e do puro facto, dos direitos invocados. </font><br>
<font>Efectivamente, jamais as AA. invocaram o contrato celebrado entre os adjudicatários das parcelas na partilha do prédio como fonte ou título constitutivo da servidão caso em que, aí sim, o cumprimento da formalidade seria essencial e, nessa medida e para tal efeito, vedada a aceitação e validade da prova do facto essencial integrador da causa de pedir – as declarações negociais necessárias à perfeição dos contratos constitutivos dos direitos reais –, tudo com as sobreditas repercussões em sede de direito probatório. </font><br>
<br>
<font>O que se certamente se pretendeu saber com a elaboração dos quesitos, não vai além de, para eventual preenchimento do instituto da usucapião, se pretender averiguar se detenção ou posse do caminho e passagem se iniciou, como alegado, por via, e por ocasião, de uma actuação que, embora inválida, correspondia e foi prosseguida em termos concordantes com os dos efeitos a que tendia o negócio válido.</font><br>
<font>Por isso, porque não se está a averiguar se houve um válido contrato de divisão e constituição de servidões, idóneo para, como seu efeito, modificar os direitos de gozo sobre o imóvel, em termos de posse validamente titulada, mas, tão só, a cuidar de apurar a existência de um acontecimento ou de uma ocorrência da vida real à margem da aplicação da lei, duma materialidade que, apesar de integrar o «corpus» dum negócio, não visa o aproveitamento dos efeitos jurídicos típicos dele, não se está também no âmbito da proibição das referidas normas.</font><br>
<font> Com efeito, são coisas bem diferentes o apuramento de um facto da vida real, como saber se alguém vendeu, comprou, dividiu ou cedeu parcialmente algum bem ou suas utilidades a outra pessoa, por um lado, e a demonstração da validade formal dos negócios que lhes correspondem. </font><br>
<br>
<br>
<font> No tocante às respostas aos pontos 14 a 16 da base instrutória (factos 25 a 27), não indica o Recorrente qualquer norma legal que exija certo meio de prova ou vede a prova testemunhal sobre o objecto dos respectivos factos.</font><br>
<br>
<font> Apesar disso, sempre se dirá que se está perante um documento cadastral, com identificação de vários prédios, com indicação dos respectivos artigos matriciais em que, com recurso a prova testemunhal, se fixou a correspondência entre as parcelas antes divididas verbalmente as que vieram a ser acolhidas pelo IPC na elaboração do cadastro, tais como constam do mapa-documento de fls. 58.</font><br>
<br>
<font> Esse reconhecimento de correspondência entre a realidade existente no terreno e a realidade documentada no cadastro matricial em nada colide com o respeito pela força probatória do documento, cujo conteúdo nunca foi questionado pelas Partes, pretendendo-se, tão só, demonstrar que as novas matrizes acolheram o resultado da mencionada partilha verbal.</font><br>
<font> O que está provado pelo documento e o documento se destina a provar, que é a configuração geométrica do prédio e o artigo matricial que lhe corresponde, não se destinava a sair nem saiu minimamente beliscado pelos depoimentos valorados.</font><br>
<br>
<font> De referir que prova testemunhal sempre seria admissível a coberto da norma do n.º 3 do art. 393º C. Civil que, mesmo nos casos em que para a prova do facto seja exigida prova documental, admite aquele meio probatório sobre a interpretação ou esclarecimento do conteúdo do documento. </font><br>
<br>
<font> De notar, finalmente, que se está, uma vez mais, perante factos meramente instrumentais, indiscutida como se teve a existência dos prédios de AA. e R., alegadamente dominante e serviente, como unidades autónomas e com a configuração constante do documento cadastral.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> Conclui-se, pois, que, apesar de, como adiantado para demonstrar a seguir, a matéria reclamada não vir a relevar para a sorte da lide, não se encontra fundamento legal para a pretendida modificação, mantendo-se este Tribunal vinculado aos exactos termos em que vem fixada.</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 2. - Inexistência de servidão de passagem por destinação de pai de família.</font><br>
<br>
<font>O Recorrente insiste em que não estão provados os factos susceptíveis de preencherem os elementos constitutivos do direito de servidão por destinação do pai de família, tal como qualificado pelas Autoras-recorridas e pelas Instâncias.</font><br>
<br>
<font>Quanto a este ponto, avança-se já, afigura-se-nos que assiste razão ao Recorrente.</font><br>
<br>
<font>Estabelece o art. 1549º C. Civil, dispondo sobre os pressupostos de constituição da servidão predial por destinação do pai de família que “se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções do mesmo prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para outro, serão estes sinais havidos como forma da servidão, quando em relação ao domínio, os dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento”.</font><br>
<font> Como requisito essencial da constituição da servidão por este título avulta, desde logo, a exigência de se estar perante uma situação de serventia estabelecida entre dois prédios ou duas parcelas de um prédio, criada ou seguida pela pessoa que de tais prédios ou fracções era o dono, verificando-se os sinais da serventia e utilização ao tempo da separação da titularidade dos prédios ou das fracções.</font><br>
<br>
<font> Ora, parece claro que o caminho que </font><u><font>existia</font></u><font> no prédio que foi de FF, antes da sua divisão nas parcelas que deram origem aos prédios das AA. e do R., caminho esse referido no facto 15, nada tem que ver com o caminho (servidão de passagem) que as Recorridas reivindicam do Recorrente.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Este último, objecto da lide, é o caminho identificado nos factos 21 e 22, criado aquando da partilha verbal efectuada pelos herdeiros de FF, com divisão em parcelas do prédio de que este fora dono, anteriormente a 1960.</font><br>
<font> E foi relativamente a ele que as Autoras alegaram as características físicas, detenção e modo de utilização, bem como a existência de sinais visíveis e permanentes, desde a data em que foi realizado o contrato verbal de constituição da serventia, como se vê da factualidade que integra os pontos 21, 22 e 24 a 33.</font><br>
<br>
<font> Assim, o que realmente sucede é que na base da “criação do caminho”, vale dizer, da constituição da servidão está um negócio jurídico inválido (contrato), por vício de forma, e, como tal, insusceptível de ser utilizado como título constitutivo da servidão, nos termos admitidos no art. 1547º C. Civil.</font><br>
<font> Efectivamente, em relação ao caminho que passa sobre terreno do prédio do Recorrente (art. 86º) até entrar no das Recorridas (art. 85º), aqui em causa, não só não se alega a existência de sinais que o revelassem quando aquele FF era dono comum das parcelas que hoje constituem quatro prédios como expressamente se alega que as servidões existentes foram “con | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ZDKZu4YBgYBz1XKvzyHl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><u><font>Relatório</font></u></b></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel,</font>
<p><b><u><font>AA</font></u></b><b><font>, </font></b><font>por si e em representação de seus filhos menores,</font>
</p><p><b><u><font>BB</font></u></b><font> e</font>
</p><p><b><u><font>CC</font></u></b>
</p><p><font>intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra</font><br>
<font>1. </font><b><u><font>DD,</font></u></b><br>
<font>2. </font><b><u><font>EE</font></u></b><font> e </font><br>
<font>3. </font><b><u><font>Fundo de Garantia Automóvel</font></u></b><font>, </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>peticionando a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia global de 288.726,00 € a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência de acidente de viação, sendo:</font>
</p><p><font>- 122.545 € à Autora, 31.669 € ao autor Leandro e 34.512 € ao autor Ivan Gabriel pela perda da contribuição da vítima para o seus sustento;</font>
</p><p><font>- 50.000 €, pela perda do direito à vida do falecido;</font>
</p><p><font>- 45.000 €, sendo 20.000 € para a autora e 12.500 € para cada um dos filhos a título de danos não patrimoniais;</font>
</p><p><font>- 5.000 €, pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima;</font>
</p><p><font>- juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font>Para o efeito, alega em síntese que no dia 30/04/2006 na Estrada Nacional n.° 319, ao Km. 54,900, em ..., ..., ..., ocorreu um embate do qual resultou a morte de FF de quem os AA. são únicos e universais herdeiros e no qual foi interveniente o 1º Réu, condutor do -JP, propriedade do 2º réu, EE e no qual a vítima circulava como ocupante, imputando a culpa da respectiva produção àquele 1° réu que ao tentar efectuar uma curva ali existente, perdeu o controlo do JP.</font>
</p><p><font>Por causa dos ferimentos que sofreu em consequência do acidente, o FF veio a falecer.</font>
</p><p><font>Mais alega que à data, o JP não beneficiava de seguro válido e eficaz, daí a demanda do FGA e do proprietário do motociclo.</font>
</p><p><font>Acrescenta que ainda que não houvesse culpa do condutor do motociclo, sempre seriam responsáveis os R.R. EE e FGA, a título de responsabilidade objectiva.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Devidamente citados os réus contestaram, por impugnação, negando que fosse a vítima quem circulava como ocupante, antes era ele o condutor do JP, circulando o 1° réu como ocupante, alegando ainda os réus Fundo de Garantia Automóvel e DD que a vítima circulava sem capacete, com uma taxa de álcool no sangue de 1,10 g/L, pelo que, dessa maneira, contribuiu decisivamente para o dano que sofreu.</font>
<p><font>Terminam pedindo a improcedência da acção e a sua consequente absolvição do pedido.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>O ISS-IOP deduziu incidente de intervenção principal espontânea nos autos (cfr. fls. 136 a 137) mediante o qual peticiona a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de 11.541,86 € para reembolso das quantias que pagou aos Autores a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência nos períodos de Maio de 2006 a Junho de 2009, incidente que veio a ser admitido por despacho de fls. 192 e 193 dos autos.</font>
<p><font>*</font>
</p><p><font>Foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente por provada e em, consequência:</font>
</p><p><font>I) Absolveu o Réu DD dos pedidos contra si formulados pelos Autores;</font>
</p><p><font>II) Absolveu o Réu Fundo de Garantia Automóvel e o réu EE do pedido de condenação no pagamento aos Autores das quantias peticionadas a título de indemnização pela perda do direito à vida e danos próprios sofridos pela vítima, e bem assim, do pedido de condenação no pagamento da quantia de 122.545,00 € à Autora, 31.669€ ao autor Leandro e 34.512 € a título de danos patrimoniais por si sofridos em consequência da morte da vítima;</font>
</p><p><font>III) Absolveu todos os RR. do pedido que contra eles foi formulado pelo interveniente Instituto de Segurança Social, IP;</font>
</p><p><font>IV) Condenou solidariamente os Réus Fundo de Garantia Automóvel e EE no pagamento das quantias de 12.500,00 € (doze mil e quinhentos euros) a cada um dos Autores, no montante global de 37.500 € (trinta e sete mil e quinhentos euros), para ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da morte de seu marido e pai, FF, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação e até efectivo e integral pagamento.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Não se conformando com a decisão proferida recorreram, quer o R. Fundo de Garantia Automóvel, quer os AA.</font>
<p><font>Ambas as apelações, além da questão de direito, impugnaram diversos pontos de facto, que, na sua opinião, foram mal julgados.</font>
</p><p><font>Apreciadas as apelações, a Relação manteve, no que era essencial, a decisão de facto, procedendo, embora, à alteração de dois pontos de facto, sem relevância para a decisão, daí que tenha confirmado a sentença recorrida.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Novamente inconformados, recorreram os AA., agora de revista para este S.T.J., em sede de revista excepcional.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Conclusões</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Apresentadas tempestivas alegações, formularam os AA/recorrentes as seguintes conclusões:</font>
<p><font>1ª</font>
</p><p><font>Ocorreu um acidente de viação em que apenas foi interveniente o JP, propriedade do Réu EE.</font>
</p><p><font>No que ao recurso importa, os Recorrentes provaram o seguinte:</font>
</p><p><font>- que o Réu DD e o falecido FF seguiam no JP;</font>
</p><p><font>- que o Réu DD o fazia com autorização do Réu EE - proprietário do JP.</font>
</p><p><font>2ª</font>
</p><p><font>No caso sub judice e no essencial, importa apurar se as regras da responsabilidade pelo risco devem, ou não, ser objeto de aplicação.</font>
</p><p><font>Ora, tendo-se apurado que o FF seguia no JP, JP que havia sido emprestado pelo Réu EE ao Réu DD, para este o experimentar e decidir se o comprava ou não, sempre haverá que concluir que a direção efetiva pertencia, inequivocamente, ao Réu EE ou, o que também não nos repugnaria, a ambos.</font>
</p><p><font>3ª</font>
</p><p><font>Continuando e esclarecendo - discutia-se a propriedade do JP.</font>
</p><p><font>O Réu EE dizia que ele pertencia ao Réu DD, porque lho havia vendido, e este dizia que o JP era daquele; todavia, em depoimento de parte, bem gravado, o Réu DD assumiu que o JP lhe havia sido emprestado para ele o experimentar e decidir se o comprava.</font>
</p><p><font>Assim, como foi patente que um queria comprar e o outro vender, havia que ter-se concluído que o interesse na utilização foi de ambos.</font>
</p><p><font>4ª</font>
</p><p><font>Ponto assente e sem resquício de dúvida, é que o FF foi completamente alheio àquela relação de propriedade ou de autorização para usar o JP. Como bem refere o douto sumário, apenas se concluiu que foi transportado. Ora, como pessoa transportada, há concluir que é, sem dúvida, um dos beneficiários da responsabilidade objetiva.</font>
</p><p><font>5ª</font>
</p><p><font>Aliás, mesmo não se tendo apurado quem é que seguia como condutor, há que considerar, a título de mero exemplo, a situação de colisão de veículos, em que também se não apure a culpa dos condutores. Nessa hipótese, como beneficiários da responsabilidade pelo risco - por serem transportados, serão indemnizados na proporção do risco com que cada um houver contribuído para consequentes danos (art. 506° do CC). Por outro lado, para que houvesse exclusão da responsabilidade objetiva (art. 505° do CC) teria sido necessário que o acidente em apreço tivesse sido "... imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou que resultasse de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.”</font>
</p><p><font>6ª</font>
</p><p><font>Na senda do que vimos defendendo, em situação totalmente similar - despiste de motociclo, com falta de prova quanto à identidade do condutor - com a fundamentação abaixo transcrita, houve condenação fundada na responsabilidade pelo risco e sentenciou-se pagar todos os danos - cfr. Ac. junto como Acórdão-Fundamento. </font>
</p><p><font>7ª</font>
</p><p><font>A fundamentação inserta no Acórdão-fundamento foi a seguinte:</font>
</p><p><font>“A acção foi intentada com base na responsabilidade civil extra-contratual, decorrendo a obrigação de indemnizar da responsabilidade civil por factos ilícitos, verificados que forem os pressupostos enunciados no artigo 483° n° 1 do C Civil.</font>
</p><p><font>Concluindo-se pela existência do facto voluntário, da ilicitude, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano e não se apurando a culpa, as instâncias decidiram que se estava perante caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco. É o que resulta da conjugação do disposto no nº 2 do artigo 483° e artigo 503° n° 1, ambos do C. Civil.</font>
</p><p><font>Em princípio, o responsável é o dono do veículo, uma vez que é ele quem aproveita as vantagens do mesmo. A máxima "ubi commoda, ibi incommoda" é uma das justificações do aumento dos casos de responsabilidade objectiva consagrados no nosso ordenamento jurídico-civil.</font>
</p><p><font>A propriedade (que aqui não foi afastada) faz presumir a direcção efectiva e consequentemente a responsabilidade da Seguradora."</font>
</p><p><font>8ª </font>
</p><p><font>Na verdade, tanto no Ac. em crise, como no Acórdão-Fundamento, estamos perante sinistro com intervenção de motociclo e em que, por força do seu despiste, faleceu uma das duas pessoas que nele seguia. Quer num caso, quer no outro, ele era propriedade de terceiro, apurou-se que nele seguiam duas pessoas, mas não a identidade daquela que o conduzia.</font>
</p><p><font>9ª </font>
</p><p><font>Em ambos as situações, aplicou-se a responsabilidade objetiva, condenando-se aquele que tinha a direção efetiva; porém, na situação fáctica do Acórdão-Fundamento indemnizaram-se os familiares do falecido, passe a expressão, "por tudo", e no do Ac. recorrido apenas se ressarciram os danos causados a terceiros - familiares das vítimas -excluindo a vítima, com o argumento de que ela, apesar de ser uma das pessoas transportada, "poderia" ser o condutor do mesmo".</font>
</p><p><font>10ª </font>
</p><p><font>Se previamente à prolação dos arestos em crise o Tribunal tivesse ponderado as razões do acima vertido no Acórdão-Fundamento e, bem assim, o teor do n° 3 do art. 8º do CC, acreditamos, convictamente, que outra teria sido a decisão.</font>
</p><p><font>11ª</font>
</p><p><font>Ocorrem, com alguma frequência, acidentes em que se não consegue apurar quem conduz. A hipotética possibilidade de uma qualquer vítima ser o condutor, nem configura culpa do lesado nem, passe a expressão, faz o acidente a si imputável. Será, por isso, demasiado cruel limitar-se a indemnização dos familiares de qualquer falecido com o argumento de que há, em tese, a possibilidade de ele ser o condutor.</font>
</p><p><font>12ª </font>
</p><p><font>Todavia, em caso de dúvida e como (último) recurso de procura de uma justiça mais equitativa e menos desigual, pensamos ser ajustado e, por isso, com base no disposto no art. 267° do TFUE, desde já requeremos o reenvio prejudicial.</font>
</p><p><font>13ª</font>
</p><p><font>Efetivamente, a interpretação em crise limita o direito à indemnização dos Recorrentes e colide com os pressupostos subjacentes aos princípios insertos nas cinco diretivas comunitárias - princípios que regem imperativamente em matéria de seguro de responsabilidade civil automóvel.</font>
</p><p><font>14ª </font>
</p><p><font>A questão que se coloca é exatamente a seguinte: - em acidente de viação em que se está perante despiste de um veículo, não sendo possível a identificação do seu condutor (culposo), deve limitar-se a indemnização de pessoa transportada, ou dos seus familiares, com a argumentação de que a mesma podia, em tese, ser o condutor?</font>
</p><p><font>15ª </font>
</p><p><font>No que concerne aos danos morais dos próprios A A., o Ac. recorrido, no que tange ao pagamento de € 12.500 a cada um dos AA., confirmou a sentença.</font>
</p><p><font>O n° 3 do artº 8º do CC prescreve que "Nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito."</font>
</p><p><font>No Ac. do STJ, de 08/09/2011, 2336/04.2TVLSB.L1.S1, da 2ª secção, pelo direito à vida mandou-se pagar a quantia de € 100.000 e pelo dano moral da própria A., € 70.000.</font>
</p><p><font>Não pedimos tanto... Bastar-nos-á equidade. Pela Port. 679/2009, de 25-06, atinge-se o valor de € 37.388 para a A. AA e de €28.042 para cada um dos filhos ...</font>
</p><p><font>16ª </font>
</p><p><font>Quanto ao dano patrimonial futuro - o Ac. recorrido alterou as respostas aos quesitos 35° e 36° da b.i., assentando que o FF auferia € 654/mês e que deles retirava, para as despesas do agregado, pelo menos, € 436/mês.</font>
</p><p><font>Os AA. peticionaram a quantia de €188.726 - valor que é inferior ao que tem vindo a ser atribuído pela douta jurisprudência dos Tribunais Superiores. </font>
</p><p><font>17ª </font>
</p><p><font>Tomando por base os critérios insertos na Port. 679/2009, de 25-06, tendo em conta o salário que ele auferia, a dependência dos seus filhos e da A./viúva, ascendemos à quantia de € 184.763,18. Por isso, a ser revogado o Ac. recorrido e não sendo possível, por estarem abaixo daquilo que tem sido a jurisprudência recente, atualizar os aludidos valores reclamados e não podendo haver condenação ultra petitum, deverão tais montantes ser atribuídos na sua totalidade, com juros, a contar desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Termos em que, concluindo, se alega que ao absolver os Recorridos dos montantes peticionados quanto ao dano morte e patrimonial futuro e ao condenar em apenas € 37.500 pelo dano dos próprios AA., o aresto em crise violou os artigos 351°, 504°, 505°, 495°, 496°, 570° e 566° do CC, devendo, por isso, ser revogado e, por consequência, fazendo funcionar presunção judicial, condenar o Réu DD e o Réu FGA com base na responsabilidade civil extracontratual ou, caso assim não se entenda, com base na responsabilidade pelo risco e na mesma linha do Acórdão-Fundamento, ser proferido Acórdão que condene os Réus EE, DD e FGA a indemnizar os Recorrentes por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, nos valores oportunamente peticionados, com juros, desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font>Ou então, em hipotético caso de dúvida e com o simples desiderato de procura de uma justiça, em substância, menos desigual, porque a interpretação em crise limita drasticamente o direito à indemnização dos Recorrentes e colide com os pressupostos subjacentes aos princípios insertos nas cinco diretivas comunitárias - princípios que regem, sem dúvida, em matéria de seguro de responsabilidade civil automóvel, com base no disposto no art. 267° do TFUE, peticionamos o reenvio prejudicial, com o que se fará equitativa JUSTIÇA.</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>Ofereceram a sua resposta o F.G.A. e o R. DD (fls. 1020 a 1025 e 1036, respectivamente) ambos se pronunciando pela improcedência da revista.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Apesar de se verificar dupla conforme, a formação de juízes a que se refere o n.º 3 do Art.º 721º-A do C.P.C. admitiu revista excepcional com o fundamento na existência de contradição de julgados.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Os Factos</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>A Relação fixou as seguinte factualidade:</font>
<p><font>1) No dia 30 de Abril de 2006, pelas 19:10m, na Estrada Nacional n.° 319 ao quilómetro 54,900, em ..., freguesia de ..., concelho de ..., ocorreu um sinistro rodoviário (al. A) dos factos assentes);</font>
</p><p><font>2) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1) o réu DD e FF seguiam no motociclo com a matrícula -JP, sendo um deles o tripulante, sentado no assento de trás, e o outro o condutor, no sentido ... - Estrada Nacional nº 106 (resposta aos factos 1, 2 e 4 da BI);</font>
</p><p><font>3) Fazendo-o o réu DD com autorização do Réu EE (resposta ao facto 3 da BI);</font>
</p><p><font>4) O local referido em 1), atento o sentido de marcha de ... - Estrada Nacional n.° 106, é constituído por uma curva à esquerda e ali existe, pelo menos, uma habitação do lado direito da via atento o indicado sentido de marcha (resposta aos factos 5 e 6 da BI);</font>
</p><p><font>5) No local referido em 4) a via é a descer (resposta ao facto 9 da BI);</font>
</p><p><font>6) Ao tentar efectuar a curva descrita em 4) e 5) o condutor do JP perdeu o controlo do mesmo, tendo o JP e os seus ocupantes quase tombado na via e após, tendo chocado contra o marco hectométrico sito na berma a cerca de 3,5 metros do local referido em 4 e 5 (resposta aos factos 10, 11 e 12 da BI);</font>
</p><p><font>7) Em seguida, chocou contra o poste de energia eléctrica sito a 10,90 metros do local referido em 6) e depois embateu contra o maciço de cimento onde se encontrava implantada a placa informativa de que a 150 metros a Estrada Nacional n.° 319 entronca com a Estrada Nacional n.° 106 e dos respectivos sentido de marcha … à direita e … à esquerda (resposta aos facto 13 e 14 da BI);</font>
</p><p><font>8) Após, o Réu DD ficou imobilizado fora da via, num caminho sito do lado direito da via, atento o sentido em que seguia o JP (resposta ao facto 15 da BI);</font>
</p><p><font>9) O JP ficou imobilizado a 16,30 metros do local referido em 4) (resposta ao facto 16 da BI);</font>
</p><p><font>10) O FF ficou imobilizado numa passagem de pedra localizada por cima da berma, destinada ao escoamento de águas pluviais, deitado ao comprido com a cabeça encostada às pedras da dita passagem (resposta aos factos 17 a 19 da BI);</font>
</p><p><font>11) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 6) o Réu DD não era titular de carta de condução ou licença que o habilitasse a conduzir veículos motorizados (resposta ao facto 20 da BI);</font>
</p><p><font>12) Após o embate, no local referido em 6), havia ranhuras no asfalto e fragmentos de vidro e de plástico no solo (resposta aos factos 22 e 23 da BI);</font>
</p><p><font>13) Em consequência do embate o FF sofreu otorragia à direita, escoriações variadas na face, equimose extensa na região dorsal com várias escoriações, equimose extensa no antebraço e cotovelo esquerdo e escoriações no cotovelo direito, áreas de contusão dispersas no córtex de ambos os parietais, fractura dos arcos costais anteriores e laterais à direita - 4° e 9° - com abundante hemotórax, laceração da artéria pulmonar direita, pulmão direito e extensa hemorragia com choque hipovolémico resultantes (respostas aos factos 24 a 30 da BI);</font>
</p><p><font>14) As lesões descritas em 13 foram causa directa e necessária da morte de FF (resposta ao facto 31 da BI);</font>
</p><p><font>15) FF faleceu a 30 de Abril de 2006, na freguesia de ..., concelho de ... (al. B) dos factos assentes);</font>
</p><p><font>16) A data do óbito FF tinha 24 anos de idade e era casado com AA GG (al. C) dos factos assentes);</font>
</p><p><font>17) Era, à data do embate, uma pessoa saudável física e psicologicamente, vivia com alegria e era estimado por familiares e amigos (resposta aos factos 32 e 33 da BI);</font>
</p><p><font>18) Trabalhava como servente de trolha para a sociedade "HH, Lda." (resposta ao facto 34 da BI); </font>
</p><p><font>19) Auferindo uma retribuição mensal média de 654,00 € (resposta ao facto 35)</font>
</p><p><font>20) Do salário que auferia, no valor mensal de 654,00 €, o falecido retirava mensalmente, pelo menos, a quantia líquida de 436,00 € (⅔) para adquirir alimentos, vestuário e calçado dos AA. (resposta aos factos 36 e 37).</font>
</p><p><font>21) O FF denotava pela sua mulher e filhos amizade e carinho (resposta ao facto 38 da BI);</font>
</p><p><font>22) A autora e BB, respectivamente, mulher e filho do FF, sofreram quando receberam a notícia da morte deste, sofrimento que se manteve até ao dia do funeral e nos dias seguintes, mantendo actualmente desgostos e pesar que se acentua nas datas festivas (resposta aos factos 39 a 42 da BI);</font>
</p><p><font>23) À data do embate, a responsabilidade civil pelos prejuízos causados a terceiros decorrente da circulação do JP não estava transferida para qualquer seguradora (resposta ao facto 45 da BI);</font>
</p><p><font>24) À data em que ocorreu o embate, o FF não utilizava capacete de protecção e era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,10 g/l (resposta aos factos 47 e 48 da BI);</font>
</p><p><font>25) À data do seu falecimento, FF era beneficiário da Segurança Social n.° ... (resposta ao facto 49 da BI);</font>
</p><p><font>26) Na sequência do sinistro o Instituto de Segurança Social, IP/Centro Nacional de Pensões pagou à autora, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, no período de Maio de 2006 a Dezembro de 2012, o montante global de € 19.959,14 (dezanove mil novecentos e cinquenta e nove euros e catorze cêntimos) - (resposta ao facto 50 da BI e certidão de fls. 282);</font>
</p><p><font>27) Através de escritura pública lavrada no Cartório Notarial sito na Rua …, …, …, a autora AA declarou que os autores são os únicos herdeiros de FF (al. D) dos factos assentes);</font>
</p><p><font>28) A propriedade do motociclo com a matrícula -JP está registada a favor do réu EE desde 9/08/2002 (certidão de fls. 569).</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><u><font>Fundamentação</font></u></b></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Como se vê dos autos os AA. atribuíram ao 1º R. a condução do motociclo, imputando-lhe a culpa exclusiva na produção do acidente.</font>
<p><font>Acontece que, tendo-se convertido tal versão factual e, por isso, levadas à base instrutória as duas versões em confronto, acabou por não se provar quem conduzia o veículo sinistrado.</font>
</p><p><font>Portanto, apenas se sabe que, aquando do acidente, quer a vítima, FF (marido e pai dos AA.), quer o 1º R., DD, seguiam no motociclo, sendo um deles o tripulante e o outro passageiro. (confr. ponto 2 da matéria de facto provada).</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Perante este circunstancialismo fáctico, as instâncias absolveram os RR. da parte do pedido relativo a direitos indemnizatórios nascidos na esfera jurídica da vítima, bem como da peticionada indemnização por danos patrimoniais decorrentes da perda da contribuição do falecido para o sustento dos AA., esta, por estar excluída da garantia do F.G.A. pelo D.L. 522/85.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>No entanto, as instâncias decidiram indemnizar os AA., relativamente aos danos morais próprios (sofrimento e desgosto que padeceram pela morte do marido e pai), fixando a indemnização a esse título em 12,500 € para cada autor.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ora, quanto a este segmento condenatório, não houve recurso dos RR. visados (EE DD e F.G.A.), daí que, nessa parte a decisão não possa ser alterada em sede de revista, atento o disposto no Art.º 684º, n.º 4 do C.P.C. (a não ser, eventualmente, quanto à ampliação da indemnização, dado o recurso dos AA. suscitar tal questão).</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Posto isto e vistas as conclusões, pretendem os recorrentes obter a condenação dos RR. na integralidade dos pedidos formulados (bem como a ampliação do valor da indemnização que lhes foi arbitrada).</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Para tal, seguem duas vias alternativas, ao que parece.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Por um lado, continuam a pugnar pela alteração da matéria de facto no sentido de se ter por provado que quem conduzia o motociclo era o 1º R., DD, o que resultaria, ao menos indirectamente, por presunções judiciais ou de experiência.</font>
<p><font>Assim, deveria este S.T.J. fazer funcionar tais presunções para poder condenar os RR. DD e F.G.A., com base em culpa efectiva (do R. DD).</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Porém, se assim não se entender, deve equacionar-se a questão em sede de responsabilidade objectiva (pelo risco) e, nessa base, condenar os 3 RR. a indemnizar os AA. de todos os danos, morais e patrimoniais peticionados.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Entendem ainda os recorrentes que, se dúvidas houver, deverá ordenar-se o reenvio prejudicial nos termos do Art.º 267º de T.F.U.E.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Vejamos cada uma das questões suscitadas.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><u><font>1ª Questão</font></u></b>
</p><p><b><u><font>Matéria de Facto</font></u></b>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>A questão suscitada a respeito da matéria de facto não está abrangida no âmbito da contradição de julgados que fundamentou o recebimento da revista, a título excepcional, razão porque, salvo melhor opinião, não poderá ser objecto da revista.</font>
<p><font>Todavia, admitindo-se que sobre o assunto possam surgir dúvidas, tratar-se-á sumariamente da questão suscitada pelos AA.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>É sabido que o S.T.J. não conhece de matéria de facto a não ser nos casos excepcionais previstos no Art.º 722º, n.º 3 do C.P.C., o que, evidentemente, não é o caso dos autos.</font>
<p><font>Por outro lado, é também indiscutível que as instâncias podem utilizar presunções judiciais (também denominadas de presunções naturais, de facto ou de experiência), nos mesmos termos em que é admitida a prova por testemunhos (art.º 351º do C.C.).</font>
</p><p><font>Porém, o S.T.J. não é um tribunal de instância, mas de revista, competindo-lhe, por isso, aplicar a lei aos factos fixados pelas instâncias e não apreciar matéria de facto, salvo as excepções já mencionadas.</font>
</p><p><font>Assim, o S.T.J., não pode fazer uso de presunções judiciais, designadamente para alterar factualidade apreciada e fixada pelas instâncias, uma vez que estaria a imiscuir-se no âmbito de matéria de facto, subtraída à sua competência.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Consequentemente, tendo a factualidade em questão sido reapreciada pela Relação, que a fixou definitivamente, não pode voltar a ser aqui sindicada e alterada pelo uso de presunções judiciais, como pretendem os recorrentes.</font>
<p><font>Há, pois que respeitar a factualidade fixada e nesse quadro factual proceder à aplicação do direito.</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><b><u><font>2ª Questão</font></u></b>
</p><p><b><u><font>Responsabilidade objectiva dos RR.</font></u></b>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>Argumentam essencialmente os AA. que deve aplicar-se ao caso concreto as regras da responsabilidade objectiva, ou seja fundada no risco da circulação automóvel.</font>
<p><font>Alegam que, não se tendo apurado quem conduzia o motociclo, ficou por provar a culpa, daí que tenha lugar a aplicação do instituto da responsabilidade pelo risco, como peticionaram subsidiariamente.</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>Acontece que a situação não é tão linear como a apresentam os recorrentes.</font>
<p><font>Não haverá dúvidas sérias que, em casos de acidente de viação, em que a causa de pedir é complexa, não provada a culpa do condutor do(s) veículo(s) acidentado(s), há que chamar à colação as regras da responsabilidade pelo risco, mesmo que tal não tenha sido expressamente peticionado.</font>
</p><p><font>Terá sido o que ocorreu no âmbito de processo em que foi proferido o acórdão fundamento, visto que dos elementos disponíveis facultados, se verifica que, não só não se provou quem conduzia o veículo, como igualmente não se provou culpa do condutor não identificado.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Porém, a situação fáctica adquirida nos presentes autos é substancialmente diferente.</font>
<p><font>Na verdade se é certo que no motociclo sinistrado seguiam o Réu DD e a vítima FF, marido e pai dos AA. e que, igualmente não foi possível determinar qual deles o conduzia, provou-se, todavia, sem qualquer contestação, que o acidente resultou de culpa exclusiva do respectivo condutor fosse ele qualquer dos referidos utilizadores.</font>
</p><p><font>Esta diferente situação de facto, faz, quanto a nós, toda a diferença, designadamente, salvo o devido respeito por opinião diversa, impedirá que se fale em contradições de julgados visto a diversidade referida entre as duas situações de facto a que se aplicou o direito.</font>
</p><p><font>Porém, uma vez que a decisão da formação quanto à admissibilidade de revista excepcional é definitiva, terá, não obstante, de conhecer-se da revista.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Assim, dir-se-á que, provada </font><u><font>a culpa exclusiva do condutor do motociclo</font></u><font> aqui em questão, mesmo ignorando-se se a conduta culposa é imputável ao 1º R. DD ou à própria vítima, marido e pai dos AA., ficou determinado que a acção se move no </font><u><font>âmbito da responsabilidade extracontratual fundada na culpa efectiva do condutor do motociclo</font></u><font> (JP), razão porque, na nossa modesta opinião, não é possível apreciar os pedidos à luz das regras da responsabilidade objectiva ou pelo risco, visto que a culpa exclusiva do condutor afasta a responsabilidade pelo risco como resulta, ao que nos parece, do Art.º 483º do C.C. (não confundir com a possível concorrência entre a culpa do </font><u><font>lesado</font></u><font> e o risco próprio do veículo – Art.º 505º do C.C., na interpretação actualizada defendida pelo Ac. deste S.T.J. de 4/10/2007, que se subscreve).</font>
<p><font>Assim, a chamada à colação das regras da responsabilidade objectiva só seria adequada caso não tivesse ficado demonstrada a culpa exclusiva do condutor do J.P..</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Consequentemente, salvo melhor opinião, a solução da controvérsia aqui em causa passa por saber a quem competia o ónus de provar a culpa do autor da lesão, questão que foi resolvida correctamente pelas instâncias.</font>
<p><font>De qualquer modo, dir-se-á sumariamente que não pode haver qualquer dúvida de que tal ónus impende sobre os AA. nos termos do Art.º 487º, n.º 1 do CC.</font>
</p><p><font>Como resulta do disposto no art. 483º, n.º 1 do CC. são pressupostos essenciais da obrigação de indemnizar (para além do dano e do nexo causal) a ocorrência de um </font><u><font>facto ilícito e culposo que possa ser imputável a determinado agente</font></u><font>, o que significa que estamos em presença de factualidade constitutiva do direito à indemnização, que, como tal, tem de ser alegada e provada por quem invoca o direito à indemnização (no caso pelos AA.).</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ora, no caso concreto, o cumprimento do referenciado ónus passava, necessariamente, pela prova de que o condutor culpado (lesante) era outrem (o R. DD, como o alegado) que não a própria vítima, marido e pai dos AA.</font>
<p><font>É que, como é manifesto, em sede de responsabilidade fundada na culpa, está excluída a coincidência entre </font><u><font>lesante</font></u><font> e </font><u><font>lesado</font></u><font>.</font>
</p><p><font>De facto, segundo as regras que disciplinam a responsabilidade civil (C.C.), pelos danos infligidos pelo agente </font><u><fo | [0 0 0 ... 0 1 0] |
bzKFu4YBgYBz1XKvDhVl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> </font><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font> </font></b><br>
<font>O </font><b><font>Ministério Público</font></b><font> intentou a presente acção contra “</font><b><font>AA Lda</font></b><font>” e “</font><b><font>BB – Sucursal Portuguesa</font></b><font>”, pedindo a declaração de nulidade de várias cláusulas de contratos utilizados pelas RR.</font><br>
<font> </font><br>
<font>As RR contestaram.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foi proferida sentença julgando a acção:</font>
</p><p><font>- parcialmente improcedente, quanto às cláusulas: - 2º/5, 13º/2, 15º/2/5, 16º/4c) /5, e 17º/3 do ‘Select’; - 5ª/6, 16ª/9, 17º/2/3, 18ª/4c), e 20ª/2 do ‘Renting’; - 2º/5, 13º/2, 15º/2/5, 16º/4c), e 17º/3 do ‘ALD’; - </font><b><font>11º/4</font></b><font>, 14º/2, 15º/2/5, e 18º/1 da ‘</font><u><font>Locação Financeira</font></u><font>’; - 11º/2 e 12º/4 do ‘Crédito a Consumidor’; e - 10º/2 e 12º/4 do ‘Crédito’; </font>
</p><p><font>- e procedente na parte restante, sendo declarada a nulidade das cláusulas: - 3º/6, </font><b><font>5º/1</font></b><font>, 5º/3, </font><b><font>8º/1</font></b><font>, </font><b><font>9º/1</font></b><font>, </font><b><font>10º/4</font></b><font>, 11º, 15º/4, 16º/2, 17º/2, 23º/1, e 23º/2 do ‘</font><u><font>Select</font></u><font>’; - 6ª/3, </font><b><font>8ª/4</font></b><font>, 12ª/1, 14ª/6, 15ª/2, 17º/1, 18ª/3, 20ª/1, 24ª/1, e 24º/2 do ‘</font><u><font>Renting</font></u><font>’; - 3º/6, </font><b><font>5º/1</font></b><font>, 5º/3, </font><b><font>10º/4</font></b><font>, 11º, 15º/4, 16º/2, 17º/2, 23º/1, e 23º/2 do ‘</font><u><font>ALD</font></u><font>’; - 3º/6, 4º/2/3, </font><b><font>6º/1</font></b><font>, 6º/3, 12º, 15º/4, 17º/2, 24º/1, e 24º/2 da ‘</font><u><font>Locação Financeira’</font></u><font>; - 1º/2, </font><b><font>3º/1</font></b><font>, 3º/3, 5º/3, 6º/1, 8º/4, 9º, 11º/4, 12º/1, 19º/1, e 19º/2 do ‘</font><u><font>Crédito a Consumidor’</font></u><font>; e - 1º/2, </font><b><font>3º/5</font></b><font>, 5º/3, 6º/1, 8º/4, 9º, 11º/2, 12º/1, 13º, 14º, 17º/1, e 17º/2 do ‘</font><u><font>Crédito</font></u><font>’. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O A interpôs apelação dessa sentença, pretendendo que fosse declarada a nulidade, também, das cláusulas: - 2º/5, 15º/2/5, 16º/4c) /5, e 17º/3 do ‘Select’; - 5ª/6, 16ª/9, 17º/2/3, 18ª/4c), e 20ª/2 do ‘Renting’; - 2º/5, 15º/2/5, 16º/4c), e 17º/3 do ‘ALD’; - </font><b><u><font>11º/4</font></u></b><font>, 15º/2/5, e 18º/1 da ‘</font><u><font>Locação Financeira</font></u><font>’; - 11º/2 e 12º/4 do ‘Crédito a Consumidor’; - e 10º/2 e 12º/4 do ‘Crédito’.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Também as RR interpuseram apelação da parte da sentença em que se julgou procedente a acção e, nas contra-alegações que apresentaram em relação ao recurso do A, vieram suscitar a ampliação deste.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Relação de Lisboa, julgando improcedente a apelação das RR e parcialmente procedente a do A, declarou a nulidade da cláusula </font><b><font>11ª, nº.4, al. a)</font></b><font> da ‘</font><u><font>Locação Financeira</font></u><font>’ e confirmou, no demais, a sentença de 1ª instância. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As RR interpuseram revista desse acórdão, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pelo Ministério Público, declarou a nulidade da Cláusula </font><b><font>l1ª, nº 4</font></b><font>, al. a) da </font><b><font>Locação Financeira</font></b><font>; </font><br>
<font>2. Vem igualmente o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que, julgando improcedente a apelação das Rés, manteve a declaração de nulidade das seguintes cláusulas: - </font><b><font>8ª, nº 1 e 9ª, nº 1</font></b><font> do Contrato “</font><b><font>Select</font></b><font>”; - </font><b><font>10ª nº 4</font></b><font> do Contrato “</font><b><font>Select</font></b><font>” e </font><b><font>10ª, nº 4</font></b><font> do Contrato de “</font><b><font>ALD</font></b><font>”; - </font><b><font>5ª, nº 1</font></b><font> do Contrato “</font><b><font>Select</font></b><font>”; </font><b><font>8ª, nº 4</font></b><font> do Contrato de “Renting”; </font><b><font>5ª, nº 1</font></b><font> do Contrato de “</font><b><font>ALD</font></b><font>”; </font><b><font>6ª, nº 1</font></b><font> do Contrato de “</font><b><font>Locação Financeira</font></b><font>”; </font><b><font>3ª, nº 1</font></b><font> do Contrato de “</font><b><font>Crédito a Consumidor</font></b><font>” e </font><b><font>3ª, nº 5</font></b><font> do Contrato de “</font><b><font>Crédito</font></b><font>”; </font><br>
<font>3. Como bem decidiu o Tribunal de 1ª Instância “(…) </font><i><font>no caso da locação financeira, a regra do artigo 15° do DL 149/95 estabelece que “Salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário.(. . .) Assim, no caso da locação financeira, a cláusula em apreço não altera a distribuição do risco</font></i><font>”; </font><br>
<font>4. Não podendo a Recorrente concordar com a decisão do Tribunal da Relação, a qual, aplicando o regime previsto na locação civil, mormente art. 1044° do Código Civil, é manifestamente contrária à Lei; </font><br>
<font>5. Como tem sido entendimento pacífico na nossa Doutrina e Jurisprudência, o regime previsto no artigo 1044° do Código Civil (CC) não é aplicável à locação financeira, sendo afastado pelo regime especial previsto no artigo 15° do DL 149/95; </font><br>
<font>6. O próprio artigo 9°, nº 2 DL 149/95 estabelece que “</font><i><font>Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma</font></i><font> (. . .)”, de onde se infere que se deverá recusar a aplicação das normas que se revelem incompatíveis com a específica feição da locação financeira; </font><br>
<font>7. Por outro lado, refira-se que a locadora, contrariamente ao entendimento plasmado na decisão sob recurso, não irá receber o valor global do contrato, como se não tivesse havido nenhum “percalço” no decurso do mesmo; </font><br>
<font>8. Pelo contrário, a Recorrente apenas irá receber o valor atualizado das rendas vincendas com o valor residual, ou seja, o valor do capital em dívida, expurgado de juro remuneratório; </font><br>
<font>9. Resultando evidente que a Recorrente não aufere as mesmas vantagens como se não se tivesse verificado a perda total do bem, porquanto a Recorrente vê-se privada do juro remuneratório, que corresponde à sua margem de lucro; </font><br>
<font>10. Não se pode é exigir que a Recorrente não veja satisfeito o capital em dívida, quando a mesma despendeu no início do contrato o valor global de aquisição do veículo e nunca o deteve, pois cedeu o seu gozo ao locatário; </font><br>
<font>11. Fazer repercutir na Recorrente o prejuízo decorrente da perda total do bem, prejuízo que, no caso, corresponde ao eventual diferencial entre o valor da indemnização recebida da seguradora e o valor do capital em dívida, é verdadeiramente alterar as regras da distribuição do risco, em manifesta violação do disposto no artigo 15° do DL 149/95; </font><br>
<font>12. Sendo que, no que respeita à alegada desvalorização com impacto no valor da indemnização a receber da seguradora, refira-se que não só o valor das rendas sofre, igualmente, uma diminuição correspondente à parcela de juro remuneratório, como o valor da indemnização e a desvalorização se encontram-diretamente relacionadas com o tipo de seguro contratado pelo locatário, ao qual cabe acautelar que, o seguro que contrata lhe permitirá fazer face ao valor devido em face de uma eventual perda total do bem, designadamente contratando um seguro na modalidade de capital constante, ou seja, seguro sem desvalorização; </font><br>
<font>13. Dúvidas não existem de que cabe ao locatário suportar os riscos inerentes à qualidade de proprietário do bem de que usufrui o gozo; </font><br>
<font>14. Do exposto resulta o erro do Tribunal da Relação na determinação da norma aplicável – artigo 1044° do CC – violando a decisão sob recurso o disposto no artigo 15° do DL 149/95. </font><br>
<font>15. No que respeita às Cláusula 8ª, nº 1, e Cláusula 9ª, nº 1, das Condições Gerais do Contrato “Se1ect”, entendeu o Tribunal a quo que as mesmas são contrárias à Lei, violando o regime regra da locação civil previsto no Código Civil, nos termos do qual o risco corre por conta do locador, proprietário do bem; </font><br>
<font>16. Não pode a Recorrente concordar com a decisão do douto Tribunal da Relação de Lisboa, a qual se encontra em contradição com o Acórdão proferido pelo STJ datado de 01.02.2011 e no qual veio a ser apreciada, à luz do regime das cláusulas contratuais gerais, uma cláusula idêntica à ora em causa, a qual faz repercutir o risco sobre o locatário do contrato de ALD com opção de compra do bem no termo do mesmo; </font><br>
<font>17. No âmbito do Acórdão-fundamento e apreciando a mesma questão fundamental de direito – regime jurídico aplicável ao contrato de ALD e consequências ao nível da validade da cláusula contratual de distribuição do risco – decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que o contrato de ALD retrata uma pluralidade multilateral de contratos três tipos de contratos: contrato de aluguer de longa duração, contrato de compra e venda a prestações e contrato-promessa de compra e venda do bem alugado, sendo a referida coligação funcional subsumível à matriz do contrato de mandato sem representação; </font><br>
<font>18. Concluindo que: “</font><i><font>Embora no ALD, o efeito da transferência da propriedade só se produza com a celebração, em cumprimento do contrato-promessa que a operação comporta, de um futuro contrato prometido de compra e venda entre o locatário e o terceiro interposto pelo locador, </font></i><i><u><font>este apenas adquire os bens que lhe são, especificamente, solicitados pelo locatário carecido, </font></u></i><b><i><u><font>ao qual cabe suportar os riscos inerentes à qualidade de proprietário do bem de que usufrui o gozo, porquanto o locador age, por conta e risco do locatário</font></u></i></b><font>”; </font><br>
<font>19. Com efeito, neste tipo de contratos de aluguer o locador obriga-se a adquirir o bem a um terceiro, sob a indicação do locatário, a fim de lhe proporcionar o respetivo gozo; as prestações devidas não são o correspetivo do valor de uso do bem locado, mas sim parcelas de execução da obrigação de reembolso dos fundos adiantados pelo locador na sua aquisição, tendo o locatário a opção de aquisição do bem no final do período acordado para o aluguer, a qual consta expressamente do clausulado do contrato; </font><br>
<font>20. Realidade que nada tem de comum com o regime geral da locação previsto no Código Civil; </font><br>
<font>21. Dúvidas não existem de que o risco neste tipo de contratos corre pelo locatário, porquanto o locador apenas adquire os bens que lhe são especificamente solicitados pelo locatário, ao qual, como vimos, caberá suportar os riscos inerentes à qualidade de proprietário do bem de que exclusivamente usufrui, porquanto o locador age por conta e risco do locatário; </font><br>
<font>22. Por maioria de razão, e no que respeita ao disposto no Artigo 9.° das Condições Gerais do Contrato em apreço - responsabilidade civil - são igualmente aplicáveis as considerações supra tecidas, correndo por conta do locatário os riscos decorrentes do gozo e fruição do veículo; </font><br>
<font>23. Atribuir ao locador a responsabilidade por prejuízos causados pelo bem, o qual não é por si detido, não tendo o locador qualquer domínio de facto sobre o mesmo, mais não seria do que atribuir uma responsabilidade objetiva ao locador, em clara violação da Lei; </font><br>
<font>24. Impondo-se, assim, a revogação da decisão proferida, a qual deverá ser substituída por douta decisão que declare válidas as cláusulas em apreço, as quais não violam o disposto nos artigos 15°, 16° alínea b) e 21°, alínea f) do RCCG; </font><br>
<font>25. No que respeita à decisão de nulidade das Cláusulas 10ª, nº 4 das Condições Gerais do Contrato “Select” e 10ª, nº 4 das Condições Gerais do Contrato “ALD” socorreu-se o Tribunal a quo, uma vez mais, do regime geral da locação civil, encontra-se a decisão sob recurso de igual modo em contradição com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça datada de 01.02.2011; </font><br>
<font>26. Valendo </font><i><font>mutatis mutandis</font></i><font>, as considerações tecidas a respeito do enquadramento jurídico do Contrato de ALD e consequências ao nível da validade das cláusulas de distribuição do risco das quais resulta evidente que no âmbito dos contratos em análise, atentas as características dos mesmos, que não se assemelham à locação, </font><u><font>o risco corre por conta do locatário, não sendo aplicável o regime geral da locação civil</font></u><font>; </font><br>
<font>27. Salientando as Recorridas a similitude das cláusulas em análise nos autos objecto das decisões em contradição, as quais estipulam os valores a liquidar pelos respectivos locatários em caso de perda total do bem; </font><br>
<font>28. Reiterando, a este respeito, que o “</font><i><font>valor </font></i><i><u><font>atualizado</font></u></i><i><font> dos alugueres vincendos e do valor futuro</font></i><font>” corresponde ao valor do capital ainda em dívida, expurgado de juros; </font><br>
<font>29. Com base nos argumentos tecidos a propósito do risco, os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, dúvidas não existem de que cabe ao locatário suportar os riscos inerentes à qualidade de proprietário do bem de que usufrui o gozo, porquanto o locador age no negócio por conta e risco do locatário; </font><br>
<font>30. Impondo-se, assim, a revogação da decisão proferida, a qual deverá ser substituída por douta decisão que declare válidas as cláusulas em apreço, as quais não violam o disposto nos artigos 15º, 16º alínea b) e 21º, alínea f) do RCCG; </font><br>
<font>31. No que respeita às Cláusulas 5ª, nº 1 do Contrato “Select”; 8ª, nº 4 do Contrato “Renting”; 5ª, nº 1 do Contrato de “ALD”; 6ª, nº 1 do Contrato de “Locação Financeira”; 3ª, nº 1 do Contrato de “Crédito a Consumidor”; 3ª, nº 5 do Contrato de “Crédito”, importa salientar, contrariamente ao que parece resultar da decisão recorrida, que as mesmas não fazem repercutir sobre os locatários/mutuários toda e qualquer despesa; </font><br>
<font>32. Com efeito, as cláusulas em apreço preveem a responsabilidade pelo pagamento das despesas ou encargos inerentes ou resultantes da assinatura, vigência e execução do contrato, as quais, como é pacificamente aceite, são da responsabilidade da parte que pretende contratar determinado serviço e, como tal, deverá suportar as despesas e encargos inerentes a essa contratação, sendo que as Recorridas não teriam qualquer interesse em contratar se tivessem de assumir essas despesas; </font><br>
<font>33. Em face do exposto, mal andou o Tribunal Recorrido ao declarar integralmente nulas as cláusulas em apreço, decisão cuja revogação por parte deste Tribunal se impõe, devendo a mesma ser substituída por douta decisão que declare as cláusulas parcialmente nulas, nos segmentos que abrangem as despesas judiciais e os impostos. </font><br>
<font>Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo, consequentemente: </font><br>
<font>a) Ser revogada a decisão do Tribunal da Relação, a qual julgou procedente o recurso do Ministério Público quanto à nulidade da cláusula 11ª, nº 4, do Contrato de Locação Financeira, mantendo-se a decisão proferida em 1ª Instância, a qual havia concluído pela validade da Cláusula em apreço. </font><br>
<font>b) Ser revogada a decisão que declarou nulas as cláusulas 8ª nº 1 e 9ª, nº 1, das Condições Gerais do Contrato “Select”; 10ª, nº 4 das Condições Gerais do Contrato “Select” e Cláusula 10ª, nº 4 das Condições Gerais do Contrato “ALD”, devendo a mesma ser substituída por decisão que declare válidas as referidas cláusulas; </font><br>
<font>c) Ser revogada a decisão que declarou nulas as cláusulas 5ª, nº 1 do Contrato “Select”; 8ª, nº 4 do Contrato “Renting”; 5ª, nº 1 do Contrato de “ALD”; 6ª, nº 1 do Contrato de “Locação Financeira”; 3ª, nº 1 do Contrato de “Crédito a Consumidor”; 3ª nº 5 do Contrato de Crédito” devendo a mesma ser substituída por decisão que declare as mesmas parcialmente nulas no que respeita aos segmentos que abrangem as despesas judiciais e os impostos. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A Sra. Desembargadora Relatora admitiu o recurso de revista (normal), acrescentando que «</font><i><font>Quanto ao pretendido recurso de revista excepcional … pertencerá ao STJ aferir da sua admissibilidade</font></i><font>». Daí que, na sequência, os autos tenham sido apresentados à Formação deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do art. 672º do CPC que, constatando não se verificar dupla conformidade entre as decisões de ambas as instâncias, a que alude o art. 671º nº 3 daquele código, não admitiu a revista excepcional e determinou que os autos fossem distribuídos para virtual admissão do recurso de revista. </font><br>
<font>*</font><br>
<font>A Relação julgou provada a seguinte factualidade </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>:</font><br>
<b><u><font>1 -</font></u></b><font> A 1ª R. usa o documento denominado “Contrato de Aluguer Operacional a Consumidor (</font><b><u><font>Select</font></u></b><font>) junto a fls. 55 a 56 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se leem as seguintes “condições gerais”: “ (…)</font><br>
<font>Artigo 2º - Início de vigência e prazo do aluguer</font><br>
<font>(…) 4 – O locatário poderá antecipar o termo do prazo de vigência do Contrato procedendo à entrega ao locador do bem objecto do mesmo, nos termos previstos no Artigo 13º.</font><br>
<font>5 – No caso de cessação do Contrato nos termos previstos no número precedente, o locatário ficará obrigado, a proceder ao imediato pagamento dos alugueres eventualmente vencidos e não pagos, acrescidos de juros de mora, bem como de um montante indemnizatório igual a 50% da soma dos alugueres vincendos, sem prejuízo do direito do locador de exigir a reparação integral dos seus prejuízos, podendo o locador optar, em alternativa ao pagamento da referida indemnização, pela indemnização prevista no nº 5 do Artigo 15º.</font><br>
<font>Artigo 3º - Entrega do bem</font><br>
<font>(…) 5 – Se o bem entregue não for conforme à encomenda ou apresentar defeitos de funcionamento, o locatário deve recusá-lo prontamente e informar o locador desse facto através de carta registada com aviso de recepção, fundamentando os motivos da recusa, e, logo após, resolver o Contrato.</font><br>
<font>6 – Caso resolva o Contrato nos termos do número anterior, o locatário fica obrigado a reembolsar de imediato o locador de todas as quantias despendidas ou devidas pelo Contrato, acrescidas de juros de mora à taxa contratualmente acordada, ficando o locador desobrigado de quaisquer obrigações perante o fornecedor e o locatário.</font><br>
<font>(…) Artigo 5º - Encargos</font><br>
<u><font>1 – Todas as despesas ou encargos inerentes ou resultantes da assinatura, vigência, execução, cumprimento e incumprimento do presente Contrato e, bem assim, todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados, solicitadores e/ou prestadores de serviços em que o locador venha a incorrer para garantia e cobrança dos créditos emergentes do presente contrato, que desde já se fixam em 15% sobre os valores a cobrar, acrescidos dos impostos e demais encargos legais em vigor, são da responsabilidade do locatário</font></u><font>. (…)</font><br>
<font>3 – O locador poderá alterar o montante dos encargos fixados, ou aplicar diferentes encargos, se as condições de mercado ou as alterações legislativas o impuserem, obrigando-se a comunicar as alterações ao locatário, em papel ou outro suporte duradouro, com a antecedência mínima de 15 dias a contar da data de produção de efeitos das mesmas. (…)</font><br>
<font>Artigo 8º - Responsabilidade pelo bem</font><br>
<u><font>1 – Os riscos de perda, deterioração, defeito de funcionamento e imobilização do bem correm por conta do locatário, o qual será responsável por tais factos perante o locador, caso este não venha a ser ressarcido por terceiro dos danos verificados no bem</font></u><font>. (…) </font><br>
<font>Artigo 9º - Responsabilidade civil</font><br>
<u><font>1 – Enquanto o bem se mantiver em seu poder e não for devolvido ao locador, o locatário, na sua qualidade de fruidor e de defensor da integridade do bem locado, é o único responsável pelos prejuízos causados pelo bem, qualquer que seja a sua causa</font></u><font>. (…)</font><br>
<font>Artigo 10º - Seguros</font><br>
<font>(…) </font><u><font>4 – Em caso de sinistro implicando a perda total ou parcial do bem, por facto não imputável ao locatário, proceder-se-á da seguinte forma:</font></u><br>
<u><font>a) Em caso de perda total, o presente Contrato ter-se-á por caducado, considerando-se como data de caducidade aquela que constar do documento escrito emitido pela respectiva seguradora onde esta declare a perda total, tendo o locador o direito a exigir do locatário o montante correspondente à soma de todos os alugueres vencidos e não pagos e respectivos juros, do valor actualizado dos alugueres vincendos e do valor futuro previsto nas Condições Particulares, e de todas as quantias em dívida pelo locatário, devendo o locatário entregar ao locador a indemnização que venha a receber da seguradora, caso esta lhe seja directamente liquidada;</font></u><br>
<u><font>b) Em caso de perda parcial, o presente Contrato manter-se-á em vigor, tendo o locador o direito de optar entre mandar reparar o bem, fazendo seu o valor recebido da seguradora, ou entregar este mesmo valor ao locatário, o qual deverá, por sua conta e risco, mandar reparar o bem</font></u><font>.</font><br>
<font>Artigo 11º - Cessão da posição contratual e cessão da utilização do bem: A cessão da posição de locatário no presente Contrato, bem como a cessão a terceiro da utilização ou gozo do bem, a qualquer título e quando legalmente possível, dependem de prévia autorização escrita do locador. O locador poderá ceder a sua posição no presente Contrato mediante simples comunicação ao locatário, data em que se produzirão todos os efeitos respectivos.</font><br>
<font>(…) Artigo 13º - Termo do aluguer</font><br>
<font>1 – No final do presente Contrato e desde que nessa data não estejam por liquidar ao locador dívidas vencidas, o locatário poderá proceder à aquisição do bem mediante o pagamento do valor futuro previsto nas Condições Particulares, acrescido das despesas e encargos conexos, ficando a transferência da propriedade sobre o bem condicionada ao efectivo pagamento daquele valor futuro.</font><br>
<font>2 – Caso o locatário não pretenda exercer a opção de compra deverá comunicar tal facto ao locador através de carta registada enviada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente à data de vencimento do valor futuro, considerando-se, em caso de ausência de comunicação, que o locatário pretendeu exercer a opção de compra. (…).</font><br>
<font>(…) Artigo 15º - Mora</font><br>
<font>(…) 2 – O locatário só fará cessar a mora mediante a liquidação das quantias vencidas e não pagas, acrescidas de uma indemnização correspondente a 50% do que for devido.</font><br>
<font>3 – Verificada a situação previsto no número 1 deste Artigo, e sem prejuízo do direito à resolução do contrato nos termos do Artigo seguinte, o locador poderá desde logo executar qualquer das livranças entregues como garantia do pontual cumprimento das obrigações que para o locatário emergem do presente Contrato. Neste caso, o locatário reconhece que a utilização de qualquer das referidas livranças consubstancia uma diminuição das garantias prestadas, pelo que fica obrigado a entregar ao locador uma nova livrança em branco, avalizada pelos mesmos avalistas que outorgaram o presente Contrato, no prazo de 8 dias a contar da recepção de comunicação escrita remetida pelo locador para o efeito.</font><br>
<font>4 – O locatário confere força executiva ao presente Contrato, nos termos do artigo 46º, nº 1,alínea c) do Código de Processo Civil, confessando-se devedor ao locador dos alugueres devidos, juros, encargos, despesas e de quaisquer indemnizações ou compensações decorrentes do presente Contrato.</font><br>
<font>5 – Caso o locatário não exerça a opção de compra do bem e não devolva o mesmo no fim do prazo da locação ou, em caso de cessação do presente Contrato, qualquer que seja a causa, incluindo rescisão pelo locador ou revogação pelo locatário nos termos do Artigo 17º, caso o locatário não proceda à imediata devolução do bem, o locador terá direito, a título de cláusula penal pela mora na devolução do bem, a receber uma quantia diária correspondente ao dobro daquela a que teria direito se o Contrato se mantivesse em vigor por um período de tempo igual ao da mora.</font><br>
<font>Artigo 16º - Rescisão do Contrato</font><br>
<font>(…) 2 – Constituirá igualmente fundamento de rescisão do presente Contrato pelo locador o incumprimento pelo locatário de outro Contrato celebrado com o locador ou com sociedades com as quais este esteja numa relação de coligação, contanto que esse incumprimento autorize a rescisão desse Contrato, bem como a ocorrência de qualquer facto indiciador de uma alteração anormal da situação económico-financeira do locatário, designadamente, penhor, penhora, arresto ou apreensão judicial ou extrajudicial de bens ou prestação de outras garantias sobre bens ou direitos.</font><br>
<font>(…) 4 – No caso de resolução do Contrato pelo locador nos termos previstos nos números precedentes, o locatário deverá:</font><br>
<font>(…) c) Proceder ao imediato pagamento de um montante indemnizatório igual a 50% da soma dos alugueres vincendos, sem prejuízo do direito do locador de exigir a reparação integral dos seus prejuízos.</font><br>
<font>5 – Na resolução do Contrato nos termos previstos nos números anteriores, o locador poderá optar, em alternativa à indemnização prevista na alínea c) do nº 4, pelo pagamento imediato de uma indemnização correspondente à diferença entre o valor futuro previsto nas Condições Particulares e o valor do capital amortizado pelo locatário através do pagamento dos alugueres vencidos. (…).</font><br>
<font>Artigo 17º - Garantias</font><br>
<font>(…) 2 – Em caso de rescisão do Contrato, bem como no caso de cessação do mesmo nos termos previstos no Artigo 2º, nº 3, o valor da caução reverterá integralmente a favor do locador.</font><br>
<font>3 – O locatário e os respectivos avalistas autorizam expressamente o locador, em caso de incumprimento do Contrato, a preencher as livranças em branco por aquele subscritas e por estes avalizadas nesta data, bem como as livranças que venham a ser subscritas nos termos do Artigo 14º, nº 3, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e o seu montante, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo locatário e não pagas. (…).</font><br>
<font>(…) Artigo 23º - Foro</font><br>
<font>1 – As Partes acordam expressamente em submeter todos os litígios emergentes deste Contrato ao foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, sendo a Parte vencida responsável por todas as despesas inerentes ao litígio, incluindo custas e outras despesas judiciais, nomeadamente honorários dos mandatários forenses.</font><br>
<font>2 – O locatário deverá pagar ao locador todas as despesas em que este venha a incorrer para garantia e cobrança dos créditos de que seja titular, bem como para a recuperação do bem que não seja pelo locatário voluntariamente restituído.”.</font><br>
<font> </font><br>
<b><u><font>2 -</font></u></b><font> A 1ª R. usa o documento denominado “Contrato-Quadro de Aluguer Operacional (</font><b><u><font>Renting</font></u></b><font>) junto a fls. 57 a 59 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se leem as seguintes “cláusulas”: “(…)</font><br>
<font>5ª (celebração e prazo de contratos individuais)</font><br>
<font>(…) 5 – O locatário poderá antecipar o termo do prazo de vigência de cada contrato individual procedendo à entrega ao locador do bem objecto do mesmo, nos termos previstos na cláusula 15ª, não sendo neste caso aplicável o disposto no nº 5 da referida cláusula.</font><br>
<font>6 - No caso de cessação do contrato individual nos termos previstos no número precedente, o locatário ficará obrigado, a proceder ao imediato pagamento dos alugueres eventualmente vencidos e não pagos, acrescidos de juros de mora, bem como de um montante indemnizatório igual a 50% da soma dos alugueres vincendos, sem prejuízo do direito do locador de exigir a reparação integral dos seus prejuízos. (…)</font><br>
<font>6ª (entrega dos veículos)</font><br>
<font>(…) 3 – O locador não responde por quaisquer eventuais vícios do veículo objecto do contrato individual de aluguer, nem pela sua inadequação aos fins do referido contrato, devendo o locatário exercer todos os seus direitos contra o fornecedor do veículo em causa.</font><br>
<font>(…) 8ª (alugueres, contraprestações por outros serviços e encargos)</font><br>
<font>(…) </font><u><font>4 – Todas as despesas ou encargos inerentes ou resultantes da assinatura, vigência, execução, cumprimento e incumprimento do presente Contrato e, bem assim, todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados, solicitadores e/ou prestadores de serviços em que o locador venha a incorrer para garantia e cobrança dos créditos emergentes do presente Contrato, que desde já se fixam em 15% sobre os valores a cobrar, acrescidos dos impostos e demais encargos legais em vigor, são da responsabilidade do locatário</font></u><font>. (…).</font><br>
<font>(…) 12ª (responsabilidade pelos veículos)</font><br>
<font>1 – Os riscos de perda, deterioração, defeito de funcionamento e imobilização do veículo objecto do contrato individual de aluguer correm por conta do locatário, o qual será responsável por tais factos perante o locador, caso este não venha a ser ressarcido por terceiro dos danos verificados no veículo. (…).</font><br>
<font>(…) 14ª (seguros)</font><br>
<font>(…) 6 – Caso a seguradora não assuma a responsabilidade pela perda total do veículo, independentemente do motivo, o locador terá direito a exigir do locatário o montante correspondente à soma de todos os alugueres vencidos e não pagos e respectivos juros, e do valor actualizado dos alugueres vincendos previstos no contrato individual de aluguer, bem como do valor comercial do veículo, e de todas as quantias em dívida pelo locatário.</font><br>
<font>15ª (cessão da posição contratual e cessão da utilização dos veículos)</font><br>
<font>(…) 2 – O locador poderá ceder a sua posição no contrato-quadro, que acarreta a cessão da posição de locador em todos os contratos individuais de aluguer, ou em qualquer contrato individual de aluguer, mediante simples comunicação ao locatário, data em que se produzirão todos os efeitos respectivos.</font><br>
<font>16ª (termo dos alugueres)</font><br>
<font>(…) 2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o locatário deverá contactar o locador, com uma antecedência de 8 (oito) dias relativamente ao termo do prazo de devolução do bem, com vista ao agendamento de peritagem ao bem a ser realizada por empresa contratada pelo locador especializada em avaliação de danos.</font><br>
<font>(…) 9 – Em caso de avaria do conta-quilómetros, que deverá ser comunicada ao locador imediatamente após | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bzKqu4YBgYBz1XKvECr7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - AA intentou acção declarativa contra a “Companhia de Seguros .........., S.A.” e “Banco.........., S.A. ”, pedindo:</font><br>
<font>- que fosse reconhecido como existente, válido e em vigor o contrato de seguro de vida, assinado entre o Autor e as Rés, que previa e prevê, em caso de invalidez, o pagamento do capital seguro à data da invalidez, sem a excepção invocada pela Ré, sendo-lhe reconhecido, em consequência, o direito de accionar as condições de pagamento previstas na apólice, sendo pago o capital pela 1ª Ré, seguradora, ao 2º Réu, mutuário, e sendo este condenado a aceitá-lo, extinguindo-se assim a dívida do Autor, proveniente dos contratos de mútuo celebrados;</font><br>
<font>- que, em consequência do exposto e na verificação da invalidez permanente do Autor, a 1ª Ré fosse condenada ao pagamento do capital referido à data da invalidez ao 2º Réu no valor de 66.315,68€; e</font><br>
<font>- que os Réus fossem condenados a pagarem ao Autor a quantia de 2.000,00€ por danos morais.</font><br>
<br>
<br>
<font>Fundamentando as suas pretensões, o A. alegou, em síntese, que contraiu dois empréstimos para aquisição de casa própria e obras junto do banco Réu e celebrou a favor deste um seguro de vida junto da Ré, contrato relativamente ao qual ao A. nunca foi enviada a apólice, nem explicadas restrições às coberturas dadas. Devido a doença oncológica, encontra-se em estado de incapacidade permanente global de 80%, mas que a Ré seguradora não reconhece este estado como integrando a previsão de invalidez que consta das condições do seguro e recusa-se a pagar ao banco o capital mutuado.</font><br>
<br>
<font>Contestando, a Ré “Banco.........., S.A” articulou que as condições em que o seguro foi negociado foram discutidas entre a co-Ré “..........” e o A., sendo, por isso, completamente alheia quer às exigências feitas pela Seguradora quer às declarações feitas no boletim de adesão preenchido pelo Autor.</font><br>
<font>A Ré “..........” também contestou invocando que a situação de invalidez trazida pelo Autor não se enquadra naquela que é prevista pelas condições do seguro, porquanto o Autor mantém capacidade e autonomia para uma série de actos da vida diária e corrente, como seja a de exercer uma actividade remunerada, para tomar as suas refeições, vestir-se, despir-se e deslocar-se.</font><br>
<font>Para além disso, ao Autor foram entregues todas as condições do contrato de seguro, bem como concedido prazo para a respectiva leitura e compreensão, que o A. alcançou.</font><br>
<br>
<font>Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu: </font><br>
<font>- “Reconhecer como existente, válido e em vigor o contrato de seguro de vida, assinado entre o Autor e a Ré “..........”, que previa e prevê, em caso de invalidez, o pagamento do capital seguro à data da invalidez, sem a excepção invocada pela Ré, sendo-lhe reconhecido, em consequência, o direito de accionar as condições de pagamento previstas na apólice, sendo pago o capital pela 1ª Ré, seguradora, ao 2º réu, mutuário, e sendo este condenado a aceitá-lo, extinguindo-se assim a dívida do Autor, proveniente dos contratos de mútuo referidos nos docs. 2 e 3 juntos com a inicial;</font><br>
<font>- Condenar a 1ª Ré, “..........” no pagamento do capital referido à data da invalidez ao 2º Réu, .........., no valor de € 66.315,68; e</font><br>
<font>- Absolver os Réus do pedido indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais alegados pelo Autor”.</font><br>
<br>
<font>Apelou a Ré “.......... - Companhia de Seguros, S.A.”, (sucessora da .........., SA.), mas a Relação manteve o sentenciado.</font><br>
<br>
<br>
<font>A mesma Ré interpõe agora recurso de revista par defender a total absolvição dos pedidos.</font><br>
<font>Para tanto, argumenta nas conclusões da alegação: </font><br>
<font>1 - Foi celebrado entre recorrente e recorrido o contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice n° 0000000000 </font><br>
<font>2 - O referido contrato de seguro submetia-se às respectivas condições particulares, gerais e especiais que constam de fls. 137 a 153 dos autos. </font><br>
<font>3 - O referido contrato de seguro do ramo vida contém as coberturas de morte do segurado/pessoa segura por doença ou acidente, invalidez absoluta e definitiva do segurado/pessoa segura por doença, e invalidez total e permanente do segurado/pessoa segura por acidente. </font><br>
<font>4 - Consta do artigo 7.1 das condições especiais do referido contrato de seguro do ramo vida que: “Para efeito deste seguro complementar qualquer segurado/pessoa segura é considerado em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, por consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente”. </font><br>
<font>5 - O recorrido mantém capacidade para por si próprio exercer actividade remunerada. </font><br>
<font>6 - O recorrido mantém capacidade para executar por si próprio os actos ordinários da vida corrente, a saber para tomar as suas refeições, para se vestir e despir, atento o vestuário que habitualmente utiliza, para cuidar devidamente da sua higiene e para se deslocar no interior da sua residência. </font><br>
<font>7 - Não se encontram provados os pressupostos da verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva coberto pelo mencionado contrato de seguro. </font><br>
<font>8 - O ónus da prova dos pressupostos da verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva incumbia ao recorrido. </font><br>
<font>9 - Incumbia ao recorrido o ónus da prova dos elementos constitutivos do direito por ele invocado de accionamento do contrato de seguro.</font><br>
<font>10 - O recorrido não produziu prova dos elementos constitutivos do direito por ele invocado de accionamento do contrato de seguro.</font><br>
<font>11 - A recorrente provou a falta de verificação dos elementos constitutivos do direito invocado pelo recorrido de accionamento do contrato, apesar do respectivo ónus da prova não lhe competir. </font><br>
<font>12 - O artigo 7.1 das condições especiais do mencionado contrato de seguro do ramo vida não constitui cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade da recorrente. </font><br>
<font>13 - O artigo 7.1 das condições especiais do mencionado contrato de seguro do ramo vida apenas contém a definição da cobertura do risco de invalidez absoluta e definitiva. </font><br>
<font>14 - A exclusão do artigo 7.1 das condições especiais do mencionado contrato de seguro do ramo vida não permite a previsão por decisão judicial de novas coberturas no mencionado contrato de seguro do ramo vida. </font><br>
<font>15 - Na sentença recorrida, ao decidir-se pela condenação parcial da recorrente nos pedidos formulados pelo recorrido, violou-se o disposto nos artigos 342° e 406° ambos do Código Civil, 5° e 6° do Decreto - Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, e 429° do Código Comercial. </font><br>
<br>
<font>O Recorrido apresentou contra-alegação onde pugna pela manutenção do decidido.</font><br>
<br>
<font> 2. - Como resulta do conteúdo das conclusões da Recorrente, as </font><b><font>questões</font></b><font> cuja resolução se propõe são, com já colocadas perante a Relação, as seguintes:</font><br>
<br>
<font>- Se os pressupostos da verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva coberto pelo contrato de seguro do ramo vida celebrado entre Recorrente e Recorrida, que constam expressamente do artigo 7.1 das condições especiais do referido contrato, se encontram demonstrados;</font><br>
<br>
<font>- Se o artigo 7.1 das condições especiais do mencionado contrato de seguro deve ter-se por excluída, por violação do dever de comunicação ao Autor/pessoa segura, como exigido pelo art. 5º do DL n.º 446/85, de 25/10.</font><br>
<br>
<font>- Em caso afirmativo, se a exclusão do artigo 7.1 das condições especiais do mencionado contrato de seguro não permite a previsão por decisão judicial de novas coberturas do referido contrato de seguro.</font><br>
<br>
<font> 3. - Vêm definitivamente assentes os seguintes </font><b><font>elementos de facto</font></b><font>:</font><br>
<font> </font><br>
<font>A) - No dia 18 de Novembro de 1998, foi outorgada no Cartório Notarial de São João da Madeira uma escritura, intitulada “compra e venda”, na qual CC, em representação da empresa CC, Lda., declarou, em nome da sua representada, vender ao A. que declarou comprar, por dez milhões de escudos, a fracção autónoma designada pela letra “O”, destinada a habitação, com entrada pela segunda porta a contar do lado norte da Rua ..........z (…);</font><br>
<font>B) - Nesse mesmo dia e local foi ainda outorgada uma escritura intitulada “mútuo com hipoteca e fiança”, na qual ficou além do mais declarado o seguinte:</font><br>
<i><font>1 - (…) o primeiro outorgante (aqui A.) solicitou e obteve do Banco Internacional de Crédito, S.A., adiante designado abreviadamente por “BIC”, dois empréstimos no regime de Crédito Jovem Bonificado, pelo prazo de trinta anos, na modalidade de prestações constantes (…), sendo o primeiro pela quantia de dez milhões de escudos, para aquisição do imóvel acima identificado e adquirido pela dita escritura [referida em A)], o qual se destina exclusivamente a sua habitação própria permanente e outro empréstimo, de cinco milhões de escudos, que se destina a obras de beneficiação no mesmo imóvel.</font></i><br>
<i><font>(…)</font></i><br>
<i><font>15 - Que estes empréstimos regem-se ainda pelas cláusulas e termos constantes do documento complementar, elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que os outorgantes declararam conhecer perfeitamente pelo que dispensam a sua leitura.</font></i><br>
<i><font>(…).</font></i><br>
<font>C) - Do documento complementar aludido em B) constam nomeadamente os seguintes dizeres:</font><br>
<i><font>CLÁUSULA DÉCIMA NONA: O imóvel hipotecado será seguro em companhia seguradora aceite pelo “BIC”, cuja apólice ficará em seu poder, e só com o seu prévio acordo, poderá(ão) o(s) Mutuário(os) alterar ou anular o seguro, obrigando-se o(s) mesmo(s) a reforçar a garantia prestada sempre que o “BIC” o considerar necessário.</font></i><br>
<i><font>O seguro deverá incluir risco de incêndio (…)</font></i><br>
<i><font>(…)</font></i><br>
<i><font>CLÁUSULA VIGÉSIMA OITAVA: O(s) mutuário(s) fica(m) ainda obrigado(s) a efectuar Seguro de Vida, o qual deverá cobrir Morte, Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença e Invalidez Total e Permanente por Acidente, sendo o beneficiário o “BIC”, na qualidade de credor hipotecário privilegiado, pelo valor mínimo do montante dos empréstimos (…)</font></i><font>.</font><br>
<font>D) - O Banco.........., S.A. incorporou por fusão o Banco Internacional de Crédito. S.A., doravante designado abreviadamente por “BIC”;</font><br>
<font>E) - Com data de 07.02.2006, foi emitido e assinado o documento de fls. 44 (aqui dado por reproduzido), intitulado “</font><i><font>atestado médico de incapacidade multiuso</font></i><font>”, no qual pode ler-se designadamente o seguinte:</font><br>
<font>(…)</font><br>
<font>“</font><i><font>Dr. DD, Presidente da Junta Médica na Sub-região de Saúde de Aveiro atesta que AA (…) apresenta deficiências, conforme quadro seguinte, que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n° 341/93 de 30/9 e Decreto-Lei n° 202/96 de 23/10 (com redacção do Decreto-Lei nº 174/97, de 19 de Julho) lhe conferem uma incapacidade permanente global de 80% (oitenta por cento), susceptível de variações futuras, devendo ser reavaliado ao fim de 5 (cinco) ano(s). </font></i><br>
<i><font>Capítulo Números, Alínea: Cap. XVI IV 3).</font></i><br>
<i><font>Coeficiente: 0,80</font></i><br>
<i><font>Capacidade restante: 1 0,20</font></i><br>
<i><font>Desvalorização: 0,80</font></i><br>
<i><font>(…)</font></i><br>
<i><font>Observações: Esta incapacidade verifica-se desde 2005</font></i><font>”.</font><br>
<font>F) - O documento assinado pelo A. que contém as cláusulas do contrato de seguro do Ramo Vida e o que consta de fls. 137 a 153 (aqui dadas por reproduzidas), do qual fazem parte nomeadamente os dizeres em seguida mencionados:</font><br>
<i><font>(…)</font></i><br>
<i><font>CONDIÇÕES PARTICULARES</font></i><br>
<i><font>SEGURO DE VIDA GRUPO TEMPORÁRIO CONTRIBUTIVO</font></i><br>
<i><font>Artigo 4°- Garantias</font></i><br>
<i><font>Este Seguro garante durante o prazo de amortização do empréstimo, e no máximo até aos 70 anos de idade para a cobertura de Morte, ou até aos 65 anos para a cobertura de Invalidez, o pagamento do capital em dívida, no momento em que ocorra uma das seguintes situações:</font></i><br>
<i><font>a) Morte do Segurado/Pessoa Segura por Doença ou Acidente:</font></i><br>
<i><font>b) Invalidez Absoluta e Definitiva do Segurado/Pessoa Segura por Doença;</font></i><br>
<i><font>c) Invalidez Total e Permanente do Segurado/Pessoa Segura, por Acidente.</font></i><br>
<i><font>(…)</font></i><br>
<i><font>CONDIÇÕES ESPECIAIS</font></i><br>
<i><font>SEGUROS COMPLEMENTARES DO SEGURO DE VIDA GRUPO</font></i><br>
<i><font>7.1. Objecto deste Seguro</font></i><br>
<i><font>(…)</font></i><br>
<i><font>Para efeito deste Seguro Complementar qualquer Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, por consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente</font></i><font>.</font><br>
<font>G) - O A. nasceu no dia 25 de Julho de 1975.</font><br>
<font>1) - As propostas para a celebração dos contratos de seguro aludidos em C) - “imóvel” e “vida” – foram naquele mesmo dia apresentadas pelo “BIC” ao A., que as assinou, ficando aquele com as mesmas.</font><br>
<font>2) - Quando o A. outorgou o contrato de seguro que cobria a sua integridade na doença e saúde, ficou convencido que, em caso de incapacidade para pagar as prestações ao “BIC” dos empréstimos contraídos, a 1ª Ré, na qualidade de seguradora, fá-lo-ia.</font><br>
<font>3) - Nem o “BIC”, nem a 1ª Ré entregou ao A. a apólice, duplicado ou cópia, relativa ao seguro de vida celebrado.</font><br>
<font>4) - Nem lhe foram dadas explicações sobre qualquer tipo de restrições às coberturas dadas pelo seguro.</font><br>
<font>5) - A 1ª Ré nunca enviou ao A. qualquer prova da efectiva existência do seguro, e apenas o 2º Réu lhe enviou prova do pagamento dos prémios.</font><br>
<font>6) - O A. era uma pessoa saudável na data referida em A) e B), nada fazendo prever o aparecimento de doenças neoplásicas.</font><br>
<font>7) - Porém, em 16 de Setembro de 2002, após ter sentido dores no testículo esquerdo, foi-lhe diagnosticada uma neoplasia e foi-lhe feita ablação do testículo esquerdo.</font><br>
<font>8) - Em 07 de Junho de 2005, ao A., após ter sentido dores no testículo direito, foi-lhe diagnosticada uma nova neoplasia, e em consequência foi-lhe feita a ablação do testículo direito.</font><br>
<font>9) - A incapacidade a que se alude em E) resulta dos factos descritos em 7) e 8).</font><br>
<font>10) - Tendo-se o A. dirigido à 1ª Ré, a fim de esta pagar ao 2° Réu a quantia em dívida relativa aos empréstimos, face ao descrito em 7) a 9), a 1ª Ré escusou-se a tanto mediante a carta de fls. 46, datada de 4 de Maio de 2006, da qual fazem parte nomeadamente os dizeres em seguida descritos:</font><br>
<i><font>- Qualquer Segurado é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, por consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada, e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente: lavar-se, alimentar-se, vestir-se e deslocar-se.</font></i><br>
<i><font>Nestes termos e após análise da documentação clínica enviada por V Exa., concluímos que a Invalidez da qual V. Exa. é portador não se enquadra no previsto nas Condições Especiais dos Seguros Complementares do Seguro</font></i><font>.</font><br>
<font>11) - Tendo o A. pedido à 1ª Ré a reapreciação do processo, esta respondeu-lhe mediante a carta de fls. 47, datada de 26 de Junho de 2006, da qual constam designadamente os dizeres em seguida mencionados:</font><br>
<i><font>(…)</font></i><br>
<i><font>Em resposta ao mesmo, e após análise da documentação enviada, somos a informar que mantemos a posição transmitida na nossa carta datada de 04 de Maio de 2006, uma vez que a Invalidez da qual V. Exa. é portador não se enquadra no previsto nas Condições Especiais dos Seguros Complementares do Seguro.</font></i><br>
<font>14) - O A. mantém capacidade para por si próprio exercer actividade remunerada.</font><br>
<font>15) - E para executar por si próprio os actos ordinários da vida corrente, a saber, para tomar as suas refeições, para se vestir e despir, atento o vestuário que habitualmente utilize, para se deslocar no interior da sua residência e para cuidar devidamente da sua higiene.</font><br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Nos mesmos precisos termos em que a colocou perante a Relação, a Recorrente insiste em centrar a questão na falta de prova dos pressupostos da verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva do Autor coberto pelo contrato, à luz da cláusula 7.1 das Condições Especiais do referido contrato.</font><br>
<br>
<font> Ora, como já se fez notar no acórdão impugnado, a questão que se coloca, num primeiro momento, não é a de saber se a invalidez de que o Recorrido demonstrou padecer preenche ou não os pressupostos de verificação do risco coberto face ao conceito que dele fornece a cláusula 7.1, mas, antes, a de saber se, como decidiram as Instâncias, tal cláusula deve ter-se por excluída do contrato e, em qualquer caso, quais as respectivas consequências.</font><br>
<br>
<font> Por isso, importa começar por decidir esta questão, pressuposto de apreciação das demais.</font><br>
<br>
<font> 4. 2. - Violação do dever de comunicação. Exclusão da cláusula 7.1 das Condições Especiais do Contrato de Seguro.</font><br>
<br>
<font> 4. 2. 1. - As Instâncias julgaram excluída do contrato a cláusula 7.1 das Condições Especiais, por incumprimento do dever de comunicação, decisão contra a qual se insurge a Recorrente, argumentando que a mesma não constitui cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade da Seguradora.</font><br>
<br>
<font> A cláusula em questão contém uma definição relativa ao objecto do seguro, concretizando o objecto da garantia enunciado no art. 4º-b) das Condições Particulares.</font><br>
<font> Neste consta que o Seguro garante o pagamento do capital em dívida em caso de «</font><i><font>Invalidez Absoluta e Definitiva do Segurado/Pessoa Segura por Doença</font></i><font>»</font><i><font>, </font></i><font>enquanto na cláusula 7.1, preenchendo ou definindo o conceito – como se prevê no art. 10º-1-a) do DL n.º 176/95, de 26/7 -, se delimita e concretiza a situação de «Invalidez Absoluta e Definitiva», reportando-a ao estado que “é considerado …quando o Segurado fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente”.</font><br>
<br>
<font> Ora, extravasando, como extravasa, manifestamente, o conteúdo das Condições Particulares - desde logo à luz da exigência cumulativa da incapacidade total para o exercício de qualquer actividade remunerada e à necessária dependência de terceiros para acudir aos actos ordinários da vida corrente -, não se vê como possa aceitar-se, como defende a Recorrente, que a cláusula, pretendendo ou propondo-se, embora, definir um conceito tendente ao esclarecimento das condições contratuais, não se apresente como limitativa do conceito que as Condições Particulares adoptaram na indicação/definição do objecto das coberturas.</font><br>
<br>
<font> Assente, pois, que se trata de cláusula relevante na limitação do risco coberto pela garantia do Seguro.</font><br>
<br>
<font>4. 2. 2. - Ninguém questiona que a cláusula em causa, enquanto cláusula de contrato de seguro, formalizado através da respectiva apólice, a que o Recorrido se limitou a aderir, remete para o campo dos contratos de adesão, em que vale o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.</font><br>
<br>
<font>No art. 5º do DL n.º 446/85 impõe-se à parte que utilize cláusulas contratuais pré-formuladas para uma pluralidade de contratos, independentemente das pessoas que os venham a subscrever, para serem aceites no seu todo – cláusulas contratuais gerais -, o dever de comunicação e de informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.</font><br>
<br>
<font>Como bem se compreende que, para que as cláusulas pré-estabelecidas em vista dum contrato devam considerar-se parte integrante dele seja necessária a respectiva aceitação pela outra parte, o que só pode ocorrer se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial. A não ser assim, não pode falar-se de uma livre, consciente e correcta formação de vontade, nomeadamente isenta dos vícios a que se alude nos arts. 246º, 247º e 251º C. Civil. </font><br>
<font>Na verdade, como também o art. 232º C. Civil previne, não pode falar-se em conclusão de um contrato se não estiver assegurada coincidência entre a aceitação e a oferta relativamente aos elementos relevantes do negócio, o que nos contratos de adesão supõe que se garanta ao aderente um cabal e efectivo conhecimento do clausulado que integra o projecto ou proposta negocial </font><br>
<br>
<font>Estabelece a lei o princípio de que a comunicação deve ter em consideração a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, de forma a que o aderente, usando da diligência própria do cidadão médio, normal ou comum, possa aceder a um conhecimento completo e efectivo. </font><br>
<font>Não bastando a simples informação da existência de cláusulas contratuais gerais, exige-se “que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo, a fim de, se o quiser, formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões. Que o contraente venha a ter, na prática, tal conhecimento, isso já não é exigido, pois bem pode suceder que a sua conduta não se conforme com o grau de diligência legalmente pressuposto (...): aquilo a que o utilizador está vinculado é tão-só proporcionar à contraparte a razoável possibilidade de delas tomar conhecimento” (ALMENO DE SÁ, “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, 190/191). </font><br>
<br>
<font>O utilizador das cláusulas pré-elaboradas deve ainda esclarecer o aderente sobre o respectivo conteúdo, significado e consequências sempre que a sua complexidade, extensão, carácter técnico ou outras circunstâncias o justifiquem do ponto de vista das necessidades ou dificuldades de um aderente normal, perante o concreto bloco de cláusulas. É uma emanação do princípio da boa fé – art. 227º-1 C. Civil (ALMEIDA COSTA/MENEZES CORDEIRO, ob. cit., anot. ao art. 6º).</font><br>
<font>O art. 8º-a) e b) do DL determina que se considerem excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5º e as comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo, sendo que no n.º 3 deste último preceito se faz recair sobre o contraente que submeta a outrem as cláusulas gerais o ónus da prova da comunicação.</font><br>
<font>Ora, no caso, está claramente demonstrado que as Rés não entregaram ao Autor a apólice ou qualquer cópia do contrato de seguro nem lhe deram explicações sobre quaisquer limitações às coberturas dadas pelo seguro que o Autor apenas sabia serem, ao que ao caso interessa convocar, a “invalidez absoluta e definitiva por doença”.</font><br>
<font>Consequentemente, resta confirmar a exclusão da cláusula, tal como vem decidido.</font><br>
<font>4. 3. - Concurso dos pressupostos da verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva coberto pelo contrato de seguro.</font><br>
<font>4. 3. 1. - A Recorrente sustenta que não estão demonstrados os pressupostos de verificação do risco coberto pelo contrato, não permitindo a exclusão da cláusula 7.1 que a decisão judicial preveja novas coberturas do contrato.</font><br>
<br>
<font> Vejamos, então.</font><br>
<br>
<font> A Recorrente, confrontada com a pretensão do Autor, que logo invocou a falta de comunicação das cláusulas do contrato de seguro, aceitando apenas a comunicação da cobertura nos termos constantes da cláusula 28ª das “cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca” e do referido art. 4º das Condições Particulares, ou seja, o risco de “Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença”, opôs-lhe a validade de todo o clausulado, nomeadamente das Condições Especiais, prescindindo de invocar a (por isso, incompatível) nulidade do contrato, socorrendo-se do disposto no n.º 2 do art. 9º do Dec.-Lei n.º 446/85.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Vale isto por dizer, a um tempo que, ao serem-lhe omitidas certas cláusulas do contrato de seguro, designadamente as constantes das Condições Especiais e especificamente a contida no n.º 7.1, o Autor apenas aderiu e se tornou parte no contrato cujo clausulado corresponde ao que lhe foi comunicado, contrato esse que, atenta a posição das Partes, deve ter-se como válido e eficaz na parte não afectada, ao abrigo do disposto no art. 9º do Dec.-Lei 446/85..</font><br>
<font> Não estará, portanto, em causa a previsão de riscos com novas coberturas, mas a concreta cobertura constante das Condições Particulares da Apólice sob o artigo 4-b).</font><br>
<font> </font><br>
<font> 4. 3. 2. - Assim sendo, sobra, para apreciação, uma questão de interpretação da conceito expresso no art. 4º como objecto da garantia do seguro, com vista à subsunção da concreta situação de incapacidade do Autor, isto é, à inclusão ou não desta situação no âmbito do risco coberto.</font><br>
<br>
<font> Liminarmente deve deixar-se referido estarmos no domínio do seguro voluntário, em que rege a liberdade de fixação dos riscos cobertos e do âmbito das respectivas coberturas pelas partes, dentro dos limites permitidos pela lei, sendo que a validade e eficácia dessas cláusulas depende sempre da sua redução a escrito, por a mesma lei atribuir ao contrato de seguro a natureza de contrato substancialmente formal (arts. 426º e 427º C. Comercial e 405º C. Civil).</font><br>
<br>
<font> Estamos, como dito, sob o domínio dos contratos de adesão, em que vale o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, designadamente no que respeita às cláusulas ambíguas, que devem valer com o sentido que lhes atribuiria um aderente normal colocado na posição do aderente real – art. 11º do DL n.º 446/85 – e que as Seguradoras estão obrigadas a redigir “de modo claro e perfeitamente inteligível” as cláusulas gerais e especiais das apólices que emitem (DL n.º 176/95 – art. 8º).</font><br>
<font> Das condições gerais e especiais dos contratos de seguro do ramo «Vida» devem constar, entre outros, elementos como a “definição dos conceitos necessários ao conveniente esclarecimento das condições contratuais” e o “âmbito do contrato” (art. 10º do mesmo DL).</font><br>
<font> A interpretação das cláusulas contratuais gerais faz-se, em princípio, segundo as regras gerais de interpretação das declarações negociais com o regime previsto nos arts. 236º a 238º do C. Civil, atendendo ao circunstancialismo específico do contrato interpretando em que as cláusulas se inserem – art. 10º do DL 446/85.</font><br>
<font> O mesmo sucede quando o intérprete se depare com cláusulas contratuais ambíguas em que vale o mesmo regime interpretativo acolhido pela lei geral, novamente por expressa disposição do n.º 1 do art. 11º da lei especial: - As cláusulas ambíguas devem ser entendidas com o sentido que lhes atribuiria um aderente normal, colocado na posição do aderente real, tal-qualmente se estabelece no dito art. 236º-1, salvo quando, mediante aplicação dos princípios gerais sobre interpretação, à luz da “impressão do destinatário”, se não supere a ambiguidade, permanecendo dúvidas, sendo que, então, admitido desvio ao disposto no art. 237º C. Civil, o n.º 2 do citado art. 11º faz prevalecer o sentido interpretativo mais favorável ao aderente, opção que bem se compreende tendo presente a situação de vantagem em que se encontra o predisponente no plano técnico e jurídico, sendo justo, como o exige a própria boa fé, que suporte as consequências da violação dos deveres de clareza e rigor dos quadros reguladores que coloca aos aderentes. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Não se invocam no processo tanto divergências interpretativas ou dúvidas sobre o sentido com que deve valer a cláusula, mas, sobretudo, sobre o respectivo preenchimento pela factualidade demonstrada: - a incapacidade permanente global de 80% do Autor e a manutenção da sua capacidade para exercer actividade remunerada.</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, não há desvios a assinalar ao critério geral de interpretação a que se fez referência.</font><br>
<br>
<br>
<font> Uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente a laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.</font><br>
<br>
<font> O que o contrato de seguro celebrado tem por escopo ou pretende prevenir, cobrindo o respectivo risco, é que, em consequência de doença grave e incapacitante, o segurado fique numa situação de não poder cumprir o contrato, satisfazendo as prestações acordadas, por perda definitiva da capacidade de angariação de réditos, devendo, então, substituir-se-lhe a seguradora.</font><br>
<br>
<br>
<font> Ora, o que o Autor alegou e provou foi apenas uma incapacidade permanente global de 80%, fixada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, incapacidade essa que, como do Atestado Médico consta, é “susceptível de variações futuras”. </font><br>
<font> Está-se perante a mera demonstração de uma situação de prejuízo funcional geral, correspondente a um coeficiente expresso em percentagem, sendo que a existência de uma disfunção total, a corresponder a uma incapacidade permanente absoluta, haveria de ser expressa pela unidade (cfr. ponto 3 das Instruções Gerais da TNI).</font><br>
<br>
<font> Nada está demonstrado sobre uma efectiva perda de ganho do Autor ou mesmo da afectação da capacidade de ganho, nomeadamente em termos proporcionais à percentagem de IPG atribuída.</font><br>
<br>
<font> Bem diferentemente, vem provado que o Autor mantém capacidade para por si próprio exercer actividade remunerada, sem que se conheça se, e, em caso afirmativo, em que termos, a incapacidade parcial de que padece afectou ou afecta o exercício das actividades que desenvolvia antes da doença e as remunerações que auferia do respectivo exercício.</font><br>
<br>
<font> Não pode, pois, sem mais, afirmar-se, estendendo para equiparar a mera IPG de 80%, desacompanhada de qualquer prova de dela decorrer perda de ganho ou da capacidade de ganho, a um estado de incapacidade absoluta ou completa e definitiva, seja por referência a um prejuízo funcional total (IPA), seja, por maioria de razão, na consideração da sua relação com obtenção de rendimentos do trabalho, em atenção à natureza do contrato.</font><br>
<font> Crê-se que o veda, desde logo, o texto da cláusula e o entendimento que do mesmo poderia e deveria extrair o destinatário médio e de boa fé ao aderir a um contrato de seguro de grupo que lhe garantiria o pagamento das prestações do mútuo em caso de invalidez e definitiva por doença, a associar, necessariamente, a perda de remuneração por incapacidade de a angariar (arts. 236º-1 e 238º-1 cit.).</font><br>
<font> Entende-se, em consequência, que a situação de incapacidade alegada e demonstrada não preenche os pressupostos de inclusão na garantia da cobertura, subsistente no contrato de seguro celebrado, denominada “Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença”.</font><br>
<font> A pretensão do Autor-recorrido formulada na acção tem, assim, de improceder.</font><br>
<br>
<font> Decisão.</font><br>
<br>
<font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<font> - | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bzKNu4YBgYBz1XKvVRo0 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AA, S.A. </font></b><font>instaurou a presente acção declarativa de condenação contra </font><b><font>BB, </font></b><font>alegando, em síntese que, em 29 de Maio de 2007, na qualidade de entidade patronal, celebrou com o R. o acordo de pré-reforma que constitui o documento cuja cópia consta de fls. 19 a 22. No âmbito da cláusula 9ª do referido acordo, o R. deveria requerer à entidade oficial competente a passagem à situação de reforma. Em 17 de Julho de 2008, A. e R. acordaram que a primeira emprestaria ao R., até que a este fosse concedida a passagem à reforma antecipada, o montante de € 1.500 (mil e quinhentos euros) por mês (14 catorze meses por ano). No âmbito do referido contrato, a primeira prestação de empréstimo teria lugar em 01 de Junho de 2008 e o prazo do empréstimo findava na data em que o R. começasse a receber directamente do Centro Nacional de Pensões, a sua pensão de reforma, tendo-se, ainda, o R. comprometido a informar a A. da data na qual começasse a receber tal pensão. Nos termos do já mencionado contrato de mútuo, o reembolso do empréstimo deveria ser integralmente realizado no prazo de 10 (dez) dias a contar da data em que o segundo outorgante recebesse do Centro Nacional de Pensões a importância retroactiva da sua pensão de reforma. A A. emprestou ao R. o valor mensal acordado, de Junho de 2008 a Maio de 2010 (conforme extracto de conta corrente relativa ao R. e recibos de vencimentos de Julho de 2008 a Maio de 2010, aí mencionados), nos montantes mensais que indica. A A., apenas em 23 de Março de 2010, foi notificada pelo Instituto de Segurança Social IP – Centro Nacional de Pensões, do deferimento da pensão de reforma ao R., com efeitos reportados à data de 12 de Março de 2008. Acontece que, ao contrário do que previa a cláusula 9ª do acordo de pré-reforma, o R. não informou a A. em como lhe tinha sido deferido o pedido de pensão a título de reforma. Na ausência de reembolso dos montantes emprestados, o que era devido ao abrigo da cláusula 4ª do contrato de mútuo, nos termos supra expostos, a A. notificou o R. para regularizar o saldo devedor de € 42.000,00 (quarenta e dois mil euros), por meio de carta registada, datada de 19 de Dezembro de 2011, sendo que o R. respondeu, através de carta datada de 9 de Dezembro de 2012, na qual referiu ter procedido à transferência bancária no montante de € 13.496,40 (treze mil quatrocentos e noventa e seis euros e quarenta cêntimos) por conta da dívida para com a A., montante que esta reconhece ter recebido. Ficou, assim, por liquidar, relativamente ao «contrato de mútuo», a quantia de € 28.503,60. </font>
</p><p><font> Concluiu </font><i><font>pedindo</font></i><font> que o R. seja condenado a pagar-lhe o montante de € 34.236,31 (trinta e quatro mil duzentos e trinta e seis euros e trinta e um cêntimos) a título de reembolso de empréstimo» e os «juros de mora vincendos, calculados à taxa legal em vigor para os juros comerciais sobre o montante referido, desde 03/05/2010 até integral e efectivo pagamento do montante relativo ao reembolso do empréstimo, os quais se contabilizam, em € 5.079,99 (cinco mil e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O R. contestou tendo, além do mais, deduzido a excepção dilatória da incompetência material do tribunal, defendendo ser competente o Tribunal do Trabalho de Loures.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Por decisão proferida em 02-1-2014, foi julgada procedente a deduzida excepção da incompetência material, com a consequente absolvição do R. da instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa tendo-se aí, por acórdão de 9-7-2015, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> A. Faz-se notar, antes de mais, que, sobre factualidade muito semelhante (quase idêntica) em sede do Proc. 83/14.6TTLSB.L1 que correu termos no Processo Tribunal da Relação de Lisboa, 7ª Secção e em que eram partes a ora Recorrente e outro ex-trabalhador da mesma, decidiu a Relação (sem votos de vencido) como se segue (ver Doc. 1 que ora se junta):</font>
</p><p><font> " (...) Dispõe o artigo 85.° da LOFTJ que "compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível… b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho".</font>
</p><p><font> A propósito da interpretação do preceito em causa, escreveu-se no Ac. Do STJ de 16.11.2010, P. 981/07.3TTBRG.S1, rel., Cons. Sousa Grandão, in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, que "Basta compaginar o teor daquela alínea b) com o da sequente alínea o) para se perceber que "as questões emergentes" ali configuradas não abarcam todas as questões surgidas entre a entidade patronal e o trabalhador; se assim fosse, quedaria injustificado o comando da alínea o), pois que todas elas já seriam integráveis na sobredita previsão antecedente (cfr. Ac. STJ de 3/5/2000, in CJ do STJ Ano VIII, Tomo 2, página 39). Sendo assim, é forçoso reconhecer que as "questões" elencáveis na alínea b) são apenas aquelas que possam integrar o núcleo essencial (que não acessório, complementar ou dependente) da relação de trabalho" (...)</font>
</p><p><font>A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão" (...)</font>
</p><p><font>Tal empréstimo deriva da vontade das partes (mesmo que com várias razões subjacentes) e não de qualquer cláusula contratual ou de AE.</font>
</p><p><font>Embora subjacente tenha a relação laboral referida, o crédito invocado na acção, tal como configurado pelo A, não "emerge" dessa relação. O pagamento da prestação de pré-reforma processa-se no âmbito do acordo de suspensão do contrato individual de trabalho [E é processado até à data da reforma].</font>
</p><p><font>Já o pagamento das prestações mensais do empréstimo processa-se numa fase em que o R. já requereu a passagem à situação de reforma, vindo a ser reformado, por velhice, com efeitos reportados à data de 31.11.2008.</font>
</p><p><font>Não se pode, assim, dizer, que o pedido da A. emerge da relação de trabalho subordinado, por ser o reembolso do montante mutuado, ao abrigo do acordo celebrado, que está em causa.</font>
</p><p><font>(...) conclui-se ser o tribunal cível, o competente para conhecer da presente acção. (...)".</font>
</p><p><font> B. Já nos autos, o entendimento do Tribunal da Relação partiu do pressuposto de o acordo de pré-reforma e o posterior contrato de mútuo visaram ambos a cessação do contrato trabalho, o que, salvo devido respeito, é errado!</font>
</p><p><font> C. O que aconteceu é que o contrato de mútuo foi celebrado num determinado contexto factual, no qual, efectivamente, havia sido celebrado um acordo de pré-reforma entre as partes. Nessa sede, o R./Recorrido havia-se obrigado a requerer a passagem da sua situação à reforma até uma determinada data (12 de Março de 2008) de e é apenas após essa data (17 de Julho de 2008) que é celebrado o contrato de mútuo.</font>
</p><p><font> D. Mas daqui não decorre que o contrato de mútuo tenha sido celebrado com vista à cessação da relação laboral! Tratou-se, antes - no contexto da vontade que ambas as partes tinham na cessação da relação laboral, expressa no acordo de pré-reforma ao qual se seguiria a passagem à reforma do R./Recorrido - de uma liberalidade da A./Recorrente, no sentido de minimizar os efeitos de não ter sido concedida imediatamente a passagem à reforma do R./Recorrido (cujo pedido era responsabilidade sua, do R./Recorrido - ver cláusula 9.° n.° 1 do dito acordo, junto como Doc. 1 da PI).</font>
</p><p><font> E. De facto, encontramo-nos perante a situação descrita no artigo 85.° al) o) da LOFTJ ("(...) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho (...), quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência (...)) embora não se verifique a cumulação desse pedido com outro para o qual o tribunal seja directamente competente - e daí não se aplicar aquela alínea.</font>
</p><p><font> F. É que, como foi muito bem observado por esse Digno STJ: "(...) Basta compaginar o teor daquela alínea b) com o da sequente alínea o) para se perceber que "as questões emergentes" ali configuradas não abarcam todas as questões surgidas entre a entidade patronal e o trabalhador: se assim fosse, quedaria injustificado o comando da alínea o), pois que todas elas já seriam integráveis na sobredita previsão antecedente (cfr. Ac. S.T.J. de 3/5/2000 in C.J. do S.T.J; Ano VIII, Tomo 2, página 39) (...) ".</font>
</p><p><font> G. Já seria de considerar de outra forma caso decorresse da relação laboral que vinculava as partes a obrigação de a A./Recorrente efectuar adiantamentos da pensão de reforma ao R./Recorrido enquanto a sua passagem à situação de reforma não fosse concedida (quer por meio de IRCT ou de cláusula de contrato individual de trabalho). Aí, estaríamos, efectivamente, perante a situação descrita na alínea b) do artigo 85.° da LOFJT "b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho". </font>
</p><p><font> H. No caso em apreço, nem o Acordo de Empresa aplicável, nem o contrato individual de trabalho celebrado entre as partes impunha aquela obrigação, pelo que os empréstimos concedidos pela A./Recorrente ao R./Recorrente foram consequência de uma liberalidade da primeira e não de qualquer obrigação laboral assumida entre as partes.</font>
</p><p><font> I. Na verdade, entende-se que, para que se possa analisar a aplicação do Direito ao caso concreto (ou seja, a aplicação do artigo 85°, alínea b) da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro - LOFTJ - e sua correcção), haverá que analisar três temas: </font>
</p><p><font> i. O que constitui "causa de pedir"? </font>
</p><p><font>ii. Qual foi, no caso concreto, a causa de pedir nos autos, tal como configurada pela A./ Recorrida?</font>
</p><p><font>iii. Tendo em consideração a causa de pedir configurada pela A./Recorrente nos autos, o artigo 85.° al) b) da LOFTJ era aplicável, no caso concreto?</font>
</p><p><font> J. Quanto ao conceito de causa de pedir: é entendimento jurisprudencial, pacífico, o facto de a competência do tribunal em razão da matéria, no confronto do tribunal do trabalho com as instâncias cíveis, ser essencialmente determinada à luz da estrutura do objecto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido, formulados na petição inicial, independentemente da estrutura civil ou laboral das normas jurídicas substantivas aplicáveis. </font>
</p><p><font> K. De facto, todo o pedido tem de ter uma "justificação", um "fundamento", sendo esses fundamentos e justificações correspondentes a factos que devem ser alegados num articulado, para que se possa formular, a final, o pedido correspondente.</font>
</p><p><font> L. De acordo com o princípio do dispositivo, a regra é a de que às partes incumbe afirmar os factos essenciais integrantes da causa de pedir e aqueles em que se baseiem as excepções (art. 264°, n°1,CPC).</font>
</p><p><font> M. Note-se, ainda, que nos termos do artigo 5.° do CPC (cuja epígrafe é "Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal"), cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, devendo, ainda ser considerados pelo juiz "os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar" .</font>
</p><p><font> N. Interessará, agora, distinguir entre "factos essenciais" (que constituem, verdadeiramente, a causa de pedir) e "factos complementares" que desempenham uma função acessória, que decorrem necessariamente dos outros ou os antecedam, mas que não constituem, em si, a causa de pedir.</font>
</p><p><font> O. Conforme se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de data de 25-06-2013 (Processo n.° 5261/05.6TVLSB.L1-1), consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, quanto a "factos complementares": " (...) Assim, os factos complementares serão aqueles que, na economia de uma </font><i><font>fattispecie</font></i><font> normativa complexa, desempenham claramente uma função secundária ou acessória relativamente ao núcleo essencial da causa de pedir ou da defesa - podendo, por exemplo, tratar-se de factos circunstanciais negativos (susceptíveis de originar dúvida fundada sobre se ainda se trata de um elemento circunstancial constitutivo de uma </font><i><font>causa petendi</font></i><font> complexa ou, pelo contrário, de um facto impeditivo a alegar pela contraparte - sirva de exemplo, na acção de despejo para habitação própria do senhorio, a alegação de que este ainda não tinha utilizado a faculdade de denúncia) ou de factos que, na normalidade das situações da vida e segundo as regras de experiência, já fluem de outros (estando, por isso, de algum modo implícitos na alegação dos primeiros - sirva de exemplo, em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada numa relação comitente/comissário devidamente concretizada, a expressa alegação de que o facto danoso ocorreu no exercício das funções de comissário). (...)".</font>
</p><p><font> P. Cumpre, ora, descortinar, à luz do supra exposto, qual foi a causa de pedir invocada pela A./Recorrente na sua petição inicial ("PI"), tal como configurada pela última (e qual o pedido associado a tal causa de pedir).</font>
</p><p><font> Q. A causa de pedir da A./Recorrida, tal como configurada por esta na sua PI, ou seja, aquela que fundamentou, ou justificou o pedido de restituição dos montantes emprestados ao R. e nunca restituídos (pedido), foi: (i) a concessão de vários empréstimos ao R./Recorrente pela A./Recorrida, a qual foi formalmente reduzida a escrito, em sede do contrato de mútuo celebrado entre as Partes (junto como Doe. 2 da PI), assim como (ii) o incumprimento, por parte do R./Recorrido, da obrigação de restituição dos empréstimos.</font>
</p><p><font> R. Face a esta causa de pedir, pediu a A./Recorrente a restituição dos montantes mutuados ao R./Recorrido, acrescidos dos juros de mora legais (pedido); assim, os factos essenciais, alegados pela A./Recorrida, foram os que respeitavam àqueles empréstimos e à falta da sua restituição, sendo factos meramente complementares aqueles referentes ao contexto factual anterior ao da concessão dos ditos empréstimos.</font>
</p><p><font> S. Ou seja, são factos complementares, e não essenciais, o facto de as partes terem tido um vínculo laboral, no passado, (e de, nos termos do acordo de pré-reforma celebrado entre as partes enquanto vigorava o dito contrato de trabalho, incumbir ao R./Recorrente requerer a concessão da sua passagem à reforma), ou mesmo a motivação (subjectiva) da A./Recorrente que a levou a decidiu conceder os empréstimos.</font>
</p><p><font> T. Na verdade, aqueles factos (complementares, referidos no número anterior) apenas foram expostos em sede da PI pela A./Recorrente para que o Tribunal de Primeira Instância compreendesse, de forma clara, qual era o prazo de restituição dos empréstimos, tal como havia ficado acordado entre as Partes. </font>
</p><p><font> U. Assim, a causa de pedir, em causa, nos autos, não era (nem decorria de) (i) o contrato de trabalho vigente entre as partes (que cessou com a concessão do estatuto de reformado e atribuição de pensão de velhice ao R./Recorrido, com efeitos à data de 12.03.2008), (ii) nem o Acordo de Pré-reforma celebrado entre as partes em data de 29 de Maio de 2007, que cessou no mesmo momento (da passagem à reforma do R./Recorrido), nos termos da respectiva cláusula 11º n.°2 al.) a).</font>
</p><p><font> V. Quanto à aplicabilidade do artigo 85.° al) b) da LOFTJ: nos termos do artigo 18.° da LOFTJ "são da competência dos tribunais judiciais as causas que, em razão da matéria, não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional"; já o artigo 65.° do mesmo diploma legal determina que "as leis da organização judiciária determinam quais são as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada".</font>
</p><p><font> W. Em matéria cível, a competência dos tribunais do trabalho vem elencada no artigo 85.° da LOFTJ, mais estabelecendo a alínea b) daquele artigo que: "Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho".</font>
</p><p><font> X. Conforme se pode ler no Acórdão do STJ de 16-11-2010 (Processo n.° 981/07.3TTBRG.S1), consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, sobre a alínea b), do art. 85.°, da LOFTJ: " (...) As "questões" a que alude a alínea b), do art. 85.°, da LOFTJ, são apenas aquelas que possam integrar o conteúdo essencial (que não acessório, complementar ou dependente) da relação de trabalho.</font>
</p><p><font>IV - O que a previsão contida na citada alínea b) tem de substancial - nexo de emergência de uma relação de trabalho subordinado - é a natureza do direito que se pretende ver acautelado, tornando-se mister que ele provenha - ou seja emergente - da violação de obrigações que, para o demandado, resultem de uma relação jurídica laboral, esteja ou não ela extinta. (...)</font>
</p><p><font>Basta compaginar o teor daquela alínea b) com o da sequente alínea o) para se perceber que "as questões emergentes" ali configuradas não abarcam todas as questões surgidas entre a entidade patronal e o trabalhador: se assim fosse, quedaria injustificado o comando da alínea o), pois que todas elas já seriam integráveis na sobredita previsão antecedente (cfr. Ac. S.T.J. de 3/5/2000 in C.J. do S.T.J; Ano VIII, Tomo 2, página 39). (...)".</font>
</p><p><font> Y. Ora, sempre se terá de concluir que não decorria, da relação laboral mantida entre as partes, qualquer obrigação para a A./Recorrente perante o R./Recorrido, no que respeitava o adiantamento de pensão de reforma, pelo que aquela decisão (de concessão dos empréstimos), nem integrava o seu núcleo essencial.</font>
</p><p><font> Z. Não tivesse a A./Recorrente emprestado os montantes em causa ao R./Recorrido, este nada lhe poderia exigir, no âmbito de quaisquer obrigações que pudessem emergir da relação laboral.</font>
</p><p><font> AA. O que acontece, é que o R./Recorrente passou à situação de reforma com efeitos retroactivos!</font>
</p><p><font> BB. Entendeu, necessariamente, o Tribunal da Relação que o contrato de mútuo tinha sido celebrado no contexto da relação laboral e que era consequência daquela, com o que não se concorda.</font>
</p><p><font> CC. Ora, não se concebe ser possível considerar, por um lado, que entre Julho de 2008 e Maio de 2010 estava vigente um contrato de trabalho entre as partes e que, ao mesmo tempo, no mesmo período temporal, o Recorrido tivesse direito (desde 12 de Março de 2008, data em que perfez os 60 (sessenta) anos), ao reconhecimento da situação de pensionista e às pensões de reforma correspondentes - as quais foram por si recebidas e aceites.</font>
</p><p><font> DD. Juridicamente, não é possível ser reconhecido, simultaneamente, ao R./Recorrido, o estatuto (i) de trabalhador e (ii) de reformado, no período contido entre 12 de Março de 2008 e Maio de 2010! </font>
</p><p><font> EE. De facto, nos termos do artigo 343.° al) c) do Código do Trabalho, o contrato de trabalho cessa com a reforma do trabalhador (concedida pelo ISS,IP com efeitos a 12 de Março de 2008, data que deve ser tida em consideração para efeitos de caducidade do contrato de trabalho mantido entre as partes).</font>
</p><p><font> FF. Ora, os mútuos foram concedidos pela A. entre Dezembro de 2008 e Abril de 2010 (espaço temporal em que a situação de reformado do R./Recorrente já foi reconhecida).</font>
</p><p><font> GG. Ora, os mútuos foram concedidos pela A. entre Dezembro de 2008 e Abril de 2010 (espaço temporal em que a situação de reformado do R./Recorrente já foi reconhecida).</font>
</p><p><font> HH. Há que esclarecer, em termos cronológicos, qual a natureza das relações jurídicas mantidas entre as partes que deve ser reconhecida:</font>
</p><p><font>d) até data de 28 de Maio de 2007: vigência de contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre A. e R.;</font>
</p><p><font>e) de 29 de Maio de 2007 até 11 de Março de 2008: Situação de pré-reforma do R. (acordo junto como Doc.1 da PI) - altura em que o contrato de trabalho se encontrava vigente, mas suspenso;</font>
</p><p><font>f) a partir de 12 de Março de 2008: situação de reformado do R. (e passagem à reforma naquela data, reconhecida retroactivamente pelo ISS, IP, conforme confessado nos artigos 25.° a 27.° da Contestação do R. e conforme decorre do Doc. 25 junto à PI, com consequente pagamento das pensões de velhice a partir dessa data).</font>
</p><p><font> II. Diga-se, ainda, que para além dos motivos óbvios, nem se poderia verificar haver relação laboral naquelas datas, porquanto, nos termos do artigo 11.° do Código de Trabalho ("CT"): "Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas".</font>
</p><p><font> JJ. E, também, nos termos do artigo 1152.° do Cciv., "Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direcção desta".</font>
</p><p><font> KK. Ora não houve, no período em causa, entre 01 de Junho de 2008 e o último de 31 de Maio de 2010, qualquer prestação de actividade intelectual ou manual da parte do R./Recorrente no âmbito de organização da A./Recorrente e sob a autoridade desta - tendo sido pagas, referentes a essas datas e períodos, pensões de velhice ao R./Recorrente pelo ISS,IP.</font>
</p><p><font> LL. Mais se faz notar que nos termos do artigo 258.° n.° 1 do Código de Trabalho "Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho", sendo 4 (quatro) os seus elementos constitutivos:</font>
</p><p><font>i. a atribuição de um conjunto de valores; </font>
</p><p><font>ii. a obrigatoriedade da sua atribuição; </font>
</p><p><font>iii. a periodicidade da sua atribuição; e</font>
</p><p><font>iv. ser contrapartida da prestação de trabalho (elemento que não se verifica in casu, uma vez que não existiu qualquer prestação de trabalho por parte do R./Recorrente durante a vigência do contrato de mútuo).</font>
</p><p><font> MM. Chegados a este ponto, cumpre concluir que a aplicação do artigo 85° al) b) da LOFTJ é incorrecta, sendo que a causa dos Autos era da competência dos tribunais genéricos (varas cíveis).</font>
</p><p><font> NN. De facto, existem várias decisões judiciais que consideraram que o tribunal competente era o tribunal comum, face ao mesmo tipo de factualidade do que a dos autos, ou seja, em que os empréstimos foram concedidos por uma parte que já fora empregadora da outra parte (sendo certo que, em tais decisões, decorria do Acordo de Empresa celebrado entre a TAP e o Sindicato de Pilotos da Aviação Civil, a obrigação de adiantar as pensões de reforma até que o CNP concedesse as mesmas) (foi o caso (i) do Processo n° 1021/05.2YXLSB, que correu termos no 7.° Juízo Cível da Comarca de Lisboa; e (ii) da decisão da 13.a Vara Cível de Lisboa, 1,° Secção, em sede do Processo n.° 87/05.0TVLSB (ver Doe. 2 e Doc. 3 em anexo).</font>
</p><p><font> OO. Acresce que o entendimento de que se aplica aquele artigo 85° al.) b) da LOFTJ conduziria ao absurdo de ser factualmente impossível a A./Recorrente poder recorrer aos Tribunais de competência especializada (Trabalho) para exercer o seu direito à restituição, já que, no momento em que o ISS.IP reconheceu, com efeitos a 03-11-2008, que deveria ser atribuída a pensão de velhice ao R:/Recorrido (e, portanto, a condição e estatuto de reformado) já tinham prescrito quaisquer créditos laborais ao abrigo do contrato de trabalho celebrado com a A./Recorrente (artigo 337° n.° 1 do Código de Trabalho: "O crédito de empregador ou | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XDKWu4YBgYBz1XKvfR-6 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font> Recurso de Revista nº 7507/06.4TBCSC.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a>
</p><p><b><i><font> </font></i></b>
</p><p><b><i><font> </font></i></b>
</p><p><b><i><font> </font></i></b>
</p><p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><b><font> </font></b></p><div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b></p></div><br>
<b><font> I – RELATÓRIO</font></b><div><br>
<b><font> </font></b>
<p></p></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font>AA, BB, CC e DD, EE e FF, GG e HH, </font></b><font>intentaram acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra</font><b><font> II e JJ e KK, </font></b><font>todos devidamente identificados nos autos, pedindo que sejam declarados donos e legítimos proprietários do imóvel identificado na petição inicial, e os réus condenados a restituírem-lhes o aludido imóvel que indevidamente ocupam, livre de pessoas e bens.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegaram, em síntese, serem proprietários do referido prédio urbano, que adquiriram por sucessão por morte de LL e sua mulher MM, e que os réus ocupam sem consentimento dos autores e sem qualquer título que os legitime.</font>
</p><p><font>Valem-se os réus de um contrato de arrendamento outorgado em 19/12/1970 entre aquela MM, na qualidade de senhoria, e KK de JJ, pai da ré-mulher, na qualidade de arrendatário, não tendo os réus dado conhecimento aos autores do falecimento do primitivo arrendatário e da mulher do mesmo, tendo permanecido no prédio arrendado fazendo-se passar por aqueles, criando nos autores a convicção de se tratarem dos primitivos arrendatários, aproveitando o facto de saberem que nenhum deles saberia identificar fisicamente o primitivo arrendatário. </font>
</p><p><font>Mais alegam que só vieram a ter conhecimento da verdadeira identidade dos réus através da contestação apresentada pela aqui ré II em acção de despejo que anteriormente interpuseram contra o primitivo arrendatário, na qual a mesma se defendeu com a aquisição por usucapião do prédio arrendado. </font>
</p><p><font>Regularmente citados, os réus contestaram excepcionando existir erro na forma de processo, e no demais impugnaram a versão dos factos apresentada pelos autores, sustentando que por desinteresse dos autores não procedem ao pagamento das rendas há mais de vinte anos, habitam o imóvel como seus verdadeiros donos, sem a menor oposição de quem quer que seja, suportando todos os encargos relativos a despesas de conservação, melhoramentos, e obrigações fiscais, o que têm feito ininterrupta e ostensivamente, à vista de toda gente, pelo que o prédio urbano em questão foi por eles adquirido por usucapião, e, em reconvenção, pedem o consequente reconhecimento do direito de propriedade, ou, a improceder este pedido, pugnam, a título subsidiário, pelo reconhecimento da existência e manutenção da vigência do contrato de arrendamento.</font>
</p><p><font>Os autores replicaram, pugnando pela improcedência da excepção e dos pedidos reconvencionais, pedindo a condenação dos réus em multa e indemnização por litigância de má fé, e, no demais, concluíram como na petição inicial.</font>
</p><p><font>Teve lugar a realização de audiência preliminar no decurso da qual foram admitidos os pedidos reconvencionais e julgada improcedente a excepção de erro na forma de processo. Proferido despacho saneador, procedeu-se à selecção da matéria de facto que não motivou alguma reclamação.</font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, e decidida a matéria de facto controvertida pelo despacho de fls. 770/777, não visado por reclamação, foi proferida sentença que, não encontrando indícios de actuação processual por parte dos réus passível de se subsumir a litigância de má fé, julgou a acção procedente, declarando os autores proprietários do prédio urbano em causa, condenando os réus a desocupá-lo e a entregá-lo devoluto de pessoas e bens e em bom estado de conservação, e o pedido reconvencional improcedente dele absolvendo os autores.</font>
</p><p><font>Inconformados, apelaram os réus tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por unanimidade, no seu Acórdão de 8/03/12, decidido “</font><i><font>julgar parcialmente procedente a apelação, revogar a sentença recorrida, reconhecer a existência e a vigência do contrato de arrendamento e, em consequência, julgar improcedente a acção, absolvendo os RR. do pedido</font></i><font>” (fls. 1125 a 1162).</font>
</p><p><font>Os autores EE e FF e os réus recorrem desta decisão para este Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentam formulam as seguintes conclusões:</font>
</p><p><u><font>Os autores</font></u>
</p><p><font>1. Estabelece o artigo 1107. º do Código Civil que a transmissão do arrendamento deve nos três meses a contar da ocorrência da morte do arrendatário ser comunicada ao senhorio. </font>
</p><p><font>2. A eliminação da referência " não prejudica a transmissão do contrato" tem por fim a flexibilização do texto legislativo face à imperatividade de outros preceitos. </font>
</p><p><font>3. No fundo a questão na nossa modesta opinião reside no momento em que se pode considerar que operou a transmissão. </font>
</p><p><font>4. É que se por um lado existe um vácuo entre o momento da morte e o da eficácia da comunicação por outro lado a transmissão automática não gera menos problemas, designadamente desconfigura a sua natureza intuitus personae do contrato de locação. </font>
</p><p><font>5. Cremos que a orientação que se nos afigura mais adequada é a da caducidade do contrato do arrendamento. </font>
</p><p><font>6. A outra questão é a aplicação do NRAU ao contrato cuja existência e vigência foi reconhecida. </font>
</p><p><font>7. O NRAU e o presente regime aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, quanto aos contratos celebrados anteriormente, o art. 57° da Lei 6/2006 estabeleceu o regime transitório na transmissão por morte no arrendamento para habitação aplicável aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do RAU. </font>
</p><p><font>8. No entanto ao contrário do que possa parecer, o dever de comunicação, previsto agora no art. 1107° do Código Civil é aplicável por força dos artigos 59°, 26° e 28° da Lei 6/2006.</font>
</p><p><font>9. Posto isto, o acórdão em equação violou o disposto nos artigos 1107.° do Código Civil, 59.°, 26.° e 28.° da Lei 6/2006.</font>
</p><p><u><font>Os réus</font></u>
</p><p><font>1 - A factualidade dada como provada pelo tribunal de primeira instância e mantida pela Relação de Lisboa permitia decidir positivamente quanto à pretensão dos recorrentes no que respeita á satisfação das exigências legais de lapso temporal e dos caracteres da posse que estão na base de uma aquisição por usucapião, designadamente:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>36. Desde a data do início do contrato, em 1 de Dezembro de 1970, que, efectivamente, os réus lá começaram a viver.</font></i>
</p><p><i><font>37. Os réus habitam e continuam a habitar o locado, o que fazem desde 1 de Dezembro de 1970.</font></i>
</p><p><i><font>38. A partir de inícios da década de 90 do século passado, os réus passaram a ocupar a área de terreno baldio que, pelo contraio de arrendamento, não lhes pertencia fruir.</font></i>
</p><p><i><font>39. Cultivaram o terreno, enxertando árvores e colhendo os frutos desta e construíram um galinheiro e uma coelheira.</font></i>
</p><p><i><font>40. Os factos referidos em 38. e 39. foram levados à prática pelos réus, sem qualquer pedido de autorização aos autores nesse sentido.</font></i>
</p><p><i><font>41. Por volta do ano de 1992, os réus actuaram solve a vivenda, introduzindo-lhe melhorias, para assegurar o seu conforto, construíram um telheiro e uma garagem, alteraram a estrutura interna das divisões da vivenda] compondo-as de acordo com o seu gosto e necessidades.</font></i>
</p><p><i><font>42. Para o efeito, derrubaram paredes, o que alterou a estrutura interna do imóvel, tendo pintado o imóvel externa e internamente, substituíram o pino e promoveram obras que conferiram maior conforto à casa.</font></i>
</p><p><i><font>43. Não foi dado conhecimento, nem pedida autorização aos autores, para a feitura de quaisquer obras. " (...)</font></i>
</p><p><i><font>"47. Os réus cumpriram algumas obrigações fiscais derivadas da propriedade do imóvel, designadamente o pagamento da contribuição autárquica relativa aos anos de 1993, 1994, 1996 e 2000. " (...)</font></i>
</p><p><i><font>"50. Os réus habitam a vivenda, há mais de vinte anos, sem a menor oposição de quem quer que seja, e suportando todos os encargos relativos a despesas de conservação e melhoramentos, o que têm feito ininterrupta e ostensivamente, à vista de toda a gente." (negrito da peça).</font></i>
</p><p><font>2 - A factualidade dada como provada no ponto 50 da matéria de facto constitui um exemplo de escola de verificação de usucapião.</font>
</p><p><font>3 - Porém, mal andou a Relação de Lisboa ao entender que toda a actuação material dos apelantes sobre o imóvel não terá sido uma verdadeira posse, uma posse boa para usucapir.</font>
</p><p><font>4 - A posse é constituída por dois elementos: </font><i><font>o corpus</font></i><font> e o </font><i><font>animus</font></i><font>.</font>
</p><p><font>5 - Há mais de vinte anos que os recorrentes vêm praticando, sobre o prédio urbano em análise, actos integradores do elemento objectivo da posse.</font>
</p><p><font>6 - Porém, mal andou a decisão ao entender que a posse dos apelantes é desprovida de </font><i><font>animus</font></i><font>, assim violando o disposto no art. 1251.º do CC pois "</font><i><font>Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.</font></i><font>"</font>
</p><p><font>7 - Não colhe a orientação da Relação de Lisboa segundo a qual "</font><i><font>apesar de sempre se ter entendido, à boa maneira subjectivista que, para que haja posse, é necessário algo mais do que o simples poder de facto, sendo necessário que haja por parte do detentor a intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela, a verdade é que, na situação dos autos, a opção por uma teoria mais ou menos objectivista ou subjectivista se torna irrelevante, pois que aquelas teorias não recusam construções "objectivas do "animus" como as que resultam da "teoria da causa" e esta será suficiente para rebater a tese dos apelantes</font></i><font>".</font>
</p><p><font>8 - Efectivamente, a boa lição é a que "</font><i><font>em caso nenhum o animus poderia ser confundido com a convicção de ser titular do direito. Não há que excluir como possuidor quem age de má fé; todavia, ele sabe que está lesando o direito de outrem</font></i><font>. (JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENÇÃO, Direito Civil - Reais, Coimbra Editora, 5." Edição, 1993, pág. 85).</font>
</p><p><font>9 - Como é óbvio, quem inverte o título da posse sobre determinado bem sabe que o mesmo não lhe pertence. Tal não significa que não seja possuidor. Será é um possuidor de má-fé, carácter da posse com relevância ao nível do prazo relevante para efeitos da usucapião (cfr. arts. 1260.°, n.° 1 e 1296.°, ambos do CC).</font>
</p><p><font>10 - O </font><i><font>animus</font></i><font> é, pois, a intenção de agir como titular do direito a que o exercício efectivo do poder de facto se refere. E, reitere-se, a actuação dos recorrentes que foi dada como provada é esta: "</font><i><font>50. Os réus habitam a vivenda, há mais de vinte anos, sem a menor oposição de quem quer que seja, e suportando todos os encargos relativos a despesas de conservação e melhoramentos, o que têm feito ininterrupta e ostensivamente, á vista de toda a gente</font></i><font>." (negrito da peça).</font>
</p><p><font>11 - O exercício de poderes sobre a coisa, não havendo título ou declaração que esclareça o significado desse exercício, permite concluir que há posse, porque há </font><i><font>corpus</font></i><font>, sem que seja necessário deslindar o elemento </font><i><font>animus</font></i><font>.</font>
</p><p><font>12 - Com isto, o art. 1253.°, a) é compatível com uma posição objectivista. Basta que subentendamos que a intenção que refere é a intenção declarada, elemento objectivo que retira ao corpus a sua consequência normal." (JOSE DE OLIVEIRA ASCENÇÃO, Ob. cit., pág. 88).</font>
</p><p><font>13 - A concepção objectivista do instituto é a concepção dominante pois "</font><i><font>Verificado o corpus no sentido atrás fixado, há, em princípio, posse, ou, como a lei também a designa, mera posse. (...) Como primeiro ponto a salientar, podemos invocar a noção legal do art. 1251.°, onde não se faz referência ao animus, como elemento do conceito, sendo antes marcadamente objectivista a forma como o instituto nele é configurado. E o mesmo se pode dizer da generalidade das normas que, no Código, se relacionam com este problema. Em boa verdade, só na al. a) do art. 1253. ° se encontra uma referência à "intenção de agir como beneficiário do direito ", na caracterização dos vários casos de detenção. (...) Ao entra no debater gerado em redor da interpretação deste preceito, começamos por excluir a possibilidade de nele se consagrar uma mera intenção interna ou psicológica, pelas razões já antes ditas. Ela tem de, por alguma forma, se tornar perceptível.</font></i>
</p><p><font>14 - </font><i><font>Só pode, pois, relevar aqui uma intenção por qualquer forma exteriorizada por quem exerce os poderes de facto, ou seja, apurada por recurso a elementos apreensíveis por terceiros, e estes só podem ser de cariz objectivista. Mas isto conduz a afirmar que, havendo corpus, em princípio há posse, salvo quando o possuidor revele uma vontade segundo a qual ele age sem aniusm possidendi. E este elemento negativo que desvaloriza ou descaracteriza o corpus</font></i><font>.</font>
</p><p><font>15 - </font><i><font>Vale, a este respeito, tanto uma manifestação expressa como tácita da vontade, desde que quanto a esta segunda modalidade, o comportamento do possuidor a permita deduzir, com toda a probabilidade</font></i><font> (n.° 1 do art. 217 (do CC) (parêntesis da peça) (LUÍS a. CARVALHO FERNANDES, Ob. cit, págs. 264 a 266).</font>
</p><p><font>16 - Significa isto que, bem ao arrepio do que foi decidido no acórdão recorrido, onde há </font><i><font>corpus</font></i><font> - como foi reconhecido pelo julgador - há, em princípio, </font><i><font>animus</font></i><font>, logo há posse juridicamente relevante para efeitos de usucapião.</font>
</p><p><font>17 - Desta forma, a sentença proferida, com a interpretação efectuada, viola o disposto nos arts. 1251.°, 1253.º, alínea a) e art. 1296.°, todos do CC.</font>
</p><p><font>18 - Impõe-se, pois, a substituição desta por uma outra que reconheça a usucapião do imóvel por parte dos recorrentes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foram oferecidas contra-alegações.</font>
</p><p><font>Entretanto, por falecimento do réu KK, foi suspensa a instância tendo vindo a ser habilitados como seus sucessores a ré II e JJ e NN, filho daquele.</font>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>ª</font></div><br>
<font>As conclusões dos recorrentes – balizas delimitadoras do objecto dos recursos (arts. 684.º, nº 3 e 690.º, nº 1 do Código de Processo Civil – CPC </font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>) – consubstanciam as seguintes questões, por precedência lógica:</font>
<p><font>a) se os réus adquiriram o prédio por usucapião;</font>
</p><p><font>b) se ocorreu a caducidade do contrato do arrendamento. </font>
</p><p><font> ª</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<b><font>II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Vem dada por assente a seguinte factualidade:</font>
</p><p><font>1. O prédio urbano denominado “Vivenda ...”, Estrada Nacional 247-5, Km 12.600, na localidade de ..., entre ... e ..., freguesia de ..., concelho de Cascais, encontra-se descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º …, a favor de AA, CC, EE e GG, por sucessão por morte de LL e mulher MM, e inscrito na matriz predial urbana da 2.ª Repartição de Finanças de Cascais, sob o artigo urbano n.º …, a favor de EE, GG, CC e AA.</font>
</p><p><font>2. Os autores adquiriram o imóvel, sem determinação de parte ou direito, na qualidade de herdeiros, por sucessão por morte de LL e sua mulher MM.</font>
</p><p><font>3. Em 19 de Dezembro de 1970, foi celebrado um contrato de arrendamento entre a referida MM e KK de JJ, nos termos do qual aquela lhe deu de arrendamento para habitação o prédio supra identificado, nos termos e condições ali consignados.</font>
</p><p><font>4. O ora autor GG interveio na celebração do contrato de arrendamento como procurador da senhoria MM, que também era conhecida por OO.</font>
</p><p><font>5. O autor GG conheceu física e fisionomicamente o falecido KK de JJ, pois foi quem, como procurador da primitiva senhoria, outorgou no contrato de arrendamento. </font>
</p><p><font>6. Em momento posterior à outorga do contrato de arrendamento, referido em 3., o autor GG emigrou para o Canadá, daí se tendo deslocado para o Dubai, onde actualmente se encontra radicado.</font>
</p><p><font>7. A primitiva senhoria, MM, veio a falecer em 16 de Agosto de 1972, cerca de ano e meio após a celebração do contrato de arrendamento.</font>
</p><p><font>8. Após o falecimento da primitiva senhoria, MM, foi a autora CC quem passou a receber as rendas.</font>
</p><p><font>9. Entre 1974 e 1979, a autora CC emigrou para o Canadá, onde ainda reside.</font>
</p><p><font>10. Algumas rendas foram pagas em dinheiro, contra a entrega dos respectivos recibos.</font>
</p><p><font>11. Os recibos sempre foram passados em nome de KK de JJ.</font>
</p><p><font>12. Existiu um período em que foi acordado com o arrendatário, que sempre se identificou como KK de JJ, que as rendas passariam a ser pagas a uma amiga da senhoria MM, de nome PP, sendo esta casada com um individuo de nome QQ, tendo tal situação terminado em meados da década de setenta do século passado.</font>
</p><p><font>13. Desde a altura em que, em meados da década de setenta do século passado, as rendas deixaram de ser pagas à D. PP, era o réu que se deslocava a um estabelecimento comercial de restauração, de que o autor EE era proprietário, e aí procedia ao pagamento das rendas, tendo esta prática perdurado, sensivelmente, até ao ano de 1989.</font>
</p><p><font>14. Tais rendas eram usualmente pagas de seis em seis meses, sendo o autor EE, ou o filho deste, que preenchiam os recibos correspondentes.</font>
</p><p><font>15. A partir de 1989, e até 1994, foi o autor EE quem passou receber as rendas, deslocando-se ao imóvel, muitas vezes acompanhado pelo seu filho NN, para aí receber as rendas do arrendatário, que julgava tratar-se efectivamente do primitivo arrendatário KK de JJ.</font>
</p><p><font>16. Este sempre assim se identificou e assim era chamado pelo autor EE, quando na realidade, a pessoa a quem directamente se dirigiam e chamavam de “Senhor NN”, era, afinal, o ora réu marido, genro de KK de JJ.</font>
</p><p><font>17. O autor EE deslocava-se ao imóvel, para esse fim, uma ou duas vezes por ano, dado o diminuto valor das rendas.</font>
</p><p><font>18. A partir de determinada altura, que não se logrou apurar com inteiro rigor, mas situada entre o mês de Abril de 1994 e finais do ano de 1999, e em resultado da oposição dos autores em face de obras não autorizadas no prédio e ao pedido da sua demolição, o ora réu marido começou a revelar um comportamento agreste e de alguma hostilidade para com os autores, concretamente para com o autor EE e para com o seu filho NN, deixando os réus de pagar as rendas, apesar de interpelados pelos autores para o efeito.</font>
</p><p><font>19. As ameaças dirigidas pelo réu marido a AA, filho dos autores EE e FF, inviabilizou, desde então, qualquer contacto dos autores com aqueles que julgavam ser o primitivo arrendatário e mulher, afinal os ora réus.</font>
</p><p><font>20. Tendo os ora autores vindo a suceder à referida MM, na qualidade de herdeiros legais, nos direitos e obrigações de que era titular, adquirindo a posição contratual que aquela detinha no aludido contrato, os ora autores intentaram uma acção de despejo, com fundamento na falta de pagamento da renda e, ainda, na realização de obras não autorizadas pelo arrendatário, que correu termos pelo 2.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e da Comarca de Cascais.</font>
</p><p><font>21. A referida acção de despejo foi proposta contra o arrendatário KK de JJ e mulher, que os ora autores vieram posteriormente a identificar como II</font>
</p><p><font>JJ, ora ré mulher, cujo nome obtiveram através de informação prestada por uma vizinha dos ora réus.</font>
</p><p><font>22. Na sequência da citação efectuada, a ora ré mulher, não se considerando parte naquela acção, apresentou, porém, “Impugnação” à referida acção.</font>
</p><p><font>23. Com aquela acção de despejo, pretendiam os autores a resolução do já aludido contrato de arrendamento e, consequentemente, a condenação dos ali réus (o primitivo arrendatário e a sua mulher) na entrega do locado, devoluto de pessoas e bens, além do pagamento das rendas vencidas e não pagas, e respectivos juros.</font>
</p><p><font>24. Os autores tiveram conhecimento do falecimento do arrendatário KK de JJ no decurso do ano de 1989 ou de 1990, em data anterior à propositura da acção de despejo.</font>
</p><p><font>25. A ré mulher, filha do arrendatário, nunca deu conhecimento aos autores do falecimento do seu progenitor, ocorrido em 1981, nem do falecimento da sua progenitora, bem sabendo que os autores ignoravam que aqueles tinham falecido.</font>
</p><p><font>26. Os réus nunca esclareceram os autores da sua verdadeira identidade.</font>
</p><p><font>27. Pelo contrário, o réu marido assumiu perante os autores a identidade de KK de JJ, criando naqueles a convicção de que se tratava do primitivo arrendatário.</font>
</p><p><font>28. Os réus aproveitaram-se do facto de saberem que nenhum dos autores, pelo menos os que ainda residiam em Portugal, saberia identificar fisicamente o primitivo arrendatário, KK de JJ.</font>
</p><p><font>29. Apesar de omitir aos ora autores a morte do seu pai, primitivo arrendatário, a ora ré mulher continuou a pagar a renda, pelo menos até à referente ao mês de Abril de 1994, inclusive.</font>
</p><p><font>30. A ora ré mulher não renunciou ao direito de transmissão do arrendamento.</font>
</p><p><font>31. E porque não pretendia, nem pretendeu, renunciar à transmissão do arrendamento, continuou a habitar o locado até hoje.</font>
</p><p><font>32. Por volta de 1993/1994, os autores, concretamente o autor EE e o seu filho NN (este, entretanto, por razões de disponibilidade, constituído procurador dos herdeiros no tratamento de algumas questões relacionadas com o processo sucessório), e o ora réu marido, que, sabe-se agora, se fazia passar pelo primitivo arrendatário, chegaram a discutir a transmissão da propriedade do imóvel para este último.</font>
</p><p><font>33. Aquando da discussão da transmissão da propriedade do imóvel para o réu marido, a que é feita referência em 32., a proposta deste foi a de adquirir o imóvel pelo valor da matriz.</font>
</p><p><font>34. O que não foi, obviamente, aceite pelos autores.</font>
</p><p><font>35. Os réus sabem, por isso, que o prédio não lhes pertence e que é propriedade dos autores.</font>
</p><p><font>36. Desde a data do início do contrato, em 1 de Dezembro de 1970, que, efectivamente, os réus lá começaram a viver.</font>
</p><p><font>37. Os réus habitam e continuam a habitar o locado, o que fazem desde 1 de Dezembro de 1970.</font>
</p><p><font>38. A partir de inícios da década de 90 do século passado, os réus passaram a ocupar a área de terreno baldio que, pelo contrato de arrendamento, não lhes pertencia fruir.</font>
</p><p><font>39. Cultivaram o terreno, enxertando árvores e colhendo os frutos destas e construíram um galinheiro e uma coelheira.</font>
</p><p><font>40. Os factos referidos em 38. e 39. foram levados à prática pelos réus, sem qualquer pedido de autorização aos autores nesse sentido.</font>
</p><p><font>41. Por volta do ano de 1992, os réus actuaram sobre a vivenda, introduzindo-lhe melhorias, para assegurar o seu conforto, construíram um telheiro e uma garagem, alteraram a estrutura interna das divisões da vivenda, compondo-as de acordo com o seu gosto e necessidades.</font>
</p><p><font>42. Para o efeito, derrubaram paredes, o que alterou a estrutura interna do imóvel, tendo pintado o imóvel externa e internamente, substituíram o piso e promoveram obras que conferiram maior conforto à casa.</font>
</p><p><font>43. Não foi dado conhecimento, nem pedida autorização aos autores, para a feitura de quaisquer obras.</font>
</p><p><font>44. As obras, quer a demolição de uma parede interna, quer a construção de uma garagem, de um telheiro e de um galinheiro, não são contemporâneas da celebração do contrato de arrendamento.</font>
</p><p><font>45. As referidas obras foram realizadas por volta do ano de 1992, tendo-se o autor EE e o seu filho, numa das deslocações que efectuaram ao local, deparado com tais obras já concluídas.</font>
</p><p><font>46. A construção da garagem, do telheiro e do galinheiro foi, de facto, verificada pelo autor EE e pelo seu filho, aquando uma das suas deslocações ao local, para receber a renda, além de que é visível do exterior.</font>
</p><p><font>47. Os réus cumpriram algumas obrigações fiscais derivadas da propriedade do imóvel, designadamente o pagamento da contribuição autárquica relativa aos anos de 1993, 1994, 1996 e 2000.</font>
</p><p><font>48. Os montantes referidos em 47., foram deduzidos no pagamento das rendas.</font>
</p><p><font>49. Os autores cumpriram algumas obrigações fiscais derivadas da propriedade do imóvel, a saber, a taxa de conservação de esgotos, relativa ao ano de 1986, a contribuição autárquica relativa aos anos de 1988, 1989, 1997, 1998, 1999, 2001 e 2002, e o imposto municipal sobre imóveis, relativo aos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008.</font>
</p><p><font>50. Os réus habitam a vivenda, há mais de vinte anos, sem a menor oposição de quem quer que seja, e suportando todos os encargos relativos a despesas de conservação e melhoramentos, o que têm feito ininterrupta e ostensivamente, à vista de toda a gente.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A) </font><u><font>Se os réus adquiriram o prédio por usucapião</font></u><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sustentam os recorrentes/réus que a factualidade dada como provada permitia decidir positivamente quanto à sua pretensão no que respeita à satisfação das exigências legais de lapso temporal e dos caracteres da posse que estão na base de uma aquisição por usucapião.</font>
</p><p><font>Nesse sentido, argumentam, em síntese, que a factualidade dada como provada no ponto 50 da matéria de facto constitui um exemplo de escola de verificação de usucapião, pois há mais de vinte anos que vêm praticando sobre o prédio urbano em causa actos integradores do elemento objectivo da posse, e onde há </font><i><font>corpus</font></i><font> - como foi reconhecido pelo julgador - há, em princípio, </font><i><font>animus</font></i><font>, logo há posse juridicamente relevante para efeitos de usucapião.</font>
</p><p><font>Apreciando.</font>
</p><p><font>À parte o pormenor de ligeiríssimas adaptações, que em nada inovam e alteram o argumentário anterior, as alegações apresentadas pelos recorrentes relativamente a esta questão reproduzem, em alguns trechos </font><i><font>ipsis verbis, </font></i><font>as alegações da apelação, repetindo as razões jurídicas que apresentaram na apelação e formulando as conclusões acima transcritas que, igualmente, mais não são que a reprodução das apresentadas na Relação.</font>
</p><p><font>Isto é, os recorrentes insistem na revista na posição e argumentação jurídica que assumiram e defenderam na apelação e que o acórdão recorrido não acolheu com resposta esclarecedora.</font>
</p><p><font>Ora, neste Supremo Tribunal vem-se sedimentando de há vários anos a esta parte corrente jurisprudencial no sentido de “que sempre que a alegação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça seja mera reprodução da que foi apresentada perante a Relação se justifica plenamente o uso da faculdade de remissão para os fundamentos do acórdão recorrido, ao abrigo do n.º 5 do artigo 713.º, </font><i><font>ex vi </font></i><font>artigo 726.º, ambos do CPC</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>O acórdão impugnado deu resposta detalhada e bem generosa à questão suscitada pelos ali apelantes, de molde a merecer a nossa total concordância, razão pela qual se justificaria plenamente o uso daquela faculdade de remissão. Todavia, em reforço do que nessa decisão se deliberou, dir-se-á o seguinte:</font>
</p><p><font>A posse, face à concepção adoptada na definição que do conceito dá o art. 1251.º do Código Civil (a que pertencerão todos os normativos doravante citados sem menção expressa de origem) tem de se revestir de dois elementos: o “</font><i><font>corpus</font></i><font>”, ou seja, a relação material com a coisa, e o “</font><i><font>animus</font></i><font>”, o elemento psicológico, a intenção de actuar como se o agente fosse titular do direito real correspondente, seja ele o direito de propriedade ou outro.</font>
</p><p><font>Neste quadro conceptual se acolheu o acórdão impugnado</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>, contra ele se insurgindo os recorrentes/réus preconizando a conceptualização da posse caracterizada pela teoria objectivista, que prescinde do chamado elemento subjectivo, o “</font><i><font>animus</font></i><font>”, defendendo que à luz dessa teoria a matéria de facto adveniente do ponto 50 dos factos provados constitui um “exemplo de escola da verificação da usucapião”.</font>
</p><p><font>Mas, ao invés do que sustentam os recorrentes, a doutrina dominante sustenta que o conceito de posse acolhido nos arts. 1251.º e segs. deve ser entendido de acordo com a concepção subjectivista, analisando-se por isso numa exigência de “</font><i><font>corpus</font></i><font>” e “</font><i><font>animus possidendi</font></i><font>”</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>. </font>
</p><p><font>De opinião contrária pronunciam-se Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, vol. I, pág. 551/566 e </font><i><font>in</font></i><font> “A Posse; Perspectivas Dogmáticas Actuais”, 2ª ed., págs. 54 a 65 onde revendo a sua posição anterior considera que o sistema português da posse é de natureza mista; Oliveira Ascensão, “Direitos Reais”, 5ª ed., págs. 84 a 88, Carvalho Fernandes, “Lições de Direitos Reais”, 1996, págs. 239/240, e KK Alberto Vieira, in “Direitos Reais”, 2008, págs. 529 a 545.</font>
</p><p><font>Então, no alinhamento da opinião dominante, o acto de aquisição da posse que releva para a usucapião terá assim de conter os dois elementos definidores do conceito de posse: o </font><i><font>corpus</font></i><font> e o </font><i><font>animus</font></i><font>. Se só o primeiro se preenche, verifica-se uma situação de detenção, insusceptível de conduzir à dominialidade.</font>
</p><p><font>Controvertem os recorrentes, procurando suporte na lição de Oliveira Ascensão que citam e transcrevem, que o exercício de poderes sobre a coisa, não havendo título ou declaração que esclareça o significado desse exercício, permite concluir que há posse, porque há </font><i><font>corpus</font></i><font>, sem que seja necessário deslindar o elemento </font><i><font>animus</font></i><font>. </font>
</p><p><font>Mas a assim se entender, como refere precisamente Oliveira Ascensão, “</font><i><font>é pela própria relação jurídica que está na base da posse que se verifica qual o animus do possuidor</font></i><font>”</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>. Ora, acontece que os recorrentes iniciaram o poder de facto sobre o prédio em causa, adquiriram a sua posse, através do contrato de arrendamento celebrado por KK de JJ, seu pai e sogro. Deste modo, se o </font><i><font>animus </font></i><font>é determinado antes de mais pela relação subjacente, qualquer que seja o concreto intuito de quem possui, se é pelo título que se afere da relação | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MjKIu4YBgYBz1XKvMRdu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA e BB propuseram a presente ação declarativa, com processo comum, contra o “BANCO CC, S.A.”, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a restituir-lhes a quantia de €2.335.845,80 (dois milhões trezentos e trinta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos), por ele, indevida e, ilicitamente, movimentada, de forma unilateral, das suas contas bancárias e a pagar-lhes uma indemnização, no montante global de €353.678,08, correspondente aos lucros financeiros que deixaram de auferir, por não terem podido investir em obrigações do tesouro, sendo a quantia, acima referida, desde Janeiro de 2011 a Março de 2014 [a], ou, se assim se não entender, a restituir-lhes a quantia de €183.389,20, de que se apropriou, ilícita e, indevidamente, acrescida de juros, vencidos e vincendos, até integral pagamento [b], alegando, para o efeito, como fundamento do pedido, a transferência feita pelo réu da quantia global de €2.335.845,80 das suas contas, que não eram aquelas que estavam abrangidas pelos contratos celebrados entre as partes, sem autorização sua e sem que tivesse cumprido a obrigação assumida nos contratos de penhor (cláusulas sexta, nº 1 de cada um dos contratos), de lhes comunicar, no prazo máximo de 30 dias, a mora da “DD” no pagamento de prestações do contrato de mútuo celebrado entre esta sociedade e o réu, o que lhes causou os alegados prejuízos, e que, de qualquer modo, a quantia de €183.389,20 nunca seria devida, pois que só assumiram responsabilidade pelo pagamento de 60% do montante global da quantia em dívida pela “DD” ao réu, de €5400000,00, ou seja, €2.152.456,67. </font>
</p><p><font>Na contestação, o réu aceita que não fez a comunicação, a que alude o nº 1 de cada uma das cláusulas 6ªs dos contratos de penhor, esclarecendo, porém, que, em seu entendimento, não estava obrigado a fazê-lo, referindo que, mesmo que estivesse obrigado a tal, apenas teria de indemnizar os prejuízos causados, decorrentes do incumprimento do contrato e não de restituir a importância que lhe foi dada de penhor.</font>
</p><p><font>Impugnou ainda factos invocados pelos autores e alegou que efetuou uma comunicação a instar a “DD” a pagar as prestações vencidas e não pagas e uma outra a exigir-lhe o reembolso do capital emprestado e ainda não restituído, face à falta de pagamento das prestações de Setembro de 2010 a Janeiro de 2011, e que os autores tinham perfeito conhecimento da falta de pagamento das referidas prestações e das aludidas comunicações que o Banco efectuou à sociedade devedora.</font>
</p><p><font>A sentença julgou improcedente, por não provada, a ação, e absolveu o réu dos pedidos contra ele formulados.</font>
</p><p><font>Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação decidido </font><i><font>«1. Alterar a decisão relativamente à matéria de facto, passando a ser o seguinte o teor do ponto 16º dos factos provados: “o Réu não efectuou as comunicações previstas nas cláusulas sextas dos contratos de penhor”.</font></i>
</p><p><i><font>2. Revogar a sentença recorrida que absolveu o Réu dos pedidos contra ele formulados pelos Autores;</font></i>
</p><p><i><font>3. Condenar, em consequência, o Réu a restituir aos Autores a quantia global de €2.335.845,80 (dois milhões trezentos e trinta e cinco mil e oitocentos e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros vencidos desde 28 de Janeiro de 2011, à taxa de 4% ao ano, e vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento.».</font></i>
</p><p><font>Do acórdão da Relação do ..., o réu interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua</font><b><font> </font></b><b><i><font>“</font></i></b><i><font>revogação e substituição por decisão que absolva inteiramente o BANCO CC, S.A. do pedido, conforme fez a sentença proferida no tribunal da primeira instância, sempre, em qualquer caso, absolvendo o mesmo Banco da condenação no pagamento de juros vencidos desde 28 de Janeiro de 2011, à taxa de 4% ao ano, e vincendos à mesma taxa, até integral pagamento”</font></i><font>, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:</font>
</p><p><font>1ª - No dia 21 de Fevereiro de 2008 foi celebrado um contrato de mútuo entre o BANCO CC e a sociedade DD, S.A., com sede na Estrada ..., ..., em ..., através do qual, aquele concedeu a esta um empréstimo no montante de cinco milhões e quatrocentos mil euros (€5.400.000,00).</font>
</p><p><font>2ª - Para garantia deste mútuo, com o n° 000000092, o A., aqui Recorrido, AA, celebrou com o Banco, em 21 de Fevereiro de 2008, um contrato de penhor.</font>
</p><p><font>3ª - Identicamente, para garantia deste mútuo, com o n° 000000092, os AA., aqui Recorridos, AA e BB, celebraram com o Banco, em 25 de Fevereiro de 2008, um outro contrato de penhor.</font>
</p><p><font>4ª - Enfim, ainda para garantia das obrigações emergentes do mesmo contrato de mútuo com o n° 000000092, o A., aqui Recorrido, BB, celebrou com o Banco, em 21 de Fevereiro de 2008, um outro contrato de penhor.</font>
</p><p><font>5ª - De acordo com o número um da cláusula sexta de todos os contratos de penhor acima referidos, ficou estipulado que "o Banco obriga-se a comunicar ao segundo contraente no prazo máximo de trinta dias, sempre que qualquer das prestações do contrato de mútuo celebrado com a DD a que alude o número um da cláusula primeira, se encontre em mora, ou se verifique qualquer alteração".</font>
</p><p><font>6ª - Ficou estipulado, de acordo com n° 1 da cláusula sétima de todos os contratos de penhor acima referidos, que "o presente contrato de penhor torna-se imediatamente exigível logo que notificado nos termos e para os efeitos da cláusula anterior, o segundo contraente não proponha o pagamento ou novas garantias no prazo aí referido ou o Banco recuse a proposta ou garantias apresentadas.</font>
</p><p><font>7ª - A DD, S.A., não efectuou o pagamento da prestação mensal de reembolso do capital e dos juros do contrato de mútuo acima referido que se venceu em Janeiro de 2011, como já não tinha pago as prestações mensais de capital e de juros que se venceram em Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2010, apesar de ter sido instada a fazê-lo.</font>
</p><p><font>8ª - Por via disso, o Banco declarou vencidas todas as prestações mensais de capital ainda não reembolsado, no montante de €3.866.012,35 e deu conhecimento à DD de que tornava exigível e exigia, em face do descrito incumprimento, o reembolso do capital emprestado e ainda não restituído.</font>
</p><p><font>9ª - Como a DD, S.A, não lhe pagou o referido montante de €3.866.012,35, o Banco procedeu à execução dos penhores, sendo que as indicadas prestações em dívida só foram liquidadas em 28 de Janeiro de 2011 e foram-no mediante a aplicação que o Banco fez dos fundos provenientes da mobilização do objecto dos penhores.</font>
</p><p><font>10ª - O acórdão recorrido considerou que o Banco ao executar, no modo já dito, os penhores constituídos a seu favor pelos Autores, ora Recorridos, incorreu em responsabilidade civil por ter infringido o pactuado nos números uns das cláusulas sextas dos três contratos de penhor.</font>
</p><p><font>11ª - Esta convenção tem de ser conjugada com o acordado nos restantes números da mesma cláusula sexta dos contratos de penhor, números seguintes a esses números uns, nos termos dos quais o Banco sempre poderia recusar a substituição das garantias constituídas por esses penhores contratados, conforme foi mencionado em 21 e 25 de Fevereiro de 2008.</font>
</p><p><font>12ª - Acresce que esta específica convenção encontra complemento indispensável no acordado na cláusula seguinte, na cláusula sétima, de cada um dos falados contratos de penhor.</font>
</p><p><font>13ª - Daqui decorre, sem sombra para dúvidas, aliás não poderia deixar de ser assim, que o Banco se reservou o seu direito natural de recusar a substituição das garantias consistentes nos penhores constituídos por outras garantias quaisquer.</font>
</p><p><font>14ª - Assim resulta que no seu direito se contém a faculdade de se dispensar de notificar os dadores dos penhores.</font>
</p><p><font>15ª - As declarações de constituição dos penhores por parte dos Autores, aqui Recorridos, criaram legitimamente no Banco a convicção de que, em qualquer caso, nunca lhe ficava vedado proceder à execução dos penhores, verificado que fosse o incumprimento da sociedade mutuária, podendo optar, em circunstâncias de incumprimento definitivo por banda da devedora por se dispensar de observar o caminho estabelecido no n° 1 das cláusulas sextas dos contratos de penhor.</font>
</p><p><font>16ª - Entender doutro modo, como fez o douto acórdão recorrido, é desrespeitar o comando do art. 236°, n° 1, do Código Civil.</font>
</p><p><font>17ª - Mas há mais: ao entender, como entendeu, que na situação contratual dos autos trazida a juízo pelos Autores, ora Recorridos, o Banco estava sempre, em todos os casos, e em todas as circunstâncias, obrigado, como pressuposto indispensável do exercício do seu direito de executar os penhores, de notificar os respectivos Autores deles, nos termos previstos no n° 1 de cada uma das suas cláusulas sextas, o Tribunal da Relação do ... desrespeitou o preceito do art. 238°, n° 1, do Código Civil, na medida em que esse suposto sentido da declaração não tem correspondência, mínima que seja, no texto escrito do correspondente documento.</font>
</p><p><font>18ª - Para além de não ter ocorrido, conforme já se explicitou, qualquer facto ilícito, uma vez que o Banco não estava obrigado a fazer as comunicações, sempre e em todo e qualquer caso, também não se fez prova de ter havido nexo de casualidade entre a actuação do Banco e a ocorrência de dano patrimonial.</font>
</p><p><font>19ª - É que conforme resulta do elenco dos factos não provados, os Autores aqui recorridos, não lograram fazer prova da sua alegação de que, caso tivessem sido informados do incumprimento da DD teriam conseguido entregar garantias aceitáveis, nomeadamente na modalidade de garantia bancária autónoma e à primeira solicitação.</font>
</p><p><font>20ª - Efectivamente, tendo os Autores alegado no art. 42° da sua petição inicial que, caso tivessem sido informados de tal incumprimento, poderiam ter obtido a emissão de uma garantia bancária unicamente despendendo com isso a quantia global de € 97.990,58, desde Janeiro de 2011 a Março de 2014, não conseguiram fazer prova desta sua alegação.</font>
</p><p><font>21ª - Por outro lado, os Autores decaíram na sua reclamação do pagamento de uma indemnização de €353.678,08, correspondente aos alegados lucros financeiros que eles Autores teriam auferido se tivessem podido investir em obrigações do tesouro a quantia de € 2.3375.845,80, desde Janeiro de 2011 a Março de 2014, o Tribunal da Relação do ... ao condenar o Banco, além do mais, no pagamento de juros civis à taxa anual de 4%, sobre a mesma importância de €2.335.845,80, desde Janeiro de 2011 até integral pagamento, veio afinal a condenar o Banco em objecto diverso do pedido. É que os Autores não pediram nunca que o Banco Réu fosse condenado no pagamento destes juros.</font>
</p><p><font>22ª - Por ser assim, como é, o Acórdão da Relação de que se recorre está ferido de nulidade por infringir o preceituado no art. 615°, n.° 1, alínea e) do Código de Processo Civil. Ou seja, se não se considerou provado a fundamentação que determinaria a condenação na indemnização pedida de €353.678,08, então não poderá o Tribunal condenar em alternativa no pagamento dos juros civis, já que os Autores não os peticionaram.</font>
</p><p><font>23ª - Repetindo e concretizando: na sua petição inicial os Autores, para além de terem pedido a restituição da importância de €2.335.845,80, transferida das suas contas já identificadas, pediu mais, apenas e só, que o Réu BANCO CC fosse condenado a pagar aos Autores AA e BB uma indemnização no montante global de € 353.678,08 (trezentos e cinquenta e três mil, seiscentos e setenta e oito euros e oito cêntimos), correspondente aos lucros financeiros que os Autores deixaram de auferir se tivessem podido investir em obrigações do tesouro a quantia acima referida, desde Janeiro de 2011 a Março de 2014. Desta sorte, o douto Acórdão da Relação do ... de que se recorre condenou o Banco Réu, afinal, em objecto diverso do pedido, incorrendo por isso na nulidade prevista no já citado preceito do art. 615°, n.° 1, alínea e) do Código de Processo Civil. Conforme está hoje fixado em jurisprudência uniformizada - "Se o Autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o Tribunal não pode condenar o Réu no pagamento desses juros." - cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14/05/2015, processo n.° 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, publicado no Diário da República 1</font><sup><font>a</font></sup><font> série de 24 de Junho de 2015.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, os autores defendem que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se, na íntegra, o acórdão recorrido.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu declarar como provados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas que reproduz:</font>
</p><p><font>1 - No dia 21 de Fevereiro de 2008, foi celebrado um contrato de mútuo, entre o réu BANCO CC, S.A. e a DD, S.A., com sede na Estrada …, ..., em ..., através do qual, aquele concedeu a esta um empréstimo, no montante de cinco milhões e quatrocentos mil euros (€ 5.400.000,00) – Doc. de fls 23 a 28, cujo teor se dá por reproduzido; </font>
</p><p><font>2. Para garantia deste mútuo, com o n.º 000000092, o autor AA celebrou com o réu BANCO CC, S.A., em 21 de Fevereiro de 2008, um contrato de penhor, sendo que, de acordo com a cláusula primeira do mesmo, “o segundo contraente constitui formal e voluntariamente a favor do Banco, penhor das carteiras de títulos composta pelas importâncias e/ou activos financeiros existentes nas suas contas de investimento n.º 0000000.003.00 (Eur) e 0000000.004.00 (USD), abertas na Agência do “BANCO EE n.º 001, para garantia do bom cumprimento, até ao limite máximo de €810.000,00 (oitocentos e dez mil euros)” - doc. de fls. 29 a 34, cujo teor se dá por reproduzido;</font>
</p><p><font>3. Para garantia deste mútuo, com o n.º 000000092, os autores AA e BB celebraram com o réu BANCO CC, S.A., em 25 de Fevereiro de 2008, um contrato de penhor, sendo que, de acordo com a cláusula primeira deste contrato de penhor, “o segundo contraente constitui formal e voluntariamente a favor do Banco, penhor das carteiras de títulos composta pelas importâncias e/ou ativos financeiros existentes na sua conta de investimento n.º 000000000058 (000000000000000000027) (Eur), aberta na Agência do “BANCO EE n.º 001, para garantia do bom cumprimento, até ao limite máximo de €1.215.000,00 (um milhão e duzentos e quinze mil euros) – doc. de fls. 35 a 40, cujo teor se dá por reproduzido;</font>
</p><p><font>4. Para garantia deste mútuo, com o n.º 000000092, o autor BB celebrou com o réu BANCO CC, S.A., em 21 de Fevereiro de 2008, um contrato de penhor, sendo que, de acordo com a cláusula primeira deste contrato de penhor, “o segundo contraente constitui formal e voluntariamente a favor do Banco, penhor das carteiras de títulos composta pelas importâncias e/ou activos financeiros existentes nas suas contas de investimento n.º 0000000.000.02 (Eur) e 0000000.000.96 (USD), abertas na Agência do “BANCO EE n.º 001, para garantia do bom cumprimento, até ao limite máximo de €1.215.000,00 (um milhão duzentos e quinze mil euros)” – doc. de fls. 48 a 53, cujo teor se dá por reproduzido;</font>
</p><p><font>5. De acordo com nº 1 da cláusula SEXTA de todos os contratos de penhor, acima referidos, ficou estipulado que “O Banco obriga-se a comunicar ao segundo contraente, no prazo máximo de trinta dias, sempre que qualquer das prestações do contrato de mútuo celebrado com a DD e a que se alude no n.º 1 da cláusula primeira, se encontre em mora, ou se verifique qualquer alteração”.</font>
</p><p><font>6. Ficou ainda estipulado, de acordo com o n.º 1 da cláusula SÉTIMA de todos os contratos de penhor, acima referidos, que “O presente penhor torna-se imediatamente exigível logo que notificado nos termos e para os efeitos da cláusula anterior, o segundo contraente não proponha o pagamento ou novas garantias no prazo aí referido ou o Banco recuse a proposta ou garantias apresentadas”.</font>
</p><p><font>7. A DD, S.A., não efectuou o pagamento da prestação mensal do contrato de mútuo, acima referido, que se venceu em Janeiro de 2011;</font>
</p><p><font>8. Do montante global da quantia em dívida pela DD, os autores eram responsáveis pelo pagamento de 60%;</font>
</p><p><font>9. No dia 28 de Janeiro de 2011, o réu BANCO CC, S.A., procedeu à transferência da quantia de €939.249,16 (novecentos e trinta e nove mil e duzentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos), da conta n.º 0000- 0000 000-00027 (EUR), titulada pelo autor AA – Doc. 5;</font>
</p><p><font>10. Nesta mesma data, o réu BANCO CC, S.A., procedeu, igualmente, à transferência da quantia de €1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros), da conta n.º 0000-0000 000-00086 (EUR), titulada pelos autores – Doc. 6;</font>
</p><p><font>11. Igualmente, na mesma data, o réu BANCO CC, S.A., procedeu à transferência da quantia de €146.596,73 (cento e quarenta e seis mil e quinhentos e noventa e seis euros e setenta e três cêntimos), da conta n.º 0000-0000 000-00024 (EUR), titulada pelo autor BB. – Doc. 7; </font>
</p><p><font>12. O réu procedeu à transferência das quantias acima descritas, sem que tivesse dado conhecimento aos autores que a DD havia deixado de pagar e sem que, em data anterior à das transferências, tivesse comunicado que o ia fazer, tendo-o feito, sem o consentimento dos autores; </font>
</p><p><font>13. Para além da prestação, referida em 7 (alegada pelos Autores), a DD não pagou as prestações mensais de capital e de juros, que se venceram em Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2010, apesar de instada a fazê-lo; </font>
</p><p><font>14. Por via disso, o Banco réu declarou vencidas todas as restantes prestações mensais de capital ainda não reembolsado, no montante de €3.866.012,35, e deu conhecimento à DD de que tornava exigível e exigia, em face do descrito incumprimento, o reembolso do capital emprestado e ainda não restituído; </font>
</p><p><font>15. Como a DD, S.A. não pagou ao Banco réu o referido montante de €3.866.012,35, respeitando uma parte desse montante às prestações não pagas, vencidas em 21/9/2010, no valor de €58.183,63, em 21/10/2010, no valor de €61.737,15, em 21/11/2010, no valor de €61.701,04, em 21/12/2010, no valor de €61.972,94, e, em 21/1/2011, no valor de €62.054,36, (cfr doc de fls 83, junto pelo Autor), o réu procedeu às referidas transferências, sendo que estas prestações em dívida e vencidas só foram liquidadas, em 28 de Janeiro de 2011, e foram-no, mediante a aplicação que o Banco réu fez dos fundos provenientes da mobilização dos depósitos a prazo que tinham sido dados em penhor, conforme referido; </font>
</p><p><font>16. O réu não efectuou as comunicações previstas nas cláusulas sextas dos contratos de penhor. </font>
</p><p><font>Foram julgados não provados quaisquer outros factos, quer da petição inicial, quer da contestação, com relevância para a decisão, nomeadamente que:</font>
</p><p><font>- A DD tivesse efetuado o pagamento das prestações mensais vencidas, entre Setembro de 2010 e Janeiro de 2011, nem que o montante por pagar pela mesma fosse apenas de €3.587.427,90; </font>
</p><p><font>- Os autores fossem utilizar as quantias que referem, em aplicações financeiras, designadamente, em obrigações do tesouro, com obtenção de dividendos e lucros económicos; </font>
</p><p><font>- Os autores lograssem obter a emissão de garantia bancária, nem que, unicamente, despendessem nessa emissão a quantia global de €97.990,58, desde Janeiro de 2011 até Março de 2014, nem, ainda, que tivessem o invocado prejuízo patrimonial; </font>
</p><p><font>- Os autores AA e BB, somente, tenham tomado conhecimento desta conduta, por parte do réu BANCO CC, SA, em meados do mês de Junho de 2011, mais, concretamente, na semana iniciada em 13 desse mesmo mês; </font>
</p><p><font>- Por circunstâncias inerentes à sua atividade empresarial, na semana acima referida, os autores tenham tido necessidade de se deslocar ao estrangeiro, onde já detinham investimentos imobiliários, para ampliarem essa atividade e que tivessem tido necessidade de movimentar quantias existentes nas contas bancárias, atrás identificadas, e ao procederem à consulta dos respetivos saldos bancários tivessem sido surpreendidos com falta dos mesmos, nem que as contas de onde os saldos foram retirados não fossem as abrangidas pelos contratos de penhor; </font>
</p><p><font>- Os autores tivessem conhecimento da falta de pagamento das prestações de Setembro de 2010 a Janeiro de 2011 do contrato de mútuo, referido em 1., nem que os autores tivessem conhecimento das comunicações do réu à DD a: </font>
</p><p><font>1- instá-la a pagar as referidas prestações vencidas e não pagas; </font>
</p><p><font>2- exigir o reembolso do capital emprestado e ainda não restituído, face à falta de pagamento das prestações de Setembro de 2010 a Janeiro de 2011.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão da responsabilidade contratual do garante, titular de aplicações financeiras.</font>
</p><p><font>II - A questão da condenação além do pedido.</font>
</p><p><font>I. DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO GARANTE, TITULAR DE APLICAÇÕES FINANCEIRAS</font>
</p><p><font>I.1. Sustenta o réu que as declarações de constituição dos penhores, por parte dos autores, criaram, legitimamente, no Banco a convicção de que, em qualquer caso, nunca lhe ficava vedado proceder à execução dos penhores, verificado que fosse o incumprimento da sociedade mutuária, podendo optar, em circunstâncias de incumprimento definitivo da devedora, por dispensar de notificar os dadores dos penhores, na medida em que esse suposto sentido da declaração não tem correspondência, mínima que seja, no texto escrito do correspondente documento, pelo que o Banco sempre se reservou o seu direito natural de recusar a substituição das garantias consistentes nos penhores constituídos, por outras garantias quaisquer, inexistindo responsabilidade civil da sua parte, por falta de verificação do facto ilícito, uma vez que o Banco não estava obrigado a fazer as comunicações, do dano, caso tivessem sido informados de tal incumprimento, poderiam ter obtido a emissão de uma garantia bancária, unicamente, despendendo com isso a quantia global de 97.990,58, e do nexo de casualidade entre a actuação do Banco e a ocorrência de dano patrimonial, sob pena de ser desrespeitado o comando dos artigos 236°, n° 1 e 238°, n° 1, do Código Civil.</font>
</p><p><font>I.2. Dispõe o artigo 1142º, do Código Civil (CC), que o contrato de mútuo consiste na operação pela qual “uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.</font>
</p><p><font>As garantias têm por função proteger os direitos de crédito, sendo certo que a garantia geral dos credores é constituída pelo património do devedor, nos termos do disposto pelo artigo 601º, do CC.</font><br>
<font>A esta garantia geral das obrigações pode acrescer um especial reforço qualitativo, através de garantia real dada pelo próprio devedor, ou quantitativo, mediante garantia pessoal ou real prestada por terceiro, da massa de bens respondível pela dívida.</font><br>
<font>Na hipótese de reforço quantitativo, tratando-se de garantia pessoal, o terceiro responde pelo devedor principal com todo o seu património, se não tiver limitado a sua responsabilidade a alguns dos seus bens, em conformidade com o disposto pelos artigos 601º e 602º, do CC, enquanto que, tratando-se de garantia real, o terceiro responde com a coisa, certa e determinada, objeto da garantia. </font><br>
<font>I.3. O penhor é uma garantia real que confere ao credor, de acordo com o estatuído pelo artigo 666º, nº 1, do CC, “…o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro”, ou seja, é uma garantia real completa que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, pelo valor da coisa ou direito empenhado</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>, podendo, assim, ser dados em penhor, tanto coisas móveis, como créditos ou outros direitos não hipotecáveis, ou seja, admitem-se duas modalidades fundamentais de penhor, que consistem no penhor de coisas e no penhor de direitos</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font><br>
<font>O penhor de direitos ou, dito de outro modo, a natureza dos direitos empenháveis não se basta, com efeito, com a existência de créditos ou de outros direitos insusceptíveis de hipoteca, exigindo-se, igualmente, para a sua admissão, que os mesmos tenham por objeto coisas móveis e sejam transmissíveis, atento o disposto pelos artigos 666º, nº 1, 680º e 205º, todos do CC</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font><br>
<font>A constituição do penhor de coisas só “produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro”, em conformidade com o disposto pelo artigo 669º, nº1, do CC.</font><br>
<font>Ainda que a entrega da coisa empenhada possa ser substituída pela simples atribuição da composse ao credor pignoratício, o que importa é que o autor do penhor fique privado da disposição material da coisa empenhada, consoante bem decorre do preceituado pelo artigo 669º, nº 2, independentemente da faculdade de o credor pignoratício adquirir, de igual modo, o poder de disposição do objeto empenhado, sob pena de não ficar constituído um penhor de tipo comum, mas antes um penhor submetido aos regimes específicos, ressalvados pelo artigo 668º, ambos do CC, como acontece com o penhor mercantil, a que aludem os artigos 397º e seguintes, do Código Comercial</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>.</font><br>
<font>No penhor sem desapossamento, o credor pignoratício não tem a guarda da coisa, dispensando-se a entrega efetiva da mesma, sendo a sua entrega, meramente, simbólica, como acontece no penhor mercantil, nos termos do preceituado pelo artigo 398º, do Código Comercial, e no penhor constituído em garantia de créditos de estabelecimentos bancários, atento o disciplinado pelos artigos 1º, do DL nº 29833, de 17 de Agosto de 1939, e único do DL nº 32032, de 22 de Maio de 1942.</font><br>
<font>O penhor de coisas é objeto de regulação, pelos artigos 666º e seguintes, do CC, quanto ao penhor civil, e pelos artigos 397º e seguintes, do Código Comercial, quanto ao penhor mercantil, sem prejuízo das disposições específicas relativas ao penhor bancário, acabadas de mencionar.</font><br>
<font>O penhor mercantil é aquele em que a dívida que se cauciona procede de ato comercial, de acordo com o disposto pelo artigo 397º, do Código Comercial, não bastando que o seu objeto seja comercial</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>, podendo assumir várias modalidades, em função do seu objeto, distinguindo-se, nomeadamente, o penhor de títulos representativos de mercadorias, o penhor de títulos de crédito e o penhor de aplicações financeiras.</font><br>
<font>O penhor de aplicações financeiras, frequentemente, utilizado pelas instituições de crédito, pode revestir a modalidade de penhor de direitos, a que se aplicam os artigos 679º e seguintes, do CC, e que a terminologia específica extra-legislativa resultante da prática bancária designa por «penhor bancário»</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>, “constituindo-se uma garantia revestida de solidez, na medida em que a sua disponibilidade pertence inteiramente ao banco credor, sem que, por outro lado, se afete a rentabilidade, para o devedor cliente, da aplicação financeira em causa, que só será mobilizada antecipadamente pelo banco credor em caso de incumprimento”</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>.</font><br>
<font>O penhor de aplicações financeiras traduz-se num penhor de créditos, uma vez que o objeto do penhor é o crédito do depositante sobre o banco, ou seja, numa garantia especial sobre direitos, porquanto incide sobre documentos e não sobre o saldo da conta e, portanto, sobre o dinheiro depositado, que é propriedade do banco credor, que adquire a sua disponibilidade e, simultaneamente, se constitui devedor da restituição do valor correspondente, vinculando-se, por seu turno, o depositante a manter subsistente o provisionamento da conta</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>.</font><br>
<font>O penhor de aplicações financeiras pressupõe um depósito no banco, em virtude do qual se transfere para esta entidade a propriedade do dinheiro depositado, nos termos do disposto pelos artigos 1144º, 1205º e 1206º, todos do CC, que vai ser, posteriormente, transformado, num determinado produto bancário, nos termos do acordo estabelecido entre o depositante e o depositário, criando-se na esfera jurídica do depositante o correspondente direito de crédito sobre o montante em causa.</font><br>
<font>A especialidade desta figura do penhor de aplicações financeiras está, assim, no empenhamento de um direito de crédito sobre um quantitativo monetário que se encontra em poder do credor pignoratício</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>.</font><br>
<font>I.4. O penhor de conta bancária é uma figura derivada do penhor bancário, que se caracteriza pela circunstância de determinados depósitos bancários ficarem afetos ao pagamento de certas dívidas, pelo facto de os depositantes se obrigarem a não os movimentar, enquanto subsistirem as dívidas garantidas e, finalmente, por autorizarem o banco a debitar, na conta dos depósitos em causa, as dívidas garantidas vencidas.</font><br>
<font>O penhor de conta bancária tem, no entanto, um regime específico de funcionamento, uma vez que é executado, através da cativação do saldo em conta</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>, o que se justifica pelo facto de a conta bancária implicar uma representação escritural do crédito do depositante</font><a><u><font>[12]</font></u></a><font>, servindo o saldo credor do cliente de moeda dos bancos, aceite pelos agentes económicos</font><a><u><font>[13]</font></u></a><font>.</font><br>
<font>I.5. Porém, o credor pignoratício está obrigado a não usar a coisa empenhada, sem o consentimento do autor do penhor, exceto se esse uso for indispensável à conservação da mesma, atento o estipulado pelo artigo 671º, b), do CC, o que significa que, apenas, com o assentimento do prestador da garantia pode o credor usar ou onerar a coisa empenhada.</font><br>
<font>Por outro lado, estipula o artigo 694º, aplicável por força do disposto no artigo 678º, ambos do CC, que “é nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca [penhor], a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir”.</font><br>
<font>A razão de ser da proibição legal do pacto comissório, consagrada pelas disposições legais acabadas de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
WzKEu4YBgYBz1XKv6hVs | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> </font><br>
<font> </font>
</p><p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA, BB e CC propuseram a presente ação, com processo comum, contra “DD - Sucursal em Portugal”, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhes uma indemnização, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor global de €247.396,47, sendo €77.465,48 para a autora AA, €77.465,48 para a autora BB, e €92.465,48 para o autor CC, acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação, alegando, para tanto, e, em síntese, que, no dia 22 de abril de 2011, na Rua ..., ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ...-SN, conduzido por EE, segurado na ré, e, pelo menos, cem peões, entre os quais, FF, mãe dos autores, que se encontrava na berma da estrada, e na qual, entre muitas outras, o referido veículo, por culpa exclusiva do seu condutor, embateu, causando-lhe vários ferimentos, que lhe determinaram a morte, no dia 23 de dezembro de 2011.</font>
</p><p><font>Na contestação, a ré conclui pela improcedência da ação, defendendo a exclusão da responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do acidente, não aceitando a extensão dos danos invocados pelos autores, o direito destes a alguns dos que reclamam, bem como o valor dos mesmos, que reputa de exagerados.</font>
</p><p><font>A sentença julgou “</font><i><font>a ação, parcialmente, procedente por parcialmente provada e em consequência, condenou a ré seguradora a pagar à Autora AA a quantia de €45.457,06, acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €45.000, a contar da presente data em que foi proferida a presente sentença até integral e efectivo pagamento e acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €457,06 a partir da citação até integral e efectivo pagamento – a); condenou a Ré Seguradora a pagar á Autora BB a quantia de €45.457,06, acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €45.000 a contar da presente data em que foi proferida a presente sentença até integral e efectivo pagamento e acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €457,06 a partir da citação até integral e efectivo pagamento – b); e condenou a ré seguradora a pagar ao Autor CC a quantia de €55.457,05, acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €55.000 a contar da presente data em que foi proferida a presente sentença até integral e efetivo pagamento e acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €457,05 a partir da citação até integral e efectivo pagamento – c); absolvendo a Ré Seguradora do demais contra si peticionado pelos Autores nos presentes autos” – d)”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Dessa sentença, a ré</font><i><font> </font></i><font>“DD-Sucursal em Portugal”</font><i><font> </font></i><font>interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação </font><i><font>“julgado parcialmente procedente a presente apelação, pelo que, mantendo no mais o que ficou decidido, se altera a sentença recorrida na parte em que determinou a compensação pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima FF, cujo montante, em substituição do anteriormente definido, se fixa agora na quantia de 30.000,00 € (trinta mil euros)”.</font></i>
</p><p><font>Do acórdão da Relação do Porto, a ré interpôs recurso de revista independente e os autores interpuseram recurso de revista subordinado, formulando as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:</font>
</p><p><font>RECURSO INDEPENDENTE DA RÉ DD:</font>
</p><p><font>1ª – O presente recurso centra-se sobre a apreciação da culpa na eclosão do sinistro. </font>
</p><p><font>2ª - O entendimento de que este ocorreu devido à culpa exclusiva do condutor do veículo não se deve manter, devendo antes entender-se que a culpa de todos os peões, incluindo a da vítima, concorreu, na proporção de 60% para a eclosão do evento.</font>
</p><p><font>3ª – Prima facie – a matéria, acima elencada, constante dos pontos 8, 10 e 13 dos factos provados configura um conjunto de conclusões que não pode ser considerada matéria de facto, devendo, por conseguinte, ser declarada não escrita - cfr. Ac. do STJ de 24 de Fevereiro de 1999 (in </font><font>www.stj.pt</font><font>, Proc. 905/97, nº JST00035969, Rel. Ferreira Ramos) e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, p. 312.</font>
</p><p><font>4ª - O condutor do “SN” não seguia distraído ou sem atenção, pois, caso contrário, teria embatido no veículo que se encontrava parado à sua direita, a ocupar parte da faixa de rodagem, o que não sucedeu. Provou-se que contornou esse veículo.</font>
</p><p><font>5ª - No que respeita à questão da culpa na produção do sinistro importa verificar, em concreto, qual o comportamento de cada um dos intervenientes, face ao critério de culpa enunciado no art.º 487º nº 2 do Código Civil, ou seja, o da diligência de um bom pai de família - cfr. Ac. do S.T.J. de 3 de Junho de 2008 (Revista n.º 880/08 - 6.ª Secção).</font>
</p><p><font>6ª – A “visão” dos factos de que o sinistro se deveu a exclusiva do condutor do “SN”, constante do douto Acordão recorrido mostra-se redutora, segmentada e incompleta.</font>
</p><p><font>7ª - A vítima, mesmo seguindo pela berma, não deixava de ser uma das integrantes e componentes da via sacra, pois foi por causa de participar na procissão que a vitima estava no local, tendo-se provado, aliás, que era uma das participantes da via sacra.</font>
</p><p><font>8ª - Como bem se referiu no voto de vencido de fls. . “(a) culpa da mãe dos autores não pode ser desintegrada da culpa de todos os outros intervenientes apeados da procissão, sendo tão culpada pelos danos de que ela própria e os seus três filhos foram vítimas como todos os outros intervenientes apeados”.</font>
</p><p><font>9ª – A vítima integrava uma procissão composta por mais de cem pessoas que caminhavam em plena faixa de rodagem, sem dispositivos luminosos, sem coletes reflectores, sem qualquer sinalização, a ocuparem por completo a via, de noite e a seguir a uma curva de aldeia, sem visibilidade – tudo factos provados !!!!!!</font>
</p><p><font>10ª – Este conjunto de peões constituía um OBSTÁCULO IMPREVISÍVEL para qualquer condutor e é no interior deste obstáculo que seguia a vítima.</font>
</p><p><font>11ª - O douto acórdão recorrido abre a porta a decisões completamente díspares, consoante seja a posição do peão no interior da procissão, o que não se pode aceitar.</font>
</p><p><font>12ª - O peão (vítima do atropelamento) integrava de livre vontade uma procissão nocturna que ocupava TODA A VIA, sem qualquer licenciamento ou sinalização.</font>
</p><p><font>13ª - Sendo a incúria colectiva o principal factor de culpa do CONJUNTO DE PEÕES DENOMINADO PROCISSÃO, não faz sentido afirmar que este ou aquele peão integrante da procissão tem mais ou menos culpa, ou até nenhuma culpa.</font>
</p><p><font>14ª - Foi a ocupação de toda a via – bermas incluídas – que configurou um obstáculo impossível de evitar ou contornar.</font>
</p><p><font>15ª - A vítima dos presentes autos tem de ser considerada culpada, pois INTEGRAVA UMA PROCISSÃO QUE OCUPAVA TODA A VIA, DE NOITE, E A SEGUIR A UMA CURVA SEM VISIBILIDADE.</font>
</p><p><font>16ª - Os peões encontravam-se conscientes de que integravam o cortejo e ocupavam toda a via, bermas incluídas, o que resultou do depoimento de todas as testemunhas.</font>
</p><p><font>17ª - Os peões sabiam que o cortejo não era regulado por autoridades policiais e sabiam que o mesmo não se encontrava sinalizado, fosse através de luzes, fosse através de um veículo de sinalização, fosse através do uso de coletes retrorrefletores.</font>
</p><p><font>18ª - Por via da posição e da falta de sinalização dos peões o sinistro tinha sempre de ocorrer (cfr. cópia do relatório do I.M.T.T. de fls), por causa e por culpa dos peões, e independentemente da velocidade do veículo.</font>
</p><p><font>19ª - O comportamento dos peões do cortejo concorreu também, de forma causal e culposa para a produção do sinistro – cfr. art.ºs 563º e 570.º n.º 1 do Código Civil.</font>
</p><p><font>20ª - A tese, constante do douto acórdão recorrido, de que um veículo a sinalizar a procissão nada resolvia é igualmente FALSA e DESMENTIDA pelos factos provados.</font>
</p><p><font>21ª - Se o condutor do “SN” contornou o tal veículo parado e se travou bruscamente ao avistar os peões, mister é concluir que teria parado ao avistar um veículo EM SENTIDO CONTRÁRIO a sinalizar a procissão, pois esse veículo era impossível de contornar.</font>
</p><p><font>22ª - Bastava que existisse um veículo com os faróis ligados, ou até com os quatro piscas a sinalizar o cortejo para que toda esta tragédia fosse evitada, até porque tal veículo teria de ser posicionado à frente da procissão e a uma distância de segurança dos peões.</font>
</p><p><font>23ª - Aos peões integrantes da via-sacra impunha-se o cumprimento de todos estes cuidados e obrigações legais. Contudo, nenhuma das obrigações legais foi cumprida.</font>
</p><p><font>24ª - OS PEÕES tiveram um comportamento totalmente desconforme à prática habitual, às regras do bom senso, e, decisivamente, às normas consagradas no Código da Estrada – vidé art.º 8.º n.º 1 e art.º 102.º n.º 1 do Código da Estrada.</font>
</p><p><font>25ª - A realização do cortejo não se encontrava devidamente autorizada, o que acentua a ilicitude do comportamento e, em consequência, a culpa na produção dos danos.</font>
</p><p><font>26ª - Causal do sinistro foi o facto dos peões não se encontrarem sinalizados, ou seja, o cortejo não assinalou a sua presença na via através de, PELO MENOS, uma luz branca dirigida para a frente e uma luz vermelha para a retaguarda e também não foram utilizados os coletes retrorrefletores, no início e no fim da formação.</font>
</p><p><font>27ª - A sinalização do cortejo, por veículo ligeiro ou por autoridades policiais, o uso de luzes de sinalização e o uso de coletes retrorreflectores teria evitado esta tragédia. </font>
</p><p><font>28ª - O condutor do “SN” não poderia prever a presença “de, pelo menos, cem peões” na via, a seguir a uma curva à direita, de má visibilidade, a ocuparem toda a faixa de rodagem, de noite e sem qualquer sinalização, mesmo que circulasse a 50 km/h.</font>
</p><p><font>29ª - O dever de previsibilidade não pode ir para além do normal – cfr. Ac. do S.T.J. de 03-05-2012, Revista n.º 136/07.7TBVLSB - 2.ª Secção e muitos outros.</font>
</p><p><font>30ª – Nunca por nunca poderá assim ficcionar-se a culpa única e exclusiva do condutor do “SN” na produção do sinistro en cause.</font>
</p><p><font>31ª – O sinistro ocorreu de noite e a condução nocturna rege-se, acima de tudo, pelas luzes dos outros veículos.</font>
</p><p><font>32ª - O condutor do “SN” só era obrigado a regular-se por essas luzes, no essencial.</font>
</p><p><font>33ª – Mesmo a existir iluminação pública, a mesma não se destina a substituir a iluminação dos veículos ou a sinalização dos utentes das vias públicas, muito menos de 100/200 peões a caminhar pela faixa de rodagem, sem qualquer sinalização!</font>
</p><p><font>34ª - Caso o “SN” circulasse dentro do limite legal de velocidade, ou seja, a 50 km/h, o sinistro ocorreria sempre, devido à posição dos peões, a seguir à curva e sem sinalização.</font>
</p><p><font>35ª - O comportamento do condutor do “SN” não se mostra apto, por si só, a causar o sinistro, até porque este condutor apenas pôde avistar o perigo e accionar os travões do “SN” a cerca de 13, 5 metros dos peões.</font>
</p><p><font>36ª – Dado que os peões não se encontravam sinalizados, o tempo de reacção do condutor do “SN” foi mais longo do que seria de dia.</font>
</p><p><font>37ª - A inobservância das obrigações decorrentes das normas plasmadas no Código da Estrada, por parte dos peões que integravam o cortejo religioso (de todos, pois só todos é que formam um cortejo), revelou-se, em concorrência com o comportamento do condutor do “SN” causal do sinistro.</font>
</p><p><font>38ª - Ocorreu assim uma concorrência de culpas que não foi valorada no douto acórdão recorrido, devendo ser fixada por este alto tribunal em 60% para os peões e em 40% para o condutor do “SN”, tal como se consignou no voto de vencido de fls.</font>
</p><p><font>39ª - A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos art.ºs 342º nº 1, 388º, 389º, 483º, 487º nº 2, 563º, 564º, 566º nº 2 e 3, 570º do Código Civil, 607º, 615º nº 1, alínea d), 616º, 637º, 640º, 644º, 645º e 647º do Código de Processo Civil, e 3º nº 2, 8º nº 1 e 102º do Código da Estrada, que deverão ser interpretados de acordo com as presentes conclusões, revogando-se o acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> RECURSO SUBORDINADO DOS AUTORES:</font>
</p><p><font>1.ª - Tendo em consideração a concreta factualidade apurada e a corrente jurisprudencial dominante, que propende para o afastamento do miserabilismo na fixação das indemnizações emergentes de acidentes viários, é escasso o valor de €51.000,00 arbitrado a título de indemnização pela lesão do direito à vida.</font>
</p><p><font>2.ª - A justa compensação do referido dano deverá ser efetuada através da atribuição aos lesados, herdeiros da infeliz vítima, do montante indemnizatório de €75.000,00.</font>
</p><p><font>3.ª - Também o valor (€30.000,00) arbitrado pela Relação para ressarcimento dos danos não patrimoniais traduzidos no atroz sofrimento da infeliz vítima, conscientemente vivido ao longo de oito meses em que aguardou, angustiada e impotente, a chegada da morte, é manifestamente exíguo, atendendo à extrema gravidade dos danos em apreço;</font>
</p><p><font>4.ª - Neste particular, há que atender-se às consequências físicas e morais que para inditosa vítima resultaram do acidente e que culminaram com o seu decesso;</font>
</p><p><font>5.ª - Recorrendo à equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço, temos que a justa e equilibrada indemnização, adequada a compensar os danos não patrimoniais sofridos, transmitidos hereditariamente para os recorrentes, deverá corresponder ao montante de €60.000,00 que havia sido arbitrado em 1.ª Instância.</font>
</p><p><font>6.ª - Por fim, o justo ressarcimento dos danos não patrimoniais inerentes à dor e ao sofrimento que tiveram em face do trágico falecimento da mãe, deverá ser compensado mediante a atribuição de €40.000,00 ao recorrente CC e €20.000,00 a cada uma das recorrentes AA e BB.</font>
</p><p><font>7.ª - O douto acórdão recorrido violou, entre outras normas, os artºs 483.º e 496.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Civil.</font>
</p><p><font>Nas contra-alegações quanto ao recurso independente da ré, os autores concluem no sentido de que deve ser negado provimento ao mesmo, mantendo-se inalterado, no que se refere à definição da responsabilidade, o acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Por seu turno, nas contra-alegações relativas ao recurso subordinado dos autores, a ré conclui no sentido de que, quanto aos montantes da perda do direito à vida da vítima e do dano moral dos autores, o acórdão não pode ser objeto de recurso, por se ter formado a dupla conforme, além de que, por outro lado, os autores não apresentaram recurso da decisão de primeira instância que fixou os montantes relativos à perda do direito da vida, e aos danos morais por si sofridos, por via da morte de sua mãe.</font>
</p><p><font>Finalmente, a ré acrescenta que o único vetor do acórdão impugnado que pode ser recorrido, ou seja, relativamente ao dano moral próprio sofrido pela vítima, os autores pugnam pela fixação de um montante superior ao que já haviam aceite, procedimento este, de todo, ilegal e injustificado, sendo que a verba fixada pelo douto acórdão recorrido, em €30000,00, tem inteiro cabimento.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font>
</p><p><font>1- No dia 22 de abril de 2011, cerca das 21h30m, na Rua ..., área desta comarca, realizava-se um festejo, de cariz religioso, (uma via-sacra), que decorreu, pela primeira vez, nesse local, com um número de, pelo menos, cem peões, que se deslocavam nessa via, também, ocupando a berma do lado esquerdo, considerado o sentido ...</font>
</p><p><font>2 - O evento, referido em 1), não se encontrava autorizado pela Câmara Municipal, (não tendo sequer sido requerida tal autorização), não era precedido de um veículo com luzes em funcionamento, para assinalar a sua presença, não era precedido de qualquer autoridade a regular o trânsito, como a G.N.R ou a P.S.P., e a respetiva presença não vinha assinalada com luzes brancas à frente e vermelhas atrás.</font>
</p><p><font>3 - Nesse local e à referida hora, a iluminação pública estava, em pleno funcionamento, os peões, sem usarem coletes refletores, levavam velas acesas, e os acólitos e o padre que seguiam na frente da procissão (via-sacra) usavam vestes brancas, sem utilizarem qualquer dispositivo luminoso.</font>
</p><p><font>4 - A faixa de rodagem, no local por onde passava a procissão (via-sacra), tem a configuração de uma reta, com dois sentidos de marcha opostos, ou seja, um para cada lado, com a largura de 5,10 metros, com inclinação de 4%, em sentido ascendente, considerado o sentido da procissão (via-sacra), passando a 6%, após a curva aí existente, sendo o piso em alcatrão betuminoso, em bom estado de conservação e ladeada por campos e habitações.</font>
</p><p><font>5 - Na referida faixa de rodagem existia um sinal de velocidade recomendada de 30 kms/h, o estado do tempo era de chuva e o piso estava molhado.</font>
</p><p><font>6 - No local, a via descreve uma reta, seguida de uma curva longa à direita, atento o sentido ..., com o esclarecimento que antes dessa curva existe o sinal de velocidade recomendada de 30 kms/h, referido em 4).</font>
</p><p><font>7 - Logo a seguir á curva (considerando o sentido de marcha ...), que dista cerca de 35 metros do local onde estava a terceira cruz, encontrava-se parado, no lado direito da via, (sentido ...), um veículo com os quatro piscas ligados, com a frente voltada para o lado da procissão (via-sacra).</font>
</p><p><font>8 - Quando a procissão (via-sacra) se encontrava parada, junto da terceira cruz, primeira naquela estrada a ocupar a faixa de rodagem, e os peões se preparavam para reiniciar a marcha, o veículo ligeiro, com a matrícula ...-SN, conduzido por EE, circulava pela metade direita da via, na mesma faixa de rodagem, atento o sentido ..., a uma velocidade de, pelo menos, 90 Kms/h, levando os dispositivos luminosos ligados, nomeadamente, os faróis frontais, sem prestar a necessária atenção ao tráfego e sem tomar os cuidados devidos, não tendo reduzido sequer, à entrada da curva, a velocidade de, pelo menos, 90 kms/h a que seguia, </font>
</p><p><font>9 - e após terminar de descrever a curva, que dista cerca de 35 metros do local onde os peões estavam parados e, ao contornar pelo lado esquerdo (sendo certo que em sentido contrário, ..., não seguia veículo algum) o veículo ligeiro referido em 7), que se havia imobilizado, por causa do evento religioso, com os quatro piscas ligados, o condutor do SN avista o aglomerado de pessoas que integravam a procissão (via-sacra).</font>
</p><p><font>10 - O condutor do SN, deparando-se com o aglomerado de pessoas que integravam o mencionado evento religioso, travou, bruscamente, tentando parar o veículo, mas, devido à velocidade de, pelo menos, 90 kms/h a que seguia, não conseguiu dominar o ...-SN e foi embater em várias pessoas participantes na procissão (via-sacra), não só nas que se encontravam na faixa de rodagem, como, também, nas que se encontravam na berma direita, considerando o sentido de marcha do SN, entre as quais, [....] e, em FF, que seguiam apeados na referida via-sacra, derrubando-os a todos, tendo o veículo SN ficado atravessado, perpendicularmente, na via e deixado marcas de derrapagem numa extensão de 15 metros.</font>
</p><p><font>11 - A FF era uma das pessoas que seguia pela berma direita (atento o sentido de marcha do SN, ...) e que foi apanhada e derrubada pela frente do SN.</font>
</p><p><font>12 - A referida velocidade a que conduzia não permitiu ao condutor do veículo ...- SN, EE, dominar esse veículo, de forma a evitar colher as pessoas que faziam parte da procissão (via-sacra), entre as quais a falecida FF.</font>
</p><p><font>13 - O aludido condutor do SN seguia distraído, sem atenção às circunstâncias da via (piso molhado e escorregadio), com algumas pessoas a pé, mas que podia avistar, pois o local encontrava-se iluminado e as pessoas mais próximas com vestes brancas.</font>
</p><p><font>14 - A proprietária do veículo ...-SN era HH.</font>
</p><p><font>15 - O Artur Jorge conduzia o SN, com conhecimento e autorização da proprietária do veículo, referida em 14).</font>
</p><p><font>16 - A proprietária do veículo, de marca Volkswagen, modelo Passat, de matrícula ...-SN, transferiu para a seguradora DD", aqui ré, a respetiva responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ...-SN, através do contrato de seguro, titulado pela apólice n°....</font>
</p><p><font>17 - A ré "DD" procedeu a averiguações sobre o modo como ocorreu o sinistro "sub júdice", não tendo aceite a responsabilidade pela eclosão do acidente.</font>
</p><p><font>18 - Em virtude do atropelamento, referido em 10) e 11), a FF sofreu graves ferimentos, dos quais resultou a sua morte, que ocorreu, em 23 de dezembro de 2011, ou seja, 8 meses após o acidente,</font>
</p><p><font>19 - E, enquanto sobreviveu, teve angústias e dores físicas e morais atrozes, prevendo a sua morte.</font>
</p><p><font>20 - Após o acidente, FF foi transportada para o Hospital de ..., onde deu entrada, apresentando diversas e graves lesões, a saber:</font>
</p><p><font>TCE grave, com hematoma subdural, contusão cerebral hemorrágica e provável fratura da base do crâneo;</font>
</p><p><font>Traumatismo da face, com várias fraturas, nomeadamente da apófise coronoide e do colo mandibular esquerdos;</font>
</p><p><font>Traumatismo do tórax, com fraturas de costelas bilaterais e derrames pleurais bilaterais;</font>
</p><p><font>Traumatismo abdominal, com hematoma na bexiga;</font>
</p><p><font>Traumatismo da coluna, com fratura da apófise transversa direita de L2;</font>
</p><p><font>Traumatismo da bacia, com fratura da asa direita do sacro e fratura dos ramos ileo e isqueopubicos direitos;</font>
</p><p><font>Fraturas dos membros:</font>
</p><p><font>fratura exposta do pilão tibial esquerdo;</font>
</p><p><font>fratura exposta dos ossos da perna direita;</font>
</p><p><font>fratura do estiloide radial do braço direito;</font>
</p><p><font>fratura do M5 e F1 e D3;</font>
</p><p><font>Fratura da clavícula esquerda.</font>
</p><p><font>21 - Dada a gravidade do seu estado de saúde, a sinistrada foi transferida para o Hospital ..., onde foi observada por Ortopedia, Cirurgia Maxilo-Facial e Neurocirurgia, e onde se manteve internada, até 3 de junho de 2011.</font>
</p><p><font>22 - Nesse hospital, a sinistrada manteve-se ventilada, tendo-lhe sido feita traqueostomia percutânea.</font>
</p><p><font>23 - No Hospital ..., a lesada foi submetida a operação à fratura da perna esquerda, com a colocação de fixadores externos, tendo-lhe, também, sido colocados fixadores externos na perna direita (osteotaxia), foi-lhe imobilizada, com tala gessada, a fratura do rádio direito e colocado, na clavícula esquerda, um ligamento cruzado posterior.</font>
</p><p><font>24 - Em 3 de junho de 2011, a sinistrada foi transferida para o Hospital ..., onde deu entrada com sepsis, hipocalemia, pneumonia e úlcera sagrada.</font>
</p><p><font>25 - No Hospital ... foi submetida a cirurgia para extração de fixadores externos e encavilhamento da tíbia direita com vareta, a osteossíntese do pilão tibial esquerdo e remoção do material de osteossíntese do tornozelo esquerdo.</font>
</p><p><font>26 - Nesse Hospital esteve ligada a máquina de oxigénio com sonda, isto é, entubada, sendo que, também, era alimentada por processo semelhante (sonda).</font>
</p><p><font>27 - Em 8 de setembro de 2011, a lesada foi transferida para a Santa Casa da Misericórdia de ..., onde lhe eram prestados cuidados continuados, passando, posteriormente, para o Hospital de ..., onde veio a falecer, em 23 de dezembro de 2011.</font>
</p><p><font>28 - Nessa altura, já necessitava de ventilação, tendo sofrido derrame cerebral e deixado de falar, bem como sofrido graves problemas circulatórios, nomeadamente, na perna direita, que esteve em vias de amputar.</font>
</p><p><font>29 - Em virtude do agravamento do seu estado, acabado de referir, a FF voltou aos Hospitais de ... e de ..., onde foram tomados procedimentos no sentido de evitar a amputação da perna.</font>
</p><p><font>30 - A sinistrada teve um elevado sofrimento, sujeita a vários exames, várias intervenções cirúrgicas, enfrentando diversas complicações, nomeadamente, derrame cerebral, risco de amputação de uma perna, pneumonia e sepsis.</font>
</p><p><font>31 - Não obstante os tratamentos a que foi sujeita, a sinistrada, em certos momentos, estava lúcida e consciente, apercebendo-se do seu estado de saúde, pois sentia muitas dores, tinha a consciência que estava, totalmente, dependente de terceiros que a alimentavam e lhe faziam a sua higiene diária, o que a fazia sentir-se muito triste e diminuída, tendo muitas dificuldades em falar, tendo, também, consciência de que o seu estado de saúde se estava a agravar, prevendo a sua morte e a separação dos seus entes queridos.</font>
</p><p><font>32 - A FF, durante o período de sobrevida, sofreu dores físicas atrozes, decorrentes das lesões de que padecia, bem como a angústia de sentir que o seu estado de saúde se estava a agravar.</font>
</p><p><font>33 - A FF esteve internada, durante o período de sobrevida, foi submetida a três intervenções cirúrgicas, com as consequentes anestesias gerais, factos que implicaram elevado sofrimento físico e psíquico.</font>
</p><p><font>34 - Durante esse elevado período, a FF esteve sempre acamada, dependendo do auxílio de terceira pessoa para a ajudar a vestir-se, despir-se e para lhe fazer a sua higiene diária e para a alimentar, factos que a fizeram sentir-se triste e inútil.</font>
</p><p><font>35 - A sinistrada ficou, totalmente, acamada, dependente do uso de fraldas, factos que, do ponto de vista emocional, a afetaram muito.</font>
</p><p><font>36 - A morte de FF foi "devida a lesões broncopneumonia associada a traumatismo crânio encefálico e múltiplas fracturas...";</font>
</p><p><font>37 - Tais lesões, constantes do relatório de autópsia, foram consequência do internamento prolongado, devido a traumatismo craniano, provocado pelo atropelamento acima descrito.</font>
</p><p><font>38 - A FF era saudável e alegre.</font>
</p><p><font>39 - Os autores sofreram e ainda sofrem profunda dor e desgosto com a perda da sua mãe, que, continuamente, choram.</font>
</p><p><font>40 - A FF dedicava à família todo o tempo disponível, dando-lhe muito carinho e afeto, proporcionando-lhe uma grande e indescritível alegria.</font>
</p><p><font>41 - Os autores compensavam essa dedicação com igual carinho e afeto.</font>
</p><p><font>42 - A dor dos autores foi, particularmente, intensa, durante os oito meses de sobrevida da sua mãe, a lutar pela vida, internada em diversas instituições hospitalares e de assistência, sempre com o receio de ocorrer o decesso, como veio a acontecer.</font>
</p><p><font>43 - A falecida FF, à data do acidente, vivia com o 3° autor, com quem convivia, diariamente, e a quem dava especial atenção, carinho e particular apoio.</font>
</p><p><font>44 - O 3º autor tem graves problemas de saúde, ao nível cardíaco, dando-lhe a sua mãe especial atenção e carinho, pois dele necessitava.</font>
</p><p><font>45 - O 3° autor sentiu, pois, mais, intensamente, a perda da sua mãe, com quem convivia, diariamente, e deixou de beneficiar do seu apoio.</font>
</p><p><font>46 - A mãe dos autores teve um período de sobrevida de oito meses, durante os quais os autores viveram em estado de grande ansiedade, ao verem que o estado de saúde da sua mãe se estava a agravar de dia para dia.</font>
</p><p><font>47 - A mãe dos autores faleceu, na época natalícia (23/12/2011), o que ainda mais entristeceu os seus filhos.</font>
</p><p><font>48 - Em virtude do atropelamento, a lesada danificou uma saia, uma camisola, um casaco e um par de sapatos.</font>
</p><p><font>49 - Em despesas com o seu internamento e numa almofada anti-escaras, a lesada despendeu a quantia de € 360,30.</font>
</p><p><font>50 - Em 23 de dezembro de 2011, faleceu FF, no estado civil de viúva, deixando como únicos e universais herdeiros os seus três filhos, os ora autores.</font>
</p><p><font>51 - A morte de FF ocorreu, em consequência das lesões traumáticas sofridas no atropelamento, pelo condutor de veículo seguro na ré, nos termos referidos em 36) e 37).</font>
</p><p><font>52 - À data do seu falecimento, FF tinha 77 anos de idade.</font>
</p><p><font>53 - As despesas com o funeral de FF ascenderam a €1.400,00 e com a sepultura, os autores gastaram €600,00, tudo no total de €2.000,00.</font>
</p><p><font>54 - A falecida FF era beneficiária n°... da Segurança Social.</font>
</p><p><font>55 - Os autores receberam da Segurança Social o subsídio de reembolso das despesas de funeral de €628,83.</font>
</p><p><font>Mais se fez consignar que não se provaram quaisquer outros factos, para além, ou, em contrário, dos, anteriormente, referidos, designadamente, que:</font>
</p><p><font>- no dia 22 de abril de 2011, cerca da 21h30, na Rua ..., área desta comarca, os participantes na procissão (via-sacra), que se deslocavam naquela via pelo lado esquerdo, considerado o sentido ... ocupassem, apenas, uma pequena parte da faixa de rodagem;</font>
</p><p><font>- na visa-sacra participasse mais de um padre;</font>
</p><p><font>- o veículo parado, a cerca de 35 metros da terceira cruz, com os quatro piscas ligados, com a frente voltada para o lado da procissão (via-sacra), estivesse a sinalizar essa procissão (via-sacra) e estivesse aí parado para assistir ao evento;</font>
</p><p><font>- o condutor do SN, após ter travado, bruscamente, tenha desviado o veículo, para o lado direito da faixa de rodagem, considerado o seu sentido;</font>
</p><p><font>- os autores tenham perdido o gosto pela vida e chorem quando se fala no acidente que vitimou a sua ente querida, FF.</font>
</p><p><font>- com a perda da sua mãe, os autores tenham perdido a alegria de viver;</font>
</p><p><font>- a saia que a lesada danificou, em virtude do atropelamento, tivesse o valor de 40,00€, que a camisola que a lesada danificou, em virtude do atropelamento, tivesse o valor de 30,00€, que o casaco que a lesada danificou, em virtude do atropelamento, tivesse o valor de 100,00€, que o par de sapatos que a lesada danificou, em virtude do atropelamento, tivesse o valor de 60,00€;</font>
</p><p><font>- em virtude do atropelamento, a lesada tenha danificado uma carteira, no valor de 55,00€;</font>
</p><p><font>- em virtude do acidente, a sinistrada tenha danificado uns óculos, no valor de €380,00;</font>
</p><p><font>- o condutor do SN circulasse a uma velocidade, na ordem dos 50 Km/h;</font>
</p><p><font>- no local do acidente não existisse iluminação pública;</font>
</p><p><font>- no local, não existisse iluminação apta a iluminar a faixa de rodagem;</font>
</p><p><font>- o condutor do "SN" seguisse com atenção às condições da via;</font>
</p><p><font>- a marcha do "SN" fosse, inteiramente, regular;</font>
</p><p><font>- a curva que antecede o local do acidente (atento o sentido ...), se trate de uma dotada de fraca visibilidade, pois do seu lado direito, atento o sentido ..., existe um muro em pedra e cimento e ainda vegetação, com mais de dois metros de altura;</font>
</p><p><font>- Tal muro impeça a visibilidade para a extensão total da curva;</font>
</p><p><font>- o "SN", após acabar de descrever a curva e deparar com um veículo ligeiro, parado junto ao lado direito da via, tenha colocado os faróis frontais do seu veículo, na posição de "médios";</font>
</p><p><font>- o dito veículo se encontrasse parado, junto ao portão de uma habitação, ocupasse cerca de um metro da faixa de rodagem do lado direito e as suas rodas do lado esquerdo ocupassem a faixa de rodagem, enquanto que as | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1TKVu4YBgYBz1XKvlB70 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<div><br>
<font> </font><br>
<p><b><font> I - RELATÓRIO</font></b></p></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font> AA - Empreendimentos Imobiliários, Lda, </font></b><font>com sede na Av. …, Parede,</font><b><font> </font></b><font>deduziu embargos de terceiro por apenso à execução nº 86067/05.4YYLSB, a correr termos pela 1ª Secção, do 3.° Juízo de Execução de Lisboa, que </font><b><font>Fábrica de Pavimentos BB, SA</font></b><font>, instaurou contra </font><b><font>CC - Sociedade de Construções e Obras Públicas, Lda,</font></b><font> alegando, em síntese, que tendo adquirido em 15/05/98, por escritura pública, o prédio penhorado nos autos, sendo a legitima titular do direito de propriedade daquele imóvel desde essa data, tendo a penhora sido registada em data posterior à data da aquisição, embora só em 27/03/07 tenha procedido ao registo da mesma, e não sendo executada nos autos devem os embargos ser julgados procedentes e ordenar-se o levantamento da penhora.</font><br>
</p><p><font> A exequente contestou os embargos alegando, em síntese, que não se encontrando registada aquisição da propriedade do imóvel na data do registo de hipoteca judicial a favor da exequente e da penhora, estas devem prevalecer sobre aquela e, nessa sequência, deve manter-se a penhora do imóvel. </font><br>
</p><p><font> Aduz ainda que embargante e executada são empresas do mesmo grupo, com sede na mesma morada, precisamente o imóvel objecto dos embargos, tinham à data gestores comuns, e pretendem iludir os credores da executada. Conclui pela improcedência dos embargos.</font><br>
</p><p><font> No despacho saneador, entendendo-se já disporem os autos de todos os elementos necessários a uma apreciação do mérito, foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes, e, consequentemente, ordenou o levantamento da penhora que incidia sobre o imóvel em causa.</font><br>
</p><p><font> Inconformada, apelou a exequente, com êxito, porquanto a Relação de Lisboa, por unanimidade, no Acórdão de 3/12/13, revogou a sentença recorrida, julgando improcedentes os embargos de terceiro e determinando o prosseguimento da acção executiva.</font><br>
</p><p><font> Deste acórdão traz a embargante a presente revista, cuja alegação sintetiza nas conclusões que se transcrevem:</font><br>
</p><p><font> A. Não é aceitável o entendimento expresso no douto acórdão recorrido, segundo o qual pelo facto da embargada, ora recorrida, ter registado hipoteca judicial em data anterior ao registo da aquisição efetuada pela embargante/recorrente sobre a fracção autónoma designada pela letra "C", correspondente ao 2° andar direito do prédio urbano sito na Av.ª …, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, tal implicava que a ora recorrente sabia da existência da referida hipoteca judicial. </font><br>
</p><p><font> B. Não existem quaisquer factos no processo que atestem que a embargante/recorrente não efetuou o registo com o objetivo de inculcar em terceiros que a executada, CC - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES E OBRAS PÚBLICAS, LDA tinha património que, de facto, não tinha. </font><br>
</p><p><font> C. Se prejuízo e penalização existiu esse foi da embargante/recorrente que se viu lesada nos seus direitos, mais concretamente no seu património, devido à sua própria negligência em proceder ao registo da aquisição. </font><br>
</p><p><font> D. O douto acórdão recorrido incorreu em erro ao considerar que a embargante/recorrente não adquiriu o seu direito real de propriedade em data posterior à hipoteca judicial. </font><br>
</p><p><font> E. A embargante/recorrente adquiriu o seu direito de propriedade em data anterior, ainda que só o tenha registado posteriormente a esta. </font><br>
</p><p><font> F. A embargante/recorrente adquiriu a propriedade da fração à CC ¬SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES E OBRAS PÚBLICAS, LDA em 15 de Maio de 1998, enquanto a hipoteca judicial foi efetuada em 30 de Junho de 2005. </font><br>
</p><p><font> G. Inexistem nos autos quaisquer factos que afastem a boa-fé negocial da embargante/recorrente e da CC - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES E OBRAS PÚBLICAS, LDA. </font><br>
</p><p><font> H. Caso a embargante/recorrente pretendesse lesar os interesses dos credores da executada, o que teria feito era o registo imediato da aquisição e não protelar o mesmo registo e, muito menos, ocultar a aquisição da propriedade, como é referido no douto acórdão recorrido. </font><br>
</p><p><font> I. A constituição de uma hipoteca judicial, sobre determinado imóvel não prevalece sobre a escritura de compra e venda posterior, não registada, incidente sobre o mesmo imóvel. </font><br>
</p><p><font> J. O registo tem uma função meramente declarativa, de simples publicidade, não constitutiva de direitos, constituindo mera presunção que pode ser i1idida. </font><br>
</p><p><font> L. A penhora é um direito real de garantia de um crédito que não comporta a transferência de qualquer direito dominial e o direito de propriedade é um direito real de gozo. </font><br>
</p><p><font> M. A embargante/recorrente enquanto adquirente da fração em data anterior à penhora e a beneficiária da penhora promovida contra a executada vendedora não são terceiros para efeitos de registo. </font><br>
</p><p><font> N. O direito de propriedade adquirido anteriormente à penhora, antes da venda judicial, ainda que a aquisição só seja registada posteriormente ao registo da penhora, prevalece sobre esta penhora. </font><br>
</p><p><font> O. A fração penhorada não integra o património da executada, CC ¬SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES E OBRAS PÚBLICAS, LDA, declarada insolvente por sentença do 2° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, transitada em julgado em 22.11.2007 (Fls. 155 e ss. dos autos de execução), pelo que a penhora deve ser levantada, procedendo os embargos de terceiro deduzidos. </font><br>
</p><p><font> P. O douto acórdão recorrido violou, pois, o disposto no artigo 5°, n° 4, do Código do Registo Predial, bem como o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/99 de 18 de Maio.</font><br>
</p><p><font> Deve o douto acórdão recorrido ser revogado e, consequentemente, ser determinado o levantamento da penhora sobre a fração autónoma designada pela letra "C", correspondente ao 2° andar direito do prédio urbano sito na Av.ª …, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º … e inscrito na matriz predial sob o art. … e cancelamento do seu registo.</font><br>
</p><p><font> Não foram oferecidas contra-alegações.</font><br>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
</p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<br>
<font> As questões a dirimir no presente recurso residem em saber:</font><br>
<p><font> a) se quando foi efectuada e registada a hipoteca judicial, depois convertida em penhora, o bem em causa já não pertencia à executada;</font><br>
</p><p><font> b) se embargante e embargada não são “</font><i><font>terceiros</font></i><font>” para efeitos de registo predial.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><div><br>
<b><font>II - FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>DE FACTO</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font> Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br>
</p><p><font> 1. Em 28/11/2005 a exequente Fábrica de Pavimnetos BB, SA, propôs acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra CC - Sociedade de Construções e Obras, Lda, apresentando como título executivo uma sentença condenatória; </font><br>
</p><p><font> 2. Por escritura pública celebrada em 15 de Maio de 1998, o embargante adquiriu, por compra, a CC - Sociedade de Construções e Obras, Lda, a fracção autónoma designada pela letra "C", correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito na Av. …, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n° … e inscrito na matriz predial sob o art. …; </font><br>
</p><p><font> 3. Da certidão da Conservatória do Registo Predial junta aos autos a fls. 15, resulta que o registo da aquisição do imóvel referido em b) a favor da executada data de 25/03/92</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>; </font><br>
</p><p><font> 4. Da certidão mencionada em c) resulta que a penhora destes autos foi efectuada e registada em 03/04/2007; </font><br>
</p><p><font> 5. Da certidão referida em c) resulta, ainda, que em 30/06/2005 foi registada hipoteca judicial, provisória por natureza, a favor da exequente;</font><br>
</p><p><font> 6. Da certidão referida em c) resulta, por fim, que a aquisição do imóvel descrito em b) por parte da embargante, foi registada a seu favor em 27/03/2007.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> A) </font><u><font>Se quando foi efectuada e registada a hipoteca judicial, depois convertida em penhora, o bem em causa já não pertencia à executada</font></u><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> Revogando a sentença proferida na 1ª instância de sentido contrário, a Relação julgou improcedentes os embargos, depois de considerar que lograva no caso a aplicação do conceito de “</font><i><font>terceiros</font></i><font>” para efeitos de registo, definido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/99 deste Supremo Tribunal, posteriormente acolhido no n.º 4 do art. 5.º do Código do Registo Predial (doravante CRP), introduzido pelo DL nº 533/99, de 11/12, uma vez que “</font><i><font>tendo a exequente actuado de forma correcta, procedendo ao registo da hipoteca que lhe era exigível e confiando na verdade registal existente naquela data, não lhe pode ser aposta uma compra e venda não registada, realizada entre a executada e a aqui embargante de terceiro, em condições em que da boa-fé negocial não se mostra presente.</font></i><font>“.</font><br>
</p><p><font> A recorrente dissente deste entendimento, sustenta tese contrária, apontando que o acórdão recorrido incorreu em erro não só ao considerar que a embargante/recorrente adquiriu o seu direito real de propriedade em data posterior à hipoteca judicial, pois que o adquiriu em data anterior muito embora só o tenha registado posteriormente a esta, como ao qualificar a embargante/recorrente e a embargada/exequente, beneficiária da penhora promovida contra a executada/vendedora, como “</font><i><font>terceiros</font></i><font>” para efeitos de registo, quando o não são.</font><br>
</p><p><font> Defende que o direito de propriedade adquirido anteriormente à penhora, antes da venda judicial, ainda que a aquisição só seja registada posteriormente ao registo da penhora, prevalece sobre esta penhora.</font><br>
</p><p><font> Vejamos quem tem razão.</font><br>
</p><p><font> A primeira questão a apreciar reside em saber se quando foi efectuada e registada a hipoteca judicial, depois convertida em penhora, o bem em causa já não pertencia à executada.</font><br>
</p><p><font> É sabido que “o registo é um instrumento de tutela (de defesa, de conservação, de segurança) – não da </font><i><font>criação</font></i><font> ou </font><i><font>constituição autónoma</font></i><font> - de direitos”</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font> O registo predial não tem natureza constitutiva mas publicitária e securitária (art. 1.º do CRP), valendo-se dos princípios da legitimação e da fé pública registral assim protegendo os subadquirentes de boa fé em direitos nele inscritos, aliás protegidos por uma presunção “</font><i><font>juris tantum</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font> Isto é, no nosso direito o registo não é requisito indispensável da transmissão, modificação ou extinção do direito de propriedade, mas apenas tem valor declarativo, dar publicidade à situação jurídica dos prédios tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, e, como tal, o direito real nasce, transmite-se, modifica-se, extingue-se, à margem do registo, cuja eficácia consiste apenas em dar publicidade aos direitos inscritos.</font><br>
</p><p><font> De facto, a aquisição do direito no ordenamento jurídico português não é, em regra, um efeito do registo definitivo, mas sim um efeito do acordo de vontades, sendo a compra e venda o exemplo típico de um contrato real </font><i><font>quoad effectum</font></i><font>, quer dizer, sob o ângulo da sua eficácia imediata</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font> Em termos estritamente substantivos (arts. 1317.°, al. a) e 408.°, n.º 1, do Código Civil, por diante CC), no caso de negócio jurídico translativo de propriedade imobiliária (v.g. na compra e venda), o momento da aquisição ou da transferência do direito de propriedade é o da celebração da escritura que o formaliza, por via do qual a propriedade efectivamente se transfere.</font><br>
</p><p><font> Na realidade, um dos efeitos essenciais do contrato de compra e venda é a “</font><i><font>transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito</font></i><font>”, desde que observada a forma legal, que para os imóveis é a escritura pública (cfr. arts. 879.º, al. a) do CC e 80.º, nº 1 do Código do Notariado na redacção à data vigente).</font><br>
</p><p><font> No caso dos autos, a recorrente/embargante AA adquiriu, por compra, a CC - Sociedade de Construções e Obras, Lda, a fracção autónoma designada pela letra "C", correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito na Av. …, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n° … e inscrito na matriz predial sob o art. …; e essa forma legal foi respeitada dado que o fez por escritura pública celebrada em 15/05/98 (2 dos factos provados).</font><br>
</p><p><font> Por outro lado, tendo o registo predial, como antes se disse, uma função meramente declarativa adstrita à sua função publicitária, ele constitui tão só presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (art. 7.º do CRP). Presunção legal </font><i><font>juris tantum</font></i><font> que, como tal, pode ser ilidida mediante prova do contrário (cfr. art. 350.º, n.º 2, do CC)</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font> Ora, esta prova em contrário, de que a fracção autónoma não pertence à executada está feita nos autos através de prova documental, com a apresentação da escritura da compra. Não há dúvida, assim, que o registo da hipoteca judicial quando foi realizado a favor da exequente, em 30/06/05, incidiu sobre um bem alheio à executada.</font><br>
</p><p><font> Nos termos do art. 818.º do CC, o direito de execução só pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado. Nenhuma destas hipóteses se verifica no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>.</font><br>
</p><p><font> Deste modo, é inquestionável que a propriedade da fracção autónoma em causa se transmitiu para a embargante na precisa data da escritura pública de compra e venda. Assiste-lhe razão quando imputa ao acórdão recorrido erro por considerar que a embargante adquiriu o seu direito real de propriedade em data posterior à hipoteca judicial de 30/06/05.</font><br>
</p><p><font> Por maioria de razão, quando foi efectuada e registada a penhora, em 03/04/07, o bem em causa já há muito não pertencia à executada (nº 4 dos factos provados).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>B) </font><u><font>Se embargante e embargada não são “</font></u><i><u><font>terceiros</font></u></i><u><font>” para efeitos de registo predial</font></u><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> Sendo assim, temos que a hipoteca judicial não é mais do que uma penhora antecipada</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>. Para se constituir basta o registo da sentença, ainda que não transitada em julgado, que condene o devedor a pagar uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível, registo que o credor faz incidir sobre imóveis do obrigado (art. 710.º do CC).</font><br>
</p><p><font> Deste modo, a hipoteca judicial que visou garantir o pagamento de uma quantia em que em que a executada/vendedora CC fora condenada, de acordo com este normativo, só podia ser constituída em bens que, no momento do seu registo, pertencessem ao obrigado. O que, pelo exposto, não aconteceu. À data da constituição do registo da hipoteca a favor da exequente/embargada, a fracção autónoma em apreço já tinha saído há sete anos da esfera patrimonial da executada e estava incorporada, por título eficaz, no património da embargante.</font><br>
</p><p><font> Alega, porém, a exequente/embargada que o imóvel estava ainda registado em nome da executada, e que o contrato de compra e venda tal como a hipoteca são factos jurídicos sujeitos a registo, pelo que só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo. Dessa forma, o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos, conservando o registo convertido em definitivo a prioridade que tinha como provisório (art. 6.° do CRP).</font><br>
</p><p><font> Acontece, de facto, que na altura da constituição da hipoteca judicial aquela aquisição da fracção autónoma ainda não estava registada em nome da embargante AA, continuando inscrita em nome da executada CC. Também é certo que a compra e venda é um acto sujeito a registo, e os “</font><i><font>factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo</font></i><font>” (arts. 2.º, nº 1, al. a) e 5.º, nº 1 do CRP).</font><br>
</p><p><font> Por sua vez, o art. 6.º deste mesmo diploma estabelece o princípio </font><i><font>prior tempore potior jure</font></i><font> (princípio da prioridade), segundo o qual “</font><i><font>o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens</font></i><font>”, e o art. 7.º prescreve que “</font><i><font>o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font> Daí que, enquanto o acto não figurar no registo, em relação a “</font><i><font>terceiros</font></i><font>”, o vendedor surge como titular do direito que transferiu por mero efeito do contrato de alienação. Só quem tiver essa qualidade de “</font><i><font>terceiro</font></i><font>” é que beneficia da presunção e prioridade decorrentes do registo. Ou seja, pressuposto essencial da sua eficácia em relação a “</font><i><font>terceiros</font></i><font>” é o registo, sem o qual a eficácia do facto não ultrapassa o plano interno (cfr. art. 4.º, nº 1 do CRP).</font><br>
</p><p><font> Poderá, então, a exequente/embargada, em relação à compra feita pela embargante, ser considerada como “</font><i><font>terceiro</font></i><font>”? </font><br>
</p><p><font> Entendemos que não, como procuraremos demonstrar.</font><br>
</p><p><font> No Acórdão Uniformizador nº 3/99, de 18/05/99, publicado no DR de 10/07/99</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>, ultrapassando divergências doutrinais e jurisprudenciais e revendo a doutrina fixada pelo seu homólogo n.º 15/97, de 20/05/97, publicado no DR de 04/07/97, I Série - A, consagrou-se o conceito segundo o qual, “</font><i><font>Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa</font></i><font>“, excluindo-se os casos em que o direito em conflito com o direito não inscrito deriva de uma diligência judicial, seja arresto, penhora ou hipoteca judicial.</font><br>
</p><p><font> Posteriormente, em consonância com este conceito, foi aditado o nº 4 ao art. 5.º do CRP, pelo DL nº 533/99, de 11/12, em que se consigna que “</font><i><font>terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>. </font><br>
</p><p><font> É, então, à luz da definição acolhida no acórdão uniformizador n° 3/99 e deste normativo do CRP, de natureza interpretativa, que se terá de aferir se a embargante e a exequente podem ser considerados “</font><i><font>terceiros</font></i><font>” para efeitos de registo predial.</font><br>
</p><p><font> Ora, a hipoteca judicial não constitui um negócio jurídico susceptível de conduzir a uma aquisição derivada de direitos, provenientes de um mesmo autor ou transmitente. Não provém de acto praticado pelo devedor, vendedor do imóvel, e destina-se a proteger o credor contra alienações ou onerações, que em seu prejuízo, o devedor pudesse vir a fazer posteriormente.</font><br>
</p><p><font> Provém apenas da vontade e acção unilateral do credor, agindo à revelia do devedor</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font> e por sua inteira responsabilidade, e do registo do crédito, judicialmente reconhecido, sobre bens do devedor, não visando a hipoteca judicial anular actos já praticados, finalidade que cabe à acção pauliana (art. 610.º do CC). </font><br>
</p><p><font> Referem Pires de Lima e Antunes Varela, citando Vaz Serra, que “o registo da hipoteca não é um acto de execução, mas somente </font><i><font>um efeito atribuído por lei à sentença</font></i><font>, para conservação do direito nela reconhecido”</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>. </font><br>
</p><p><font> Também, numa penhora, arresto, ou hipoteca judicial, estamos apenas perante garantias de um direito de crédito, sendo que a existência deste não fica prejudicada com a referida oponibilidade, pois se mantém íntegro na sua substância, podendo, por isso, vir ainda a ser satisfeito com recurso a outros bens do devedor. E os poderes do proprietário sobre a coisa penhorada não são transmitidos</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font> Deste modo, é indesmentível que recorrente e recorrida não adquiriram do mesmo autor ou transmitente direitos incompatíveis sobre a mesma coisa. Assim, de acordo com aquele conceito, a exequente não tem a qualidade de “</font><i><font>terceiro</font></i><font>” em relação à venda efectuada pela executada à embargante AA.</font><br>
</p><p><font> Não possuindo essa qualidade para efeitos de registo, a transmissão operada pela venda feita à embargante é inteiramente oponível à embargada/exequente, independentemente de só ter sido registada depois dessa hipoteca.</font><br>
</p><p><font> Para melhor ilustração, porque perfeitamente adequados ao caso vertente, transcrevem-se os seguintes trechos do aludido Acórdão Uniformizador nº 3/99:</font><b><font> “</font></b><i><font>O exequente que nomeia bens à penhora e o seu anterior adquirente não são «terceiros», embora sujeita a registo, no caso de imóveis, a penhora não se traduz na constituição de algum direito real sobre o prédio, sendo apenas um dos actos em que se desenvolve o processo executivo ou, mais directamente, um ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada para satisfação dos fins da execução. A ineficácia apenas se reporta aos actos posteriores à penhora, pelo que «os actos de disposição ou oneração de bens, com data anterior ao registo da penhora, prevalecem sobre esta» (P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 1.ª ed., p. 67).</font></i><br>
</p><p><font>(...) </font><i><font>Por força do condicionamento da eficácia, em relação a terceiros, dos factos sujeitos a registo, é evidente que, se alguém vende, sucessivamente, a duas pessoas diferentes a mesma coisa, e é o segundo adquirente quem, desconhecendo a primeira alienação, procede ao registo respectivo, prevalece esta segunda aquisição, por ser esse o efeito essencial do registo. Estão em causa direitos reais da mesma natureza. Aqui, a negligência, ignorância ou ingenuidade do primeiro deve soçobrar perante a agilidade do segundo, cônscio, não só dos seus direitos como dos ónus inerentes. É sob este prisma que a primeira venda leva à constituição de um direito resolúvel, no dizer de Oliveira Ascensão</font></i><a><b><i><u><sup><font>[14]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, cuja resolução ocorre perante a verificação do facto complexo de aquisição posterior, de boa fé, seguida de registo.</font></i><br>
</p><p><font>(...)</font><i><font> Situação diferente é a resultante do confronto do direito real de garantia resultante da penhora registada quando o imóvel penhorado já havia sido alienado, mas sem o subsequente registo. Aqui, o direito real de propriedade, obtido por efeito próprio da celebração da competente escritura pública, confronta-se com um direito de crédito, embora sob a protecção de um direito real (somente de garantia). Nesta situação, mesmo que o credor esteja originariamente de boa fé, isto é, ignorante de que o bem já tinha saído da esfera jurídica do devedor, manter a viabilidade executiva, quando, por via de embargos de terceiro, se denuncia a</font></i><i><u><font> </font></u></i><i><font>veracidade da situação, seria colocar o Estado, por via do aparelho judicial, a, deliberadamente, ratificar algo que vai necessariamente desembocar numa situação intrinsecamente ilícita, que se aproxima de subsunção criminal, ao menos se for o próprio executado a indicar os bens à penhora. Assim, poderia servir-se a lex, mas não seguramente o jus.</font></i><br>
</p><p><i><font>Como já se verificou, o imóvel penhorado, no caso dos autos, já havia saído do património do devedor. Portanto, não podia garantir nenhuma das suas dívidas. Como bem alheio que é, pode o seu titular embargar de terceiro.</font></i><br>
</p><p><font>(...)</font><i><font> In casu ainda se não efectivou a venda. Nesta perspectiva, poderia dizer-se que, a conceder-se eficácia ao registo, de alguma maneira estaria a emprestar-se-lhe capacidade impeditiva de o embargante conservar o seu direito de propriedade. No entanto, é certo que ninguém pode ser privado, no todo em ou parte, daquele direito senão por via de expropriações ou requisições, mediante pagamento de indemnização</font></i><a><b><i><u><sup><font>[15]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, sob pena de inconstitucionalidade</font></i><a><b><i><u><sup><font>[16]</font></sup></u></i></b></a><i><font>. De certo modo, estaríamos perante a figura do confisco, facto susceptível de ferir profundamente o senso comum e, portanto, de gerar grande sobressalto social</font></i><a><b><i><u><sup><font>[17]</font></sup></u></i></b></a><i><font> </font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font> Destarte, no caso vertente, a executada CC não interveio directamente na constituição da hipoteca, que é judicial, criando na exequente a convicção da existência na sua esfera jurídica do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, isto é, não transmitiu à exequente/embargada Fábrica de Pavimentos BB, SA, qualquer direito sobre o imóvel em causa que pudesse estar em colisão com a venda que efectuara à embargante AA. </font><br>
</p><p><font> Diferente seria se a executada tivesse intervindo na constituição da hipoteca, nessa circunstância voluntária. Aí, sim, porque como autora comum, com a sua actuação, criaria nos outros sujeitos, embargante e embargada, a ideia de certeza que o direito transmitido ou onerado era sua pertença, motivando tornarem-se eles merecedores de igual protecção, preferindo a lei o que primeiro registasse o facto, atenta a sua diligência e a função de publicidade do registo. Seria, nesse caso, legítimo dar protecção à exequente/embargada se fosse desconhecedora da nova titularidade, porque estava a negociar com o titular inscrito do direito</font><a><u><sup><font>[18]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font> Incidindo, então, a hipoteca, depois convertida em penhora, sobre um prédio alheio ao património da devedora/executada e não sendo a exequente/embargada “</font><i><font>terceiro</font></i><font>” em relação à transmissão desse prédio à embargante, os preceitos legais acima mencionados foram violados pelo acórdão recorrido. </font><br>
</p><p><font> Anote-se que tendo inicialmente sinalizado ir seguir o conceito restrito do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/99 e do n.º 4 do art. 5.º do CRP, todavia, estranhamente, o acórdão impugnado dele se veio a afastar decidindo contraditoriamente de acordo com o sentido mais amplo do conceito, ao expressar que “</font><i><font>de um lado temos o exequente, que adquiriu da executada CC, Lda, um direito real de garantia [hipoteca judicial] e a embargante que adquiriu dessa mesma executada um direito real de propriedade, em data posterior, sem que tivesse efectuado o competente registo, pelo que, não restam dúvidas que a embargante deve ser considerada como "terceiro" para efeitos registais</font></i><font> “, “</font><i><font>Podemos assim afirmar, em plena concordância com a Apelante, que a constituição de uma hipoteca judicial, sobre determinado imóvel, prevalece sobre escritura de compra e venda posterior, não registada, incidente sobre o mesmo imóvel.</font></i><font>“.</font><br>
</p><p><font> Em suma, ocorrendo conflito entre uma aquisição por compra e venda anterior não levada ao registo e uma hipoteca judicial posterior registada, depois convertida em penhora, aquela obsta à eficácia desta última, prevalecendo sobre ela. </font><br>
</p><p><i><font> In casu</font></i><font>, a compra efectuada em 15/05/98, pela embargante, aqui recorrente, apesar de ter sido levada ao registo em data posterior ao registo da hipoteca judicial de 30/06/05, depois convertida em penhora registada em 3/04/07, produz efeitos contra a embargada, ora recorrida, podendo aquela invocar perante esta o seu direito de propriedade.</font><br>
</p><p><font> Deste modo, procedem as conclusões da recorrente</font><a><u><sup><font>[19]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><div><br>
<b><font>III - DECISÃO</font></b></div><br>
<br>
<font> Pelos motivos expostos, acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e repristinando a decisão proferida na 1ª instância.</font><br>
<p><font> Custas nas instâncias e neste recurso pela recorrida.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> Lisboa, 01/07/14</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Gregório Silva Jesus (Relator)</font><br>
</p><p><font>Martins de Sousa</font><br>
</p><p><font>Gabriel Catarino </font>
</p><p><font>__________________________</font>
</p><p><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> No regime estabelecido pelo DL nº 303/2007 de 24/08 ainda aqui aplicável (cfr. art. 7.º, nº 1 da Lei nº 41/2013 de 26/06), tal como os demais normativos deste diploma por diante citados, uma vez que a acção foi intentada em data anterior a 1/01/08 e o acórdão recorrido data de 3/12/13.</font>
</p><p><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> E não 14/07/2005, como por lapso vem mencionado.</font>
</p><p><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Antunes Varela </font><i><font>in</font></i><font> “Das Obrigações em geral”, 9ª ed., vol. I, págs. 339.</font>
</p><p><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Oliveira Ascensão vem sustentando a ocorrência de casos em que o registo predial é constitutivo (Direitos Reais, 1978, págs. 397 e segs.).</font>
</p><p><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Cfr. Antunes Varela, na RLJ, ano 118.º, págs 285 e segs. , onde dá notícia do valor constitutivo que o registo predial tem nomeadamente no direito alemão.</font>
</p><p><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> Cfr. Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial, 13ª ed., pág. 127.</font>
</p><p><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> Esta garantia a incidir sobre bens de terceiro ocorre nas hipotecas voluntárias (cfr. arts. 703.º, 712.º, 716.º e 717.º do CC).</font>
</p><p><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 206/208, e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, págs. 336/338.</f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1TKYu4YBgYBz1XKvzCAZ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I.- RELATÓRIO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>“AA – ..., S.A.” intentou acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra “BB, Lda.”, pedindo a condenação desta a (ver):“I – decretada a resolução do contrato promessa, no tocante aos lotes 2 e 3, por incumprimento culposo da Ré e esta condenada a devolver à A. dobro do sinal recebido, ou seja, a quantia de 800.000,000 € [oitocentos mil euros); (ser) II - a Ré ser condenada a indemnizar a A. pelos custos financeiros inerentes ao preço pago pelo lote 1 (500.000,000), desde a data da escritura, até à data em que a A. puder levantar a licença de construção, sendo os mesmos calculados por aplicação da taxa de juro efectiva suportada pela A. (Euribor a 3 meses + 1,5% de spread), sendo os valores já vencidos em 30 de Abril 2008 de 87.627,20 €, e passando o cálculo a ser efectuado sobre o valor do preço reduzido a 300.000,00€, após procedência do pedido a seguir formulado; III - deve a Ré ser condenada a restituir à A. a quantia de 200.000,00€ (duzentos mil euros), em consequência da redução do preço contratual do lote 1, ao abrigo do art. 911.º do Código Civil, o qual deverá ser fixado em 300.000,00€. </font>
</p><p><font>Subsidiariamente para a hipótese de não ser atendido o pedido principal identificado em 1.º), deverá, subsidiariamente, por força da caducidade do contrato promessa, ser a Ré condenada a restituir à A., os sinais recebidos dos lotes 2 e 3, no montante de 400.000,00€ (quatrocentos mil euros) e os juros de mora vencidos, calculados nos termos dos precedentes artigos 100.º e 102.º, no montante de 85.795,85 € e os vincendos, calculados à taxa EURIBOR a 3 meses, acrescidas de 3% até efectivo pagamento, mantendo-se em qualquer caso a formulação dos pedidos 2.º e 3.º.”</font>
</p><p><font>Para os pedidos que requesta, alega a demandante, em sínteses apertada: </font>
</p><p><font>- Celebrou com a Ré um contrato promessa de compra e venda, datado de 25 de Junho de 2003, pelo qual prometeu comprar e, a Ré prometeu vender "livre de hipoteca ou cativa de usufruto ou quaisquer outros ónus ou encargos de responsabilidade, à data da escritura", os lotes de terreno para construção urbana, designados por lotes n.ºs 1, 2 e 3 e melhor identificados na cláusula 1.ª do contrato. </font>
</p><p><font>O preço acordado para a compra e venda dos 3 lotes foi de 1.430.000,00€ (um milhão quatrocentos e trinta mil euros), sendo os valores parcelares de cada lote os seguintes: - lote 1 - 500.000,00€ (quinhentos mil euros); - lote 2 - 480.000,00€ (quatrocentos e oitenta mil euros) </font>
</p><p><font>-lote 3 - 450.000,00€ (quatrocentos e cinquenta mil euros); </font>
</p><p><font>- A A. entregou à Ré por conta do preço a quantia de 900.000,00 € (novecentos mil euros) </font>
</p><p><font>Sendo que desse montante 500.000,00€ (quinhentos mil euros), correspondem ao pagamento do preço do lote </font><b><font>1, </font></b><font>cuja escritura de compra e venda foi celebrada em 28/05/2004, no 1.º Cartório Notarial de Leiria. </font>
</p><p><font>- A A. celebrou o contrato promessa de compra e venda dos 3 lotes com o objectivo de promover a construção de edifícios para habitação e comércio, a constituição da propriedade horizontal, nos mesmos e a venda das respectivas fracções autónomas. </font>
</p><p><font>- Como condição essencial para a celebração do negócio pela A., foi acolhida a possibilidade de iniciar a construção dos edifícios após a celebração das escrituras de compra e venda dos dois (2) lotes, o que era do conhecimento da Ré e foi por esta aceite. </font>
</p><p><font>- A tramitação inerente à elaboração e apresentação dos projectos até à sua aprovação e à emissão da(s) licença(s) de construção era encargo assumido pela Ré, cabendo à A. proceder ao levantamento das licenças de construção e ao pagamento do respectivo custo. </font>
</p><p><font>- Foi também condição essencial para a celebração do contrato promessa por parte da A., com o assentimento da Ré, que os 3 lotes objecto do contrato promessa de compra e venda teriam completa autonomia e independência, em termo jurídicos, físicos e construtivos em relação aos lotes adjacentes, com os n.ºs 4 e 5. </font>
</p><p><font>- A Ré sabia que à A., não interessava, em circunstância alguma, a aquisição dos lotes em questão (1,2 e 3), se não pudesse levantar as licenças de construção, logo que as mesmas fossem aprovadas, para efectuar nesses lotes a construção dos edifícios e a subsequente venda das fracções autónomas que viessem a ser constituídas. </font>
</p><p><font>- Os serviços administrativos assinalaram erros dos projectos, como sendo o excesso de área de construção, e nada tendo sido referido relativamente ao acesso às garagens, como impeditivo do deferimento do levantamento da licença de construção, tendo resultado que o pedido de emissão do alvará de licença de construção apresentado pela A. em 7/4/2005 acabasse por nunca vir a ser deferido, dado que o acesso ás garagens dos lotes 1 a 5 deveria ser feito através duma rampa do lote 5;</font>
</p><p><font>- A A., veio mais tarde, já em Abril de 2007, a tomar conhecimento que a CMC, deferira a emissão das licenças de construção dos lotes 1, 2 e 3, com várias condicionantes, designadamente: </font>
</p><p><font>- "para as áreas de estacionamento privado em cave correspondentes ao grupo de lotes n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5, devem ser estabelecidos no regime de propriedade horizontal, direitos de serventia particular e acesso viário às garagens, a favor de cada um dos lotes, respectivamente"; </font>
</p><p><font>- Em face dos condicionamentos administrativos supra referidos, a A. está impedida de levantar as licenças de construção dos lotes 1, 2 e 3 e de iniciar a construção dos edifícios. </font>
</p><p><font>- E na data marcada para a escritura compareceu no Cartório Notarial, tendo exarado no instrumento lavrado pelo Senhor Notário as razões, pelas quais não podia outorgar a escritura, ou seja </font><i><font>"</font></i><font>que a sociedade sua representada não outorga a escritura de compra e venda, em virtude do preço remanescente de novecentos mil euros exigido pela vendedora não ser devido, mas apenas a quantia de quinhentos e trinta mil euros. Acresce também que tendo a vendedora o compromisso contratual de transmitir a propriedade dos lotes dois e três, livres de ónus ou encargos, sucede que ambos os lotes têm encargos e ónus, não removidos pela vendedora. Finalmente sendo condição do negócio a possibilidade do levantamento das licenças de construção dos ditos lotes, à data da escritura, a sua representada tentou proceder ao levantamento das licenças na Câmara Municipal de Coimbra o que lhe recusado". </font>
</p><p><font>Na contestação que apresentou, a demandada, contraminou a posição da demandante com a factualidade que, em síntese apertada, a seguir queda extractada. </font>
</p><p><font>- A promitente compradora não foi a "AA - ..., S.A.", mas sim as empresas ''CC - ..., Lda." e "DD, S.A.", devidamente representadas por EE e FF respectivamente. </font>
</p><p><font>- Aquando da celebração desse CPCV, a 25 de Junho de 2003, cada uma das promitentes compradoras entregou à A., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 250.000€, </font>
</p><p><font>O CPCV junto como documento 1 da P.I., apesar de ter aposta a mesma data de 25 de Junho de 2003, apenas foi firmado em Março de 2004, </font>
</p><p><font>- O CPCV, apesar de prever a escrituração do Lote 1 antes dos Lotes 2 e 3, não fazia qualquer tipo de cisão ou independência entre os negócios prometidos, pelo que os 600.000€ entregues até Março de 2004 integram o regime do sinal relativamente à totalidade dos negócios prometidos e consideram-se entregues por conta do valor global do negócio. </font>
</p><p><font>- Ora, tendo em conta que o total das quantias entregues à R. foi de 900.000€, e que dessa quantia 500.000€ foram afectos ao pagamento efectivo do lote 1, temos que permanece a título de sinal a quantia de 400.000€ (quatrocentos mil euros) relativa aos lotes 2 e 3 que falta escriturar. </font>
</p><p><font>- O valor efectivamente acordado entre as partes para a venda dos Lotes 1, 2 e 3 foi de 1.800.000€ (um milhão e oitocentos mil euros), e não 1.430.000€, como erradamente se tinha estipulado no CPCV de 25 de Junho de 2003. </font>
</p><p><font>- Em nenhum momento foi referido expressa ou tacitamente que seria elemento essencial para a contratação o facto de ser possível iniciar a construção logo após a outorga das escrituras de compra e venda. </font>
</p><p><font>- O que foi condição essencial para a celebração das escrituras foi o facto de terem que "estar a pagamento as licenças de construção dos lotes", à excepção do lote </font><b><font>1, </font></b><font>onde essa condição foi dispensada. </font>
</p><p><font>- O alvará de autorização de construção relativo aos lotes 1, 2 e 3 encontra-se actualmente disponível para levantamento junto da edilidade, estando sujeito às condicionantes previstas no parecer técnico que acompanha o ofício camarário. </font>
</p><p><font>- Seria impossível, à data da celebração do CPCV, prever se a CMC iria impor ou não algum tipo de condicionante ao levantamento do projecto. </font>
</p><p><font>- Aliás, essa situação era do conhecimento do Eng. EE, e tanto assim é que foi ele a sugerir a única forma de obviar essa condicionante, como está bem patente no ponto 1.3 do doc. 13 da P.I. </font>
</p><p><font>- Em nenhum momento foi referido expressa ou tacitamente que seria elemento essencial para a contratação o facto de ser possível o acesso às garagens através dos Lotes 2 e 3. </font>
</p><p><font>- Foi a A. que acompanhou e orientou a elaboração dos projectos apresentados em Dezembro de 2005. </font>
</p><p><font>- As condicionantes que a CMC entendeu serem necessárias para o levantamento do alvará de construção não são ónus jurídicos, mas sim condições administrativas que supostamente visam salvaguardar interesses de cariz urbanístico. </font>
</p><p><font>- A verdade é que os lotes estão actualmente disponíveis para ser escriturados sem que conste da escritura qualquer tipo de ónus ou encargos jurídicos, </font>
</p><p><font>- Ora, considerando que a R. se prontificou a cumprir o CPCV nos exactos termos acordados, e que a A. se recusou a cumprir o elemento essencial desse mesmo contrato - que é o pagamento do preço estipulado - a R. não teve outra alternativa senão notificar a promitente compradora de que considera que esta se encontra em incumprimento definitivo e culposo do CPCV, reservando-se ao direito de fazer seus os 400.000€ (quatrocentos mil euros) até então prestados a título de sinal, tudo nos termos do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>Conclui peticionando que seja julgada a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se a R. do pedido principal e subsidiário formulado pela A.; e que seja condenada a A. como litigante de má-fé, em multa e em indemnização à R. que contemple o reembolso das despesas que a mesma teve com a presente contestação, e no pagamento dos honorários do seu ilustre mandatário, nos termos do 457.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do CPC; </font>
</p><p><font>- e bem como seja julgada a reconvenção procedente, por provada, declarando que é lícito à R. fazer sua a quantia de 400.000€ prestada a título de sinal pela A. enquanto promitente-compradora, por advento do seu incumprimento definitivo e culposo do CPCV. </font>
</p><p><font>Após a audiência de discussão e julgamento, o tribunal de primeira (1.ª) instância, proferiu decisão, em que declarou “1. - (…) resolvido o contrato, por incumprimento da Ré, BB, Lda.”, o contrato promessa firmado entre a R. e a A. “AA – ..., S.A.”, (…) e, em consequência, condena-se a R. no pagamento à A. da quantia de 800.000,00; “[determinou] a redução do preço pago pela A. à R. (500.000,00 euros) relativo ao contrato de compra e venda do lote 1. em valor a fixar em incidente de liquidação de sentença; 3. – [condenou] a R. a indemnizar a A. no pagamento dos encargos financeiros taxa de juro igual à Euribor a 3 meses + 1,5% de spread) suportados por esta, relativamente á quantia que se vier a apurar após liquidação de sentença respeitante à diferença do preço devido após a redução do preço efectivamente pago; 4. [Absolveu] a A. do pedido reconvencional deduzido pela R.” </font>
</p><p><font>Da apelação que impulsaram da decisão proferida em primeira (1.ª) instância, veio o tribunal da Relação de Coimbra, a decidir (</font><u><font>sic</font></u><font>): “a) Revoga-se a sentença apelada e absolve-se a recorrente, BB Lda., do pedido; b) Julga-se improcedente o pedido de condenação da apelada, “AA – ... SA”, por litigância de má fé; c) Mantém-se, no mais, a sentença impugnada.”</font>
</p><p><font>Do julgado,</font><b><font> </font></b><font>recorrem, de revista, a demandante – cfr. fls. 1554 a 1596 – e a demandada – cfr. 1689 a 1704 -, tendo produzido alegações que dessumiram na sinopse que queda extractada infra. </font>
</p><p><b><font>I.A. – Quadro Conclusivo</font></b>
</p><p><font>Da demandada.</font>
</p><p><font>“1. O pedido reconvencional deduzido na presente acção foi julgado improcedente quer na primeira, quer na segunda instância. </font>
</p><p><font>2. No entanto, o fundamento dessa improcedência foi bem distinto em cada uma dessas instâncias. </font>
</p><p><font>3. Termos em que se encontra preenchido o disposto no número 3 do artigo 671.º do CPC, no sentido de que é admissível o presente recurso de revista, ainda que circunscrito ao objecto do pedido reconvencional, por ter como objecto matéria decidida pela Relação de Coimbra com base em fundamentação essencialmente diferente daquela que foi invocada pelo tribunal de La instância, devendo o presente recurso ser admitido e posteriormente conhecido pelo Tribunal </font><i><font>ad quem. </font></i>
</p><p><font>4. O Tribunal recorrido entendeu que o incumprimento do contrato promessa de compra e venda era imputável à Recorrida. </font>
</p><p><font>5. Nesses termos, revogou a sentença de primeira instância e absolveu a Recorrente do pedido. </font>
</p><p><font>6. O Tribunal recorrido entendeu ainda que esse incumprimento voluntário e culposo da Recorrida não era ainda definitivo, uma vez que a ora Recorrente não teria convertido adequadamente a mora em incumprimento definitivo através da exigível interpelação admonitória. </font>
</p><p><font>7. Razão pela qual julgou improcedente o pedido reconvencional formulado. </font>
</p><p><font>8. No entanto, a ora Recorrente entende que o Tribunal a </font><i><font>quo </font></i><font>não se debruçou adequadamente sobre a questão da perda objectiva de interesse do credor. </font>
</p><p><font>Vejamos, </font>
</p><p><font>9. Não tendo sido questionada a validade dos documentos n.ºs 22 e 24 junto com a P.I. e n.º 20 junto com a contestação, não poderia o Tribunal a </font><i><font>quo </font></i><font>deixar de interpretar que a ora Recorrente não tinha interesse objectivo na prestação que a Recorrida se propunha cumprir. </font>
</p><p><font>10.A ora Recorrente não interpelou admonitoriamente a Recorrida concedendo novo prazo para cumprir, uma vez que na data prevista para o cumprimento, a Recorrida elaborou um instrumento notarial onde expressou claramente os termos em que se propunha celebrar o negócio prometido. </font>
</p><p><font>11.Termos esses que não eram os que haviam sido contratados e para os quais havia sido expressa e oportunamente interpelada para cumprir. </font>
</p><p><font>12.À Recorrente apenas interessava o cumprimento escrupuloso do valor do negócio, ou seja, a percepção do valor remanescente de 900.000,OO€ (novecentos mil euros). </font>
</p><p><font>Esse interesse da Recorrente foi expressamente consignado no instrumento notarial realizado, onde se esclareceu que o negócio não se realizava porque a prestação oferecida pela promitente faltosa não era aquela para a qual havia sido oportunamente notificada. </font>
</p><p><font>14.Nestes termos, verificando-se que a ora Recorrente não tinha qualquer interesse em celebrar o negócio por valor inferior ao estipulado, ou seja, sem a recepção do remanescente do preço acordado 900.000,00€, parece-nos que se encontra demonstrado que a promitente-credora não tinha, nem tem, interesse objectivo na percepção de uma contraprestação de montante inferior àquele que lhe é contratualmente devido. </font>
</p><p><font>Razão pela qual melhor teria andado o Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>se, em face da factualidade apurada, tivesse considerado que o incumprimento voluntário e culposo da Recorrida era igualmente definitivo, em face de uma interpretação objectiva dos interesses da ora Recorrente. </font>
</p><p><font>16. Não o tendo feito, entende a Recorrente que não foi adequadamente aplicado o direito, </font><i><font>maxime </font></i><font>o artigo 808.º números 1 e 2 do Código Civil, devendo este Supremo Tribunal alterar o Acórdão recorrido, julgando procedente o pedido reconvencional formulado, e declarando lícita a apropriação do montante do sinal, nos termos do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>Nestes termos, e nos que Vossas Excelências </font><i><font>mui </font></i><font>doutamente suprirão, dando provimento ao presente Recurso, não deixarão de alterar o Acórdão recorrido, julgando procedente o pedido.” </font>
</p><p><font>Da demandante. </font>
</p><p><font>“1. O Acórdão recorrido viola disposições legais substantivas, designadamente, disposto nos artigos 217.º, 236.º, 342.º, 344.º, 373.º, 374.º, 376.º, 398.º, 405.º, 406.º, 410.º, 799.º do Código Civil</font>
</p><p><font>2. Os contratos-promessa celebrados entre as partes são documentos particulares, cuja autoria foi reconhecida, não tendo sido arguida a sua falsidade. </font><i><font>Vide </font></i><font>artigos 373.º a 376.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>3. Por conseguinte, os contratos-promessa em causa fazem prova plena quanto às declarações atribuídas aos seus autores, nomeadamente no que respeita ao preço e ao objecto do contrato: venda dos lotes 1 a 3, livres de ónus e encargos; </font>
</p><p><font>4. Tendo em conta que foi impugnada a veracidade da assinatura da declaração alegadamente subscrita pela Recorrente declaração posterior ao "primeiro" contrato, respeitante ao preço do mesmo - incumbe à Recorrida a prova da sua veracidade, atento o disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código Civil; </font>
</p><p><font>5. Tendo a perícia realizada, cujo objecto era a análise das assinaturas apostas na dita declaração, sido "inconclusiva", conclui-se que tal circunstância não afectaria a Recorrente, mas antes a Recorrida, que não logrou provar, como lhe cabia, a veracidade do documento; </font>
</p><p><font>6. Mesmo que se considerasse válida a dita declaração - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite -, e se aceitasse o preço do negócio vertido na mesma, certo é que o contrato-promessa celebrado em data posterior, no qual foi introduzido um preço distinto, revogou tacitamente aquela declaração, bem como o "primeiro" contrato-promessa, atento o disposto no artigo 217.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>7. De acordo com a doutrina da impressão do destinatário, acolhida no artigo 236.º do Código Civil, qualquer declaratário normal colocado na posição da Recorrente concluiria que o preço que as contraentes acordaram para o negócio seria o que consta no "segundo" e último contrato, posterior à declaração acima referida. </font>
</p><p><font>8. Os factos provados demonstram que a Recorrida incumpriu, de forma definitiva e culposa, o contrato-promessa celebrado com a Recorrente. </font>
</p><p><font>9. O aditamento ao alivará de loteamento e a licença de construção criaram, de forma definitiva e irreversível, vários ónus e encargos que incidem sobre os lotes objecto do contrato-promessa e, como tal, comprometem o seu cumprimento de forma irremediável. </font>
</p><p><font>4. Efectivamente, O alvará de loteamento e a licença de construção criaram os seguintes ónus e/ou encargos: obrigatoriedade de constituição de servidões; obrigatoriedade dos alvarás de autorização de construção para os lotes 1 a 5 terem de ser emitidos simultaneamente; e a obrigatoriedade dos edifícios, que se inserem nos lotes 1 a 5, possuírem as garagens em cave, destinados a estacionamento e do acesso a estas caves ter de ser feito através da rampa de acesso localizada no lote 5. </font>
</p><p><font>5. Tratam-se de verdadeiros ónus e encargos que, para além de não estarem previstos no contrato-promessa, pelo contrário, até porque implicam que os proprietários dos Lotes 1 a 3 estejam na inteira dependência de um terceiro, alheio ao contrato, proprietário dos demais lotes. </font>
</p><p><font>6. Tais ónus e/ ou encargos de responsabilidade que recaem sobre os lotes em causa impedem a construção nos mesmos, da forma pretendida no contrato-promessa, isto é, de forma independente e autónoma, sem dependência de terceiros. </font>
</p><p><font>7. Por forca dos ónus e/ou encargos criados na sequência do aditamento ao alvará de loteamento por parte da CMC é manifesto que as descrições dos lotes, as suas áreas e a sua configuração, são totalmente distintas das acordadas e que ficaram expressamente plasmadas no contrato-promessa. Vide alvará de loteamento (documento 9 junto com a Petição Inicial) e contrato-promessa, incluindo a planta anexa ao mesmo. </font>
</p><p><font>8. Tais ónus e/ou encargos são demasiado gravosos, já que alteram, de forma substancial, o objecto do contrato-promessa, em função do qual foi fixado o preço. </font>
</p><p><font>9. O cumprimento cabal da prestação a que a Recorrida se obrigou perante a Recorrente tomou-se impossível por culpa sua, não tendo a aquela logrado ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, por força do disposto nos artigos 344.º e 799.º, ambos do Código Civil; </font>
</p><p><font>10. É de considerar impossível o cumprimento de promessa de venda de três lotes de terreno completamente livres de ónus à data da escritura, quando a câmara municipal impõe a constituição de servidão sobre os lotes prometidos alienar a favor de dois lotes alheios ao objecto da promessa, obrigando ainda a que o levantamento das respectivas licenças de construção e a construção propriamente dita se faça simultaneamente; </font>
</p><p><font>11. A obrigação principal da Recorrida - de vender os lotes de terreno sem quaisquer ónus à data da escritura - era essencial para a Recorrente e configura uma obrigação de resultado. Pelo que, tomando-se a mesma impossível ainda que por decisão de terceiro, terá de concluir-se pelo definitivo e culposo incumprimento da promessa por parte da Recorrida e assim, dar acolhimento à pretensão de resolução do contrato formulada pela Recorrente. </font>
</p><p><font>12. Ainda que assim se não considere, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, o carácter essencial da cláusula que impunha à Recorrida a venda dos lotes sem quaisquer ónus determina objectivamente a perda de interesse por parte da Recorrente na compra dos lotes onerados com uma servidão de passagem para acesso aos estacionamentos, o que é ainda agravado pelo facto de o direito a construir por parte desta última se encontrar limitado pela vontade de um loteador alheio ao negócio, na medida em que as licenças dos lotes 1 a 3 só podem ser levantadas e a construção efectuada em simultâneo com a que seja levada a efeito nos lotes 4 e 5· </font>
</p><p><font>13. Finalmente, e caso nenhuma das anteriores razões proceda no sentido da existência de incumprimento definitivo e culposo por parte da recorrida/recorrida, o que só por hipótese de raciocínio se concede, sempre se há-de considerar que assiste razão à autora/recorrente para resolver o contrato com esse fundamento porquanto a recusa por parte daquela em aceitar propostas de resolução alternativa da situação - e a Recorrente apresentou-lhe três - consubstancia manifestamente uma manifestação (ainda que tácita) de não querer cumprir a promessa, o que legitima a resolução; </font>
</p><p><font>14. Ademais, a manutenção da obrigação de cumprir a promessa viola claramente os ditames da boa fé, não sendo exigível à autora/recorrente que permaneça vinculada a um contrato-promessa que lhe impõe a dependência de terceiros na sua concretização - no caso, a construção - sobretudo quando já passaram dez anos e a promitente-vendedora nada fez para solucionar o impasse resultante da imposição de ónus pela entidade licenciadora do projecto.” </font>
</p><p><b><font>I.B. – Questões a merecer pronúncia na revista.</font></b>
</p><p><font>Em face da sinopse conclusiva que quedou extractada, têm-se por pertinentes as sequentes questões:</font>
</p><p><font>- Admissibilidade do recurso da Demandada; Dupla conforme; </font>
</p><p><font>- Resolução do contrato-promessa; erro (essencial) sobre a base do negócio; Incumprimento; Perda de interesse em contratar. </font>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO.</font></b>
</p><p><font>O Tribunal de que provém o recurso julgou provados, depois de alterada/modificada a decisão de facto provinda da 1.ª instância, a sequente factualidade:</font>
</p><p><b><font>Adquiridos dos Factos Assentes:</font></b>
</p><p><font>A) - A A., “AA – ..., S.A.”, dedica-se à actividade imobiliária, designadamente à compra de terrenos para a construção de imóveis e posterior venda.</font>
</p><p><font>B) - Tendo girado anteriormente à actual denominação social, sob a firma “IMOBILIÁRIA GG, S.A.”, de que foram administradores para o quadriénio 2000/2003, HH, FF e II e para o quadriénio 2004/2007, EE, JJ e FF, com a matrícula …, da C. R. …, mudança essa, operada pela Ap. …, dessa Conservatória.</font>
</p><p><font>C) - As sociedades “CC – ..., Lda.” e a “DD, S.A.”, são accionistas da A.</font>
</p><p><font>D) - Por contrato-promessa de compra e venda de 2003.06.25, celebrado entre a Ré, “CC, S.A.” (representada pelo sócio-gerente EE) e “DD, S.A.” (representada pelo administrador FF), aquela prometeu vender e estas prometeram comprar, “livres de hipoteca, ou cativa de usufruto ou quaisquer outros ónus ou encargos de responsabilidade, à data da escritura", os lotes de terreno para construção urbana, designados por lotes nºs 1, 2 e 3 da Quinta ...– ... – Coimbra, do prédio com as inscrições matriciais sob os arts. …º e …º, da freguesia de ..., com as descrições sob o nºs … e … da C. R. Predial de Coimbra, pelo preço total de € 1.430.000,00 (um milhão quatrocentos e trinta mil euros), sendo € 500.000,00 (quinhentos mil euros) do lote nº 1, € 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil euros) do lote nº 2 e € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros) do lote nº 3, devendo ser pagos € 500.000,00, nesse acto, € 200.000,00 no assentamento dos lancis, € 200.000,00, na colocação do asfalto e os restantes € 530.000,00, no acto da escritura do último lote a ser escriturado - cláusulas 1ª e 2ª do contrato.</font>
</p><p><font>E) - Nos termos da cláusula 3.ª, a escritura devia ser outorgada no prazo de 1 ano, a contar da assinatura do contrato, nunca antes de estarem a pagamento as licenças de construção, devendo a escritura de um dos lotes ser outorgada até 2003.12.31, mesmo sem a licença de construção estar a pagamento – nº1 – e, se decorrido um ano, as licenças dos 3 lotes ainda não estiverem a pagamento, o contrato mantém-se válido, sendo prorrogado por 6 meses o prazo de realização das escrituras, findo o qual o contrato caducará, salvo se as promitentes-compradoras comunicarem por escrito, à promitente vendedora, a sua intenção de manter o contrato em vigor, por mais 6 meses – nº3 – devendo, no caso de caducidade, a promitente vendedora devolver às promitentes compradoras as quantias recebidas, com juros desde os recebimentos, à taxa Euribor, a 3 meses, acrescida de 3%, até efectiva devolução – nº4 – devendo a promitente vendedora notificar as promitentes compradoras, com 15 dias de antecedência mínima do dia, hora e local de celebração das escrituras – nº 5.</font>
</p><p><font>F) - Nos termos da cláusula 4.ª, a promitente vendedora iria diligenciar pela concessão dos projectos de arquitectura, a partir dessa data, dando conhecimento directo às promitentes compradoras da evolução da situação.</font>
</p><p><font>G) - Eram da conta da promitente vendedora todos os encargos, taxas e comparticipações, relativos ao loteamento e infra-estruturas, os custos dos projectos de arquitectura e especialidades, bem como da aprovação junto das entidades licenciadoras, sendo encargo das promitentes compradoras o pagamento das licenças de construção, da sisa, escritura, registos e escrituras – cláusulas 5.ª a 7.ª.</font>
</p><p><font>H) - As sociedades aludidas na al. C) supra, entregaram à Ré, em 2003.06.25, € 250.000,00, cada uma; em 2004.03.24, € 50.000,00, cada uma; em 2004.12.06 e 2005.04.29, € 100.000,00 e € 50.000,00, respectivamente, enquanto a A. entregou à Ré, em 2006.01.16 e 2006.02.23, € 100.000,00 e € 50.000,00, respectivamente, sendo dessas quantias, € 500.000,00 respeitantes ao preço do lote nº 1, cuja escritura teve lugar em 2004.05.28.</font>
</p><p><font>I) - Em 2004.03.24, a Ré e a “IMOBILIÁRIA GG, S.A.” (esta representada por HH e II), assinaram o contrato promessa de compra-e-venda de 2003.06.25, referido na al. D).</font>
</p><p><font>J) - A Ré entregou, na Câmara Municipal de Coimbra (C.M.C.) os projectos de arquitectura e especialidades.</font>
</p><p><font>L) - Por ofício de 2005.12.30, a C.M.C. comunicou à A. o deferimento da autorização de construção do lote nº 1, devendo ela requerer a emissão do alvará de licença, no prazo de 1 ano.</font>
</p><p><font>M) - A C.M.C. emitiu o alvará de loteamento nº …, da Quinta ..., em 2003.10.06.</font>
</p><p><font>N) - A mesma C.M.C. emitiu, em 2005.12.19, um aditamento ao alvará de loteamento nº … antes referido, em que “para as áreas de estacionamento privado em cave, correspondentes aos grupos de lotes (1,2 e 3), (4 e 5), (6 a 11), (12 a 14), (15 a 19) e (21 a 25) devem ser estabelecidos, no regime de propriedade horizontal, direitos de serventia particular e acesso viário às garagens, a favor de cada um dos lotes, respectivamente, ónus esses a inscrever, na respectiva descrição predial”.</font>
</p><p><font>O) - Em 2007.04.17, a C.M.C. deferiu a emissão das licenças de construção dos lotes 1, 2 e 3, com as condicionantes: “para as áreas de estacionamento privado em cave, correspondentes ao grupo de lotes 1 a 5, devem ser estabelecidos no regime de propriedade horizontal, direitos de serventia particular e acesso viário às garagens, a favor de cada um dos lotes, respectivamente”; “os alvarás de autorização de construção para os lotes 1 a 5, devem ser emitidos simultaneamente”; “os edifícios que se inserem nos lotes 1 a 5 possuem as garagens em cave, destinados a estacionamento. O acesso a estas caves é feito através da rampa de acesso localizada no lote 5”.</font>
</p><p><font>P) - A C.M.C. informou a A., em 2008.02.27, que os lotes 4 e 5 são os únicos que ainda não pediram a emissão do alvará de licença de construção.</font>
</p><p><font>Q) - A licença de construção para os lotes 1, 2 e 3, estava deferida pela C.M.C., em Dezembro/2005.</font>
</p><p><font>R) - Por carta de 2007.09.27, a Ré notificou a A. para celebrar a escritura dos lotes 2 e 3, em 2007.10.16, em Coimbra, interpelando-a para pagar, no acto da escritura, € 900.000,00, ainda em dívida e afirmando não incidirem quaisquer ónus sobre os lotes 1 a 3, encontrando-se as licenças de construção disponíveis, para levantamento.</font>
</p><p><font>S) - A A. respondeu a essa carta, por uma de 2007.10.12, dizendo só serem devidos € 530.000,00, existirem ónus e não poderem ser levantadas as licenças de construção.</font>
</p><p><font>T) - A. e Ré compareceram, em 2007.10.16, no Cartório Notarial de Coimbra, onde foi lavrado “Instrumento notarial avulso” de não celebração da escritura, pelas razões invocadas pela A. constantes da alínea anterior.</font>
</p><p><font>U) - Nos lotes 1, 2 e 3 referidos, foram previstos 10, 14 e 15 fogos (8 de habitação + 2 de comércio, 12 de habitação + 2 de comércio e 15 de habitação, respectivamente).</font>
</p><p><font>V) - No aditamento aludido na al. N), passaram os lotes 1, 2 e 3 a ter 10 (8 de habitação + 2 de comércio, nos 1 e 2) e 10 (de habitação) o 3.</font>
</p><p><font>X) - O preço fixado, no contrato-promessa aludido nas als. D) e I) supra, foi na base de € 50.000,00 por fogo.</font>
</p><p><font>Z) - Em 2005.0 | [0 0 0 ... 0 0 0] |
-DKOu4YBgYBz1XKvsRpt | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AA, Lda.</font></b><font>, com sede na ..., nº ..., ..., em ..., instaurou contra </font><b><font>Caixa BB, S.A.</font></b><font>, com sede na …, n° …, em Lisboa, acção declarativa com processo ordinário, alegando que a </font><i><font>CC - …, S.A</font></i><font>., da qual a A. é accionista, em 3/3/1994, celebrou com a </font><i><font>Caixa BB</font></i><font>, um contrato de abertura de crédito em conta corrente, no montante de 350.000.000$00. No decurso de alterações ao referido contrato, foi subscrita uma livrança, avalizada pela A., onde apenas constava a data de emissão de 11/3/1994, o nome da subscritora CC, o nome da A. e dos demais avalistas DD, S.A. e EE, Lda., também accionistas da CC, reservando a Caixa BB, nos termos da cláusula 4ª, da 3ª alteração ao contrato, o direito de preencher a livrança "quando se mostrar necessário, a juízo da Caixa", mas a al. a) da referida cláusula 4ª, esclarece que "a data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento". Pelo menos desde 2004, a situação de incumprimento da CC é grave, não tendo a Caixa BB qualquer possibilidade de receber o seu crédito. A Caixa BB, mesmo sem ter preenchido a livrança, considerou a importância da livrança vencida e em cobrança à A., facto que teve consequências nefastas para a A. que viu o seu crédito cortado e passou a pagar "spreads" mais elevados pelas obrigações em curso. Pelo menos desde 17/12/2003, a livrança está a pagamento pelo avalista DD que, tanto quanto a A. sabe, se prontificou a pagar. Assim, a data de vencimento da livrança ocorreu em 2003, data em que se verificou total incumprimento do contrato de crédito pela CC e em que a Caixa BB exigiu o cumprimento da avalista DD, simples devedor cambiário. A livrança em branco é prescritível no prazo referido no art. 70° da LULL e a data do seu vencimento resulta da conjugação do contrato de preenchimento com o título cambiário. Face ao acordo de preenchimento a livrança devia ser preenchida em 2003, data do incumprimento definitivo do contrato de crédito pela CC e como há bem pouco tempo se manifestava por preencher, não pode agora ser preenchida, porque prescreveu.</font>
</p><p><font> Conclui </font><i><font>pedindo</font></i><font> que se declare prescrita a livrança e, em consequência, extinta a obrigação da A. como avalista. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Contestou a Caixa BB aceitando a qualidade de avalista da A. na livrança subscrita pela CC, que lhe foi entregue em caução do crédito concedido a esta, por contrato celebrado em 11/3/1994, contrato este que deixou de ser pontualmente cumprido pela mutuária em 31/10/2014. Ainda assim, a A. e os restantes avalistas autorizaram a R. a preencher a livrança, quando tal se mostre necessário a juízo da própria Caixa, tendo em conta nomeadamente que "a data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito". Deste acordo não resulta que a portadora da livrança tenha um prazo para a preencher ou que na mesma tenha que ser inserida uma determinada data de vencimento. O "quanto" e o "quando" da dívida, o montante da livrança e a sua data de vencimento são dois elementos essenciais do título que têm de ficar em branco quando, como é o caso, se destinam a caucionar um contrato de abertura de crédito, sob pena do título perder toda a sua utilidade, enquanto instrumento de titulação dos créditos emergentes dos ditos contratos, ficando os avalistas, subscritores da livrança em branco, sujeitos ao direito potestativo do portador preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento. Enquanto a livrança não for preenchida, e nela inserida a data de vencimento, não se inicia qualquer prazo de prescrição. De qualquer forma, a A. promoveu e subscreveu os acordos dos co-avalistas com a R. para negociar o incumprimento da CC e ao invocar agora que tais negociações fizeram prescrever a sua obrigação age com abuso de direito, na modalidade de </font><i><font>venire contra factum propriu</font></i><font>. E caso a A., como diz, conhecesse desde 2003 a "iminente" situação de insolvência da subscritora da livrança, ainda não decretada, tanto quanto é do conhecimento da R., poderia ter pago a divida e exercer o seu direito de regresso contra a CC reduzindo assim os riscos de não obter, por esta via, o pagamento, como agora alega.</font>
</p><p><font> Concluiu pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A A. replicou, por forma a afastar a defesa da R., na parte em que a qualificou por excepção e requereu a ampliação do pedido, neste incluindo para além da declaração de prescrição da livrança, o seguinte: "</font><i><font>ser declarada nula como titulo cambiário, por o seu preenchimento já não ser possível e, em consequência e em qualquer caso extinta a obrigação da Autora, como avalista</font></i><font>".</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A R. triplicou opondo-se à requerida ampliação do pedido - não obstante o considerar mera decorrência do pedido inicial formulado pela A. - porque extravasaria o âmbito da presente acção, uma vez que existem outros responsáveis pelo pagamento da livrança que não são partes nos autos e por se haver tornado inútil a ampliação com o preenchimento, entretanto ocorrido, da livrança facto que é do conhecimento da A.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Foi admitida a ampliação do pedido, foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância e condensado o processo com factos provados e base instrutória.</font>
</p><p><font> Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font>
</p><p><font> Nesta julgou-se a acção procedente e, em consequência, declarou-se que se encontra prescrita relativamente a A. a acção cambiária da livrança identificada na petição como documento nº 6, emitida à ordem da R. em 94/03/04, subscrita pela CC-..., S.A., e avalizada, entre outros, pela A.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. Caixa BB de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 24-3-2015, julgado procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e julgando a acção improcedente. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1- O douto acórdão recorrido na interpretação do pacto de preenchimento não levou em conta as boas regras de hermenêutica e abona-se em pressupostos manifestamente errados.</font>
</p><p><font> 2- O primeiro elemento a ter em conta é o elemento gramatical (ou literal) e tem um sentido positivo do conteúdo do negócio e negativo que afasta aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou pelo menos uma correspondência ou ressonância no texto. Para tal é preciso atender às regras da linguagem, ou seja, o sentido dos termos e expressões negociais empregues no negócio jurídico. </font>
</p><p><font> 3- O contrato de preenchimento, no seu sentido literal, não tem dificuldades, que um destinatário médio, ou seja, de inteligência cultura e diligência médias, não atinja. Daí, o sentido literal é o que lhe dá um destinatário médio, de acordo com as regras da linguagem. </font>
</p><p><font> 4- O acórdão recorrido parte de pressupostos errados e assim refere: "</font><i><font>O incumprimento pelo mutuário das obrigações assumidas é condição necessário do preenchimento da Iivrança</font></i><font>". </font>
</p><p><font>Isto está errado. </font>
</p><p><font>De acordo com o parágrafo primeiro do pacto de preenchimento este titula as responsabilidades e não o incumprimento, pois se refere: Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente…</font>
</p><p><font> 5- Acresce ainda que o incumprimento, não é condição necessária do preenchimento e pode haver responsabilidade sem incumprimento v.g. em caso de não renovação do contrato, referindo-se no parágrafo primeiro: "autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita Iivrança quando tal se mostre necessário a juízo da própria Caixa". Logo, conclui-se que a Caixa podia preencher a Iivrança, a seu juízo quando o tivesse por conveniente.</font>
</p><p><font> 6- De seguida, com manifesta violação das regras da linguagem, entra na interpretação do pacto de preenchimento, que se desdobra em dois parágrafos e é do seguinte teor: </font>
</p><p><font>1° PARÁGRAFO: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente a mutuária e os segundos contraentes entregam à Caixa uma livrança em branco subscrita pela mutuária e avalizada pelos segundos e autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, tendo em conta nomeadamente o seguinte</font></i><font>". </font>
</p><p><font>2° PARÁGRAFO </font>
</p><p><font>“</font><i><font>A data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento da mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito</font></i><font>". </font>
</p><p><font> 7- O primeiro parágrafo é de carácter geral e representa uma simples possibilidade, o segundo uma actuação concreta, pois refere “</font><i><font>a data de vencimento será fixada pela Caixa</font></i><font>" em dois casos: o de incumprimento das obrigações assumidas pela mutuária ou para realização coactiva do respectivo crédito. </font>
</p><p><font> 8- No acórdão “a quo", apenas se toma em consideração o segundo parágrafo, truncagem que perturba o entendimento do pacto de preenchimento, como resulta dos erros cometidos, pressupostos do acórdão. </font>
</p><p><font> 9- No acórdão "a quo", considera-se o incumprimento à realização coactiva do crédito, entendendo-se que, verificado o incumprimento (condição que erradamente se julga necessária) se abriria prazo para a Caixa, quando quisesse, ou seja, a seu capricho, procedesse à realização coactiva do crédito. </font>
</p><p><font>Tal interpretação está errada </font>
</p><p><font> 10- O segundo parágrafo está dividido em duas orações que correspondem a duas hipóteses: </font>
</p><p><font>A data de vencimento será fixada pela Caixa, em duas hipóteses: </font>
</p><p><font>1ª HIPÓTESE: Em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas </font>
</p><p><font>2ª HIPÓTESE: ou para realização coactiva do respectivo crédito. </font>
</p><p><font>As duas hipóteses estão separadas pela conjunção coordenada disjuntiva ou o que dá origem a uma oração coordenada disjuntiva. </font>
</p><p><font> 11- As orações, podem ser coordenadas ou subordinadas. As subordinadas, como seria o caso da subordinada condicional se ou a final para condicionam o texto anterior, as coordenadas abrem uma oração independente ou autónoma. Acresce ainda que a conjunção ou é coordenada disjuntiva, o que, de acordo com os dicionários, significa; que desune ou separa. Na verdade disjuntar é não juntar, separar. As duas orações, entre si, são independentes. </font>
</p><p><font> 12- A primeira oração, refere que: "A data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento das obrigações assumidas" </font>
</p><p><font>O termo FIXADA, é o particípio passado do verbo fixar e adjectiva como nome predicativo do sujeito, a data de vencimento. </font>
</p><p><font>Como referem as gramáticas (sic. Celso Cunha e Lindley Cintra - Gramática, págs. 447): "</font><i><font>as perifrases constituídas com o particípio passado exprimem o aspecto acabado, concluído e as constituídas com o infinitivo ou gerúndio exprimem aspecto inacabado, não concluído</font></i><font>". O verbo, que na oração indica a acção é será, é do verbo ser, que, entre outras coisas, indica dar existência. </font>
</p><p><font>Logo, a primeira oração refere aquilo que dizem as palavras: </font>
</p><p><font>"</font><i><font>Em caso de incumprimento das obrigações assumidas será fixada a data de vencimento</font></i><font>".</font>
</p><p><font>É errada a posição do acórdão "a quo", quando refere que a partir do incumprimento podia a livrança ser preenchida quando a Caixa quisesse, pois não se usou o infinitivo, mas o particípio passado. </font>
</p><p><font> 13- A segunda oração, que é perfeitamente autónoma da primeira, porque separada pela conjunção coordenada disjuntiva ou refere que a Iivrança será preenchida para efeito de realização coactiva do respectivo crédito, O testo, ao contrário do que pretende o acórdão "a quo", não condiciona tal poder ao incumprimento, nem o texto comporta tal interpretação e o efeito negativo da declaração impede esta, que não está minimamente contida no texto. </font>
</p><p><font>Assim, haja ou não incumprimento, podia a Caixa, preencher a livrança se pretendesse exercer coactivamente o seu crédito, pois o texto não a condiciona a coisa alguma, como aliás resulta também do parágrafo primeiro </font>
</p><p><font> 14- Ora o incumprimento, verificou-se em 31/10/2004 e em 14/05/2009, a livrança estava por preencher. </font>
</p><p><font>Ao preencher a livrança em data posterior a 14/05/2009 a Caixa desrespeitou o pacto de preenchimento que apontava a data do preenchimento que foi 31/10/2004. </font>
</p><p><font> 15- O desrespeito pelo pacto de preenchimento, gera preenchimento abusivo o que provoca a nulidade do título. </font>
</p><p><font> 16- O acórdão recorrido parte do errado pressuposto de que o vencimento a partir do qual se conta a prescrição é o inscrito na própria Iivrança. </font>
</p><p><font>Ora acontece que o vencimento tem um sentido mais alargado. A este propósito refere Abel Delgado (Lei Uniforme de Letras e Livranças, anotação 3 do art. 41º): </font>
</p><p><font>"</font><i><font>O dia do vencimento a que se refere o art. 41° nº1 é o dia em que a letra é exigível</font></i><font>". </font>
</p><p><font> 17- Ora a letra pode ser exigível, sem qualquer data de vencimento nos termos do art. 2°, 2 da LULL, em que se considera "à vista", ou, nas relações imediatas, por recurso à relação fundamental, como refere a doutrina mais acreditada em que destacamos Gonsalves Dias e Ferrer Correia. </font>
</p><p><font> 18- A AA, Lda, porque subscreveu a relação fundamental, está no âmbito das relações imediatas, pois subscreveu o contrato, onde se insere o pacto de preenchimento. </font>
</p><p><font> 19- Parte ainda do errado pressuposto de que a Iivrança só é prescritível depois de preenchida. Ora a Iivrança em branco é prescritível. Neste sentido Vaz Serra (Títulos de credito Boletim 61, págs. 289) e Abel Delgado (Lei Uniforme de Letra e Livranças, anotação 11 ao art. 10°). </font>
</p><p><font> 20- Refere Vaz Serra: “</font><i><font>a acção cambiária prescreve nos termos do artigo 70° da LULL- Tem-se discutido se a acção resultante da letra em branco é prescritível. A solução dominante é afirmativa e segundo ele essa prescrição é a prescrição cambiária e não a prescrição civil</font></i><font>". </font>
</p><p><font> 21. Refere Abel Delgado: "</font><i><font>A acção resultante da letra em branco é prescritível, sendo essa prescrição a prescrição cambiária</font></i><font>" </font>
</p><p><font> 22- Como dissemos no âmbito das relações imediatas a relação é causal e não literal e abstracto. A este propósito refere Abel Delgado (Lei Uniforme das Letras e Livranças anotação 7 ao art. 17°): "</font><i><font>Nas relações imediatas, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta. Essa obrigação fica sujeita às excepções, que nessas relações pessoais, se fundamentam</font></i><font>". </font>
</p><p><font> 23- O recurso à relação fundamental é encarado por José Gonsalves Dias (Da Letra e da Livrança, pags 555 do vol. IV) também refere: </font>
</p><p><font>"</font><i><font>Consequentemente, a fixação do prazo para determinar o decurso da prescrição da letra em branco, sem indicação do vencimento, não é impossível. Aqui, o recurso à prova estranha é justificável, por o exercício da acção cambiária andar ligada à convenção de preenchimento</font></i><font>". </font>
</p><p><font> 24- Também Ferrer Correia (Letra de Cambio, pags.103 a 105), refere que: "</font><i><font>Nesta ultima hipótese, já sabemos que, dentro das relações imediatas, podem as partes invocar um acordo extra-cartular por onde se prove que foi fixado, embora não venha referido na letra, um outro vencimento. Por isso, a presunção daquele preceito só assume uma feição absoluta no domínio das relações mediatas.</font></i><font>". </font>
</p><p><font> 25. Ora o incumprimento ocorre em 31/10/2004 e a Iivrança em 14/05/2009, estava por preencher, pelo que decorreram mais de três anos consignado no art. 70° da LULL, pelo que a Iivrança, além de nula por preenchimento abusivo, prescreveu. </font>
</p><p><font> 26- Mesmo aceitando, por pura dialéctica a posição do acórdão “a quo", a Iivrança teria prescrito, porque a contagem do prazo prescricional não se faz como se pretende. </font>
</p><p><font> 27- Refere o sr. Juiz “a quo": “… </font><i><font>tal incumprimento ocorreu em 31/10/2004, data em que a livrança se tornou exigível e se iniciou a contagem do prazo de prescrição, no entender da ré</font></i><font>, (aqui há lapso, pois refere a Autora) </font><i><font>desde que houvesse incumprimento da relação subjacente poderia preencher a livrança quando entendesse</font></i><font>". </font>
</p><p><font>Assim conclui-se que no entender do acórdão "a quo", a Iivrança se tornou exigível em 31/10/2004, podendo, a partir de tal data preenche-la (a Caixa), quando quisesse </font>
</p><p><font> 28- O prazo prescricional conta-se, ao contrário do que se pretende no acórdão “a quo" a contar da data em que a obrigação se tornou exigível, e não da data em que a Caixa a preencheu. </font>
</p><p><font> 29- A este propósito refere Vaz Serra (Prescrição, Extintiva e Caducidade separata do Boletim do Ministério da Justiça, págs. 190): </font>
</p><p><font>“… </font><i><font>pode acrescentar-se que se a prescrição só começasse a correr com a declaração de vontade (denuncia, interpelação) a finalidade da prescrição de criar uma situação jurídica segura não seria em muitos casos alcançada, pois tal declaração de vontade não poder muita vezes provar-se passado longo tempo</font></i><font>" (em nota). </font>
</p><p><font>No texto refere: </font>
</p><p><font>"....</font><i><font> se depender do credor fazer com que nasça o seu direito de agir contra o devedor (v.g. por denuncia ou aviso a este) a prescrição começa logo que o credor pode tornar exigível a obrigação, pois a partir de então, há inércia da sua parte</font></i><font>". </font>
</p><p><font> 30- De acordo com o acórdão "a quo" a obrigação tornou-se exigível em 31/10/2004, contando-se a prescrição de tal data, e não quando a Caixa, pode, a capricho, preencher a Iivrança. </font>
</p><p><font> 31- Na tese vertida no acórdão "a quo", que não se aceita, a livrança teria prescrito também. </font>
</p><p><font> 32- Da matéria de facto, apurada na resposta ao quesito 5, do documento nº 4, junto à petição, da resposta ao quesito 8, do especificado em H e do especificado em M e do tempo decorrido até ao preenchimento da livrança, conclui-se que: </font>
</p><p><font>A DD, obrigou-se ela própria a pagar o débito da CC à Caixa, para libertar as responsabilidades dos accionistas, para com a Caixa, onde se inseria a AA, Lda.</font>
</p><p><font> 33- A Caixa acordou com a DD, que fosse ela própria a pagar, pois nunca interpelou a AA, Lda., porque a DD, se propôs, ela própria, a pagar, sendo que acordou com a DD, que a liquidação do débito, ocorresse com a reestruturação financeira do Grupo DD. </font>
</p><p><font> 34- A AA, Lda., sedimentou a convicção indefectível que o assunto resolvido pela intervenção da DD, com apoio da Caixa, convicção esta reforçada com o largo tempo decorrido desde 2004 a 2009. </font>
</p><p><font> 35- A Caixa veio a alterar a sua posição iniciada em 2003 e mantida ao longo do tempo, pois, NUNCA interpelou a Autora AA, Lda. </font>
</p><p><font> 36- Ao alterar a sua posição, tão longo tempo mantida, frustrou as expectativas da Autora AA, Lda., sedimentadas no longo prazo decorrido, e incorreu em abuso de direito, na modalidade "</font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>". </font>
</p><p><font> NESTES TERMOS, DANDO PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGANDO O DOUTO ACÓRDÃO, CONSIDERANDO A ACÇÃO PROCEDENTE E PROVADA, SE FARÁ JUSTIÇA </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil)</font>
</p><p><font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se a livrança foi preenchida com desrespeito pelo pacto de preenchimento, o que provoca a nulidade do título.</font>
</p><p><font> - Se acção cambiária se encontra prescrita. </font>
</p><p><font> - Se a R. Caixa agiu com abuso de direito. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> A) A sociedade CC-..., S.A., pediu um financiamento à ré Caixa BB, S.A., por contrato de abertura de crédito em conta corrente à tesouraria, importação e/ou exportação, celebrado em 3 de Março de 1994, considerado perfeito 11 de Março de 1994, alterado em 20 de Maio de 1994 (1ª alteração), alterado em 18 de Maio de 1995, considerado perfeito em 22 de Maio de 1995 (2a alteração), alterado em 12 de Agosto de 1996, considerado perfeito na mesma data (3ª alteração), conforme documento constante de fls. 23 a 45, cujo teor se dá por reproduzido.</font>
</p><p><font> &nb | [0 0 0 ... 0 0 0] |
9jJ1u4YBgYBz1XKvpQvm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Processo n.º 17085/15.8T8LSB.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam, em conferência, neste Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1. AA, UNIPESSOAL, L.DA</font></b><font> intentou acção comum contra</font><b><font> MASSA INSOLVENTE DA BB, CC, L.DA</font></b><font>, </font><b><font>DD, L.DA, EE, L.DA,</font></b><font> peticionando que:</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>a) Se declare a nulidade do contrato de compra e venda celebrado, entre a 1.ª e a 3.ª Rés, em 23.10.2014;</font>
</p><p><font>b) Em consequência, se declare a nulidade do contrato de compra e venda celebrado, entre a 3.ª e 4.ª Rés, em 06.11.2014; </font>
</p><p><font>c) Seja ordenado o consequente cancelamento dos registos de aquisição sobre o IMÓVEL respeitantes aos contratos mencionados nas alíneas antecedentes;</font>
</p><p><font>d) Se declare que a autora – após pagamento do preço de € 521.000,00 em prazo a fixar pelo Tribunal – é a proprietária do IMÓVEL na sequência da adjudicação realizada em 18.09.2014;</font>
</p><p><font>e) A 4.ª RÉ seja condenada a entregar o IMÓVEL à Autora, livre de quaisquer ónus, encargos, pessoas ou bens; </font>
</p><p><font>f) Serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento à Autora do montante de € 4.024,09 (quatro mil e vinte e quatro euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor desde a citação até integral e efectivo pagamento;</font>
</p><p><font>g) Serem as Rés condenadas no pagamento à Autora do valor dos encargos por esta suportados com os honorários dos seus Mandatários, em montante a liquidar no decurso da presente acção;</font>
</p><p><font>h) Em qualquer caso, serem as Rés condenadas no pagamento de custas processuais e o mais que for de lei.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para tanto alegou, em síntese, que é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de imóveis ou terrenos para revenda, entre outras actividades. Por morte de BB, foi aberta a respectiva Herança, com o NIF ..., lendo a mesma sido declarada insolvente por Sentença proferida em 24.04.2014 pelo 6.º Juízo Cível de Lisboa, no âmbito do Processo n.º 24/10.0YXLSB, o qual corre agora termos na Secção Cível (J16) da Instância Local deste Tribunal de Comarca.</font>
</p><p><font>A Massa Insolvente da BB, ora 1.ª Ré, é administrada e representada pelo Administrador de Insolvência nomeado pela Sentença que declarou a insolvência, Dr. FF.</font>
</p><p><font>O falecido BB era proprietário, entre outros imóveis, do prédio urbano composto por R./C, 1.º e 2.º andares e águas furtadas, sito na Rua do ..., ..., Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana respectiva, com o artigo ..., da freguesia de .... Razão pela qual este imóvel integrava o acervo patrimonial da BB, tendo sido objecto de apreensão pelo Administrador de Insolvência à ordem do referido processo.</font>
</p><p><font>A 2.ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica a leilões, avaliações gerais e actividades imobiliárias, entre outras actividades, tendo coadjuvado o referido Administrador de Insolvência da 1.ª Ré na promoção e venda dos imóveis desta que foram apreendidos no âmbito do processo dc insolvência.</font>
</p><p><font>A 3.ª Ré era arrendatária do imóvel, de acordo com a informação que foi veiculada à Autora pelo Administrador de Insolvência da 1.ª Ré e pela 2.ª Ré.</font>
</p><p><font>A 4.ª Ré, por sua vez, é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.</font>
</p><p><font>O "direito de preferência" supostamente exercido pela 3.ª Ré na compra do imóvel acima referido, previamente licitado e adjudicado à Autora pelo Administrador de insolvência da 1.ª Ré no âmbito do processo de insolvência, não visou de forma alguma, a efectiva compra do imóvel pela e para a 3.ª Ré. Pelo contrário, são já várias as evidências de que a 3.ª Ré jamais pretendeu exercer, para si, o direito de preferência atinente à qualidade de arrendatária da imóvel e apenas "exerceu" tal suposto direito, num momento em que, aliás, o mesmo já havia caducado, para garantir que o imóvel da 1.ª Ré fosse vendido à 4.ª Ré e já não, consequentemente, à Autora.</font>
</p><p><font>Desde logo, resulta evidente dos mais elementos disponíveis nos autos que a 3.ª Ré não teria, à partida, qualquer interesse em adquirir para si o imóvel ou sequer capacidade financeira para a fazer. Aliás, tal falta de interesse foi manifestada desde o início do processo, momento em que a 3.ª Ré não só nada disse quanto á notificação que lhe foi remetida pela 2.ª Ré, em 10.09.2014, como também não compareceu na diligência designada para o dia 18.09.2014. Na verdade, a Exma. Senhora Dra. GG, Comercial da HH, ..., Lda., que actua com a designação de II, frequentava com assiduidade o estabelecimento comercial explorado pela 3,ª Ré no R/C da imóvel, tendo já manifestado ao sócio-gerente da mesma o seu interesse no imóvel, por considerar que poderia encontrar clientes para o mesmo. Aliás, tanto assim é que tal Comercial da II tinha já contactado o Sr. Administrador de Insolvência da 1.ª Ré, no sentido de angariar a venda da IMÓVEL, tendo sido informada que tal tarefa estava já a cargo da ora 2.ª Ré. Num dos dias em que se deslocou ao estabelecimento comercial explorado pela 3.ª Ré, foi a Ex.ma Senhora Dra. GG informada pelo sócio-‑gerente daquela que havia recepcionado uma notificação dirigida pela 2.ª Ré, que o imóvel iria ser vendido e que a 3.ª Ré, por não ter condições de concorrer à venda do mesmo, teria que abandonar o local. Assim, o sócio-‑gerente da 3.ª Ré interpelou a Exma. Senhora Dra. GG no sentido de saber se havia alguma coisa que pudesse ser feita com vista a que a 3. ª Ré não tivesse que abandonar o locado de "mãos a abanar", ou seja, sairia por nela não ter forma de exercer o seu direito de preferência mas, idealmente, receberia uma contrapartida pecuniária para o efeito. A Exma. Senhora Dra. GG, Comercial da II e licenciada em …, vislumbrou, desde logo, uma oportunidade de negócio e transmitiu ao sócio-gerente da 3.ª Ré que tudo tentaria para concretizar a pretensão daquela, isto é, sair do IMÓVEL contra o pagamento de uma compensação. Em primeiro lugar, a Exma. Senhora Dra. GG solicitou ao sócio-gerente da 3.ª Ré que lhe mostrasse a notificação que havia recebido da 2.ª Ré, tendo transmitido àquele que tentaria colocar em causa a forma como a mesma havia sido realizada, já que este deveria estar presente na diligência convocada para 18.09.2014 mas, não tendo condições para exercer o seu direito de preferência, não poderia fazê-lo. Em segundo lugar, a Exma. Senhora Dra. GG contactou de imediato um seu Colega, o Exmo. Senhor JJ, perguntando-lhe se teria conhecimento de qualquer potencial interessado na aquisição do imóvel, no pagamento da inerente compensação à 3.ª Ré e da comissão da II. Ao que este respondeu afirmativamente, indicando uma sua cliente habitual, a 4ª Ré. Nesta sequência, foi celebrado entre a HH, ..., Lda., a 3.ª e 4° Rés um "Contrato de Mediação Imobiliária", mediante o qual a 4.ª Ré "prometeu comprar um prédio, sito na Rua do ... em Lisboa, freguesia do ... (…) à sociedade DD, Lda., (…), angariado à firma vendedora em 09.10.2014 (…)".</font>
</p><p><font>De acordo com o mencionado convénio, "O valor do contrato em causa é de € 556.000,00 (quinhentos e cinquenta e seis mil euros)."E, já sem surpresa, declararam as Partes contraentes que "A Terceira Outorgante substitui-se à Segunda Outorgante no pagamento da remuneração à Mediadora, HH". A par dos acordos que iam sendo concretizados entre a II, a 3.ª e a 4.ª Rés, afigurava-se necessário protelar o processo de venda do imóvel no âmbito do processo de insolvência, o que foi concretizado mediante a vasta troca de correspondência acorrida entre a 2.ª e 3.ª Rés, os sucessivos pedidos de novas (e infundadas) notificações e o efectivo envio destas últimas. Para além de ser já evidente que a 3.ª Ré se encontrava destituída de qualquer capacidade e interesse para proceder ao pagamento do preço da imóvel: reitere-se que esta pagava de renda a singela quantia de € 150,00 mensais. Mais, como também se adiantou supra, colaboradores da 2.ª Ré e, bem assim, o próprio Administrador de Insolvência da 1.ª Ré, Dr. FF, informaram a Autora que a 3.ª Ré não iria preferir, por não ter sequer capacidade financeira para tal. Ademais, resulta das contas da 3.ª Ré, referentes ao exercício de 2013 que esta teve um resultado líquido de – € 8.856,38, apresentando vendas brutas na ordem dos € 42.684,29. Saldos de caixa e depósitos bancários de € 127,62. Um activo total de 7.204,68, no qual se inclui ainda um crédito de € 5.000,00 sobre o Estado, inventários de € 1.135,00 e activos fixos tangíveis de € 942,06. De onde se conclui inequivocamente que a 3.ª Ré não teria em caixa ou no Banco saldos que lhe permitissem proceder ao pagamento do preço pelo qual declarou comprar o IMÓVEL, nem bens para dar em garantia a qualquer eventual Instituição Bancária que financiasse a operação, ou, enfim, capacidade de contrair um empréstimo bancário de mais de meio milhão de euros, como, de resto, se veio a confirmar.</font>
</p><p><font>Aliás, prova do que antecede é a facto de ter sido a 4.ª Ré a proceder ao pagamento da comissão da II no montante de € 20.516,40 e, bem assim, ao pagamento dos seguintes valores:</font>
</p><p><font>(i) O valor que a 3.ª Ré declarou ter pago à 1.ª Ré na escritura pública de compra e venda do imóvel junta como Documento n.º 24 – € 521.000,00;</font>
</p><p><font>(ii) O valor de IMT relativo a essa escritura pública, cujo pagamento a 3.ª Ré comprovou no acto da aludida escritura pública junta como Documento nº 24 – € 30.644,75;</font>
</p><p><font>(iii) O valor de Imposto de Selo relativo a essa escritura pública, cujo pagamento a 3.ª Ré comprovou no acto da aludida escritura pública;</font>
</p><p><font>(iv) O valor de 5% sobre o preço de compra do IMÓVEL pela 3.ª à 1.ª Ré, correspondente à Comissão da 2.ª Ré, ascendente a € 26.050,00; </font>
</p><p><font>(v) O IVA incidente sobre esse valor – € 5.991,50.</font>
</p><p><font>Tudo num total de € 587.854,25.</font>
</p><p><font>A tais valores acresceu, ainda, e conforme havia sido entre as partes combinado, o pagamento, pela 4.ª à 3.ª Ré, de uma "compensação" pelo exercício do direito de preferência por conta da 4.ª RÉ.</font>
</p><p><font>Ora, o que se acaba de expor, evidencia a intenção constante das Rés, de garantirem a venda do IMÓVEL à 4.ª Ré, com a inerente preterição do direito da Autora.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Citadas, regularmente, vieram as Rés "CC, L.DA", MASSA INSOLVENTE DA BB, "DD, L.DA” e EE, L.DA deduzir contestação, invocando excepções e impugnando a matéria de facto invocada pela Autora, nos termos constantes de fls. 248 a 255; 260 a 266; 274 a 287 e 291 a 300, respectivamente. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Após o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as RR. do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada, recorreu a A, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença impugnada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sem se conformar, interpôs a A. recurso de revista excepcional, recurso que foi admitido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A A. recorrente apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A) Entende a RECORRENTE que se encontram verificados os pressupostos para a admissão do presente recurso de revista excecional, uma vez que: </font>
</p><p><font>i. se encontram reunidos os requisitos previstos para o recurso de revista "norma!', designadamente os consagrados nos artigos 629.º e 671.º do CPC.; </font>
</p><p><font>ii. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância ("dupla conforme”; e </font>
</p><p><font>iii. verificam-se as três condições de admissibilidade elencadas no n.º 1 do artigo 672.º do CPC, designadamente: </font>
</p><p><font>a) está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação e uniformização do regime jurídico do direito de preferência dos arrendatários; </font>
</p><p><font>b) estão em causa interesses de particular relevância social, atento o panorama nacional atual e as possíveis implicações nos direitos constitucionalmente consagrados de propriedade e à habitação; e, por último, </font>
</p><p><font>c) o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa está em manifesta contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por este Supremo Tríbunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.05.2018, proferido no âmbito do processo n.º 1832/15.0T8GMR.G1.S2, de que foi Relatora MARIA DO ROSÁRIO MORGADO). </font>
</p><p><font>B) O Acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, incorreu num erro de aplicação e interpretação da lei de processo, designadamente do disposto no artigo 5.º do CPC. </font>
</p><p><font>C) A apreciação da (in)existência do direito de preferência dos arrendatários de partes de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal é uma questão puramente de Direito que devia ter sido conhecida pelo Tribunal recorrido. </font>
</p><p><font>D) O disposto no artigo 1091.º, n.º 1, do CC deverá ser interpretado no sentido de o direito de preferência do arrendatário estar limitado ao local arrendado, objeto do contrato de arrendamento, se se tratar de bem jurídico autónomo; caso o prédio vendido não tenha sido constituído em propriedade horizontal, o arrendatário de parte dele, sem autonomia jurídica, não tem direito de preferência sobre ele ou sobre a totalidade do prédio, em caso de venda ou dação em cumprimento deste último. </font>
</p><p><font>E) Concluir pela existência de um direito de preferência dos arrendatários de parte de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal impõe uma fortíssima limitação ao pleno exercício do direito de propriedade. </font>
</p><p><font>F) O Tribunal a quo, ao arrepio das disposições legais aplicáveis, consentiu e validou o exercício do (inexistente) direito de preferência por parte de arrendatário de parcela de prédio não constituído em regime de propriedade horizontal. </font>
</p><p><font>G) A decisão recorrida entrou em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24 de maio de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 1832/15.0T8GMR.G1.S2. </font>
</p><p><font>H) A decisão recorrida violou, de resto, os artigos 62.º, da CRP, 405.º do CCiv. e 5.º, do CPC. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Termina, defendendo a admissão da Revista Excepcional, julgando-se a mesma procedente, revogando-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19.06.2018, o qual deverá ser substituído por outro que julgue a ação procedente, por provada, e condene os Réus/Recorridos no pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Houve contralegações, rematadas com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Nos presentes autos, não existe, nunca existiu e nunca poderia existir, qualquer questão relativa à existência ou não do direito de preferência de arrendatário na compra e venda do imóvel em causa nos presentes autos. </font>
</p><p><font>2. Nos presentes autos, nunca foi proferida qualquer decisão – seja em primeira ou segunda instância – quanto à existência ou não do direito de preferência de arrendatário na compra e venda de imóvel. </font>
</p><p><font>3. O objecto do litígio e os temas da prova foram claramente definidos na audiência preliminar e as respectivas decisões já transitaram em julgado. </font>
</p><p><font>4. E do despacho, também transitado em julgado, proferido após conclusão de 07-03-2017, no seu ponto II – Requerimento deduzido pela Autora a 02.02.2017 (modificação do pedido) – decidiu-se que os actos de liquidação da massa insolvente “encontram-se fora da competência funcional e material deste Tribunal, integrando a previsão legal ínsita no art.º 128.º, n.º 3, da referida LOSJ”. </font>
</p><p><font>5. Donde resulta que não só não existiu decisão quanto à questão do direito de preferência do arrendatário como existem diversas decisões, transitadas em julgado, quanto ao objecto do processo e ao tema da prova, que expressamente excluíram as questões relativas aos atos do administrador de insolvência, como as questões da venda do imóvel ao arrendatário em reconhecimento do direito de preferência, dos presentes autos. </font>
</p><p><font>6. O acórdão recorrido, como a Recorrente confessa, "decidiu não conhecer desta questão por considerar que a apelante não suscitou esta questão na petição e logo não foi a mesma apreciada na primeira instância pelo que, constituindo questão nova, não se conhece da mesma” citando afirmação Inserta na página 19 do acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>7. Como é evidente, e a Recorrente e os seus mandatários bem sabem, nem o Tribunal da Relação de Lisboa nem o STJ podem apreciar matéria que não foi apreciada em primeira instância, pelo que presente recurso não pode ser admitido. </font>
</p><p><font>8. De resto, as simples irregularidades ou ilegalidades praticadas pelo Administrador de Insolvência no exercício das suas funções – como a venda de imóvel em decorrência do exercício do direito de preferência – seriam da competência do Tribunal onde pendeu o processo de insolvência e o respectivo processo de liquidação. </font>
</p><p><font>9. A recorrente poderia ter apresentado reclamação da sua decisão ao juiz titular do processo de insolvência. a quem cabia a fiscalização da actividade do administrador de insolvência – art. 58 do CIRE e art. 723, nº 1. c). do CPC, analogicamente. </font>
</p><p><font>10. Donde resulta que não ocorreu qualquer violação ou errada interpretação da lei de processo; o que acontece é que a Recorrente pretende recorrer de uma questão que não foi conhecida nos presentes autos, que foi expressamente considerada fora do objecto destes autos, que seria da competência de outro Tribunal e cujo prazo de arguição há muito decorreu!!!</font>
</p><p><font>11. Por outro lado, ficou provado que a R. DD era arrendatária de todo o prédio urbano e não apenas de parte do prédio urbano, como resulta dos n.ºs 4 e 6 da matéria provada, ao contrário do alegado pela recorrente. </font>
</p><p><font>12. Pelo que o recurso pretendido pela Recorrente também implicaria a necessidade de impugnar a decisão da matéria de facto, sendo certo, como a Recorrente e os seus mandatários bem sabem, que o recurso de revista apenas pode versar sobre questões de direlto» art. 671 e 55. do CPC – e a decisão da matéria de facto já não pode ser reapreciada. </font>
</p><p><font>13. A Recorrente juntou uma impressão do acórdão do STJ proferido no proc. 1832/15.0T8GMR.G1.S2, retirado do sítio da internet </font><font>www.dgsi.pt</font><font>. e um pedido de emissão de certidão apresentado na secretaria judicial onde aquele processo pende ou pendeu, apresentada praticamente na véspera da data em que apresentou as alegações – bem sabendo que não disporia da respectiva certidão na data de apresentação das suas alegações – e sem que requeira a menção de trânsito em julgado do acórdão de que pediu emissão de certidão. </font>
</p><p><font>14. Nestas condições, e não invocando qualquer obstáculo para cumprir as condições necessárias para a apreciação do recurso, não pode o recurso da Recorrente ser admitido por falta de prova da oposição de acórdãos, mediante junção de certidão ou de documento com valor idêntico, do acórdão fundamento, contendo o texto integral e a respectiva nota de trânsito em julgado, não cabendo ao tribunal suprir a sua eventual falta. </font>
</p><p><font>15. A Recorrente e os seus mandatários apresentaram o presente recurso sabendo necessariamente que não existe qualquer fundamento para aquela pretensão, omitiram os factos provados que seriam essenciais para a apreciação da sua pretensão, fizeram do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, devendo ser condenados como Iitigantes de má-fé, nos termos do art. 542 e 55. do CPC. </font>
</p><p><font>16. Tendo em conta os manifestos e avultados prejuizos que resultam para a recorrida da apresentação do presente recurso, a recorrente e os mandatários que subscrevem o recurso apresentado devem ser condenado ao pagamento de indemnização à recorrida, cujo valor a recorrida requer seja fixado em valor não inferior a 20.000,00 € (vinte mil euros). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Entende, por isso, a recorrida que o recurso não deve ser admitido e, caso seja admitido, deverá ser julgado improcedente, com todas as consequências legais, e a A. e os seus mandatários subscritores do recurso por si apresentado devam ser condenados como litigantes de mà fé e no pagamento à recorrida de indemnização, cujo valor a recorrida requer que seja fixado em valor não inferior a 20.000,00 (vinte mil euros). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Formação admitiu a revista excepcional, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pela recorrida foi suscitada a questão de a decisão da Formação padecer de nulidades (artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC) e de inconstitucionalidade, tendo a Formação respondido a essa arguição, pela não impugnabilidade da sua decisão e pela inexistência dos vícios referidos, tendo, consequentemente, indeferido a reclamação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Por se entender que a decisão não era passível de recurso, por uma das circunstâncias obstativas do conhecimento do recurso ser o facto de a questão considerada objecto da revista excepcional não ter sido tratada no recurso de apelação, nem ser de conhecimento oficioso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E como não ocorreu essa pronúncia no recurso de apelação, por se ter entendido que a mesma era uma questão nova, daí decorreria que a mesma não poderia ser objecto de revista excepcional.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E, se é certo que a recorrida de algum modo suscitara esta questão relativamente à decisão da Formação que rejeitara a respectiva arguição, com o fundamento no disposto no artigo 672.º, n.º 4, do CPC, entendeu o Relator não poder ver coarctados os seus poderes do artigo 652.º do CPC, sob pena de, de outro modo, se avançar para a prolação de uma decisão sem efeitos práticos, ou seja um acto inútil que a lei proíbe (art.º 130.º do CPC).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Determinou-se que, antes de ser prolatada decisão singular definitiva, no sentido da não admissão do recurso, se desse cumprimento ao disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Veio a A. e recorrente reclamar, pugnando pela admissão do recurso, sustentando a Ré a posição oposta.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foi, de seguida, proferido novo despacho, a sustentar a inadmissibilidade do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Veio a A. e recorrente reclamar para a conferência, apresentando em sede conclusiva a seguinte argumentação:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>i. A presente reclamação é apresentada atento o teor da decisão singular proferida pelo Meritíssimo Juiz Conselheiro Relator, em 30.09.2019;</font>
</p><p><font>ii. O Meritíssimo Juiz Conselheiro Relator não logrou demonstrar a razão pela qual o recurso é manifestamente infundado;</font>
</p><p><font>iii. A decisão de optar por decidir liminarmente o objeto do recurso nos termos do artigo 656.º do CPC revela-se manifestamente desajustada;</font>
</p><p><font>iv. De acordo com o disposto no artigo 656.º do CPC, apenas poderá ser proferida decisão sumária nos casos em que (i) o Relator considere que a questão de mérito, embora fundadamente suscitada, é simples e foi já jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, pelos Tribunais Superiores; (ii) o Relator considere que o recurso em apreço é manifestamente infundado (como parece ter sido o caso);</font>
</p><p><font>v. Não sendo a decisão de que se reclama um despacho de mero expediente e considerando-se a Recorrente prejudicada pela decisão do Meritíssimo Juiz Desembargador Relator, assiste-lhe inequivocamente o direito de requerer que a matéria julgada na decisão sub judice seja apreciada na conferência da presente secção e que sobre a mesma recaia um Acórdão;</font>
</p><p><font>vi. Uma análise meramente perfunctória dos autos, e da decisão sumária em particular, poderia levar a considerar que o litígio que opõe as partes é de simples resolução;</font>
</p><p><font>vii. Uma análise mais aprofundada (a que deve ser feita de forma colegial) demonstra que, subjacente ao presente litígio, existe uma miríade de questões de direito (muito concretamente, a nem sempre fácil destrinça entre questões de direito e questões de facto), complexas e intrincadas, que não se compaginam com uma decisão sumária proferida ao abrigo do artigo 656.º do CPC e, ao invés, impõem uma apreciação colegial, cuidada e ponderada, atenta a multiplicidade de soluções possíveis que as rodeiam e que não têm merecido tratamento uniforme na nossa jurisprudência;</font>
</p><p><font>viii. O direito de preferência é uma questão central que perpassa(ou) toda esta ação;</font>
</p><p><font>ix. Em sede de recurso de apelação, a Recorrente explorou um argumento que o Tribunal de primeira instância deveria ter analisado e que corresponde à (in) existência de qualquer direito de preferência;</font>
</p><p><font>x. O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, no seu Acórdão de 19.06.2018, apenas se limitou a referir que “A Apelante não suscitou esta questão da petição e logo não foi a mesma apreciada na primeira instância pelo que, constituindo questão nova, não se conhece da mesma”;</font>
</p><p><font>xi. A Recorrente considera que a questão referente à (in)existência do direito de preferência dos arrendatários de partes de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal não consubstancia uma questão nova nos autos, sendo antes uma questão puramente de direito que podia e deveria ter sido conhecida pelo Tribunal recorrido, pelo que não recaía sobre a Recorrente o ónus de alegação de tal questão;</font>
</p><p><font>xii. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do CPC, “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiem as exceções invocadas”;</font>
</p><p><font>xiii. São ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais, complementares ou concretizadores e, ainda, “os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções” (conforme alíneas a) a c), do n.º 2, do artigo 5.º do CPC);</font>
</p><p><font>xiv. Acrescenta-se, ainda, no n.º 3 do referido preceito legal, quanto aos poderes de cognição do tribunal, que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”;</font>
</p><p><font>xv. Dos factos essenciais carreados pelas partes e dados como provados, dos factos instrumentais resultantes da instrução da causa e, bem assim, dos documentos juntos aos autos, resultam todos aqueles que são necessários à concreta apreciação da questão da (in)existência de qualquer putativo direito de preferência da Recorrida DD, quer sobre a parte do prédio do qual é arrendatária (o espaço destinado ao restaurante), quer sobre a totalidade do prédio em questão, pelo que o Tribunal da Relação, ao contrário do decidido, podia e devia ter tomado conhecimento da questão suscitada pela Recorrente nas suas alegações de recurso;</font>
</p><p><font>xvi. Não está em causa, como resulta já óbvio, o conhecimento ou sequer a decisão de qualquer pretensão material ou de qualquer questão que apenas tenha sido suscitada pela ora Recorrente nas alegações de recurso que dirigiu ao Tribunal da Relação de Lisboa, sem que tenha sido dada às restantes partes a oportunidade de se pronunciarem.</font>
</p><p><font>xvii. A Recorrente não solicitou ao Tribunal a quo que conhecesse de questão nova, cujo conhecimento lhe está, de facto, vedado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispensados os vistos cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Disse-se no despacho objecto da presente reclamação:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“Entendemos que a reclamante não tem razão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Considerado o teor do disposto no n.º 4 do artigo 672.º do CPC, a decisão da Formação é definitiva e vinculativa sobre a admissão do recurso de revista excepcional.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>E, como resulta dos artigos 684.º, n.º 4 e 690.º do Código de Processo Civil as conclusões das alegações delimitam o âmbito do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No entanto, como estamos no caso da revista excepcional, apenas está em discussão a apreciação das questões que a Formação entendeu justificarem a respectiva admissão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos presentes autos a questão jurídica essencial e transversal à causa de pedir e aos pedidos apreciados na sentença e no acórdão recorrido, foi apenas a da inexistência de direito de preferência dos arrendatários de partes de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com efeito, a recorrente elegeu esta questão, como a que justifica a análise, por haver na jurisprudência da Supremo Tribunal decisões de sentido oposto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E citou:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>– O Acórdão proferido em 25.03.2010, no âmbito do processo n.º 5541/03.5TBVFR.P1.S1B, cujo sumário se transcreve:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>"I – Ainda que um prédio com vários andares não tenha sido submetido ao regime da propriedade horizontal, é o prédio, no seu todo físico, porque só este goza de autonomia jurídica e matricial, que imporia considerar, para o efeito de subsunção da questão da preferência na alienação do prédio no seu todo. </font></i>
</p><p><i><font>II – Se a alienação projectada ou realizada se referir à totalidade do imóvel, não subordinado ao regime da propriedade horizontal, a preferência competirá a todos os co-arrendatários das partes do mesmo prédio, cujo contrato perdure há mais de um ano. </font></i>
</p><p><i><font>III – Existindo distintos inquilinos do mesmo prédio, unitariamente considerado, está-se perante uma situação de coexistência ou de concorrência de vários direitos legais de preferência, de que são sujeitos activos os distintos inquilinos dos respectivos locais arrendados, e não em face de uma situação de contitularidade de um mesmo e único direito, em relação à totalidade do prédio. </font></i>
</p><p><i><font>IV – Só quando o direito de preferência único pertença, simultaneamente, a vários titulares, e deva ser exercido, por todos em conjunto, e, mesmo assim, com ressalva de algum ou alguns declararem que o não querem exercer ou quando pertença a mais do que um titular e haja de ser exercido apenas por um deles, a tramitação processual a observar é a constante do art. 1459.0-8, do CPC. </font></i>
</p><p><i><font>V – O arrendatário habitacional, titular plural do direito de preferência legal na venda a outrem do objecto do locado, habitado há mais de um ano, pode, isoladamente, propor acção de preferência, desacompanhado dos demais, não estando obrigado a notificar os restantes preferentes no sentido de dizerem se pretendem ou não exercer o seu direito de preferir ou de instaurar a acção, em conjunto com os demais concorrentes dada a pluralidade de preferentes com direitos distintos entre si."</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>– O Acórdão proferido em 21.01.2016, no âmbito do processo n.º 9065/12.1TCLRS.L 1.S19, no qual se decidiu o seguinte:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
9TKiu4YBgYBz1XKvsCQf | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> I— RELATÓRIO </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> AA</font></b><font>, residente na Rua .............., Bloco .., nº ...., Trofa, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra a </font><b><font>Junta de Freguesia de </font></b><font>S... M... de B..., com sede na Av. ........., S. Martinho do Bougado, </font><b><font>Liga Portuguesa .............................</font></b><font>, com sede na Rua ..., Pedrouços-Maia, </font><b><font>BB, </font></b><font>residente na Rua ........, nº ..., ........, Guimarães, e </font><b><font>Companhia de Seguros ........ SA</font></b><font>, com sede Largo do........, nº ...., Lisboa, pedindo a sua condenação, solidária, a pagarem-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de 32.724,72€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento. </font>
</p><p><font>Alega para o efeito, em síntese, que foi vítima de um acidente, ocorrido numa prova hípica integrada no Campeonato Nacional de Corridas de Cavalo a Galope, cuja organização esteve a cargo das duas primeiras rés, e que consistiu no facto de um dos cavalos nela participantes, propriedade do 3º réu que transferiu para a ré seguradora a sua responsabilidade civil, ter saltado a vedação da pista na sequência da queda de outros cavalos e a ter atingido, encontrando-se na zona destinada à assistência, em consequência do que sofreu os danos que descreve e cujo ressarcimento peticiona.</font>
</p><p><font>O Instituto de Solidariedade e Segurança Social deduziu pedido de reembolso do subsídio de doença pago à autora em consequência do acidente, no montante de 2.195,6€, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a citação.</font>
</p><p><font>Contestaram as rés Junta de Freguesia, Liga e Seguradora, todas elas impugnando parcialmente os factos alegados pela autora e pedindo a sua absolvição do pedido.</font>
</p><p><font>Por excepção, aduzem a Junta e a Liga a sua ilegitimidade, e a ré seguradora a exclusão do âmbito da cobertura do seguro os danos causados durante a participação em competições, exposições e concursos.</font>
</p><p><font> A primeira alega que foi mera patrocinadora da corrida, apenas facultando o local onde deveria ser construída a pista e disponibilizando as verbas relativas aos prémios, tendo competido à Liga a organização da prova e a verificação das condições de segurança da pista.</font>
</p><p><font>A Liga assume ter organizado tecnicamente a prova, com o cumprimento de todos os requisitos e normas de segurança, mas declina a sua responsabilidade pelos danos causados à autora por não ser proprietária do cavalo e o regulamento das provas estipula serem os proprietários dos animais os responsáveis por qualquer dano que eles causem, para além de que a pista foi vedada com a altura normal em todos os hipódromos europeus, suficiente para proteger a segurança dos espectadores, e nunca poderia prever que um cavalo de corrida saltasse a vedação quando não é cavalo de saltos. </font>
</p><p><font>A autora replicou pugnando pela improcedência das excepções invocadas e reafirmando o alegado na petição inicial.</font>
</p><p><font>No despacho saneador julgou-se as rés Junta e Liga partes legítimas, e procedeu-se à selecção da matéria de facto que se fixou com atendimento parcial da reclamação deduzida pela ré Junta.</font>
</p><p><font>Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sendo decidida a matéria de facto nos termos que constam do despacho de fls. 484 a 490, sem reclamação. </font>
</p><p><font>Foi proferida sentença com o seguinte conteúdo decisório: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>a) Condeno os Réus BB e Liga ............. a, solidariamente, pagarem à Autora, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de 32.724,72 €, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento;</font></i>
</p><p><i><font>b) Condeno os Réus BB e Liga ............. a, solidariamente, pagarem à Segurança Social a quantia de 2.195,6 €, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento;</font></i>
</p><p><i><font>c) Absolvo as Rés J........ de S. Martinho do ........... e Companhia de ............. dos pedidos contra cada uma delas formulado nestes autos</font></i><font>.”.</font>
</p><p><font>Inconformada, apelou a autora, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto, por unanimidade, julgou improcedente o recurso interposto confirmando a sentença recorrida.</font>
</p><p><font>Continuando irresignada, veio pedir revista excepcional do acórdão proferido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>1. A responsabilidade da J........ na Prova em causa nos autos não se confina aos limites de um contrato de empreitada (por ter construído a vedação), ou de um mero patrocínio (por ter atribuído os prémios aos vencedores), pois que arranjou o espaço, construiu a pista/hipódromo temporário, promoveu e publicitou o evento no âmbito da Feira Anual da Trofa.</font>
</p><p><font>2. O evento foi, pois, do seu interesse e dele tirou proveito, sendo que "</font><i><font>ubi commoda, ibi incommoda</font></i><font>".</font>
</p><p><font>3. Uma vez que os cavalos, ainda que não preparados, efectuam saltos com alturas próximas dos 2mts e a vedação que a J........ construiu tinha apenas a altura de l,10 mts, não se pode dizer que a Junta empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir o acidente, pois que bastaria construir essa vedação com uma altura superior a 2mts para que ele não tivesse ocorrido.</font>
</p><p><font>4. Não pode pois ser considerada afastada a presunção da 1ª parte do n.º 2 do 493º do CC pois que a J........ não mostrou que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para impedir o acidente.</font>
</p><p><font>5. O Acórdão recorrido, tal como já o havia feito a sentença da 1ª instância, violou pois o disposto do n.º 2 do art. 493 do CC.</font>
</p><p><font>Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e condenando-se a Ré J........ de S. Martinho do Bougado, solidariamente com as RR Liga................... de Corrida e BB na indemnização à Recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Contra-alegou a ré J........ defendendo a inadmissibilidade da revista excepcional e a improcedência do recurso.</font>
</p><p><font>Apresentados os autos neste Supremo Tribunal aos Juízes que constituem o Colectivo a que se refere o n.º 3 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, foi decidido admitir a revista excepcional por se entender ter a questão suscitada relevância jurídica suficiente para determinar a necessidade da sua apreciação para uma melhor aplicação do direito.</font>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil – por diante CPC.</font>
</p><p><font>A única questão suscitada que importa apreciar e decidir traduz-se em saber se sobre a J........ impende também a obrigação de indemnizar a recorrente, o que passa por determinar se aquela ilidiu a presunção de culpa que sobre si recaía.</font></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
<p><b><font> DE FACTO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Das instâncias vem tida por assente a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font>A) Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 00000000 o terceiro Réu BB transferiu para a quarta Ré Companhia de Seguros ............. S.A. a responsabilidade pelos danos corporais e/ou materiais causados pelo cavalo de nome “Chief Lawyer”, pelo limite de capital de € 100.000 e com a franquia, relativa a qualquer indemnização por danos materiais, de € 25 por cada sinistro, sujeito, além do mais, às condições particulares de fls. 127, das quais consta, sob a epígrafe “Cavalos”, a seguinte cláusula:</font>
</p><p><font>“Para além das exclusões constantes das Condições Gerais e Especiais, exaradas na apólice, consideram-se igualmente excluídos: (…)</font>
</p><p><font>c) Os danos causados durante a participação em competições, exposições e concursos;</font>
</p><p><font>d) Os lucros cessantes e/ou os danos decorrentes de paralisação, imobilização ou interrupção total ou parcial de actividade ou laboração de terceiros” - al. A).</font>
</p><p><font>B) O cavalo a que se alude em A) é pertença do Réu BB - al. B).</font>
</p><p><font>C) No dia 25 de Abril de 2006, num terreno junto à Rua 16 de Maio, Lagoa, freguesia de Santiago do Bougado, Trofa, decorreu o seguinte evento:</font>
</p><p><font>- “2ª Prova do Campeonato Nacional de Corridas de Cavalo a Galope” - resposta ao artº 1º.</font>
</p><p><font>D) A prova foi organizada pela Liga P.....C...... e P......... de C.........C....., com a colaboração, nos moldes que infra se descrevem em G) a L), da J........ de São Martinho do Bougado, que promoveu e publicitou o evento no âmbito da Feira Anual da Trofa - resposta ao artº 2º.</font>
</p><p><font>E) Para a realização do evento foi construída uma pista/hipódromo temporário - resposta ao artº 3º.</font>
</p><p><font>F) A Ré J........ de S. Martinho do Bougado, sob orientação técnica da Ré Liga P.....C...... e P......... de C.........C....., construiu a vedação da pista com estacas e cordas com uma altura de 1,10 metros - resposta ao artº 4º.</font>
</p><p><font>G) A primeira e a segunda Ré acordaram entre si que a primeira arranjaria o espaço para a construção da pista e patrocinaria a atribuição de prémios aos vencedores - resposta ao artº 43º.</font>
</p><p><font>H) Nas semanas que antecederam o evento duas pessoas da direcção de corridas da segunda Ré deslocaram-se ao local da sua realização para ver o terreno e dar instruções acerca da construção da pista - resposta ao artº 44º.</font>
</p><p><font>I) Aí procederam às medições, à delimitação e à configuração da pista - resposta ao artº 45º.</font>
</p><p><font>J) Deram instruções à primeira Ré acerca do modo de construção e dos materiais a utilizar - resposta ao artº 46º.</font>
</p><p><font>L) A segunda Ré, realizados os trabalhos de preparação da corrida, vistoriou a pista - resposta ao artº 47º.</font>
</p><p><font>M) Os cavalos, ainda que não preparados, efectuam saltos com alturas próximas dos 2 metros - resposta ao artº 5º.</font>
</p><p><font>N) No decorrer da prova um dos cavalos caiu - resposta ao artº 6º.</font>
</p><p><font>O) Provocando a queda de outros cavalos e dos respectivos cavaleiros - resposta ao artº 7º.</font>
</p><p><font>P) E fazendo com que o cavalo chamado “Chief Lawyer”, utilizado pelo Réu BB, saltasse a vedação da pista e ocupasse a zona destinada aos espectadores - resposta ao artº 8º.</font>
</p><p><font>Q) A Autora estava a assistir às corridas no local destinado para o efeito ao público - resposta ao artº 9º.</font>
</p><p><font>R) Na sequência do referido em P) foi atingida nas costas pelo cavalo ali mencionado - resposta ao artº 10º.</font>
</p><p><font>S) Sendo socorrida no local pelos Bombeiros Voluntários da Trofa - resposta ao artº 11º.</font>
</p><p><font>T) Deu, depois, entrada na urgência do Hospital Conde de São Bento pelas 17h29 do dia referido em C) - resposta ao artº 12º.</font>
</p><p><font>U) A Autora esteve internada nesse hospital até ao dia 16.05.06 - resposta ao artº 13º.</font>
</p><p><font>V) Do referido em R) resultaram para a Autora duas fracturas dos corpos vertebrais D7 e D10, equimoses e arranhões - resposta ao artº 14º.</font>
</p><p><font>X) A Autora, durante o período de internamento, foi sujeita a tratamentos dolorosos e incomodativos - resposta ao artº 15º.</font>
</p><p><font>Z) Em consequência das lesões sofridas teve de utilizar colete para corrigir e proteger a coluna de 10-05-06 a 03-10-06 - resposta ao artº 16º.</font>
</p><p><font>AA) E de se submeter a tratamentos ortopédico até 21-11-2006 - resposta ao artº 17º.</font>
</p><p><font>BB) A Autora, desde a data referida em C) até 26-11-2006, não pôde trabalhar - resposta ao artº 18º.</font>
</p><p><font>CC) A Autora carece do uso de óculos para ler, cozinhar, ver televisão e deslocar-se - resposta ao artº 19º.</font>
</p><p><font>DD) Com o referido em Q) partiram-se os óculos da Autora - resposta ao artº 20º.</font>
</p><p><font>EE) A Autora esteve sem óculos desde a data referida em C) até 29.06.2006 - resposta ao artº 21º.</font>
</p><p><font>FF) Durante esse período a Autora não conseguiu ler, ver televisão ou fazer outra actividade - resposta ao artº 22º.</font>
</p><p><font>GG) Permanecendo deitada na cama, sem percepção do que a rodeava - resposta ao artº 23º.</font>
</p><p><font>HH) Durante o período de hospitalização a autora esteve imobilizada no leito, sentindo mau estar e desconforto - resposta ao artº 24º.</font>
</p><p><font>II) Com a utilização do colete a que se alude em X) sentiu dificuldades em vestir-se, em comer e fazer a sua higiene - resposta ao artº 25º.</font>
</p><p><font>JJ) A Autora, com o acidente, as lesões e os tratamentos que sofreu, sentiu dores fortes, sendo o respectivo quantum doloris fixável no grau 4/5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente - resposta ao artº 26º.</font>
</p><p><font>LL) As sequelas resultantes do acidente são causa de sofrimento físico para a Autora, designadamente, na marcha acelerada e na subida e descida de escada e noutros movimentos efectuados no exercício do trabalho de empregada de limpeza, sendo, em termos de rebate profissional, compatíveis com o exercício da referida actividade, mas implicando esforços moderados a acentuados suplementares - resposta aos artes 27º e 32º.</font>
</p><p><font>MM) À data dos factos, a Autora era empregada de limpeza da SANER - Sociedade Alimentar do Norte, S.A. - resposta ao artº 28º</font>
</p><p><font>NN) As dores que a Autora sente causam-lhe dificuldades acrescidas no transporte de carga superior a 5 kg e dificuldades ao apanhar objectos do chão - respostas aos artºs 29º e 30º.</font>
</p><p><font>OO) Tal circunstância tem provocado reparos dos seus superiores - resposta ao artº 31º.</font>
</p><p><font>PP) As dificuldades acrescidas referidas em MM) reflectem-se nas lides domésticas - resposta ao artº 33º.</font>
</p><p><font>QQ) O filho da Autora padece de deficiência física motora, deslocando-se numa cadeira de rodas - resposta ao artº 34º.</font>
</p><p><font>RR) Dependendo da Autora para se vestir e tratar da sua higiene - resposta ao artº 35º.</font>
</p><p><font>SS) A Autora, com as lesões que sofreu, tem de recorrer a ajuda de terceiros para a realização de tais tarefas - resposta ao artº 36º.</font>
</p><p><font>TT) A Autora, com o acidente, despendeu:</font>
</p><p><font>a) em consultas médicas a quantia de 75,05 €;</font>
</p><p><font>b) em deslocações para realizar os tratamentos e ir às consultas médicas, quantia não concretamente apurada - resposta ao artº 37º.</font>
</p><p><font>UU) A Autora, de 25.04.06 a 26.11.06, recebeu o quantitativo de 1.240,85 € a título de Concessão Provisória do Subsídio de Doença e o quantitativo de 954,75 € a título de Subsídio de Doença - resposta aos artºs 38º e 42º.</font>
</p><p><font>VV) A Autora, como contrapartida do seu trabalho, auferia o vencimento mensal bruto de 502 €, sendo o vencimento líquido de 446,78 € - resposta aos artºs 39º e 41º.</font>
</p><p><font>XX) As fracturas referidas em V) acarretam para a Autora uma IPP de 10% - resposta ao artº 40º.</font>
</p><p><font>ZZ) A Autora nasceu em 27.12.1950 (facto que resulta, nomeadamente, dos certificados de incapacidade emitidos pelo Ministério da Saúde - cfr. fls. 21).</font>
</p><p><b><font> DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>A autora/recorrente demandou os réus para ser indemnizada pelos danos sofridos em consequência do acidente descrito nos autos quando assistia a uma corrida de cavalos.</font>
</p><p><font>A decisão proferida na 1ª instância considerou os réus BB e Liga ............. responsáveis com fundamento no facto dos danos terem a sua causa no exercício de uma actividade perigosa, o primeiro ainda como proprietário e utilizador do cavalo nos termos do art. 493º, nº 1 do Código Civil (diploma a que pertencerão todos os normativos doravante citados sem menção de origem), e condenou-os, solidariamente, a pagarem à autora, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de 32.724,72 €, acrescida de juros de mora.</font>
</p><p><font>Simultaneamente, absolveu as rés J........ de S. Martinho do Bougado e Companhia de ............. dos pedidos contra cada uma delas formulado.</font>
</p><p><font>A absolvição da primeira causou manifesto desagrado à autora, que não aceita que aquela ré tenha ilidido a presunção de culpa que sobre ela recaía, tendo recorrido para a Relação. Perante o insucesso obtido persiste neste Supremo Tribunal na defesa dos mesmos argumentos. </font>
</p><p><font>Visa, pois, a presente revista, unicamente obter o pronunciamento deste Tribunal acerca da responsabilidade da J........ de S. Martinho do Bougado, solidariamente com os réus Liga e CC, pelo pagamento da indemnização arbitrada à autora em consequência do acidente descrito.</font>
</p><p><font>Não vem questionada a qualificação feita nas instâncias da corrida de cavalos a galope como uma actividade perigosa. Ainda assim, para melhor enquadramento e enfoque, retratemos com breves pinceladas, em que termos se tem pronunciado, a este título, alguma da mais autorizada doutrina nacional e jurisprudência.</font>
</p><p><font>Não define a lei o que deva entender-se por actividade perigosa, limitando-se a fornecer ao intérprete uma directiva genérica para sua identificação, apenas admitindo que ela possa derivar da própria natureza da actividade ou da natureza dos meios empregues, nem sendo viável um conceito que abarque todos os casos. </font>
</p><p><font>Vaz Serra, apoiado pela doutrina italiana que cita, define como actividades perigosas as “</font><i><font>que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Segundo Almeida Costa, deve tratar-se de actividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, “</font><i><font>tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>. O que qualifica uma actividade como perigosa será a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que tanto pode radicar na sua própria natureza como na natureza dos meios utilizados. </font>
</p><p><font>Por sua vez, Antunes Varela sublinha a ideia de que “</font><i><font>o carácter perigoso da actividade (causadora dos danos) pode resultar, como no texto legal (art. 504º, 2)</font></i><font>, </font><i><font>se explicita, ou da própria natureza da actividade (fabrico de explosivos, confecção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou com raios X, corte de papel com guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, transporte de combustíveis, etc.)</font></i><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Também, como se considerou no Acórdão deste Supremo de 29/04/08, no Proc. nº 08A867, disponível no ITIJ, “</font><i><font>A perigosidade a que alude o art. 493º, nº2, do Código Civil é uma perigosidade intrínseca da actividade exercida, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados, perigosidade que deve ser aferida a priori e não em função dos resultados danosos, em caso de acidente, muito embora a magnitude destes possa evidenciar o grau de perigosidade da actividade ou risco dessa actividade</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Parece, pois, poder inferir-se que há-de ser perante cada caso concreto, ponderando todas as circunstâncias e variáveis, que a actividade perigosa se definirá</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>. Se casos há em que é manifesta (ex. fabrico de explosivos e de material pirotécnico, transporte e comercialização de combustíveis e outras matérias inflamáveis, navegação aérea), outros existem em que ela se dilui na perigosidade do quotidiano que caracteriza quase todas as actividades hodiernas e acompanha cada cidadão na sua rotina diária.</font>
</p><p><font>Assim, e tomando posição perante este caso concreto, as corrida de cavalos de galope sendo um desporto muito popular em diversos países (v.g. Estados Unidos e Inglaterra onde geraram poderosas indústrias de corridas e apostas), têm particulares perigos que não podem ser negligenciados. </font>
</p><p><font>Desde logo para os jóqueis que sofrem de lesões por vezes com risco de vida, e para os próprios cavalos muitas vezes gravemente feridos, impondo nalguns casos o seu sacrifício, em consequência das quedas relativamente frequentes. Depois, porque a utilização de animais de grande porte e agilidade, atingindo velocidades bem significativas</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>, em disputas renhidas num espaço circunscrito, com público circundante e próximo, potencia a ocorrência de acidentes e danos, nomeadamente por transposição da vedação por cavalos descontrolados na sequência da perda dos seus jóqueis ou da sua efectiva condução por estes, sem poder deixar de se levar em conta a imprevisibilidade do seu comportamento.</font>
</p><p><font>Por isso, equipamentos e regras de segurança são uma necessidade absoluta, e os proprietários dos cavalos inscritos em provas são obrigados a possuir seguro de responsabilidade civil (v. g. arts. 11º e 22º do Regulamento de fls. 165 a 181). </font>
</p><p><font> Sem dúvida, que por sua própria natureza, como prova de velocidade, e natureza dos meios utilizados, as corrida de cavalos de galope envolvem uma especial aptidão produtora de danos, é claramente uma actividade perigosa subsumível ao disposto no art. 493º, nº 2. </font>
</p><p><font>Como acima se disse, esta qualificação é consensual nos autos, o que nos dispensa de outros considerandos. </font>
</p><p><font>Estamos, então, em pleno domínio da responsabilidade civil extracontratual baseada na culpa.</font>
</p><p><font>Em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 487º, em matéria de responsabilidade civil extracontratual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, excepto se houver presunção legal de culpa.</font>
</p><p><font>Em princípio, a culpa não se presume. Recai, em regra, sobre o lesado o ónus de a provar. É que, sendo a culpa do lesante um elemento constitutivo do direito à indemnização, ao lesado incumbe fazer a sua prova, de acordo com a repartição do ónus da prova previsto no nº 1 do art. 342º.</font>
</p><p><font>Mas existem situações em que a própria lei presume a culpa do lesante, e uma delas é a prenunciada no art. 493º. Nele prevêem-se duas situações de presunção de culpa: a decorrente do dever de vigilância do detentor material da coisa causadora do dano (nº 1), e a que resulta da perigosidade da actividade exercida causadora de danos (nº 2).</font>
</p><p><font>Neste n.º 2 estabelece-se o seguinte:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>A lei estabelece neste caso uma inversão do ónus da prova, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa. É este que tem de provar, para se eximir à responsabilidade, que não teve culpa na produção do facto danoso.</font>
</p><p><font>Esta presunção de culpa assenta sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, daí que, quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar. </font>
</p><p><font>O carácter perigoso das actividades impõe um especial dever de diligência e “</font><i><font>afasta-se indirecta, mas concludentemente, a possibilidade do responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa... mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Uma vez assente que o evento danoso versado nos autos se ficou a dever a razões relacionadas com uma actividade perigosa, a ré/recorrida tinha contra si uma presunção de culpa, que teria de ser ilidida pela prova do contrário, ou seja, incumbia-lhe demonstrar que empregou os deveres de diligência exigidos pelas circunstâncias no propósito de evitar os danos.</font>
</p><p><font>Perante este enquadramento legal e o acervo de factos provados a recorrente sustenta que a ré não demonstrou que tivesse empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, isto é, não provou a excepção acolhida na parte final do nº 2 do art. 493º.</font>
</p><p><font>Isso, porquanto, como argumenta, a recorrida participou na organização da corrida de cavalos, que foi do seu interesse e dela tirou proveito, para além de que se provou que “os cavalos, ainda que não preparados, efectuam saltos com alturas próximas dos 2 metros “ (al. M), pelo que se a vedação da pista tinha uma altura de 1,10 metros (al. F) fácil é de ver que era insuficiente para proteger o público de eventuais danos que os cavalos participantes na prova pudessem causar.</font>
</p><p><font>Que dizer?</font>
</p><p><font>No imediato, que assiste razão à recorrente nesta sua correlação da capacidade de salto dos cavalos e altura da vedação, que é óbvio e axiomático tal juízo, mas mais não faz do que reproduzir o núcleo da fundamentação registada na sentença que conduziu à condenação da Liga como organizadora da prova. </font>
</p><p><font>“</font><i><font>Quem no seu interesse, de natureza económica ou outra, organiza algum evento, designadamente desportivo, em que as pessoas assistem, fica naturalmente obrigado a garantir-lhes a necessária segurança, devendo, para o efeito, tomar as medidas de precaução adequadas, segundo o circunstancialismo envolvente</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>A ré Liga P.....C...... e P......... de C.........C..... como organizadora da prova assumiu o risco dessa organização. Era a entidade com especiais conhecimentos do comportamento dos cavalos, das necessidades e específicas regras de segurança para um evento deste tipo, e como tal tinha o especial dever de recomendar e orientar a colocação de uma vedação com uma altura superior à sua capacidade de salto, mesmo tratando-se de cavalos de corrida e não de salto, de criar uma zona de protecção suficientemente alargada entre a pista e o recinto destinado ao público assistente, ou uma qualquer outra medida que entendesse por adequada em ordem a evitar a ocorrência de um incidente do tipo do verificado, a transposição da vedação por um dos cavalos e a produção de lesões nos espectadores.</font>
</p><p><font>Por isso, era razoavelmente previsível para os agentes da Liga que, sem a colocação de uma vedação com uma altura superior à capacidade de salto dos cavalos, próxima dos 2 metros, algum dos cavalos, na sequência de eventual incidente de corrida, podia transpor a vedação e atingir uma ou mais pessoas que assistiam.</font>
</p><p><font>Porque a segurança da prova era obrigação da Liga, não abstracta mas uma segurança efectiva, tinha de imputar-se-lhe a responsabilidade do acidente. Só assim não aconteceria se houvesse culpa do próprio lesado na produção do acidente, o que não foi o caso.</font>
</p><p><font>Mas, aduz a recorrente, completando aquele seu juízo, que a J........ também tinha conhecimentos deste tipo de provas pois que já as vinha co-organizando com a Liga desde anos anteriores, também tinha conhecimento do comportamento dos animais em prova, sabia a velocidade que eles atingiam, assim como sabia, como qualquer “homem médio”, que os cavalos saltam 2 metros.</font>
</p><p><font>Com esta invocação está a recorrente a esgrimir com factos que não constam do elenco dos provados, pelo que importa definir liminarmente este campo do litígio. </font>
</p><p><font>O Supremo, como tribunal de revista que é, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 729º nº 1 do CPC), daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só possa ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (arts. 721º, nº 2 e 722º, nºs 1 e 2, do CPC).</font>
</p><p><font>Isto é, o Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar o conhecimento da matéria de facto fixada pela Relação quando esta considerar como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou se houver desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico, excepções estas que claramente não ocorrem no caso “</font><i><font>sub-judice</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Assim sendo, está fora dos poderes deste Tribunal de revista, a coberto da 2ª parte do n.º 2 do art. 722º do CPC, interferir na matéria de facto que vem fixada pelas instâncias, no uso das respectivas competências de valoração da prova de livre apreciação. Do mesmo modo, está vedado a este Supremo Tribunal o recurso a presunções judiciais para dar como assentes factos deduzidos dos que ficaram provados</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Tendo presente este comando normativo restringente, e regressando ao tema central, nos termos do nº 2 do art. 487º, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.</font>
</p><p><font>Será que, então, o nº 2 do art. 493º, além de determinar a inversão do ónus da prova, agrava a normal diligência do </font><i><font>bonus pater familias</font></i><font>?</font>
</p><p><font>Observa Meneses Leitão que a responsabilização prevista neste artigo, “</font><i><font>parece ser estabelecida a um nível mais objectivo do que o que resulta das disposições anteriores, uma vez que, além de não se prever a ilisão da responsabilidade com a demonstração da relevância negativa da causa virtual, parece-se exigir ainda a demonstração de um grau de diligência superior à das disposições anteriores, uma vez que, em lugar da simples prova da ausência de culpa (apreciada nos termos do art.º 487º, nº 2), o legislador exige a demonstração de que o agente “empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir” os danos, o que parece apontar para um critério mais rigoroso de apreciação da culpa, ou seja, para um critério da culpa levíssima</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Significa tal que nas situações enquadráveis nesta norma a presunção de culpa do agente é ilidida pela demonstração de que actuou não apenas </font><i><font>in abstracto</font></i><font>, como teria actuado o bom pai de família pressuposto no art. 487º, nº 2, uma pessoa medianamente cautelosa e atenta em face do condicionalismo próprio do caso concr | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kjLgu4YBgYBz1XKvHkyd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
<br>
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"A", na qualidade de administrador do condomínio, e mandatado pela assembleia de condóminos, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Alameda da Conchada ..., Coimbra, propôs contra B e mulher C (a prosseguir, quanto a ambos, por D, habilitada como sua única sucessora) e "E-Sociedade Hoteleira, Lª.", a fim de se reconhecer que a parcela destinada a passagem e descrita no art. 17 da pet. in. constitui parte comum daquele prédio urbano, pertencendo em compropriedade aos respectivos condóminos, se condenar a ré sociedade a desocupá-la, a demolir todos os compartimentos que nela construiu, a dela retirar os objectos e produtos que aí colocou e a entregar ao autor as chaves do respectivo portão, e se condenarem os réus a indemnizar os danos causados em quantia a liquidar em execução de sentença.<br>
Contestando, a ré habilitada D excepcionou a sua ilegitimidade processual e a aquisição por usucapião e impugnou, concluindo pela sua absolvição da instância ou do pedido.<br>
Contestando, a ré sociedade aderiu ao articulado desta ré precisando um facto daquela.<br>
F, actual senhorio do prédio arrendado à sociedade ré, requereu a sua intervenção principal, incidente que foi admitido, e aderiu às contestações apresentadas.<br>
Após réplica, prosseguindo, até final, seus regulares e normais termos, procedeu, por sentença que a Relação confirmou, a acção salvo quanto ao pedido de indemnização.<br>
De novo inconformada, pediram revista a ré sociedade e o interveniente que, em suas alegações conjuntas, concluíram, em suma e no essencial -<br>
- o autor alegou factos tendentes a provar que o condomínio adquiriu por usucapião a parcela de terreno referida nas als. j) e l) mas não os provou;<br>
- os réus alegaram e provaram factos e requisitos destinados a idêntica aquisição por referência ao imóvel da al. e),<br>
- pelo que a referida parcela é propriedade exclusiva do interveniente;<br>
- violado o disposto nos arts. 1,251, 1.287, 1.344-1 e 1.421-1 a) CC.<br>
Contraalegando, o autor pugnou pela confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Nos termos do art. 713-6, ex vi do art. 726, ambos do CPC, remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido.<br>
<br>
Decidindo:<br>
1.- É possível fazer uma leitura articulada quer das conclusões - única (subentende-se) causa de aquisição alegada pelo autor foi a usucapião, não a tendo logrado demonstrar ao contrário do que foi excepcionado e provado pelos réus - quer do que é omitido, embora tivesse sido articulado e provado, nas alegações da revista - ter a autonomização dos prédios resultado de desanexação, não se integrando, por usucapião, no actualmente do interveniente o terreno de servidão nem se tendo alegado inversão do título de posse.<br>
Comecemos pelo articulado inicial e pela matéria de facto provada.<br>
2.- Do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº 56008 foram desanexados (em 1977 e 1978) o submetido ao regime de propriedade horizontal autor que passou a constituir o nº 63.285, um outro actualmente descrito sob o nº 63.284, tendo o restante mantido aquele nº 56.008 (do ora interveniente por o ter adquirido, por compra e venda, em 1998, aos réus falecidos que, em 1995, foi dado de arrendamento à ré sociedade).<br>
Antes da desanexação do prédio actualmente descrito sob o nº 63.284 os prédios sob o nº 56.008 e 56.009 confinavam entre si, o que já hoje não sucede.<br>
Em 1959, antes das aludidas desanexações, foi inscrita a favor do prédio descrito sob o nº 56.008 a servidão de passagem a que fica sujeito o prédio descrito sob o nº 56.009 (correspondendo os nº 16, 17 e 18 da Alameda da Conchada), servidão que se exerce pelas escadas de acesso aos andares superiores do prédio serviente, entrada que era a mesma e uma só para ambos os prédios.<br>
A partir da construção do prédio urbano descrito sob o nº 63.285 (Setembro de 1972) a entrada para o actual prédio descrito sob o nº 56.008 faz-se pelo nº 6 da Alameda da Conchada (nunca se fez por aquelas escadas de acesso).<br>
É a parcela de terreno, destinada a passagem, com um portão com este nº 6 de polícia que é o objecto de litígio - integrante ab initio (subsidiariamente é alegada a aquisição por usucapião) do prédio descrito sob o nº 63.285, constituindo uma sua parte comum (tese do autor) ou do prédio descrito sob o nº 56.008 (tese dos recorrentes).<br>
<br>
3.- As instâncias concluíram integrar-se a parcela no prédio descrito sob o nº 63.285 pelo que é objecto do mesmo direito de propriedade que sobre este incide, tendo-se sobre ele constituído, por usucapião, uma servidão de passagem a favor do prédio descrito actualmente sob o nº 56.008 (desde 1972 exercida).<br>
Como fundamental à procedência da sua tese impetraram os recorrentes, na apelação, sem êxito, a alteração para ‘não provado’ da resposta ao quesito 3º e alegaram a prova dos requisitos da usucapião.<br>
A Relação recusou a modificação da decisão do facto e a existência do animus sibi habendi - provado que foi «usado apenas como necessária via de acesso, através de prédio alheio para a via pública, ou seja a Alameda da Conchada», acrescentando que aquela passagem se confina «a um túnel debaixo de outro prédio de andares cujo limite na frente para a via pública e de acordo com a vontade do então dono do terreno em que foi implantado era constituído a nascente pela parede do prédio de andares já existente e pela saliência formada pelo forno ou padaria do rés-do-chão, onde o pavimento do 1º andar desse prédio se apoiou ...» (fls. 348). Expressamente se recusou, a anteceder os passos citados, que tenha havido um tal animus de proprietário e afirmou aquele outro, o que bem se compreendia pela conjugação de 3 elementos - caracterização do prédio descrito sobre o nº 56.008 (destinado a garagem e arrumos com a área coberta de 25 m² e logradouro de 14,5m²), sua localização (erigido, após a desanexação em prédio autónomo, situando-se nas traseiras do prédio de andares e sem comunicação directa para a via pública) e caracterização da passagem garantindo o acesso livre à garagem e logradouro (túnel, ao nível do rés-do-chão, para a via pública).<br>
A existência do animus é matéria de facto e, como tal - por não ocorrer hipótese que autorize o Supremo Tribunal de Justiça a sindicar a decisão do facto, impõe-se ao tribunal de revista.<br>
Há um prédio dominante (nº 56.008) e outro prédio serviente (nº 63.285) e a utilidade retirada a favor do primeiro foi e é o acesso, a passagem, onerando este.<br>
Por usucapião constituiu-se uma servidão de passagem (CC- 1.547-1 e 1.544).<br>
Acrescentou a Relação ainda que esta servidão se constituiu também por destinação do pai de família e a desnecessidade de recorrer à presunção registral (fls. 349).<br>
Se bem que a presunção decorrente do registo não abranja a menção da área, já quanto à primeira afirmação, feita a título subsidiário, nada há a censurar - aquando da desanexação, o dono do prédio donde aqueles foram autonomizados constituiu um acesso livre e permanente para o prédio que se situava nas traseiras e não comunicava com a via pública (CC- 1.549), acesso esse sobre outro dos prédios e que facultava a passagem sem incómodo para os condóminos deste.<br>
<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
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Lisboa, 13 de Maio de 2004<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Lemos Triunfante</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kjLhu4YBgYBz1XKv2E7E | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
<br>
"A" intentou acção de divórcio litigioso contra B, pedindo que seja decretado o divórcio com fundamento na violação culposa, pela ré, do dever conjugal de coabitação. <br>
Frustrada a tentativa de conciliação, contestou a ré, deduzindo também reconvenção, pedindo que o divórcio seja decretado, com culpa exclusiva do autor, por violação dos deveres conjugais de coabitação, fidelidade e respeito. <br>
O Autor replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção.<br>
Após regular processamento dos autos, foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção procedentes, decretando o divórcio do A. e R. e declarando esta a principal culpada.<br>
Inconformada exclusivamente com o segmento da decisão que a declarou cônjuge principal culpado, recorreu a ré para a Relação de Lisboa.<br>
Apresentou alegações, com conclusões onde atribuiu toda a culpa do divórcio ao autor, pedindo que se declare que foi ele o cônjuge exclusivamente culpado da dissolução do casamento por divórcio.<br>
Por acórdão de 29.5.2003, a Relação de Lisboa revogou a sentença recorrida na parte em que declarou a ré cônjuge principal culpado, declarando o autor como cônjuge principal culpado.<br>
É desse acórdão que vem interposta a presente revista, que o autor minutou, tirando as seguintes<br>
Conclusões: <br>
1ª- A sentença de primeira instância engloba duas decisões distintas: uma, que decreta o divórcio entre as partes, nomeadamente por culpa da recorrida; outra, que declara a recorrida como a principal culpada do divórcio; <br>
2ª- A recorrida logo no requerimento de interposição de recurso para a Relação declarou recorrer "apenas no tocante à declaração da Ré como principal culpada, e nessa medida apenas, vem interpor recurso";<br>
3ª- Assim, ficou delimitado o objecto do recurso somente a essa questão, e não à parte que decretou o divórcio, que assim transitou em julgado; 4ª- Por isso, de forma alguma se pode pôr em causa, como faz o acórdão recorrido, se o abandono do lar conjugal por parte da recorrida foi voluntário, não consentido pelo outro cônjuge e com o propósito de romper com a sociedade conjugal; <br>
5ª- Ora, vem provado que foi a recorrida que abandonou o lar conjugal, para definitivamente romper com a sociedade conjugal, como vem provado também que, posteriormente, o recorrente cometeu adultério; <br>
6º- Nestes termos, verifica-se a violação culposa, por parte de ambos os cônjuges, de deveres conjugais, sendo ambos culpados do divórcio; <br>
7º- No entanto, foi a recorrida que iniciou o processo que conduziu à ruptura da sociedade conjugal, sendo por isso a sua culpa maior, uma vez que abandonou o lar, deixando o apelado à sua sorte, facto que motivou o posterior adultério deste;<br>
8ª- Por isso, o acórdão recorrido, ao considerar o recorrente como o principal culpado do divórcio, fez uma errada interpretação e aplicação da Lei ao caso concreto, nomeadamente do artº 1.787º, nº 1 do Código Civil, que exige que a culpa de um dos cônjuges seja consideravelmente superior à do outro para poder ser declarado principal culpado; <br>
9ª- Ora, no presente caso, e da matéria que vem provada, não resulta que o recorrente tenha uma culpa consideravelmente superior à da recorrida, antes pelo contrário; <br>
10ª- Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, e declarando-se o cônjuge mulher, ora recorrida, como principal culpada do divórcio, com as legais consequências (ou, em última hipótese, e caso se entenda, porventura, ser igual a culpa dos cônjuges, declarando ambos igualmente culpados).<br>
Contra-alegou a recorrida, pedindo a manutenção do acórdão recorrido.<br>
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
Foram dados como provados pelas instâncias os seguintes factos:<br>
O Autor A e a Ré B, contraíram entre si casamento, em 20 de Dezembro de 1997;<br>
No início de Outubro de 2001, a R. abandonou o lar conjugal, para definitivamente romper com a sociedade conjugal com o A.;<br>
Com o casal viviam dois filhos da R., que esta já possuía quando casaram;<br>
Antes da R. sair de casa, o A. disse-lhe que não queria os seus dois filhos em casa;<br>
Dois dias após a R. deixar a casa, o A. introduziu no lar conjugal outra mulher, com quem viveu como se com ela fosse casado e, a partir de Março do corrente ano, vive maritalmente com outra mulher, comendo e dormindo juntos. <br>
Postos os factos, vejamos.<br>
O A. imputou à R. a violação culposa do dever de coabitação, articulando que:<br>
a) No início de Outubro de 2001 a ré abandonou o lar conjugal, para definitivamente romper com a sociedade conjugal com o autor;<br>
b) E fê-lo contra a vontade do autor e apesar deste a tentar dissuadir, respondendo a ré que estava saturada e que por isso ia sair de casa;<br>
c) E levou consigo todos os bens mobiliários da casa de família, deixando-a completamente vazia;<br>
d) O que deixou o autor em grandes dificuldades, e teve de comprar novo mobiliário.<br>
A matéria destas quatro alíneas foi levada, respectivamente, aos quesitos 1º, 2º, 3º e 4º, dos quais apenas se provou o primeiro.<br>
Portanto, ficou assente que no início de Outubro de 2001 a ré abandonou o lar conjugal, para definitivamente romper com a sociedade conjugal.<br>
Todavia, não se apuraram as circunstâncias em que o fez.<br>
Ora, para que o abandono do domicílio conjugal constitua fundamento de divórcio é necessário que o cônjuge abandonado prove a culpa do cônjuge que praticou o acto de abandono, por tal constituir elemento constitutivo do seu direito, não podendo presumir-se a culpa do cônjuge que abandonou o lar (artºs 342º, nº 1 e 1779º, nº 1 do CC e Assento do STJ, nº 5/94, de 24.3.94, D.R. I-A Série, de 24.3.94 - agora com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, ex vi artº 17º, nº 2 do DL nº 329-A/95, de 12/12 - segundo o qual, no âmbito e para os efeitos do nº 1 do artº 1779º do Código Civil, o autor tem o ónus de prova de culpa do cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação).<br>
Porém, diferentemente, o Mmº Juiz da 1ª instância considerou que a ré violou culposamente o dever de coabitação, por ter agido de forma voluntária e injustificada, já que não provou que o autor tenha de algum modo contribuído para o abandono do lar conjugal, e por isso (e por a infracção ser grave, reiterada e comprometedora da possibilidade da vida em comum) decretou o divórcio com culpa da ré.<br>
Ora, como esta não recorreu dessa parte da decisão, transitou em julgado juntamente com o respectivo entendimento jurídico antecedente lógico necessário da decisão de dissolução da sociedade conjugal por divórcio.<br>
Na verdade, no requerimento de interposição do recurso de apelação, a ré restringiu a sua discordância em relação à sentença apenas à sua declaração como principal culpada do divórcio, não se revelando aí contra a decisão do divórcio com base na violação culposa, por ela, do dever de coabitação. <br>
Pois bem. Na sentença a ré foi considerada o cônjuge principal culpado por o Mmº Juiz ter entendido que, havendo lugar a decretar o divórcio também por violação culposa, pelo autor, do dever de fidelidade, ter sido a ré quem deu azo a essa mesma infracção ao abandonar o lar conjugal para romper definitivamente com a sociedade familiar, alheando-se do destino e sorte do marido e criando as condições propícias ao adultério.<br>
A Relação, porém, ponderou não poder a ré ser considerada principal culpada do divórcio, por a violação do dever de fidelidade, por parte do autor, ter ocorrido quase contemporaneamente com a saída da ré do lar conjugal.<br>
Concordamos com este entendimento.<br>
Efectivamente, dois dias após a ré deixar a casa de morada de família, o autor passou a viver nela, more uxorio, com outra mulher, não dando espaço a uma hipótese de reconciliação, não tendo o caso vertente qualquer paralelo com o versado no acórdão do STJ, de 1.3.79 (in Col. Jurisp. 1979, I, 334 e segs), e aludido nos autos, em que o adultério foi cometido, desta feita pela mulher, mas passados 10 longos anos sobre o abandono do lar pelo marido, aí considerado principal culpado pelo ostracismo a que votou a mulher durante tão longo período.<br>
A Relação decidiu pois com acerto não ser a ré ora recorrida o cônjuge principal culpado.<br>
Mas a Relação foi mais longe, declarando o autor como cônjuge principal culpado.<br>
E aqui é que, salvo o devido respeito, não podemos concordar.<br>
Com efeito, atento o disposto no artº 1787º, nº 1 do Código Civil, o autor só podia ser declarado como cônjuge principal culpado se a sua culpa devesse ser qualificada como consideravelmente superior à da ré.<br>
Ora, afigura-se-nos que esse requisito não se verifica no caso sub judice, tanto mais que foi a ré que, como se decidiu na 1ª instância, com trânsito, injustificadamente tomou a iniciativa de sair de casa para romper definitivamente a sociedade conjugal.<br>
Nesta conformidade, não se divisando que qualquer dos cônjuges tenha agido com culpa consideravelmente superior à do outro, já que ambos quiseram dar um golpe fatal no matrimónio, acordam em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido na parte em que declarou o autor cônjuge principal culpado.<br>
Custas pela recorrida.<br>
<br>
Lisboa, 19 de Janeiro de 2004<br>
Faria Antunes<br>
Moreira Alves <br>
Alves Velho</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kjLwu4YBgYBz1XKv1F2r | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br>
<br>
A e mulher B intentaram acção contra C e mulher D a fim de ser denunciado o contrato de arrendamento do prédio urbano inscrito matricialmente sob o art. 2106 da freguesia de S. Gonçalo, Funchal, celebrado em 69.12.17, por dele carecerem para sua habitação, e se decretar o despejo diferido mediante a indemnização legal.<br>
Excepcionaram os réus o caso julgado e o abuso de direito e impugnaram, concluindo, em sua contestação, pela improcedência da acção e pela condenação dos autores, como litigantes de má fé, em multa e indemnização.<br>
Após resposta, foi lavrado saneador a julgar procedente a excepção de caso julgado, decisão que a Relação revogou.<br>
Prosseguindo o processo até final, foi proferida sentença a julgar procedente a acção, a qual a Relação não manteve, absolvendo os réus com fundamento em abuso de direito.<br>
Invocando violação de caso julgado agravaram os autores, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
- tendo a Relação decidido que os factos com que os autores alicerçam a causa de pedir na presente acção não são iguais aos das duas anteriores acções propostas em 90.03.21 e 92.11.04, não se podia agora decidir que a propositura de novo processo «é manifestamente incompatível com aquela sua conduta anterior» (terem demandado os réus por 2 vezes, ao abrigo do art. 69-1 a) RAU e até com recurso a factos idênticos);<br>
- tendo a Relação, ao julgar pela inexistência do caso julgado, concedido aos autores a possibilidade de obterem ganho de causa se lograssem provar os novos factos, não podia o tribunal depois vir dizer que a simples propositura da presente acção baseada em alguns factos já alegados e provados constituía a assunção de uma conduta manifestamente incompatível com aquela sua conduta anterior, um abuso de direito;<br>
- se a presente acção assentou em factos novos, reveladores de uma causa de pedir diferente, no fundo, de uma necessidade diversa, jamais se poderia propender no sentido de que os autores forjaram ou arquitectaram, por forma intencional e fraudulenta, algum dos requisitos previstos no art. 71 do RAU e mesmo a própria necessidade por eles alegada e provada,<br>
- e só por isso é que os agravantes poderiam ser penalizados;<br>
- violado o disposto nos arts. 497, 498 e 672 CPC.<br>
Contra-alegando, defenderam os réus a confirmação do julgado.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Porque o presente recurso apenas podia ser intentado e admitido com fundamento em ofensa de caso julgado, como sucedeu, tão sòmente há que conhecer se ocorreu a apontada violação, para o que os factos que importa elencar são -<br>
a)- em 90.03.21, os autores demandaram os réus em acção de despejo pretendendo se declarasse a denúncia deste contrato de arrendamento, para sua habitação, tendo a acção sido julgada improcedente, por sentença, transitada, de 91.10.08, por não terem comprovada a alegada necessidade do prédio (proc. nº 76/90 - 2º Juízo da Comarca do Funchal);<br>
b)- em 92.11.04, propuseram nova acção para denúncia do mesmo arrendamento, que improcedeu em saneador de 93.05.17, confirmado por acordão de 94.10.11, transitado, tendo os réus sido absolvidos do pedido por proceder a excepção de caso julgado (proc. nº 238/92 - 1º Juízo da mesma Comarca);<br>
c)- em 98.01.12, os autores propuseram a presente acção contra os réus para denúncia do mesmo contrato de arrendamento, por desse prédio necessitarem para sua habitação;<br>
d)- os réus excepcionaram o caso julgado e o abuso de direito;<br>
e)- a Relação, em seu acordão de 00.02.17, transitado, julgou improcedente a excepção por não haver identidade da causa de pedir e, porque o processo, pelo seu estado, não permitia ainda uma decisão de mérito, ordenou o prosseguimento dos autos;<br>
f)- nesse acordão afirmou-se, sem prejuízo de haver factos comuns, que nesta acção os autores «aduziram factos/ocorrências concretas, novos e diversos dos apreciados nas acções propostas em ..., alegadamente integradores da invocada necessidade que têm da casa para sua habitação. Dentre eles destacam-se: a passagem do autor-marido à situação de reformado num país em que é emigrante, a avançada idade e as doenças que lhes sobrevieram e lhes não permitem permanecer por mais tempo nessa terra distante; a circunstância de não poderem contar com o apoio / acompanhamento dos dois filhos ali também emigrados e de a amenidade do clima da Madeira / Funchal, onde residem os amigos e demais familiares, ser vital para o autor»;<br>
g)- o acordão recorrido, de 01.10.02, após o relatório e descrição da matéria de facto, apenas e textualmente refere -<br>
«o art. 334º do Código Civil diz que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.<br>
Como instituto de carácter genérico, ele é aplicável, em princípio, a quaisquer situações jurídicas, e o exercício de um direito será abusivo, designadamente, quando a conduta do titular for incompatível com uma sua conduta anterior.<br>
Mostram os autos que esta acção é a terceira acção que os autores intentam, como senhorios, contra os réus, como arrendatários, visando, em todas elas, a denúncia do contrato de arrendamento para habitação dos autores.<br>
As duas primeiras acções foram intentadas em 1990 e 1992, respectivamente. Nelas os autores alegaram, e até provaram, terem estado emigrados na Austrália desde 1967, e terem regressado definitivamente à Madeira para aí viverem o resto dos seus dias. Essas acções vieram, no entanto, a improceder.<br>
Cerca de seis anos mais tarde, em 1998, intentaram os autores a presente acção nela alegando e provaram que emigraram para a Austrália há, aproximadamente, 30 anos, e que ainda hoje aí permanecem, tendo tudo preparado para regressar definitivamente, e que apenas o não fizeram ainda por, na Região Autónoma da Madeira, não terem, há mais de um ano, além do locado, casa própria ou arrendada.<br>
É claro que esta conduta dos autores é manifestamente incompatível com aquela sua conduta anterior.<br>
Com efeito, é inaceitável que tendo os autores alegado, e até provado, nas acções anteriores que já tinham regressado definitivamente à Madeira, venham agora alegar e provar que emigraram para a Austrália há, aproximadamente, 30 anos, aí permanecendo, tendo tudo preparado para regressar definitivamente e que apenas o não fizeram ainda por não terem outra casa, própria ou arrendada, na Região Autónoma da Madeira.<br>
A existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo mostra-se assim exercido em aberta contradição, sendo abusivo por a conduta do seu titular se configurar manifestamente incompatível com uma sua conduta anterior.<br>
A lei não indica as consequências do abuso de direito. Limita-se a declará-lo ilegítimo - art. 334º doC.Civil. Assim, revoga-se a sentença ecorrida e julga-se a acção improcedente».<br>
<br>
Decidindo: -<br>
<br>
1.- O acordão em crise não se debruçou sobre a verificação ou não da causa de pedir nem das condições do exercício do direito de denúncia.<br>
Tão pouco se colocou a si mesmo o problema da extensão do caso julgado e em definir qual a fundamentação lógico-jurídica imprescindível das duas decisões finais, definitivas, dos processos 76/90 e 238/92.<br>
Nesta mesma sequência, também não questionou o valor extra-processual das provas nem, por não ter entrado no mérito da questão, procedeu a um exame crítico das provas que lhe cumpria conhecer. <br>
O acordão de 00.02.17 não se pronunciou sobre a excepção do abuso de direito (mais correcto seria denominar o que pelos réus foi invocado ou de criação artificial ou fraudulenta da causa de pedir - a necessidade - ou, não de excepção, mas de argumentação tendente a antecipadamente infirmar a prova positiva da causa de pedir).<br>
O acordão recorrido não foi desse "abuso de direito" alegado que conheceu.<br>
É neste quadro que cumpre responder à única questão possível de colocar - violou ou não a Relação, no seu acordão, sob a capa de abuso de direito, o caso julgado formado por seu anterior acordão, o de 00.02.17.<br>
A concluir-se pela afirmativa, terá o processo de regressar à Relação para ser julgada, se possível pelos mesmos Exº Srs. Juízes Desembargadores, a apelação.<br>
<br>
2.- Apesar de ser uma terceira acção visando a denúncia do contrato de arrendamento, para habitação própria, a Relação, no seu acordão de 00.02.17, concluiu que não reproduz as anteriores, antes integrando a causa de pedir com concretos factos novos.<br>
Isso não equivaleu a dizer que nela não tenham sido alegados factos que já o tivessem sido em alguma das anteriores mas que o concreto facto jurídico comportava novidade, com virtualidade de, se provada, ser relevante.<br>
Não se pronunciou sobre se a parte que constituía novidade só por si encerrava essa virtualidade ou se tinha de ser aliada à outra para se revestir dessa potencialidade.<br>
Nem tinha de o fazer na medida em que apenas se lhe pedia uma decisão sobre a causa de pedir na presente acção repetir ou não as anteriores, uma decisão sobre haver ou não violação do caso julgado.<br>
Negou haver repetição por a causa de pedir ser diferente e reconheceu não ser possível desde logo conhecer de mérito na medida em que havia necessidade de instruir o processo, de os autores terem de provar a factualidade alegada em ordem a integrar a causa de pedir accionada.<br>
Ao reconhecer ser diferente a causa de pedir o acordão não só nega a violação de caso julgado como afirma que por ela (causa de pedir, a necessidade para sua habitação), se provada, a acção é viável.<br>
Por outras palavras, reconhece aos autores a possibilidade de accionarem os réus com base no concreto facto jurídico invocado e que este não é repetição dos anteriormente invocados.<br>
Uma decisão posterior negando aos autores a possibilidade de accionar com base na necessidade para habitação própria está a pressupor que se trata do mesmo facto jurídico e nessa medida contraria o que já fora definitivamente julgado.<br>
Se a decisão posterior quis significar a inadmissibilidade de uma terceira acção a visar a denúncia do contrato, independentemente de se provar (ou não) causa de pedir diferente, viola também o que fora definitivamente julgado - deixara-se intocado o direito de acção, apenas se afirmou que o êxito do seu exercício não era obstaculizado pela circunstância de ter havido duas acções anteriores visando a denúncia do mesmo contrato.<br>
Emprestando-lhe embora a qualificação de abuso de direito (relativamente ao exercício do direito de acção), o acordão de 01.10.02 violou o caso julgado formado pelo acordão de 00.02.17.<br>
<br>
Termos em que, no provimento do agravo, se revoga o acordão e se ordena a remessa dos autos à Relação para aí, se possível pelos mesmos Exº Srs. Juízes Desembargadores, ser conhecida a apelação.<br>
Custas pelos recorridos<br>
<br>
Lisboa, 5 de Março de 2002.<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
njLYu4YBgYBz1XKvWEm5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p>
</p><p><font>I - "A", intentou acção com processo ordinário contra B, pedindo que se declare a inexistência do direito que a ré se arroga de exigir ao autor a quantia de 600.000 libras GBP, equivalente a 150.000$00, a título de resto do preço da cessão das quotas da Sociedade C.</font>
</p><p>
</p><p><font>Contestando, a ré impugnou os factos e sustentou a improcedência da acção, pedindo em reconvenção que o autor seja condenado a pagar-lhe a quantia de 150.000$00 e juros.</font>
</p><p><font>O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção procedente e improcedente o pedido reconvencional.</font>
</p><p><font>Apelou a ré.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação anulou o julgamento.</font>
</p><p><font>Veio a ter lugar nova audiência, proferindo-se decisão que julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção.</font>
</p><p><font>Apelou o autor.</font>
</p><p><font>A Relação julgou parcialmente procedente a apelação.</font>
</p><p><font>Inconformado, recorre o autor para este Tribunal.</font>
</p><p><font>Formula as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- O autor não é nem foi subadquirente das quotas da Sociedade C, as quais foram adquiridas pela "D", Lda e "E", Lda, pelo preço de 125.000.000$00 cada, à ré e F, por escrituras de 28.12.88 e 23.12.89;</font><br>
<br>
<font>- Efectuado o acordo com "G", "D", Lda passou ao domínio do autor, em 23.01.89, e celebrado na mesma data o contrato promessa de cessão de quota com F, por força do qual "E", Lda adquiriu posteriormente tal quota, o autor procedeu a liquidação do resto do preço, no montante de 200.000.000$00, que aqueles deviam à ré e sua filha;</font><br>
<br>
<font>- Nas negociações concluídas em 23.01.89, G e F, para comprovar a titularidade das quotas da Sociedade C, exibiram a fotocópia da escritura de 28.01.88, de cuja autenticidade não havia motivos para duvidar;</font><br>
<br>
<font>- Tendo encontrado a ré, pela primeira vez, em 19.12.89, o autor dela recebeu a tradução do contrato promessa de 25.06.88, de cuja existência não ouvira falar antes, acompanhada de carta de 19.01.90, onde mencionava que lhe enviava a tradução por ter concluído que não era conhecedor da mesma;</font><br>
<br>
<font>- A modificação do preço operada na escritura de 28.12.88, de 250.000.000$00 para 400.000.000$00, sem a intervenção de "D", Lda e F, impede que o acórdão recorrido produza o efeito útil normal;</font><br>
<br>
<font>- A decisão de alterar o preço para 400.000.000$00 exorbitou dos limites impostos pelo artigo 661º do CP Civil, sem que a ré o tivesse pedido, pelo que, nesta parte, é nulo, nos termos do artigo 668º nº 1, alínea e) do mesmo Código;</font><br>
<br>
<font>- Não sendo contitular da relação ou relações materiais controvertidas tituladas pela escritura de 28.12.88, o autor é parte ilegítima;</font><br>
<br>
<font>- Enquanto a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, a alteração de uma relação jurídica válida apenas produz efeitos para o futuro;</font><br>
<br>
<font>- A manter-se a alteração oficiosa do preço, esta produz efeito a partir do momento em que é tomada a correspondente decisão e não afecta o autor por não retroagir à data da conclusão do negócio, ou seja, 03.02,89;</font><br>
<br>
<font>- Qualificando juridicamente os factos resultantes das respostas aos quesitos 58A, 58D, 59 a 66, estes configuram a tentativa falhada de prestação de fiança, por não ter sido reduzida a escritura pública;</font><br>
<br>
<font>- Tão pouco houve transmissão singular de dívida do F para o autor, na modalidade de assunção cumulativa, por inexistência e invalidade da dívida transmitida e invalidade do contrato de transmissão;</font><br>
<br>
<font>- Resultando a dívida de preço de escritura pública, como determina o artigo 228º do CSC, a escritura de 28.12.88, é insusceptível de ser alterada, salvo por vícios previstos na lei que não foram invocados;</font><br>
<br>
<font>- O conhecimento das promessas de cedência de quotas de 25.06.88 e 13.07.88 e da declaração emitida nesta data por parte do autor só seria relevante se fosse anterior a 03.02.89, data da conclusão do negócio, o que não aconteceu;</font><br>
<br>
<font>- Se a arguição de nulidade por simulação contra terceiro exige que este tenha tido conhecimento prévio do pacto simulatório, por maioria de razão, o autor, para ser responsabilizado pelo acréscimo inesperado de preço, deveria conhecer esse acréscimo antes de 03.02.89, o que se não verificou;</font><br>
<br>
<font>- Não é pelo facto de o autor aceitar pagar a dívida posteriormente que ela automaticamente fica validada;</font><br>
<br>
<font>- Foi violado o artigo 228º do CSC que imperativamente estabelece que as cessões de quotas e suas modificações adoptem a forma de escritura pública;</font><br>
<br>
<font>- Foi também violado o artigo 595º n.º 1, alínea a) do C. Civil que exige a prévia validade quer da dívida transmitida, quer do contrato de transmissão; a primeira é nula por falta de forma legal, a segunda é nula por impossibilidade legal do seu objecto.</font>
</p><p><font>Contra-alegando, a ré defende a manutenção do decidido.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>II - Vem dado como provado:</font>
</p><p><font>Por escritura de 28.12.1988, lavrada a fls. 56 do Livro 1-F do Cartório Notarial de Silves, a ré cedeu a "D", Lda, sociedade comercial estrangeira e com sede em 120, Main Street, Gibraltar, a quota que possuía na Sociedade C, pelo preço de 125.000.000$00, tendo também nessa ocasião renunciado à gerência;</font>
</p><p><font>Por essa mesma escritura a outra quota na dita Sociedade C, que era pertença de H foi cedida a F pelo preço de 125.000.000$00;</font>
</p><p><font>A Sociedade C está matriculada sob o n.º 576 na Conservatória do Registo Comercial de Albufeira;</font>
</p><p><font>A sociedade comercial estrangeira "D", Lda adquiriu a referida quota mediante a prévia autorização do Instituto de Investimento Estrangeiro;</font>
</p><p><font>A Sociedade C tem o capital social de 60.000.000$00, dividido em duas quotas de igual valor;</font>
</p><p><font>G era proprietário beneficiário da sociedade comercial estrangeira "D", Lda;</font>
</p><p><font>A "D", Lda passou ao domínio do autor em 23 de Janeiro de 1989, por ocasião da revenda das referidas quotas da Sociedade C;</font>
</p><p><font>O autor transferiu em 26 de Janeiro de 1989 a soma de £ 400.000, equivalente a 100.000.000$00 para a conta da ré n.º 70020270-11-61821, Bayerische Vereinsbank, Munich Alemanha;</font>
</p><p><font>Em 3 de Fevereiro de 1989 foi entregue à ré no país a quantia de £ 400.000, equivalente a 100.000.000$00;</font>
</p><p><font>Só em 23 de Dezembro de 1989, cumpridas as formalidades legais, foi possível celebrar a escritura de cessão da referida quota de F a "E", Lda, com sede em Neptune House, Marine Bay, Gibraltar, escritura lavrada a fls. 61 do Livro 42-A do Cartório Notarial de Silves;</font>
</p><p><font>A sociedade comercial estrangeira "E", Lda, foi indicada pelo autor em conformidade com o contrato promessa de 23 de Janeiro de 1989 referido;</font>
</p><p><font>A aquisição da quota pela "E", Lda foi precedida da declaração prévia de investimento estrangeiro, emitida pelo Instituto de Comércio Externo, em 21 de Dezembro de 1989;</font>
</p><p><font>O autor veio a conhecer a ré em 19 de Dezembro de 1989;</font>
</p><p><font>Nessa data, o autor e sua mulher deslocaram-se à residência da ré onde, no decurso de uma reunião, F passou à ré um cheque no montante de 150.000.000$00, datado de 30.04.90, para garantia do pagamento do resto do preço da quota da Sociedade C;</font>
</p><p><font>Nessa mesma altura, o autor emitiu a favor da ré um seu cheque pessoal, no montante de £ 600.000, equivalente a 150.000.000$00, que lhe veio a ser devolvido pelo F;</font>
</p><p><font>F era nesse tempo gerente da Sociedade C;</font>
</p><p><font>O autor recebeu da ré cópia de um contrato traduzido para inglês, com uma carta de 19 de Janeiro de 1990;</font>
</p><p><font>Por esse contrato, datado de 25 de Junho de 1988, a ré em representação da Sociedade C prometia vender a "D", Lda, representada por F, ou a quem este indicasse, as quotas daquela sociedade, pelo preço DM 5.000.000 equivalente a 400.000.000$00 nos termos e condições referidos no documento que consta de fls. 50;</font>
</p><p><font>O autor recebeu dos advogados da ré uma carta datada de 12 de Junho de 1991, dando-lhe o prazo de 7 dias para pagar a quantia de £ 600.000, acrescida de juros moratórios à taxa de 15%, desde 01.01.1990;</font>
</p><p><font>O autor e F subscreveram o escrito que consta de fls. 41, em que o segundo promete ceder ao primeiro ou a sociedade que este indicar, pelo preço de 125.000.000$00, uma quota de 50% na Sociedade C;</font>
</p><p><font>Para um pagamento de 50.000.000$00 foi entregue um cheque desse montante sobre a conta F do BESCL, em Albufeira, o qual foi cobrado pela ré;</font>
</p><p><font>Para outro pagamento foram entregues dois cheques sobre o I, agência de Faro, de 100.000.000$00 cada, datados de 31.12.88;</font>
</p><p><font>Para outro pagamento foi entregue cheque sobre I, agência de Faro, de 150.000.000$00, datado de 31.12.89;</font>
</p><p><font>A ré e o F subscreveram o escrito de fls. 93 a 95, no qual a primeira em representação da Sociedade C prometeu ceder a "D", Lda, representada pelo segundo, ou a quem este indicasse a totalidade das quotas da Sociedade C, Lda, pelo preço de 250.000.000$00, tendo ambos igualmente subscrito o escrito de fls. 96 e 97, onde declaram que o anterior se destina a fins meramente burocráticos e que o valor real da cessão será de 400.000.000$00, constante de contrato celebrado em 25 de Junho de 1988;</font>
</p><p><font>O escrito de fls. 93 a 95 serviu para instruir a declaração prévia de investimento estrangeiro e enganar o Estado;</font>
</p><p><font>Os escritos de fls. 47 e 48, 93 a 95 e 96 a 97 foram redigidos pelo Sr. Dr. L, então advogado do autor e por outro advogado;</font>
</p><p><font>F sacou sobre uma conta um cheque de 100.000.000$00 que entregou à ré em Fevereiro de 1992;</font>
</p><p><font>Esse cheque foi pago à apresentação;</font>
</p><p><font>Na reunião de 19.12.89, o autor fez entrega à ré de um cheque no montante de £ 600.000;</font>
</p><p><font>A ré manteve na sua posse dois cheques, um emitido por F e outro emitido pelo autor passando o recibo que consta a fls. 102 dos autos, datado de 19.12.89, onde se declara ter recebido de F o cheque n.º 4500054034 sobre o I no montante de 150.000.000$00 para garantia de pagamento do resto do preço das quotas da Sociedade C, pagamento este que seria efectuado até 30 de Abril de 1990 e que recebia, igualmente, do autor o cheque n.º 000137, sobre o J, no montante £ 600.000 para reforço de garantia do resto do preço das aludidas quotas;</font>
</p><p><font>Nessa reunião o autor pediu à ré que lhe concedesse uma prorrogação por 4 meses de prazo para pagamento da parte do preço ainda em dívida, de 150.000.000$00;</font>
</p><p><font>E declarou-se devedor à ré dessa importância, que estava titulada por cheque sacado pelo F;</font>
</p><p><font>Reconheceu-se ainda o autor devedor à ré dos juros sobre a referida importância estipulada no parágrafo 1 da cláusula 6ª do contrato promessa de 25.06.88;</font>
</p><p><font>A ré dispôs-se a conceder a moratória solicitada e a renunciar aos juros pelo período da mesma, na condição do autor efectuar o pagamento dos juros sobre 150.000.000$00 referentes aos períodos de 01.01.89 a 31.12.89;</font>
</p><p><font>O autor aceitou as condições postas pela ré;</font>
</p><p><font>Por isso nessa altura o autor entregou à ré o cheque referido;</font>
</p><p><font>O acordo entre a ré e o F, nos termos do qual a quantia de 150.000.000$00 devia ser paga até 30.04.90, foi o acordo feito na reunião de 19.12.89, com a já referida intervenção do autor;</font>
</p><p><font>O autor dirigiu à ré a carta que consta de fls. 103-104 dos autos, datada de 14 de Junho de 1990, na qual refere terem sido pagas à autora 200.000 libras em Outubro de 1988, 400.000 libras em 26 de Janeiro de 1989 e 400.000 libras em 3 de Fevereiro de 1989. Mais refere o autor, nessa carta, que foram pagos à ré juros no montante de 15.000 libras em Fevereiro de 1989 e no montante de 45.000 libras em Dezembro de 1989. Diz ainda o autor que se encontra em falta um montante a título de capital no valor de 600.000 libras que irá ser transferido em 28 de Junho de 1990, para a conta do advogado L, que posteriormente pagará essa quantia à ré. Aí se confirma, ainda, que o montante total do preço pago à ré pelas quotas da Sociedade C, e pelo terreno conhecido como Floresta Velha é equivalente a 1.600.000 libras;</font>
</p><p><font>O autor dirigiu à ré a carta que consta a fls. 105-106 dos autos, datada de 27 de Junho de 1990, na qual refere terem sido pagos à ré 50.000.000$00 (200.000 libras) em Outubro de 1988 (em Portugal), 100.000.000$00 (400.000 libras) em 26 de Janeiro de 1989 (na Alemanha Ocidental) e 100.000.000$00 (400.000 libras) em 3 de Fevereiro de 1989 (em Portugal). Mais refere o autor nessa carta, que foram pagos à ré juros no montante de 3.750.000$00 (15.000 libras) em Fevereiro de 1989 e no montante de 11.250.000$00 (45.000 libras) em Dezembro de 1989;</font>
</p><p><font>Nessa carta diz ainda o autor que é sua convicção que o preço acordado pela ré para venda das suas quotas na Sociedade C (proprietária do terreno conhecido como Floresta Velha), em conformidade com o contrato datado de 13 de Julho de 1988, é de 250.000.000$00 (1.000.000 libras);</font>
</p><p><font>Diz, depois o autor que, de acordo com a posição manifestada pela ré está em falta o pagamento de 150.000.000$00 (600.000 libras), quantia que seria inicialmente transferida para a conta do advogado do autor, L, que faria de seguida o pagamento à ré, após a assinatura dessa carta pela ré e sua devolução ao autor;</font>
</p><p><font>Diz-se ainda, que a ré deverá estar de acordo com uma indemnização a título pessoal, por forma a deixar intocada M, "E", Lda e Sociedade C, no caso de surgirem responsabilidades fiscais, de qualquer natureza, que deverão ser suportadas pelas quantias recebidas pela ré quer em Portugal, quer na Alemanha;</font>
</p><p><font>Deverá ainda a ré acordar na sua responsabilidade a título pessoal perante as autoridades fiscais portuguesas por quaisquer taxas e impostos devidos pelo pagamento da quantia de 415.000.000$00 (1.660.000 libras) destinados à compra das quotas da Sociedade C, proprietária do terreno conhecido como Floresta Velha;</font>
</p><p><font>Deverá também declarar que o total de 415.000.000$00 (1.660.000 libras) constitui a quantia global importada para Portugal pela compra das quotas da Sociedade C;</font>
</p><p><font>Escreve, igualmente, o autor que a ré deverá acordar também em indemnizar M, "E", Lda e "D", Lda, estabelecendo-se que, no caso de revenda de quotas da Sociedade C, ou de venda do terreno conhecido por Floresta Velha, o valor global pago no montante de 415.000.000$00 (1.660.000 libras) será autorizado a ser exportado de Portugal livre de encargos ou deduções de qualquer natureza;</font>
</p><p><font>Propõe ainda o autor que, caso a ré não concorde com as suas exigências poderá, em alternativa, protelar a emissão de recibo relativo à quantia de 150.000.000$00 (600.000 libras), livre de juros, até que seja encontrado um comprador para o projecto ou poderá tornar a comprar as quotas por montante equivalente àquele que lhe foi pago, acrescido dos custos incorridos até à data com as infraestruturas, honorários legais e governamentais, etc., juntamente com juros contados sobre os montantes despendidos até à data;</font>
</p><p><font>O autor dirigiu a L a carta que consta a fls. 108-109 dos autos, data de 29 de Junho de 1990, na qual enumera as opções disponíveis para a ré, com vista a ultrapassar o impasse criado pela descoberta de dois contratos, datados de 25 de Junho de 1988 e 13 de Julho de 1988, referente à venda das mesmas quotas;</font>
</p><p><font>Nessa carta diz-se que, em alternativa:</font>
</p><p><font>Terá de ser elaborado um novo contrato, que deverá ser assinado na presença de um notário e de seguida registado, de acordo com os departamentos governamentais das autoridades portuguesas, declarando inequivocamente que B vendeu as quotas da Sociedade C, Lda, pela quantia de 400.000.000$00, para que sejam desbloqueadas novas quantias;</font>
</p><p><font>Uma vez celebrado e registado esse contrato, compromete-se o autor a proceder ao pagamento da quantia que a ré afirma faltar, em Portugal, deduzida a quantia de 60.000 libras correspondente a juros já pagos à ré;</font>
</p><p><font>No caso de a ré não querer celebrar novo contrato, o autor refere que ficaria muito contente se os contratos datados de 25 de Junho de 1988 e 13 de Julho de 1988 fossem submetidos à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça Português, que os examinaria e decidiria qual dos dois contratos é legal e oficial;</font>
</p><p><font>A ré poderá ainda tornar a comprar as quotas da Sociedade C pelos montantes exactos que lhe foram entregues, acrescidos das quantias despendidas nas infraestruturas, com os honorários legais e governamentais, e outras despesas, aos quais serão acrescentados juros à taxa apropriada calculados sobre os montantes liquidados até à data;</font>
</p><p><font>A ré poderá aguardar até que surja um comprador credível das acções dos sócios na sociedade, por valor que o autor considere aceitável. Poderia então receber o seu dinheiro, sugere-se que poderia ser muito vantajoso para a ré que se encontrasse rapidamente um potencial comprador.</font>
</p><p>
</p><p><font>III - O autor intentou acção de simples apreciação negativa, pedindo que se declare a inexistência do direito que a ré invoca de lhe exigir o pagamento de 600.000 libras, correspondente a 150.000.000$00, a título de resto do preço do pagamento de uma cessão de quotas, contrapondo a ré a nulidade, por simulação, da escritura pública de cessão de quotas e pedindo em reconvenção que o autor seja condenado a pagar-lhe a referida quantia.</font>
</p><p><font>No Tribunal da Relação (confirmando-se em parte a decisão da 1ª instância) julgou-se a acção improcedente e procedente o pedido reconvencional.</font>
</p><p><font>Daí o recurso do autor.</font>
</p><p><font>Importa frisar que se está perante uma acção em que o autor pretende obter unicamente a declaração da inexistência de um direito de que a ré se arroga, pondo fim a uma situação de incerteza ou de dúvida, objectiva e grave que lhe causa danos.</font>
</p><p><font>Como lhe competia, alegou factos tendentes a demonstrar que nada devia . A ré, por sua vez, alegou factos tendentes a demonstrar a existência de um crédito seu sobre o autor.</font>
</p><p><font>Neste tipo de acções, como é sabido, há uma inversão do ónus da prova, competindo ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que invoca (artigos 4º nº 2, alínea a) do C. Processo Civil e 343º nº 1 do C. Civil).</font>
</p><p><font>É isso que está em causa na presente acção, onde a cessão de quotas e contratos celebrados surgem tão somente como o justificativo do eventual crédito da ré. Esta ao trazer à lide a simulação, no que respeita ao preço da cessão das quotas, fá-lo para provar a existência dos factos constitutivos do direito ao recebimento da quantia em discussão.</font>
</p><p><font>No que toca ao cerne do problema, foi dado como assente nas instâncias que o autor, ora recorrente, se obrigou perante a ré-recorrida a efectuar o pagamento de 150.000.000$00 e juros. Essa quantia era devida à aqui recorrida por um terceiro e na sequência de um negócio jurídico que consistiu na cessão de quotas de uma sociedade.</font>
</p><p><font>Estar-se-á assim perante a transmissão a título singular de uma dívida ou, por outras palavras, perante assunção de dívida.</font>
</p><p><font>O Código de Seabra não referia a assunção de dívida, embora a doutrina já admitisse essa possibilidade. O Código Civil em vigor reconhece expressamente a possibilidade de transmissão a título singular de dívidas. Essa assunção pode ocorrer por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor (artigo 595º do C. Civil).</font>
</p><p><font>No primeiro caso é necessária a intervenção de três sujeitos: o antigo devedor, o novo devedor e o credor.</font>
</p><p><font>No segundo caso há um contrato entre o assuntor e o credor, sendo desnecessário o consentimento do antigo devedor.</font>
</p><p><font>A assunção de dívida, liberatória do antigo devedor só tem lugar havendo expressa declaração do credor nesse sentido. Não existindo essa declaração, estar-se-á perante uma assunção cumulativa da dívida, também designada por co-assunção da dívida, adjunção à dívida ou adesão à dívida. Neste caso (a que o Prof. Vaz Serra no seu anteprojecto chama de contrato a favor do credor) o antigo devedor continua a responder solidariamente (embora se trate de uma solidariedade imperfeita) com o novo obrigado. A responsabilidade do novo devedor vem juntar-se à do antigo, que continua vinculado a par dele.</font>
</p><p><font>Sendo essencial para o credor a pessoa do devedor, a lei estabelece uma medida de protecção do mesmo. Se o credor não exonerar expressamente o antigo devedor, poderá exigir de qualquer deles o cumprimento da obrigação.</font>
</p><p><font>Podendo o credor aceitar a prestação de terceiro (artigo 767º do C. Civil), o acordo entre aquele e o assuntor pode fazer-se independentemente da intervenção do primitivo devedor - Prof. Vaz Serra - "Assunção de Dívida", BMJ n.º 72, pág. 189; Prof. Antunes Varela - "Das Obrigações em Geral" 3ª ed., 2º, pág. 326; Prof. Mota Pinto - "Cessão da Posição Contratual", Reimpressão, Coimbra 1982, págs. 148/149; Prof. Almeida Costa - "Direito das Obrigações" 4ª edição, pág. 566.</font>
</p><p><font>Face à matéria de facto apurada pelas instâncias, está-se não perante uma assunção liberatória ou privativa da dívida, mas sim perante uma assunção cumulativa da dívida, por isso também chamada de multiplicadora ou reforçativa. O ora recorrente assumiu perante a aqui recorrida, que era credora, a obrigação de pagar a quantia que era devida por um terceiro. A responsabilidade do recorrente advém-lhe não do negócio jurídico da cessão de quotas em que de facto não interveio, mas sim do acordo transmissivo celebrado, do contrato referido nos artigos 595º nº 1 e 597º do C. Civil.</font>
</p><p><font>Não tem, pois, razão, o recorrente quando conclui pela sua ilegitimidade por não ter sido subadquirente das quotas da sociedade em causa.</font>
</p><p><font>Nem lhe aproveita uma eventual simulação do preço no negócio jurídico da cessão de quotas, uma vez que a sua vinculação advém-lhe do contrato celebrado.</font>
</p><p><font>Como escreve o Prof. Menezes Cordeiro - "Direito das Obrigações" 1ª ed., 1986 (reimpressão) 2º, pág. 114/115: "a existência normal de uma fonte originante da assunção não é necessária para a subsistência desta. Entende o Direito que, uma vez celebrada a transmissão da dívida, não seria justo sujeitar o credor que, fiado nas aparências, deu o seu assentimento, às vicissitudes possíveis na relacionação verificada entre os devedores inicial e posterior".</font>
</p><p><font>A assunção da dívida é assim um acto abstracto, subsistindo independentemente da existência ou validade da sua fonte - Além do Prof. Menezes Cordeiro, Obra citada, Prof. Menezes Leitão - "Direito das Obrigações", 2002, II, págs. 64/65.</font>
</p><p><font>Sendo o contrato transmissivo em si mesmo válido e idóneo, o novo devedor, neste caso o recorrente, responde nos precisos termos em que se obrigou, pelo pagamento de uma dívida efectiva por cujo pagamento era responsável um terceiro.</font>
</p><p><font>No resto remete-se para o acórdão recorrido que está correctamente fundamentado, não se justificando maiores considerações.</font>
</p><p><font>Pelo exposto, nega-se a revista.</font>
</p><p><font>Custas pelo recorrente.</font>
</p></font><p><font><br>
<font>Lisboa, 22 de Fevereiro de 2005</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font><br>
<font>Reis Figueira</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
2jKzu4YBgYBz1XKvozLk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<font> </font><b><font>1.</font></b><br>
<b><font> Relatório</font></b><br>
<font> AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, acção ordinária contra BB-Companhia de Seguros, S. A., com vista a obter o pagamento de 22.071 € e juros desde a citação, correspondente a indemnização por danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, sofridos em consequência de acidente de viação, ocorrido no passado dia 20 de Dezembro de 1986, e que foi causado, única e exclusivamente, pelo condutor do veículo GL-00-00, segurado na R..</font><br>
<font> Esta contestou, impugnando parte da factualidade alegada na petição e arguindo a excepção da prescrição.</font><br>
<font> Esta última defesa foi contrariada, na réplica, pela A..</font><br>
<br>
<font> Seguiu-se a normal tramitação até julgamento e, findo este, o Juiz de Círculo de Viana do Castelo sentenciou a improcedência da acção por verificada a excepção da prescrição.</font><br>
<br>
<font> Sem êxito, apelou a A. para o Tribunal da Relação de Guimarães.</font><br>
<br>
<font> Continuando irresignada, pede, ora, revista, a coberto das seguintes conclusões (essencialmente as mesmas que suportaram a apelação):</font><br>
<b><font>1ª- </font></b><font>O acórdão recorrido apenas valoriza o disposto no artigo 311º-1, do Código Civil, se existir uma sentença condenatória a favor do lesado, relativamente ao direito invocado, que constitua um título executivo.</font><br>
<b><font>2ª- </font></b><font>O certo, porém, é que o citado artigo 311º-1, Código Civil fala em sentença </font><b><font>ou </font></b><font>outro título executivo e não em sentença </font><b><font>que seja </font></b><font>título executivo.</font><br>
<b><font>3ª- </font></b><font>O elemento relevante, quanto a sentenças, é o reconhecimento do direito do A., com trânsito em julgado.</font><br>
<b><font>4ª- </font></b><font>A atitude processual assumida pela A., no processo penal, não é, de modo nenhum, equiparável à de um lesado que, pura e simplesmente, deixou decorrer 19 anos sobre o facto ilícito, sem nunca manifestar qualquer pretensão de indemnização ou propósito de vir a apresentá-la.</font><br>
<b><font>5ª- </font></b><font>Em 4 de Fevereiro de 1988, a A. apresentou no processo correccional em curso um pedido cível de indemnização contra a R., no qual pediu uma “indemnização parcial, respeitante apenas às despesas já feitas e aos danos já suportados, sem prejuízo de ulterior apresentação de pedido complementar, nestes autos ou noutros”.</font><br>
<b><font>6ª- </font></b><font>A R., no artigo 1º da sua contestação de então, declarou: “Quanto ao acidente a Ré aceita a matéria alegada no art.º 1º a 22º da petição inicial”, assim aceitando expressamente que a culpa da ocorrência do acidente foi exclusiva do condutor e dono do veículo atropelante.</font><br>
<b><font>7ª- </font></b><font>O pedido cível em referência terminou por acordo estabelecido entre a R. e a A., segundo o qual a R. se comprometeu a pagar à A. a quantia de PTE 575.000$00, agora € 2.868,09.</font><br>
<b><font>8ª- </font></b><font>O acordo foi homologado por sentença, transitada de 14/2/1989, do M.º Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, que condenou as partes nos seus precisos termos.</font><br>
<b><font>9ª- </font></b><font>Tanto o citado artigo 1º da contestação do pedido cível como a cláusula 3ª do acordo final tiveram como consequência, além do mais, a assunção, pela R., da responsabilidade civil emergente do acidente de viação em causa, sem excluir os danos futuros.</font><br>
<b><font>10ª- </font></b><font>Existe uma sentença transitada em julgado, que reconheceu o direito da A. a ser indemnizada das consequências danosas do acidente em que interveio.</font><br>
<b><font>11ª- </font></b><font>Assim sendo, não se pode afirmar que o direito da A. não foi reconhecido por sentença transitada em julgado. </font><br>
<b><font>12ª- </font></b><font>Ele está reconhecido, naquilo que é essencial – o facto do acidente e a sua imputação, por negligência, ao segurado da R..</font><br>
<b><font>13ª- </font></b><font>Ficou, apenas, por determinar, uma parte da extensão das suas consequências danosas, objectivo da presente acção.</font><br>
<b><font>14-ª </font></b><font>Esta parte dos danos, então ainda não quantificáveis, está coberta pelo reconhecimento decorrente quer do acordo, quer da sentença homologatória.</font><br>
<b><font>15ª- </font></b><font>Quanto a ela não procedem as razões que militam a favor da estatuição de uma prescrição de curto prazo, precisamente porque o essencial para a fixação da indemnização concreta já está assente.</font><br>
<b><font>16ª- </font></b><font>Deverá decidir-se que o direito da A. não estava prescrito, quando a presente acção foi proposta, em 14/DEZ/2006, uma vez que o prazo de prescrição de 20 anos apenas começou a correr a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo celebrado entre a A. e a R., com data de 14/FEV/1989.</font><br>
<b><font>17ª- </font></b><font>O nº 2 do artigo 311º do Código Civil não é aplicável ao caso dos autos.</font><br>
<b><font>18ª- </font></b><font>O âmbito de aplicação deste n.º 2 é o das prestações repetidas e escalonadas no tempo, como, </font><i><font>v.g</font></i><font>., as rendas.</font><br>
<b><font>19ª- </font></b><font>O caso destes autos assemelha-se antes ao das prestações devidas por compras em grupo.</font><br>
<b><font>20ª- </font></b><font>O sentido inequívoco das cinco Directivas existentes sobre seguro obrigatório automóvel é o de que todos os sinistrados da estrada deverão ser indemnizados dos danos por eles suportados.</font><br>
<b><font>21ª- </font></b><font>De quanto acima fica exposto e dos factos dados como provados e que constam do acórdão recorrido resulta como necessária a procedência da acção.</font><br>
<b><font>22ª- </font></b><font>Decidindo em sentido diverso do aqui proposto, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 309º, 311º e 498º do Código Civil, pelo que deve ser revogado e substituído por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, que condene a R. nos termos pedidos.</font><br>
<br>
<font> A recorrida contra-alegou, em defesa da manutenção do acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<b><font>2. </font></b><br>
<b><font> As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
<font>- No dia 20 de Dezembro de 1986, cerca das 8.40 horas, ao Km 20,043 da EN 202, na freguesia de Bertiandos, em Ponte de Lima, a A. caminhava no sentido de Ponte de Lima – Viana do Castelo, junto à berma do seu lado direito, a empurrar um pequeno carro de mão, de duas rodas, onde transportava quatro bilhas contendo soro de leite.</font><br>
<font>- Por forma a que a roda do lado direito pisava a referida berma desse lado.</font><br>
<font>- Cuja largura, no local, é de 0,8 metros, sendo a da faixa de rodagem de 7 metros e a da berma do lado esquerdo de 2 metros.</font><br>
<font>- O piso da faixa de rodagem era constituído por tapete betuminoso em bom estado de conservação e estava molhado porque chuviscava.</font><br>
<font>- O local é uma recta, ficando a curva imediatamente anterior a 80 metros.</font><br>
<font>- Esta curva desenha-se para a direita, considerando o sentido Ponte de Lima- Viana do Castelo, e qualquer condutor, que seguisse no mesmo sentido da A., poderia avistá-la, e ao carrinho de mão, desde uma distância de 150 metros.</font><br>
<font>- No mesmo dia, hora e sentido de trânsito seguia CC, que conduzia o veículo ligeiro de passageiros nº GL-00-00, de que era dono, pela metade direita da faixa de rodagem.</font><br>
<font>- O Abel Gonçalves de Sá, ocupado a limpar o interior do pára-brisas embaciado, não reparou na A. e no carrinho de mão, deixou inclinar-se para a direita, por forma a que a metade anterior direita do veículo GL foi embater na parte posterior do corpo da A. e no carrinho de mão que esta empurrava, comprimindo o corpo da A. contra a estrutura de ferro do carrinho de mão e projectando um e outro para o talude de suporte da estrada e para o campo marginal desta, situado a nível inferior da faixa de rodagem.</font><br>
<font>- Quando se deu o embate, a A. caminhava sobre a linha divisória da faixa de rodagem e da berma do lado direito, fazendo seguir metade da largura do carrinho sobre a berma e a outra metade sobre a faixa de rodagem.</font><br>
<font>- O carrinho tinha a largura máxima, medida pela face exterior das rodas, de 0,85 metros.</font><br>
<font>- A A. nasceu no dia 10 de Janeiro de 1945.</font><br>
<font>- Em 4 de Fevereiro de 1988, no âmbito do processo correccional nº 44/87, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, a A. apresentou um pedido cível de indemnização contra a Companhia de Seguros BB. </font><br>
<font>- No qual pediu uma “indemnização parcial, respeitante apenas às despesas já feitas e aos danos já suportados, sem prejuízo de ulterior apresentação de pedido complementar, nestes autos ou noutros”.</font><br>
<font>- Esse pedido cível de indemnização foi contestado pela Companhia de Seguros BB, e nessa contestação, a mesma seguradora disse no seu art.º 1º: “Quanto ao acidente a Ré aceita a matéria alegada no art.º 1º a 22º da petição inicial.”</font><br>
<font>- O pedido cível terminou por acordo, celebrado e homologado por sentença em 14.02.1989, estabelecido entre a Companhia de Seguros BB e a A., segundo o qual a R. se comprometeu a pagar à A. a quantia de PTE 575.000$00 (agora € 2.868,09).</font><br>
<font>- Nesse acordo, ficou estabelecido que “com o recebimento da referida quantia os demandantes consideram-se integralmente ressarcidos dos danos liquidados e reclamados nestes autos.” </font><br>
<font>- A Companhia de Seguros BB celebrou com o CC um contrato de seguro de responsabilidade civil, relativamente ao veículo n.º GL-00-00, até ao limite de 5.000.000$00 – € 24.940,00 –, titulado pela apólice n.º 000000000, que estava em vigor na data do acidente.</font><br>
<font>- A Companhia de Seguros BB celebrou com a Companhia de Seguros Império um contrato de fusão, pelo qual foi constituída uma nova sociedade denominada “Império BB – Companhia de Seguros, S.A.”.</font><br>
<font>- Por força do contrato indicado, a nova sociedade resultante assumiu todas as obrigações das anteriores sociedades incorporadas, assim como se tornou a dona do capital e demais activo das mesmas sociedades.</font><br>
<font>- A A. esteve de baixa médica no período compreendido entre 22.12.1986 a 31.10.1988, tendo-lhe sido pago o subsídio de doença no valor de € 407,02.</font><br>
<font>- Do atropelamento e queda resultaram para a A.:</font><br>
<font>- Fractura da tíbia e peróneo esquerdos;</font><br>
<font>- Ferida corto-contusa profunda na raiz da coxa esquerda, com o comprimento de 20cm;</font><br>
<font>- Diversas escoriações dispersas pelo corpo, especialmente na cabeça.</font><br>
<font>- A A. recebeu os primeiros socorros no hospital de Ponte de Lima e foi, depois, transferida para o hospital de Viana do Castelo.</font><br>
<font>- E ficou internada no hospital de Viana do Castelo até ao dia 22 de Dezembro de 1986, data em que foi transferida para o hospital de Ponte de Lima.</font><br>
<font>- A A. permaneceu internada no hospital de Ponte de Lima até ao dia 8 de Janeiro de 1987, data em que regressou a casa.</font><br>
<font>- Após a alta hospitalar e a sujeição a tratamentos de recuperação funcional, a A. continuava a sofrer dores insuportáveis no membro inferior esquerdo, especialmente as resultantes do pé espasmódico pós-traumático.</font><br>
<font>- Que lhe provocavam permanente mal-estar e impossibilidade de movimentação.</font><br>
<font>- E determinaram a submissão da A. a uma intervenção cirúrgica para a realização de tríplice artrodese das articulações médio-társicas do pé esquerdo.</font><br>
<font>- Essa intervenção teve lugar num hospital de Fão, a expensas da A., </font><br>
<font>- E eliminou as dores de que a A. estava a sofrer,</font><br>
<font>- Mas provocou, como efeito secundário, uma situação de rigidez das articulações intervencionadas.</font><br>
<font>- Em consequência da nova situação criada pela intervenção cirúrgica, a A. ficou com grandes dificuldades de se dedicar a trabalhos de lavoura, de que se ocupava antes do acidente.</font><br>
<font>- A A. continua a sofrer dores no membro inferior esquerdo,</font><br>
<font>- E deixou de poder trabalhar na agricultura. </font><br>
<font>- Por essa forma de actividade lhe provocar um agravamento das dores.</font><br>
<font>- Após a realização da artrodese no pé esquerdo, a incapacidade física da A., emergente das lesões sofridas no atropelamento, foi quantificada em 44%.</font><br>
<font>- Antes do atropelamento, a A. era pessoa saudável.</font><br>
<font>- E trabalhava na lavoura da sua casa e à jorna, para outros agricultores.</font><br>
<font>- E realizava todos os afazeres domésticos.</font><br>
<font>- Como jornaleira da lavoura, a A. estaria a ganhar, actualmente, € 25,00 por cada dia de trabalho.</font><br>
<font>- Pela cirurgia do pé e por consultas médicas, a A. pagou em 25/2/1988, 24/3/88, 14/4/88, 28/4/88, 19/5/88, 25/5/88, 9/6/88, 7/7/88, 15/5/1996, 23/5/96, PTE 97.000$00 – € 483,83 – e em 5/12/2006 € 50,00.</font><br>
<font>- Em taxas moderadoras pagas em 27/4/88, 9/6/88, 23/5/96 a A. gastou PTE 1.140$00 – € 5,69.</font><br>
<font>- Em transportes pagos em diversas datas, para se deslocar a consultas, para a realização de exames médicos e para ser internada em Fão, a A. gastou PTE 5.575$00 – € 27,81. </font><br>
<font>- Pela fotocópia-certidão junta como doc. 1, a A. gastou € 53,40.</font><br>
<font>- A A. sofre de um desgosto por verificar que não foi possível melhorar, como esperava, e por não poder continuar a trabalhar na agricultura, como vinha fazendo antes do acidente,</font><br>
<font>- A A. frequentou os quatro anos de escolaridade obrigatória no tempo da sua adolescência.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>3.</font></b><br>
<b><font> </font></b><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<font> A primeira e verdadeira questão que a recorrente coloca à nossa consideração, para decisão, é a de saber se o direito reclamado está prescrito, tal como as instâncias decidiram, ou não, tal como a própria tem vindo a defender ao longo de toda a lide.</font><br>
<font> Só depois de ponderarmos a argumentação relativa à 1ª questão, decidindo no sentido favorável à recorrente, é que faz sentido equacionar e decidir tudo o mais relatado nas conclusões.</font><br>
<br>
<font> A 1ª instância pura e simplesmente decidiu pela verificação da excepção da prescrição, tal como havia sido objecto de arguição pela R. e, com tal fundamento, julgou a acção improcedente.</font><br>
<br>
<font> Perante nova argumentação trazida a terreiro pela A. – ao caso era aplicável o prazo ordinário de prescrição (vinte anos), e não o regime contemplado no nº 2 do artigo 311º do Código Civil –, a Relação de Guimarães respondeu que não, que o prazo de 20 anos era inaplicável, certo que “o prazo normal de prescrição, nos termos do artigo 309º do C.C, é de vinte anos e, para o tipo de situações a que se refere o artigo seguinte, excepcionalmente, é de cinco anos; o artigo 311º abre, assim, uma excepção à já prevista no artigo 310º e, nesse contexto, evidencia que, acrescendo ao direito a existência de título executivo, designadamente a sentença, o prazo prescricional volta a ser de 20 anos – salvo no que concerne a «prestações ainda não devidas»; o artigo 311º é aplicável aos casos em que ao direito acresce a existência de um título executivo, designadamente, uma sentença; dado que a sentença homologatória do acordo celebrado no pedido de indemnização civil formulado no processo correccional não reconhece o eventual direito da autora a ser indemnizada por outras consequências danosas do acidente em apreço, designadamente, pelas reclamadas na presente acção, relativamente a estas, ela não é título executivo e, por isso, não tem aplicação o prazo de prescrição que se prevê no citado artigo 311º do C.C; aplicável à responsabilidade extracontratual é o disposto no artigo 498º do C.C; …” (</font><i><font>sic</font></i><font>).</font><br>
<br>
<font> Ora bem.</font><br>
<font> Em matéria de prescrição do direito fundado em responsabilidade civil delitual rege o artigo 498º do Código Civil.</font><br>
<font> Com efeito, o nº 1 deste preceito legal prescreve o seguinte:</font><br>
<font> “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o prazo a contar do facto danoso”.</font><br>
<font> E o nº 3 acrescenta, ainda:</font><br>
<font> “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo razoável”.</font><br>
<font> A razão principal do encurtamento de prazo de prescrição em sede de responsabilidade aquiliana “está em que os elementos da responsabilidade civil, e, sobretudo, o dano, têm, em regra, de ser provados com testemunhas e, passado longo tempo sobre o facto ilícito, pode ser muito mais difícil apurar devidamente os factos” (Vaz Serra, Exposição de Motivos, Boletim do Ministério da Justiça, nº 87).</font><br>
<font> Também António Menezes Cordeiro explicita a razão deste “prazo especialmente curto” de prescrição, ao dizer que:</font><br>
<font> “… visa, por um lado, pôr rapidamente cobro à situação de insegurança que é representada pela existência de danos imputáveis, cujo ressarcimento, dependente do lesado, se encontra em dúvidas quanto à realização e, por outro, que visa incitar os lesados à realização pronta dos seus direitos (Direito das Obrigações, 2º volume, página 431).</font><br>
<font>“A solução estabelecida no nº 1 também não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária se não tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, página 504, nota 2).</font><br>
<font>“Caso o lesado peça judicialmente o reconhecimento efectivo da indemnização, também não funciona a prescrição de três anos; por um lado, a simples propositura da acção interrompe qualquer prazo prescricional; por outro, obtida sentença que reconheça a indemnização, só a prescrição ordinária pode extinguir a obrigação dessa forma reconhecida” (António Menezes Cordeiro, obra e local citados).</font><br>
<br>
<font>No caso que nos ocupa, a A.-lesada veio alegar que, após ter celebrado uma transacção, em 14 de Fevereiro de 1989, no decurso do processo-crime, cuja origem foi precisamente o acidente de viação aqui descrito, novos danos surgiram a merecer reparação.</font><br>
<font> E, não há dúvida, que esses novos danos poderiam e deveriam ser indemnizados, apesar de alguns deles já se terem verificado antes mesmo da outorga da dita transacção.</font><br>
<font> Simplesmente, neste caso, deveria a A. ter intentado nova acção no prazo de três anos após o seu conhecimento.</font><br>
<font> Isto é o que claramente resulta do citado nº 1 do artigo 498º. </font><br>
<font>Pires de Lima e Antunes Varela, comentando este mesmo preceito legal, deixam esta ideia bem precisa:</font><br>
<font>“A solução estabelecida no nº 1 também não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária se não tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores” (Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, página 504, nota 2).</font><br>
<font>Argumenta a recorrente que o reconhecimento do direito agora reclamado não prescreveu e elege, em sua defesa, o que está estipulado no artigo 311º, nº 1, do Código Civil, dizendo mesmo que “existe uma sentença transitada em julgado, que reconheceu o direito da A. a ser indemnizada das consequências danosas do acidente em que interveio” (conclusão 10ª), pelo que “não se pode afirmar que o direito da A. não foi reconhecido por sentença transitada em julgado” (conclusão 11ª).</font><br>
<font> Na verdade, o citado artigo 311º prescreve, no seu nº 1, o seguinte:</font><br>
<font> “O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou título executivo”.</font><br>
<font> Mas, pretender, como a recorrente pretende, que a sentença de homologação de transacção traduza o reconhecimento do direito, ora invocado, de ser indemnizada, é um puro logro.</font><br>
<font> Com efeito, a sentença homologatória de transacção nada mais representa do que a homologação do acordo a que as partes chegaram, no dito processo-crime, constituindo título condenatório para ambas em relação ao cumprimento do que lá ficou exarado (artigo 300º, nº 4, do Código de Processo Civil).</font><br>
<font> Isto mesmo reconhece Alberto dos Reis, referindo-se à natureza jurídica da transacção judicial:</font><br>
<font> “É uma sentença de pura homologação do acto da parte ou das partes. O juiz não conhece do mérito da causa, não se pronuncia sobre a relação substancial em litígio; limita-se a verificar a validade do acto praticado pelo autor, pelo réu ou por ambos os litigantes.</font><br>
<font> Quere dizer, a sentença é antes um acto administrativo, um acto de jurisdição voluntária, do que um acto de jurisdição contenciosa, um acto jurisdicional propriamente dito. O papel do juiz é semelhante ao do notário quando certifica a identidade e idoneidade dos outorgantes que perante ele comparecem e se dispõem a celebrar uma escritura” (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, página 534).</font><br>
<font> É esta a conclusão (certa) a extrair do teor da transacção homologada e mormente da sua cláusula 3ª: “com o recebimento da referida importância os demandantes consideram-se integralmente ressarcidos dos danos liquidados e reclamados nestes autos”.</font><br>
<br>
<font> Se a A. tivesse, pura e simplesmente, deduzido pedido no sentido de lhe ser judicialmente reconhecido o direito a ser indemnizada pelos danos sofridos em consequência do dito acidente de viação, então sim, obtendo esse mesmo reconhecimento e só esse, caídos estaríamos na previsão do artigo 311º, nº 1 mencionado.</font><br>
<font> Mas as cousas não se passaram assim.</font><br>
<font> Perante a invocação de danos sofridos em consequência do referido acidente, enxertou a A. um pedido cível no processo-crime e, por via dele, alcançou, por acordo, o direito a perceber o montante ajustado.</font><br>
<font> Tendo, entretanto, alegado </font><u><font>novas</font></u><font> lesões, podia ela mui bem ter intentado nova acção, com vista a obter a indemnização a que se julgasse com direito. E podia fazê-lo, no respeito pelo prazo de três anos a que alude o artigo 498º, nº 1, do Código Civil, desde que o prazo ordinário de prescrição (vinte anos – artigo 309º do Código Civil) não fosse ultrapassado.</font><br>
<br>
<font> Ora, como resulta da análise da factualidade dada como provada, os prazos aludidos curtos de prescrição estão há muito ultrapassados, mesmo considerando os possíveis alongamentos advindos da natureza do processo previamente instaurado (nº 3 do artigo 498º do Código Civil) e os próprios efeitos de interrupção dele derivados (artigo 327º do mesmo diploma legal), razão pela qual a tese que a A.-recorrente se propôs defender não pode ser acolhida.</font><br>
<br>
<font> Aqui chegados, só nos resta dizer que o conhecimento da demais argumentação vertida nas conclusões da recorrente está, naturalmente, prejudicado (artigo 660º, nº 2, parte final, do Código de Processo Civil).</font><br>
<br>
<font> Improcede, em toda a linha, a argumentação da recorrente.</font><br>
<br>
<font> Em conclusão:</font><br>
<font>1º – O prazo normal de prescrição para o lesado, com base na responsabilidade aquiliana, exercer o direito a ser indemnizado prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que ele teve conhecimento desse mesmo direito. </font><br>
<font>2º – Tal não impede que o lesado, perante o surgimento de novas lesões, de novos danos, não possa, deduzir novo pedido, desde que o faça no prazo de três anos a contar do conhecimento do seu direito e sem ultrapassagem do prazo ordinário, previsto no artigo 309º do Código Civil.</font><br>
<font>3º - Esse prazo de três anos é alargado, caso o ilícito praticado pelo lesante constitua crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo.</font><br>
<font>4º – Caso, porém, o lesado tenha apenas pedido o reconhecimento do seu direito a ser indemnizado e, por via disso, tenha obtido esse mesmo reconhecimento, nada impede que concretize os danos dentro do prazo ordinário de vinte anos, tal como está estatuído no artigo 311º, nº 1, do Código Civil.</font><br>
<font>5º – Uma sentença homologatória de transacção limita-se a reconhecer a validade formal do que foi acordado pelas partes e a condená-las ao seu cumprimento. </font><br>
<br>
<font> </font><b><font>4.</font></b><br>
<b><font> Decisão </font></b><br>
<font> Em conformidade com o exposto, decide-se negar a revista, condenando a recorrente no pagamento das respectivas custas.</font><br>
<br>
<font> Lisboa, aos 16 de Junho de 2009</font><br>
<br>
<font>Urbano Dias (relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gTKbu4YBgYBz1XKvvCJI | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“AA, S.A.", propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra "BB, Ldª", ambas, suficientemente, identificadas nos autos, pedindo que, na sua procedência, se considere resolvido o contrato-promessa de compra e venda, celebrado a 7 de Dezembro de 2004, por motivo imputável à ré, e que esta seja condenada a devolver-lhe, em dobro, os montantes pagos, a título de sinal, sendo, por isso e, “</font><i><font>a contrário</font></i><font>”, considerado, sem qualquer efeito, a resolução decidida pela ré.</font>
</p><p><font>A autora alega, para tanto, e, em síntese, que entre si e a ré foi celebrado, a 7 de Dezembro de 2004, um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção urbana, inserida num empreendimento a construir, designado por "...", na Rua ... e Rua ..., na freguesia de ..., concelho do Porto, que a autora comprou para residência do seu administrador, Artur AA, que tinha decidido passar a residir no Porto.</font>
</p><p><font>Ficou estabelecido no contrato-promessa que era previsível que o empreendimento estivesse pronto, no prazo de vinte e quatro meses, contados a partir da emissão do alvará de licença de construção, sendo para si este considerando um elemento de grande relevo, já que tinha necessidade urgente da fracção para a indicada finalidade.</font>
</p><p><font>O alvará de obras de construção teve o nº ..., com a data de 4 de Fevereiro de 2005, pelo que a obra deveria estar pronta e a propriedade para si transferida, até 4 de Fevereiro de 2007, sendo certo que a ré foi atrasando a obra, tendo-lhe sido remetida uma carta, datada de 19 de Outubro de 2007, a que a mesma não respondeu.</font>
</p><p><font>A autora intentou uma acção judicial para fixação do prazo, acabando as partes por subscrever um acordo, através do qual fixaram um prazo de 90 dias, para o efeito, que expirou a 25 de Junho de 2008.</font>
</p><p><font>Entretanto, a ré designou o dia 8 de Julho de 2008 para a outorga da escritura pública de compra e venda, sob a cominação de, caso a autora não comparecesse, ser considerado o incumprimento definitivo.</font>
</p><p><font>A autora manifestou o seu desapontamento pelo não cumprimento do prazo, mas, mesmo assim, decidiu comparecer à escritura, sendo certo que, no dia e local em causa, a ré chegou mais tarde, mas sem toda a documentação necessária, pois que não trazia ainda o necessário documento para o distrate da hipoteca, a fornecer pelo banco credor.</font>
</p><p><font>A autora, depois de ter esperado uma hora e, não podendo aguardar mais, pois que tinha compromissos sérios, ausentou-se do local.</font>
</p><p><font>Depois disto, nunca mais a autora foi contactada para celebrar a escritura, não obstante terem sido adiantadas datas ao seu mandatário, com pouca antecedência, o qual não conseguiu transmiti-las à sociedade, por ausência do seu administrador do país ou por dificuldades de contacto.</font>
</p><p><font>Entretanto, a ré, por notificação judicial avulsa, denunciou o contrato e considerou-o resolvido, tendo, então, a autora, face ao desrespeito dos prazos e à vontade da ré em não cumprir, perdido o interesse no negócio, tendo já obtido alternativa para a residência do seu administrador.</font>
</p><p><font>Na contestação, a ré conclui com o pedido de que a acção seja julgada não provada e improcedente, com a absolvição dos pedidos nela formulados, aceitando a celebração do contrato-promessa com a autora, mas impugnando a restante matéria de facto invocada, alegando que, ao comparecer no Cartório Notarial, a autora expressou a vontade de realizar o contrato prometido, e que, também, ela, convicta da vontade da autora em ver concluído o negócio celebrado, se apresentou na escritura, com os procuradores e a documentação necessária para a sua outorga, devendo-se a sua não realização, no dia e hora marcados, a vicissitude, absolutamente, a si estranha, já que o representante do Banco, munido do documento de distrate, chegou 1h30m depois da hora marcada. </font>
</p><p><font>Mais alega a ré que, no período de tempo compreendido entre o dia 8 de Julho e o dia 2 de Setembro de 2008, procedeu à marcação da escritura para a celebração do contrato definitivo, para dias e horas variados, tendo transmitido tais datas ao representante da autora, que não compareceu nas datas em causa, pelo que procedeu à resolução do contrato, através de notificação judicial avulsa de 17 de Setembro de 2008. </font>
</p><p><font>Decidindo sob a forma de saneador-sentença, a acção foi julgada improcedente, com a absolvição da ré do pedido formulado.</font>
</p><p><font>A autora interpôs recurso de apelação deste saneador-sentença, tendo o Tribunal da Relação anulado a decisão e determinado o prosseguimento dos autos com elaboração de despacho de condensação, seleccionando-se a factualidade assente e a controvertida, a fim de se conhecer do pedido formulado pela autora de que seja declarada ineficaz a resolução contratual accionada pela promitente vendedora.</font>
</p><p><font>Na sequência da nova audiência de discussão e julgamento que se realizou, foi proferida sentença que julgou a acção, totalmente, improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu a ré do pedido contra si formulado pela autora.</font>
</p><p><font>Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão impugnada, declarando ineficaz (sem efeito) a resolução contratual efectuada, extrajudicialmente, pela ré e comunicada à autora, por notificação judicial avulsa, com cumprimento certificado a 30 de Setembro de 2008.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação do Porto, a ré interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, substituindo-se por outro que confirme a decisão da 1ª instância, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font>
</p><p><font>1ª – A A. (ora recorrida) veio propor contra a R. (aqui recorrente) a presente acção declarativa de condenação, pedindo que, na procedência da demanda, seja "considerado resolvido o ajuizado contrato promessa por motivo imputável à Ré e condenada esta a devolver à Autora os montantes pagos a título de sinal em dobro como é de lei, sendo por isso, e a contrario, considerada judicialmente sem qualquer efeito a resolução decidida pela Ré".</font>
</p><p><font>2ª - Entendendo que o processo continha em si todos os elementos fáctico-jurídicos para conhecer de imediato do mérito da causa, o Tribunal de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância proferiu saneador-sentença, nos termos do qual decidiu julgar a acção improcedente e, em consequência, absolver a R. do pedido formulado pela A.</font>
</p><p><font>3ª - Inconformada, a A. apelou, tendo confinado o objecto do recurso, tal como resulta das conclusões formuladas (que, como é sabido, delimitam o âmbito recursório) às questões da ilicitude da resolução declarada pela R. (conclusões 1</font><sup><font>a</font></sup><font> a 10</font><sup><font>a</font></sup><font>) e da nulidade da decisão, por não ter conhecido de "parte do pedido" (conclusão 11</font><sup><font>a</font></sup><font>).</font>
</p><p><font>4ª - Apreciando o recurso, o Tribunal da Relação decidiu, prima facie, que "face à matéria de facto alegada pela autora e ao direito aplicável, também entendemos, tal como na decisão recorrida, para cuja pertinente fundamentação remetemos, que, em princípio, a pretendida resolução contratual não tem suporte fáctico nem jurídico, pois que não se verifica o incumprimento definitivo imputável à promitente vendedora (não se verifica a perda do interesse (objectivamente considerada) da credora promitente compradora na prestação devida, com a demora da devedora promitente vendedora, nem esta deixou de cumprir no prazo razoável, adicional e peremptório (admonitório), fixado pelo credora - art. 808°, n° 1, do CC)".</font>
</p><p><font>5ª - No entanto, considerando o "apesar de tudo, possível entendimento de que a autora formula um pedido subsidiário (art. 496°, do CPC), a saber, que se declare ineficaz a resolução contratual operada pela promitente vendedora, importa apreciar a invocada nulidade da decisão recorrida", a Relação julgou verificada a nulidade prevista na al. d) do n° 1 do art. 668° do CPC por a 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância não se ter pronunciado sobre esse dito "pedido subsidiário".</font>
</p><p><font>6ª - Nulidade essa que, apesar de declarada, a Relação não supriu com o fundamento de que "o alegado pela demandante, designadamente em 29° (1.</font><sup><font>a</font></sup><font> parte) e 33°, da petição, constitui matéria de facto controvertida (...), relevante para uma adequada análise do (in) cumprimento do contrato-promessa, imputável à autora, ou, noutra perspectiva, pelo eventual reconhecimento do direito de resolução contratual efectuada pela promitente vendedora através da mencionada notificação judicial avulsa (ver cláusula 12</font><sup><font>a</font></sup><font> do contrato promessa)".</font>
</p><p><font>7ª - Nessa conformidade, o Tribunal da Relação ordenou, ao abrigo do disposto no art. 712°, n° 4, do CPC, a ampliação da matéria de facto, determinando o prosseguimento dos autos "para uma adequada apreciação (prova) dos factos atinentes à(s) questão(ões) que se deixou(aram) enunciada(s) ...".</font>
</p><p><font>8ª - Devolvidos os autos à 1.</font><sup><font>a</font></sup><font> instância, e realizada a audiência de discussão e julgamento e respondida a matéria de facto levada à base instrutória, foi proferida a douta sentença de fls ... que, julgando a acção improcedente, absolveu a R. do pedido.</font>
</p><p><font>9ª - Uma vez mais irresignada, a A. recorreu, de novo, para a Relação do Porto, recurso que, consoante se alcança das respectivas conclusões, circunscrevem à decisão da 1.</font><sup><font>a </font></sup><font>instância sobre o "pedido subsidiário" de declaração de ineficácia da resolução operada pela R.</font>
</p><p><font>10ª - Com efeito, logo na 1.</font><sup><font>a</font></sup><font> conclusão, diz a A., expressis et apertis verbis, que "os presentes autos prosseguiram para decisão do pedido subsidiário que efectuamos ou seja para se averiguar se a resolução do contrato operada pela Ré é ou não legal, terminando por pedir a procedência do pedido subsidiário, com a consequente manutenção em vigor do contrato promessa.</font>
</p><p><font>11ª - Pronunciando-se sobre a apelação, o Tribunal da Relação do Porto, por douto Acórdão de fls…, julgou "ineficaz (sem efeito) a resolução contratual declarada extrajudicialmente pela Ré e comunicada à autora por notificação judicial avulsa, com cumprimento certificado a 30 de Setembro de 2008".</font>
</p><p><font>12ª - Para assim concluir, decidiu o Acórdão recorrido que: (i) a cláusula 12.</font><sup><font>a</font></sup><font> "não confere à promitente vendedora o direito a resolver o contrato promessa de compra e venda por simples declaração à outra parte"; (ii) sendo "a declaração de resolução do contrato ilícita, em regra, não produz os efeitos jurídicos extintivos a que tende".</font>
</p><p><font>13ª - São estes segmentos decisórios que constituem o objecto do presente recurso. Todas as demais questões foram já decididas com trânsito, constituindo caso julgado, designadamente na parte em que por decisão da 1.</font><sup><font>a</font></sup><font> instância, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, se julgou improcedente o "pedido principal formulado pela A. de se considerar resolvido o contrato promessa por motivo imputável à R.”.</font>
</p><p><font>14ª - Por conseguinte, as questões a decidir cingem-se a saber:</font>
</p><p><font>c) Se a R. resolveu válida e eficazmente o contrato promessa, ao abrigo de cláusula resolutiva expressa;</font>
</p><p><font>d) Se, sendo a resolução ilícita por falta de fundamento, a declaração resolutória não produz a extinção do contrato por mor dessa eventual ilicitude.</font>
</p><p><font>15ª - A par da resolução fundada na Lei, o art. 432° n.° 1 do CC admite a resolução convencional, facultando às partes, de acordo com o principio da autonomia da vontade, o poder de, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato quando ocorra(m) certo(s) e determinado(s) facto(s) - estipulação contratual a que se dá o nome de cláusula resolutiva expressa (cfr., P. Lima e A. Varela, CC Anot., vol, I, 4.</font><sup><font>a</font></sup><font> ed., pg. 409, nota 1, e Enzo Roppo, O Contrato, pgs. 266 e ss).</font>
</p><p><font>16ª - Através da cláusula resolutiva - que, a par da cláusula penal e do sinal, constitui um meio de pressão a que o credor recorre para incentivar o devedor a cumprir o programa contratual -, as partes fazem referência explícita e precisa (identificando) às obrigações cujo não cumprimento dá direito à resolução, valorando específica e singularmente a gravidade da inadimplência.</font>
</p><p><font>17ª - Como salienta Calvão da Silva (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pg. 323), "a inadimplência da específica obrigação prevista é fundamento e pressuposto indispensável da resolução. Dela emerge um direito potestativo que confere à parte adimplente (ou não inadimplente) o poder jurídico de, por simples acto de livre vontade e só por si, produzir a resolução que, inelutavelmente, se impõe à contraparte inadimplente. Dizemos só por si porque a parte adimplente (ou não inadimplente) pode resolver imediatamente o contrato mediante declaração, escrita ou oral, à outra parte (art. 436.°, n.°1), sem necessidade de intervenção do juiz e sem ter de recorrer ao art. 808°, n° 1".</font>
</p><p><font>18ª - Existe, portanto, uma liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução (princípio da autonomia da vontade, consagrado no art. 405°, n° 1, do CC).</font>
</p><p><font>19ª - Ao apurar os pressupostos da resolução, o tribunal não pode sobrepor-se ou substituir-se à valoração prévia feita pelas partes acerca da gravidade da inadimplência a que voluntariamente atribuíram carácter de essencialidade.</font>
</p><p><font>20ª - Na cláusula 12.</font><sup><font>a</font></sup><font> do ajuizado contrato promessa de compra e venda estabeleceu-se o seguinte: "As partes convencionam que o não pagamento, nos prazos contratualmente previstos, de qualquer dos reforços do sinal ou a não comparência na escritura na data que for designada, pela Primeira Outorgante [ou seja, a aqui Ré-Recorrente], esta poderá optar por:</font>
</p><p><font>1. Exigir ao(s) Segundo(s) Outorgante(s) juros de mora sobre o montante invocado na Segunda Cláusula deste Contrato à taxa de 15% ao ano, até à data em que o(s) segundo(s) Outorgante(s) cumpra(m) a sua obrigação, ou</font>
</p><p><font>2. Declarar ao(s) Segundo(s) Outorgante(s), através de uma simples notificação, que houve por parte daquele incumprimento do contrato promessa com as devidas consequências legais".</font>
</p><p><font>21ª - A transcrita estipulação convencional constitui, juridicamente qualificada, uma cláusula resolutiva expressa, pela qual se confere à R., como promitente vendedora, o direito potestativo de resolver o contrato promessa mediante declaração unilateral dirigida à A. (promitente compradora), verificado que seja algum dos pressupostos de inadimplência nela previstos.</font>
</p><p><font>22ª - A cláusula em apreço (menção expressa a "incumprimento do contrato promessa') faz uma referência explícita e precisa às obrigações cuja inadimplência as partes consideram grave e essencial, valorando-as como incumprimento do contrato promessa com as devidas consequências legais".</font>
</p><p><font>23ª - E só pode ser interpretada como significando incumprimento definitivo, susceptível de conferir à R. o direito de, uma vez verificado algum dos factos futuros e incertos expressamente previstos, resolver o contrato mediante declaração dirigida à A.</font>
</p><p><font>24ª - A opção conferida pelo n° 2 da cláusula 12</font><sup><font>a</font></sup><font>, por si e conjugada com o n° 1 da mesma cláusula, só se pode referir a um incumprimento definitivo possível de determinar a resolução do contrato, sob pena de essa disposição convencional ser tautológica e desprovida de qualquer sentido, tanto mais que a primeira opção facultada à A. é típica do sancionamento da mora.</font>
</p><p><font>25ª - Assim o impõe a denominada teoria da impressão do destinatário, que se acha consagrada no n° 1 do art. 236° do CC</font>
</p><p><font>26ª - Ora, pelas razões apontadas e ao invés do decidido pela Relação, um declaratário normal, colocado na posição da A., interpretaria o n° 2 da cláusula 12.</font><sup><font>a</font></sup><font> como significando que a não comparência à escritura na data designada pela R. constitui incumprimento definitivo, que, como tal, confere o direito à resolução do contrato.</font>
</p><p><font>27ª - Conforme jurisprudência uniforme do STJ, a interpretação de um contrato, destinada à fixação do sentido normativo ou juridicamente relevante das declarações de vontade, baseada em alguma das regras enunciadas nos arts. 236° e ss. do CC, constitui matéria de direito da competência do tribunal de revista (art. 721°, n° 2, do CPC) -cfr., v.g., Acs. STJ de 27.9.2007 (Proc. 07B2372) e de 25.1.2000 (Sumários, 37.°- 25).</font>
</p><p><font>28ª - Demonstrado que a cláusula do contrato em apreço é uma cláusula resolutiva expressa, de igual modo se impõe a conclusão de que a resolução foi exercida válida e eficazmente.</font>
</p><p><font>29ª - Resulta da matéria assente nos autos que, posteriormente a 8 de Julho de 2008 (data da escritura que não se concretizou pelo facto do atraso do representante do CC e de o administrador da A. não poder esperar e se ter ausentado), a R. designou por 3 vezes datas para a realização da escritura, que foram comunicadas à A., a qual, contudo, não compareceu a nenhum desses actos designados e marcados.</font>
</p><p><font>30ª - Isto é, a R. alegou e fez prova (inclusive, por admissão ou não impugnação da A.) que:</font>
</p><p><font>iv. no período compreendido entre o dia 8 de Julho de 2008 e o dia 2 de Setembro do mesmo ano, procedeu a marcação de três escrituras; </font>
</p><p><font>v. As datas designadas para essas escrituras foram comunicadas à A.;</font>
</p><p><font> vi. A A. não compareceu a nenhum desses actos.</font>
</p><p><font>31ª - Por seu turno, a A. não alegou nem provou que, prévia ou posteriormente às datas designadas pela R. para as escrituras, tenha apresentado qualquer justificação para a não comparência a esses actos.</font>
</p><p><font>32ª - Objecta-se na decisão recorrida que, seguindo o critério interpretativo (objectivista ou normativo) acolhido no art. 236°, n° 1, do CC, um declaratário normal, colocado perante a referida cláusula 12.</font><sup><font>a</font></sup><font> do contrato dos autos, não deixaria de considerar que apenas a falta de comparência à escritura sem justificação aceitável poderia fundar o direito de resolução.</font>
</p><p><font>33ª - A Ré subscreve por inteiro tal entendimento. O ponto é que não está apenas provado o facto material do não comparecimento da A. nas três (3!) vezes que a R. marcou a escritura. Também resulta dos autos não ter sido feito a prova pela A. de uma justificação legítima para a não comparência nas datas designadas pela A. para a celebração do contrato definitivo de compra e venda - quando lhe cabia alegar e provar que não recebeu as comunicações que, para o efeito, lhe foram dirigidas pela A., ou que, tendo-as recebido, não pôde comparecer em nenhuma das datas designadas por qualquer razão atendível (art. 342.°, n.°1).</font>
</p><p><font>34ª - Assim como não fez prova de não ter tido conhecimento das cartas em que a R. lhe comunicava o dia, hora e local de celebração da escritura (cfr., resposta negativa ao art. 4° da base instrutória).</font>
</p><p><font>35ª - Pelo contrário, está provado nos autos que essas "três datas e horas foram transmitidas ao representante da autora, as duas primeiras vezes através do seu mandatário forense e a terceira através de carta registada dirigida ao representante legal da autora que não chegou nunca a levantá-la".</font>
</p><p><font>36ª - E considera-se ocorrer plena eficácia e validade da comunicação constante da carta registada, pois o não recebimento dessa missiva pela A. só a ela poderá ser imputado, por não ter procedido ao seu levantamento nos correios (cfr., art. 224°, n.° 2, do CC e v.g., Ac. Rel. Lisboa de 4.12.2003, CJ, ano 28, t.5, 105, e Ac. Rel Lisboa de 27.6.2002, CJ, ano 27, t.3, 114).</font>
</p><p><font>37ª - No descrito circunstancialismo, que os autos exuberantemente patenteiam, a não comparência por 3 vezes, sem justificação provada e aceitável, á escritura marcada pela R., constitui uma recusa definitiva, firme e categórica de cumprimento pela A. equiparada ao incumprimento definitivo.</font>
</p><p><font>38ª - A intenção inequívoca de não cumprimento retira-se da conduta declarativa da A: a não comparência reiterada, desacompanhada da mínima justificação, à escritura marcada por três vezes pela R., traduz, de modo inequívoco, a vontade de não pretender celebrar o contrato definitivo (nesse sentido, Ac. STJ de 12.1.99, Proc. n.° 1163, 1.</font><sup><font>a </font></sup><font>secção, in </font><a><font>www.dqsi.pt</font></a><font>, e aí citados Ac. do STJ. 1.</font><sup><font>a</font></sup><font> secção, de 10.12.96, Proc. n.° 296/96, e 2.</font><sup><font>a</font></sup><font> Secção, de 13.3.97, Proc. n.° 850/96).</font>
</p><p><font>39ª - Essa intenção categórica de não cumprir é ainda reforçada, se necessário fora, pelo facto de a A. vir a juízo pedir que se declare resolvida a promessa, condenando-se a R. a pagar o sinal em dobro. A formulação dessa pretensão coenvolve uma declaração antecipada de não cumprimento, que corresponde a uma situação de incumprimento definitivo, abrangida pelos arts. 801° e 808° do CC (consequentemente, não era necessário "o prévio recurso aos princípios gerais conducentes à conversão da mora em incumprimento definitivo" Cfr. Ac. STJ de 27.5.2010, CJ, STJ. Ano 18, t.2, 80).</font>
</p><p><font>40ª - Assim, a A. incorreu em incumprimento definitivo do contrato, o que conferiu à Ré o direito de o resolver ao abrigo da cláusula 12</font><sup><font>a</font></sup><font>, ou, entendendo-se não existir cláusula resolutiva expressa (o que, com o devido respeito não se concede), o direito da Ré de resolver o contrato fundamenta-se, simplesmente, na lei.</font>
</p><p><font>41ª - Sustenta-se na decisão recorrida que no caso de exercício ilegítimo do direito de resolução não se produz o efeito extinto do contrato.</font>
</p><p><font>42ª - Porém, mais do que o direito de resolução ter sido validamente exercido, tem-se por certo que, uma vez resolvido, lícita ou ilicitamente um contrato, dá-se a extinção do vínculo contratual.</font>
</p><p><font>43ª - Na lição dos autores e tratadistas, a resolução consiste na destruição da relação contratual (validamente constituída) operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato - cfr., por todos, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 3.</font><sup><font>a</font></sup><font> Ed., vol. 2, pag. 242.</font>
</p><p><font>44ª - Trata-se, pois, do acto de um dos contraentes dirigidos à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse celebrado - vd. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.</font><sup><font>a</font></sup><font> ed., pag. 250.</font>
</p><p><font>45ª - Inspirado no BGB, o Código Civil adoptou expressamente o modelo de resolução extrajudicial dos contratos (Cfr. n.° 1 do art. 436.° do Cód. Civil) - a resolução efectiva-se extrajudicialmente, através de declaração à contraparte (o legislador adoptou o sistema "declarativo" consagrado no direito alemão e, dessa sorte, afastou a necessidade de uma intervenção constitutiva ou condenatória do Tribunal - cfr., Brandão Proença, A resolução do contrato no direito civil, pg. 163, Pereira Delgado. Do Contrato Promessa, pg., 267) - tendência e corrente doutrinária e jurisprudencial já largamente dominante já no Código de Seabra (ex vi do art. 709 - a declaração resolutória não carecia de intervenção judicial, pois, para tanto, bastava que um dos contraentes manifestasse à outra parte a sua vontade desvinculativa - cfr., Guilherme Moreira, Obrigações, 2.</font><sup><font>a</font></sup><font> ed., n.° 195; José Gabriel Pinto Coelho, B.F.D.C, 2.°., 239; Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, vol. IV, pg. 567; Reis Maia, Direito Geral das Obrigações, pg. 411; Galvão Telles, Não Cumprimento de Contratos Bilaterais, ROA, 5.°, pgs. 95 a 99 e Manual de Direito das Obrigações, vol. I, pgs. 277 e 278; J. Sá Carneiro, RT 68.° - 83 e ss.; Paulo Cunha, Direito das Obrigações 1943, pg. 347; Vaz Serra, RLJ 102.°, pgs. 167 e 168; e Ac. do STJ de 05.04.57. BMJ 66-365).</font>
</p><p><font>46ª - "No sistema do Cód. Civil Italiano, a resolução do contrato tem, em geral, de ser decretada judicialmente (art. 1453), diversamente do sistema do nosso Código Civil, que permite (art. 436) que a resolução se faça mediante declaração à outra parte" - in RLJ, ano 111.°, pg. 349; vd., t.b., a anotação do mesmo autor a pgs. 315 do ano 113.° da citada Revista Decana, secundando Vaz Serra, com a autoridade científica que, entre o mais, lhe advém dos trabalhos preparatórios do Código Civil vigente (o que, de resto, é aceite unanimemente pela doutrina e pela jurisprudência - cfr., A. Varela, Das Obrigações em Geral, 3.</font><sup><font>a</font></sup><font> ed., vol. 2, pg. 243; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 3.</font><sup><font>a </font></sup><font>ed., pgs. 417 e 418; Pereira Coelho, Obrigações - Sumários das Lições ao Curso 1966-1967, ed. pol., pg. 229; Ac. STJ de 24.11.72, BMJ 221, 206; e Ac. Rel. Évora de 27.10.77, BMJ 272, 275).</font>
</p><p><font>47ª - A natureza potestativa da declaração de resolução empresta-lhe as características de unilateralidade recipienda (art. 224, 1, 1.</font><sup><font>a</font></sup><font> parte do CC) e, sobretudo, de irrevogabilidade (arts. 224, 1</font><sup><font>a</font></sup><font> parte e 230, n° 1, do CC).</font>
</p><p><font>48ª - Da primeira dessas características resulta que os efeitos da resolução contam-se da data da declaração resolutiva, ou melhor, daquela em que esta declaração, segundo o princípio aplicável à eficácia das declarações de vontade receptícias ou recipiendas, produz efeitos.</font>
</p><p><font>49ª - Da segunda dessas características (irrevogabilidade) decorre que a declaração resolutória tem o efeito automático e directo de extinguir a relação contratual: o contrato desaparece, tendo-se como não celebrado; as partes ficam desligadas dos seus compromissos como se nunca os tivessem contraído, nenhuma delas podendo ser compelida a executá-los (Cfr. Vaz Serra pgs. 235 do BMJ 68: "Propôs-se que a resolução se faça por meio de declaração à parte contrária. Esta declaração não parece de sujeitar a formalidades especiais. É um negócio jurídico e parece dever ser irrevogável pois a parte contrária não deve ficar sem saber ao certo a sua situação"). A irrevogabilidade funda-se "(...) na circunstância de a declaração ser um negócio jurídico, donde as obrigações contratuais extintas só poderem restabelecer-se por novo contrato com a forma que for prescrita para ele" (ibidem, nota 142).</font>
</p><p><font>50ª - Do exposto segue-se que a resolução do contrato reveste carácter extrajudicial, exercendo o credor o seu direito sem necessidade de recurso a tribunal; enquanto modo de extinção do contrato, que opera através de declaração receptícia, a resolução ocorre no momento em que a declaração se torna eficaz nos termos do art. 224° do CC; nesse momento, o contrato é destruído, deixa de existir (Cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.</font><sup><font>a</font></sup><font> ed., pg. 461: "o contrato considera-se resolvido a partir do momento em que a comunicação foi recebida pelo destinatário" - cfr., t.b., Vaz Serra, RLJ, 102.</font><sup><font>a</font></sup><font>- 168 e Mário de Brito, CC. Anot., vol. II, pg. 67).</font>
</p><p><font>51ª - Numa palavra, o legislador português não perfilhou o sistema da resolução ope judicis, antes adoptou o da resolução ope voluntatis: a rescisão, sendo obra da parte e não do juiz, opera por efeito da vontade do primeiro.</font>
</p><p><font>52ª - Em consonância, a acção que venha a intentar-se em ordem a esclarecer o bem ou mal fundado da resolução será declarativa de simples apreciação ou, quando muito, de condenação - cfr., art. 4, n.° 2, als. a) e b) do CPC.</font>
</p><p><font>53ª - Temos, assim, que, em caso de litígio, o Tribunal será chamado não a decretar a resolução, mas a verificar se se reuniam os pressupostos para o rompimento do contrato por vontade unilateral de uma das partes e, então:</font>
</p><p><font>i) Ou o Tribunal entende que se verificam os requisitos do direito de resolução ou, </font>
</p><p><font>ii) pelo contrário, considera que a mesma foi indevidamente declarada.</font>
</p><p><font>54ª - Na primeira hipótese, a sentença limitar-se-á a reconhecer a correcção do exercício do direito; na segunda hipótese fará incorrer o autor da resolução nas consequências patrimoniais da extinção indevida do contrato.</font>
</p><p><font>55ª - Isto é, a parte a quem é oposta a declaração de resolução do contrato não pode peticionar, nem o Tribunal sancionar, a manutenção da vigência e eficácia do contrato, entretanto dissolvido por via dessa declaração - no limite, apenas deterá um direito a indemnização - e não de exigir o cumprimento (Cfr. P. Romano Martinez, in Da cessação do Contrato, 2.</font><sup><font>a</font></sup><font> ed., pg. 222: "a declaração de resolução, ainda que fora dos parâmetros em que é admitida, não é inválida, pelo que, mesmo injustificada, produz efeitos: ou seja, determina a cessação do vínculo").</font>
</p><p><font>56ª - "Não faz, pois, sentido procurar manter judicialmente um contrato resolvido por declaração de uma parte à contraparte. Resolvido o contrato infundadamente, e excluídos os casos em que possa haver lugar ao cumprimento forçado da prestação em falta (que, contudo, não corresponde a um renascimento do contrato), resta a via indemnizatória para reparar os danos produzidos" (Assunção Cristas, "É possível impedir judicialmente a resolução de um contrato", in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, vol. II, pg. 79).</font>
</p><p><font>57ª - Donde, emitida a declaração resolutiva, no caso de a parte destinatária dessa declaração discordar da existência de fundamento, legal ou convencional, para a resolução, não poderá pretender que o tribunal decrete a manutenção do contrato e invocar o direito ao cumprimento.</font>
</p><p><font>58ª - Entendimento também perfilhado pela maioria da jurisprudência: o de que se uma parte declara a outra a resolução do contrato com base em incumprimento e esta contesta, decidindo o tribunal pela falta de fundamento para a resolução, a declaração resolutória extingue o contrato, apenas podendo dar origem a uma obrigação de indemnizar a contraparte, enquanto contraente fiel, pelos prejuízos sofridos (vg. Ac. Rel. Porto de 13.2.2003, Proc. n° 0231531, </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>; Ac. Rel. Lisboa de 9.3.2006, Proc. n° 1240/06-6, </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>; Ac. Rel. Porto de 18.1.2005, Proc. n° 0425898, </font><a><font>www.dgsi.pt</font></a><font>; Ac. STJ de 4.2.2003, </font><a><font>www.dgsi.pt</font></a><font>; Ac. STJ de 9.11.04, Proc. n° 4A2641, </font><a><font>www.dqsi.pt</font></a><font>; Ac. STJ de 5.6.2007, Proc. n° 07A1207, </font><a><font>www.dgsi.pt</font></a><font>; Ac. STJ de 14.9.2006, Proc. n° 06P1271, </font><a><font>www.dgsi.pt</font></a><font>; Ac. Rel. Lisboa de 19.4.07, </font><a><font>www.dgsi.pt</font></a><font>; Ac. Rel. Porto de 4.11.2003, Proc. n° 0220215, </font><a><font>www.dgsi.pt</font></a><font>; Ac. Rel. Porto de 18.10.2004, Proc. n° 0455146, </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>; Ac. Rel. Coimbra de 29.6.2000 (CJ ano 25, t.4, 23); Ac. Rel. Lisboa de 27.2.92 (CJ ano 17, t.1, 172); Ac. STJ de 6.4.2000. CJ, STJ, ano 8, t.2, 27.27.</font>
</p><p><font>59ª - In c | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TDKsu4YBgYBz1XKvZCzD | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><font> (1)</font><br>
<p><font>AA, panificador especializado, residente na Estrada da B..., nº ..., ...º ...º, em Coimbra, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra a BB-“Companhia de Seguros T..., SA”, com sede na Rua D. M... II, nº ..., no Porto, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €112.816,13, acrescida do que vier a liquidar-se, ulteriormente, a título de dano emergente da incapacidade permanente parcial de que o autor sofreu, e de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento, invocando, para o efeito, e, em síntese, que, no dia 16 de Fevereiro de 2005, pelas 19h30, quando seguia, a pé, pela Rua P...l, na P..., concelho de Coimbra, encostado à valeta do lado esquerdo, foi atropelado pelo veículo, de matrícula ...-...-ET, seguro na ré.</font><br>
<font>Acrescentou que, em consequência desse embate, sobrevieram os danos que concretizou, sendo que a incapacidade permanente parcial de que ficou afectado e o respectivo grau serão apurados, em sede de exame médico, relegando para execução de sentença a fixação da indemnização pelo dano futuro.</font><br>
<font>Na contestação, a ré aceitou a responsabilidade do condutor do veículo, por si seguro, na produção do acidente, mas sustentou que o autor teve alta, em 6 de Março de 2006, com sequelas que implicam uma incapacidade parcial permanente de 10%, concluindo no sentido de que a acção deve ser julgada de acordo com a prova a produzir.</font><br>
<font>Na réplica, o autor alega que a própria ré o considerou portador de uma incapacidade parcial permanente de 12,58%.</font><br>
<font>Foi admitida a ampliação do pedido para o montante de €162.816,13, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento, que o autor formulou ainda antes do início do julgamento.</font><br>
<font>A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada, na mesma medida, e, consequentemente, condenou a ré BB-“Companhia de Seguros T..., SA” a pagar ao autor AA, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a quantia global de cinquenta e oito mil trezentos e quarenta e oito euros e trinta e sete cêntimos (€ 58.348,37), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação da ré (27 de Setembro de 2007 – fls. 28), relativamente ao valor de €34.348,37, e, desde a presente data, sobre o montante de €24.000,00, até integral e efectivo pagamento.</font><br>
<font>Desta sentença, o autor e a ré interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente o recurso da ré e, parcialmente, procedente o recurso do autor e, em consequência, com a revogação parcial da sentença da 1ª instância, condenou a ré BB-“Companhia de Seguros T..., SA”, a pagar ao autor, AA, a quantia indemnizatória global de €95.533,59 (noventa e cinco mil quinhentos e trinta e três euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros mora, vencidos, desde a data da prolação deste acórdão, e vincendos, à taxa legal de 4%, e até ao seu integral pagamento.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Coimbra, interpuseram, agora, recurso de revista, quer o autor, quer a ré, terminando as respectivas alegações com o pedido da sua procedência, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br>
<font> O AUTOR:</font><br>
<font> 1ª - A quantia de </font><font>€55.000,00 é insuficiente para proporcionar ao recorrente o rendimento anual que este perdeu em consequência do acidente, esgotando-se vários anos antes deste atingir o limite provável de vida útil.</font><br>
<font> 2ª - </font><font>Considerando o recorrente adequada e justa a indemniza</font><font>ção de €65.000,00 pelo dano patrimonial futuro.</font><br>
<font> 3ª - </font><font>Atendendo </font><font>à extensão, gravidade e sequelas sofridas pelo recorrente e atendendo ainda a uma "componente punitiva deste tipo de dano" atendendo a que o recorrente nenhum contributo deu para o acidente e terá de suportar até ao fim dos seus dias as mencionadas lesões permanentes, dores e handicaps, deverá ser arbitrada a quantia de €40.000,00 a título de reparação por danos não patrimoniais.</font><br>
<font> 4ª -</font><font> Decidindo como decidiu, violou o Tribunal "a quo", o comando dos art</font><font>°s. 496° n°s. 1 e 3, 562°, 564° e 566°, todos do Código Civil.</font><br>
<font> A RÉ:</font><br>
<font> 1ª - O c</font><font>álculo do lucro cessante feito pelo acórdão recorrido, no valor de 55.000,00, é excessivo.</font><br>
<font> 2ª -</font><font> Tendo em conta as tabelas financeiras adoptadas pela Jurisprud</font><font>ência, o grau de IPP, a idade do A., o lucro cessante e a taxa de juro de 3%, é mais equitativo o valor de 25.000,00.</font><br>
<font> 3ª -</font><font> O ac</font><font>órdão recorrido violou o disposto no art°. 562° e no n° 2, do art° 566°, ambos do Código Civil.</font><br>
<font> 4ª -</font><font> O montante da indemniza</font><font>ção fixado a título de danos não patrimoniais também não parece equitativo.</font><br>
<font> 5ª -</font><font> A indemniza</font><font>ção a atribuir ao recorrido pelos referidos danos não patrimoniais não deveria ser superior a 10.000,00.</font><br>
<font> 6ª -</font><font> O ac</font><font>órdão recorrido violou, pois, os n° 2, do art° 496° e o art° 566°, ambos do Código Civil.</font><br>
<font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br>
<font>1. No dia 16 de Fevereiro de 2005, pelas 19h30m, na Rua P..., na P..., concelho de Coimbra, o ligeiro de mercadorias, com a matrícula ...-...-ET, foi embater no autor.</font><br>
<font>2. O ET era conduzido pelo dono, CC.</font><br>
<font>3. O autor seguia a pé, na Rua P...l, na P..., num local em que a faixa de rodagem asfaltada mede 5,70m de largura, e tomava o sentido Palheira – Estrada Nacional Nº. 1.</font><br>
<font>4. No local, a via não possuía passeios nem bermas, sendo a faixa de rodagem, considerando o sentido tomado pelo autor, marginada por valeta, com 0,70m de largura.</font><br>
<font>5. O autor seguia encostado à valeta, do lado esquerdo, considerando o seu sentido, ocupando cerca de 0,30m da via. </font><br>
<font>6. O veículo ...-...-ET circulava, no sentido E.N. N.º 1 – Palheira, encostado à valeta que se lhe apresentava à direita, considerando o seu sentido.</font><br>
<font>7. O ET circulava a velocidade superior a 50 km/h, na localidade da Palheira.</font><br>
<font>8. O ET foi embater no autor, que se lhe apresentava pela frente, caminhando em sentido contrário, atropelando-o e atirando-o para a supra referida valeta.</font><br>
<font>9. O autor foi transportado de urgência, para o Centro Hospitalar de Coimbra (Hospital dos Covões), com traumatismo crânio-encefálico e fractura do terço distal da tíbia, atingindo a superfície articular do tornozelo direito.</font><br>
<font>10. Nesse hospital, foi-lhe engessada a perna direita e, atendendo ao seu grave estado, foi transferido para os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), onde ficou internado, no serviço de Ortotrauma.</font><br>
<font>11. No dia 1 de Março de 2005, o autor foi operado, tendo-lhe sido efectuado encavilhamento da tíbia, aparafusado proximal e, distalmente, e colocada tala engessada própria.</font><br>
<font>12. O autor manteve-se internado, até ao dia 4 de Março de 2005, tendo-lhe, nesta data, sido dada alta para o domicílio, com indicação para fazer repouso absoluto e comparecer na consulta externa de Ortopedia.</font><br>
<font>13. O autor foi seguido em consultas regulares de Ortopedia, nos HUC, passando, posteriormente, para os cuidados dos serviços clínicos da ré, no Porto, concretamente, na Izomédica.</font><br>
<font>14. O autor deambulou com apoio de canadianas, durante cerca de três meses. </font><br>
<font>15. O autor foi seguido naquelas consultas, regularmente, onde comparecia, mensalmente.</font><br>
<font>16. O autor cumpriu programa de fisioterapia, por intermédio da ré, na Clínica do Dr. Jorge Lains, em Coimbra, onde realizou 15 sessões. </font><br>
<font>17. No dia 7 de Fevereiro de 2006, o autor foi, de novo, internado, desta vez, nos serviços clínicos da ré, para extracção de material de osteossíntese.</font><br>
<font>18. Passados 15 dias, o autor retirou os pontos.</font><br>
<font>19. A ré deu-lhe alta definitiva, no dia 6 de Março de 2006.</font><br>
<font>20. Apesar da alta, referida em 19, o autor, por indicação da sua médica de família, não retomou a actividade profissional nessa data, só tendo regressado ao trabalho, a 26 de Setembro de 2006.</font><br>
<font>21. Em consequência do embate, o autor apresenta, na perna direita, consolidação viciosa da fractura, com ligeiro recurvatum; tendinite do tendão rotiliano, na zona de inserção da cavilha, compatível com clínica de condropatia rotuliana, rigidez do tornozelo, com flexão dorsal de 15º, e défice nos últimos graus de flexão palmar.</font><br>
<font>22. O autor mantém dores, no tornozelo direito, que se agravam com a permanência em pé, em marcha prolongada e/ou quando caminha em terreno irregular.</font><br>
<font>23. Devido ao embate, o autor passou a ter dificuldades, em subir e descer escadas, o pé e o tornozelo incham e, no fim da tarde, tem muitas dificuldades em permanecer no trabalho.</font><br>
<font>24. O autor apresenta dores, na face anterior do joelho, que lhe dificultam o acto de subir e descer escadas e o impedem de se ajoelhar.</font><br>
<font>25. No início da manhã, o autor sente dificuldades em iniciar a marcha e retomar o trabalho.</font><br>
<font>26. Devido às lesões decorrentes do embate, o autor não consegue correr, saltar, nem caminhar sobre os calcanhares e apresenta marcha claudicante.</font><br>
<font>27. Devido às lesões decorrentes do embate, o autor apresenta, na região frontal, vestígio cicatricial; na região médio-frontal, medindo um centímetro de comprimento, no membro inferior direito, cicatriz de características operatórias no joelho, acastanhada, medindo nove centímetros de comprimento, por um centímetro de largura; na face lateral do joelho, uma cicatriz circular, medindo um centímetro de diâmetro; no terço inferior da face antero-lateral da perna, alterações tróficas de coloração acastanhada, ocupando uma área de nove centímetros de comprimento, por quatro centímetros de largura, no seio da qual são visíveis vestígios cicatriciais nacarados; e limitação moderada da dorsiflexão do tornozelo.</font><br>
<font>28. Até 6 de Março de 2006, o autor sofreu dores de grau 4, numa escala de gravidade crescente com 7 graus.</font><br>
<font>29. O autor apresenta, na perna direita, consolidação viciosa da fractura, com ligeiro recurvatum; tendinite do tendão rotiliano, na zona de inserção da cavilha, compatível com clínica de condropatia rotuliana, e rigidez do tornozelo com flexão dorsal de 15º e défice nos últimos graus de flexão palmar, o que implica para o autor esforços acrescidos no exercício da sua vida profissional e para a sua actividade diária em geral.</font><br>
<font>30. No futuro, devido à osteopenia e a esboço osteofitário na espinha tibial, irão ficar agravadas as sequelas de que o autor padece.</font><br>
<font>31. Devido às lesões decorrentes do embate, o autor ficou com dificuldades acrescidas na realização das suas tarefas laborais, a exigir-lhe esforços acrescidos para o desempenho da sua actividade profissional.</font><br>
<font>32. O autor é panificador, actividade que lhe exige a solicitação em esforço do tornozelo e do tarso direitos e lhe dificulta a execução habitual da sua profissão.</font><br>
<font>33. Devido às lesões decorrentes do embate, o autor não pode trabalhar, até 6 de Março de 2006.</font><br>
<font>34. À data do embate, o autor exercia as funções de panificador especializado, auferindo o salário ilíquido de €972,59, sendo de €592,61 o respectivo vencimento base.</font><br>
<font>35. Para além da sua actividade profissional, executada em horário nocturno, o autor amanhava terras agrícolas, em Casal dos B..., V... S..., Condeixa-a-Nova, e criava animais, actividades que cessou devido às lesões decorrentes do embate.</font><br>
<font>36. O autor não consegue permanecer de pé nos períodos de tempo que a agricultura demanda.</font><br>
<font>37. O inchaço no pé direito não lhe permite desenvolver a actividade agrícola que realizava.</font><br>
<font>38. Com a exploração, o autor retirava todos os produtos agrícolas que consumia no seu agregado familiar, constituído por si, a sua mulher e dois filhos menores, designadamente, batatas, azeite, vinho, legumes, hortaliças e carnes de frango, pato e porco.</font><br>
<font>39. Devido às lesões decorrentes do embate, o autor viu-se obrigado a adquirir esses produtos no mercado, com que gasta, em média, por mês, a quantia de € 200, quantia que tenderá a aumentar, à medida que os anos forem passando pelo aumento do custo de vida.</font><br>
<font>40. À data do embate, o autor era um homem feliz, saudável e sereno.</font><br>
<font>41. Devido às lesões decorrentes do embate, o autor sofre de angústia e é agora um homem ansioso e receoso do futuro.</font><br>
<font>42. O autor, devido às lesões decorrentes do embate, sente - e continuará a sentir no futuro - dores no joelho e tornozelo direitos, que se agravam com o início da marcha e em marcha prolongada, em pisos irregulares e quando sobe e desce escadas.</font><br>
<font>43. Todos os dias, quando se levanta, o autor sente dificuldades em mover o pé direito.</font><br>
<font>44. Passadas algumas horas, o mesmo incha, tornando difíceis os actos do dia a dia que solicitem o tornozelo e tarso direitos, como seja subir e descer escadas, utilizar rampas, correr, andar em terreno irregular e estar de pé.</font><br>
<font>45. Até ao embate, o autor entregava-se, energicamente, ao seu trabalho, tendo chegado a panificador especializado.</font><br>
<font>46. Os esforços acrescidos que tem que desenvolver, no exercício da sua actividade, deixam o autor desencorajado e frustrado.</font><br>
<font>47. Por ter passado a coxear, o autor viu a sua estima abalada</font><br>
<font>48. Devido às lesões decorrentes do embate, o autor apresenta, desde 6 de Março de 2006 (data da consolidação das lesões) uma incapacidade permanente geral de 8 pontos (numa escala de gravidade crescente com 100 pontos) a qual se irá agravar, no futuro, para 13 pontos.</font><br>
<font>49. As lesões sofridas pelo autor consolidaram, em 6 de Março de 2006.</font><br>
<font>50. Devido às lesões sofridas, o autor manteve-se, totalmente, incapacitado para a realização das actividades da vida diária, familiar e social, desde 16 de Fevereiro de 2005 a 21 de Março de 2005 e de 7 de Fevereiro de 2006 a 6 de Março de 2006.</font><br>
<font>51. Devido às lesões sofridas, o autor manteve-se, parcialmente, incapacitado para a realização das actividades diária, familiar e social, de 22 de Março de 2005 a 6 de Fevereiro de 2006, período em que, ainda que com algumas limitações, retomou, com alguma autonomia, a realização das actividades da vida diária, familiar e social.</font><br>
<font>52. Devido às lesões sofridas, o autor manteve-se, totalmente, incapacitado para o trabalho, de 16 de Fevereiro de 2005 a 6 de Março de 2006.</font><br>
<font>53. A situação, referida 21, confere ao autor prejuízo estético de grau 2, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus.</font><br>
<font>54. A responsabilidade civil emergente da circulação do ET encontrava-se transferida para a ré, mediante contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice nº. 0000....</font><br>
<font>55. A ré assumiu a total responsabilidade do veículo seguro na ocorrência do atropelamento e suportou salários, assistência hospitalar médica e medicamentosa.</font><br>
<font>56. O autor recebeu da ré a quantia de €7.250,00 (sete mil duzentos e cinquenta euros), a título de adiantamento, por conta de salários.</font><br>
<font>57. O autor recebeu da Segurança Social a quantia de €1.987,77, a título de subsídio de doença.</font><br>
<font>58. O autor nasceu a 17 de Fevereiro de 1959. </font><br>
<br>
<font> *</font><br>
<br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão da determinação do montante do dano patrimonial futuro.</font>
</p><p><font>II – A questão da determinação do montante dos danos não patrimoniais.</font>
</p><p>
</p><p><font> I. DO MONTANTE DO DANO PATRIMONIAL FUTURO</font><br>
<br>
<font> Defende o autor que considera adequada e justa a indemniza</font><font>ção de €65.000,00, pelo dano patrimonial futuro, ao passo que a ré sustenta que</font><font> o c</font><font>álculo do lucro cessante efectuado pelo acórdão recorrido, no valor de €55.000,00, é excessivo, sendo mais equitativo o montante de €25.000,00.</font><br>
<font>Ao nível dos danos patrimoniais resultantes da perda da capacidade aquisitiva do autor, ficou demonstrado que este, panificador especializado de profissão, auferia a remuneração mensal ilíquida de €972,59, pelo trabalho nocturno que executava, e bem assim como o quantitativo mensal de €100,00, pelo exercício da actividade agrícola e pecuária a que, em horário diurno, se dedicava, complementarmente, mas que cessou, em consequência das sequelas sobrevindas ao acidente, ou seja, o autor auferia do exercício da sua actividade laboral a remuneração mensal global de €1072,59.</font><br>
<font>Porém, não se demonstrou que o autor tenha sofrido, em consequência do atropelamento que o vitimou, a partir da data da consolidação, qualquer diminuição da sua remuneração laboral futura, no que se refere ao exercício da sua actividade profissional de panificador especializado, ao contrário do que sucedeu no que contende com a sua actividade laboral complementar agrícola e pecuária, que as instâncias consideraram ter cessado, devido às lesões decorrentes do embate. </font><br>
<font>Por outro lado, também ficou provado que, em virtude das lesões provenientes do embate, o autor apresenta, desde a data da respectiva consolidação, uma incapacidade permanente geral de 8 pontos, numa escala de gravidade crescente de 100 pontos, a qual se irá agravar, no futuro, para 13 pontos.</font><br>
<font>Como já se disse e ficou demonstrado, a actividade laboral do autor situa-se, no âmbito da indústria da panificação e não da indústria agrícola, que não constituía a sua profissão, mas antes uma actividade económica complementar do seu exercício profissional.</font><br>
<font>Com efeito, embora seja reconhecido o carácter, geralmente, penoso da actividade agrícola, em especial, quando a mesma representa o exercício profissional de quem à mesma se dedica, em exclusividade, ou seja, que dela faz o seu modo de vida, a questão já não assume a mesma acuidade, tratando-se do complemento da actividade principal do respectivo agente.</font><br>
<font>De todo o modo, a incapacidade permanente geral de que o autor ficou a padecer, devido ao embate, é de 8 pontos, elevável, no futuro, até 13 pontos, numa escala de gravidade crescente de 100 pontos, independentemente do seu concreto exercício ou actividade profissional, porquanto o contrário não ficou provado e o relatório médico-legal apenas contempla a incapacidade permanente geral, reportada ao exercício profissional da panificação e não da actividade agrícola.</font><br>
<font>A incapacidade permanente é, cronologicamente, a que surge após a conclusão dos tratamentos, com a estabilização ou consolidação médico-funcional das lesões, ou seja, com a «cura clínica», devendo ser aferida em função da actividade concreta exercida pela vítima, pois só desta forma se poderá atingir o fim último prosseguido pela indemnização, que é o do ressarcimento do dano, efectivamente, sofrido</font><font> (2)</font><font>.</font><br>
<font>Assim sendo, em termos de rebate profissional, importa considerar que as sequelas resultantes do atropelamento de que o autor foi vítima são responsáveis por esforços acrescidos no seu desempenho, sem discriminação entre a profissão de panificador especializado e a actividade complementar agrícola, o que determinou um grau de incapacidade profissional permanente geral de 8 pontos, elevável, no futuro, até 13 pontos, numa escala crescente de 100 pontos.</font><br>
<font>Assim sendo, auferindo o autor do exercício da sua actividade laboral a quantia global mensal de €1072,59 (€972,59+€100,00=€1072,59), a respectiva remuneração total anual pelo trabalho produzido, tendo em conta a existência de catorze mensalidades para a actividade industrial</font><font> (3)</font><font> e de doze mensalidades para o trabalho agrícola, ascendia ao quantitativo de €14816,26.</font><br>
<font>A indemnização por danos patrimoniais futuros reclamada pelo autor contende com a situação de incapacidade permanente geral parcial, por si sofrida e de que padece, a qual se verifica quando, apesar dos cuidados clínicos e dos tratamentos de reabilitação, subsiste no lesado um estado deficitário, de natureza anatómico-funcional ou psico-sensorial, a título de dano definitivo, que deve ser avaliado, relativamente à capacidade integral [100%], podendo, eventualmente, significar uma incapacidade total, permanente ou transitória, isto é, um compromisso, integral ou restrito, da capacidade</font><font> (4)</font><font>.</font><br>
<font>Na hipótese vertente, a incapacidade permanente ou definitiva suportada pelo autor não apresenta um nível absoluto ou total, tendo antes natureza parcial [IPP], porquanto aquele sofre, a partir da data da consolidação médico-legal das lesões, já determinada, irreversivelmente, em 6 de Março de 2006, logo a seguir ao fim do período da incapacidade temporária geral e profissional, fixável em 382 dias, que compreende o período da incapacidade temporária geral e profissional total, de uma incapacidade permanente geral parcial de 8%, elevável, no futuro, até 13%.</font><br>
<font>Estabelecida a data da consolidação, com o consequente dano temporário inerente, importa demarcá-lo do dano definitivo ou permanente sofrido pelo autor, situado, imediatamente, a seguir aquela data, o qual, por definição, deve permanecer por toda a restante vida da vítima.</font><br>
<font>No que concerne com a perda da capacidade aquisitiva do autor, em relação ao período posterior ao fim da sua incapacidade temporária profissional específica total, ou seja, da data da consolidação, a partir de 6 de Março de 2006, há que observar, para efeitos do cômputo da indemnização, neste particular dos danos patrimoniais, a ideia de reconstituição da situação anterior ao evento danoso, atendendo-se aos prejuízos emergentes e aos lucros cessantes, e não só aos presentes, como, também, aos futuros previsíveis, o que se deve fazer com recurso à equidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 566º, nº 3, 564º, nº 2 e 562º, todos do Código Civil (CC)</font><font> (5)</font><font>.</font><br>
<font>Efectivamente, a indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente corresponde a um capital produtor de rendimento que a vítima irá perder, mas que se extinga, no final do período provável da sua vida activa, sendo certo que é, na determinação dos dados dessa operação de cálculo, que o julgamento de equidade, necessariamente, intervém, sem prescindir do que é normal acontecer, para o que importa introduzir factores de correcção, nomeadamente, o tempo provável de vida profissional activa do autor, a sua esperança média de vida, a diferença que, em cada época futura, existirá entre o rendimento recebido e o que auferiria, se não fosse a lesão, a flutuação do valor da unidade monetária em que a indemnização se irá traduzir, o desenvolvimento tecnológico, os índices de produtividade, a alteração das taxas de juro do mercado, a inflação, os montantes ilíquidos dos valores, sem referência aos impostos, a antecipação imediata da totalidade do capital, o seu grau de incapacidade, o seu grau de culpa na produção do acidente e, finalmente, a dedução de um quarto na capitalização do rendimento, a fim de se conseguir a extinção do capital, no final do período para que foi calculado</font><font> (6)</font><font>, para evitar que a acumulação de juros acabe por penalizar a ré e permitir um enriquecimento injusto, à custa alheia, por parte do autor.</font><br>
<font>Neste enquadramento, considerando que o autor nasceu, a 17 de Fevereiro de 1959, e que, consequentemente, tinha 47 anos de idade, à data da consolidação médico-legal das lesões, exercendo a profissão de panificador especializado, a indemnização poderá ser calculada, utilizando-se como método de trabalho indicativo o proposto pelas tabelas financeiras, usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda do ganho, de tal modo que, no fim da vida do lesado, aquele capital, igualmente, se esgote, ao juro anual de 3%, considerando a actual evolução das taxas de juro e da inflação, e tendo como referência o tempo provável de vida activa da vítima, de acordo com as suas perspectivas, que se fixa em setenta anos, por forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, até ao final desse período</font><font> (7)</font><font>.</font><br>
<font>Assim sendo, considerando que o autor teria ainda, previsivelmente, uma vida profissional activa de 23 anos, atendendo à sua média idade, à idade previsível da reforma, nessa ocasião, face à evolução da longevidade e às políticas sociais europeias em curso, considerando como base de apoio referencial a fórmula matemática que recorre ao tempo de esperança de vida activa, ao rendimento anual do trabalho do lesado, ao coeficiente de IPP que este sofreu e, por fim, ao período médio de esperança de vida para os homens, cuja idade se situa na faixa etária do autor, na altura com 47 anos de idade, de 74,9 anos</font><font> (8)</font><font>, tendencialmente elevável, até à viragem da primeira metade deste século XXI, tendo presente, como se disse, que só o uso da equidade permite alcançar o montante que, mais, justa e equilibradamente, compense a perda ou a diminuição patrimonial sofrida pelo autor, entende-se como mais correcto e adequado, com base no disposto pelo artigo 566º, nº 3, do CC, atribuir-lhe, a título de danos patrimoniais futuros, resultantes da incapacidade permanente parcial (IPP) ocorrida e da consequente perda da sua capacidade aquisitiva, o quantitativo de €30000,00.</font><br>
<font>Relativamente a estes danos de natureza patrimonial futuros, quanto ao período temporal posterior ao fim da sua incapacidade temporária profissional específica total, importa considerar que não se provou que o autor tenha passado a receber um vencimento mensal inferior, pois, com toda a certeza, continuou a auferir idêntico ordenado, com os aumentos anuais decorrentes da contratação colectiva, inerentes à sua categoria profissional, e bem assim como a usufruir do complemento do rendimento do trabalho agrícola e pecuário a que se dedica.</font><br>
<font>Porém, se é verdade que se não demonstrou que o autor tenha sofrido qualquer perda concreta no seu ordenado mensal, decorrente do exercício da sua actividade profissional, não se pode esquecer, por outro lado, que o mesmo realiza um esforço, físico e psíquico, suplementar, em relação ao que acontecia antes do acidente, para lograr obter, hipoteticamente, o mesmo resultado produtivo do seu trabalho, e, também, idêntica remuneração profissional.</font><br>
<font>E, se é certo que se não demonstrou qual a percentagem desse esforço complementar, físico e psíquico, que executa, encontra-se provado, por seu turno, que o autor é portador de uma incapacidade permanente geral parcial de 8%, elevável, no futuro, até 13%, que lhe acarreta uma diminuição, em grau moderado, do seu nível de eficiência pessoal ou profissional.</font><br>
<font>Assim sendo, é razoável concluir que o autor, por força da aludida incapacidade permanente geral parcial, tem de desenvolver um esforço, físico e psíquico, acrescido de 8%, elevável, no futuro, até 13%, para atingir o mesmo resultado produtivo da actividade mecânica que pratica e poder auferir, pelo menos, a remuneração mensal correspondente à sua categoria profissional.</font><br>
<font>Efectivamente, se o autor desenvolve um acréscimo de esforço, físico e psíquico, de mais 8%, elevável, no futuro, até 13%, do que acontecia antes do acidente, para alcançar os mesmos resultados, profissionais e remuneratórios, é inequívoco que o seu quotidiano se tornou mais absorvente e menor a sua disponibilidade para realizar outras actividades, profissionais ou não.</font><br>
<font>Por isso, é possível sustentar que a incapacidade permanente parcial, ou seja, a diminuição da capacidade de trabalho, constitui, em si mesmo, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da perda imediata da sua retribuição salarial</font><font>(9)</font><font>.</font><br>
<font>Finalmente, acrescente-se que é de todo compreensível que assim seja, porquanto, na incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente, designada por “handicap”, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.</font><br>
<font>E é, exactamente, neste agravamento da penosidade, de carácter fisiológico, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização, por danos patrimoniais futuros.</font><br>
<font>Há, pois, lugar ao estabelecimento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP de 8% que sofreu, elevável, no futuro, até 13%, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho profissional.</font><br>
<font>Trata-se, em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 [integridade psicossomática plena], e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos</font><font>(10).</font><font>.</font><br>
<br>
<font> II. DO MONTANTE DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS</font><br>
<br>
<font> Defende o autor, neste particular, que lhe </font><font>deverá ser arbitrada a quantia de €40.000,00, a título de reparação pelos danos não patrimoniais, enquanto que a ré entende que a mesma não deveria ser superior a €10.000,00.</font><br>
<font>Preceitua o artigo 483º, nº 1, do CC, que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.</font><br>
<font>A lei não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam a atribuição de uma indemnização, limitando-se a esclarecer que esta apenas deve abarcar aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do previsto pelo artigo 496º, nº 1, do CC, ou seja, a reparação apenas se justifica se a especial natureza dos bens lesados o exigir, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do direito de outrem forem de molde a determinar uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais</font><font> </font><font>(11).</font><br>
<font>A gravidade do dano não patrimonial tem que ser aferida por um critério objectivo, tomando-se | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TDLzu4YBgYBz1XKvBWAs | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
A intentou no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa (7.º Juízo), em 4 de Março de 1998, acção com processo ordinário contra B, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 10000000 escudos, acrescida de juros de mora desde a citação, montante esse resultante de adiantamentos de verbas feitos pela autora à ré no âmbito de um contrato de agência, que foi resolvido por incumprimento da demandada.<br>
Contestou a ré no sentido da improcedência da acção.<br>
Saneado e condensado o processo, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção procedente.<br>
Inconformada, apelou a ré.<br>
O Tribunal da Relação de Lisboa, pelo acórdão de fls. 122 e segs., datado de 7 de Novembro de 2000, negando provimento ao recurso, confirmou aquela sentença.<br>
Ainda não conformada, a ré interpôs o presente recurso de revista, em cuja alegação formula as conclusões seguintes:<br>
1.ª - A lei exige a redução a escrito do contrato de agência;<br>
2.ª - As estipulações posteriores ao contrato inicial devem revestir a mesma forma: documento escrito, subscrito pelas partes;<br>
3.ª - No caso dos autos, as estipulações posteriores ao contrato, invocadas pela recorrida para fundamentar o seu pedido, não foram reduzidas a escrito;<br>
4.ª - Consequentemente, para prova da factualidade contida em tal quesito não foi oferecida pela recorrida o tipo de prova exigível;<br>
5.ª - Razão por que não se podia considerar como provada;<br>
6.ª - O Tribunal recorrido, em consequência, devia ter alterado a resposta dada àquele quesito, julgando não provada tal factualidade;<br>
7.ª - Decidindo diversamente, foi violado o disposto nos artigos 364º do Código Civil, 655º e 712 n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil e 4º e 9º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho.<br>
Contra-alegando, a recorrida pugna pela manutenção do julgado.<br>
Cumpre decidir.<br>
Vejamos os factos considerados provados pela Relação:<br>
<br>
1. A autora dedica-se à edição e comercialização, incluindo a importação e exportação, de publicações periódicas e não periódicas, tais como livros, fascículos e outros produtos editoriais;<br>
2. No âmbito da sua actividade, a autora celebrou, em 15 de Julho de 1994, com a ré um contrato de agência;<br>
3. De acordo com a relação contratual estabelecida, a ré vinculava-se para com a autora a proceder à promoção e intermediação na venda de produtos editoriais da autora, com o objectivo de angariar clientes; <br>
4. A actividade da ré seria realizada em exclusividade;<br>
5. Uma vez angariados pela ré, a autora facturaria os seus produtos editoriais directamente aos clientes, pelo que a autora não efectuava, a título de publicações compradas, qualquer pagamento à ré, enquanto agente;<br>
6. A título de contrapartida pelo trabalho desenvolvido, a ré teria direito a uma comissão sobre o preço de base de cada "Programa de Venda", definida pelas partes, a qual seria aumentada em 1996;<br>
7. Nos termos do contrato referido em 2, não foram previstos, inicialmente, quaisquer adiantamentos a realizar por conta das comissões a pagar à agente;<br>
8. A autora havia estabelecido relação contratual idêntica com a sociedade C, que faz parte do grupo e tinha relações societárias com a ré;<br>
9. A título de comissões a que a ré teria direito, esta emitiu as seguintes facturas:<br>
6/95 - 31 de Agosto de 1995 - 6770556 escudos<br>
6/96 - 30 de Abril de 1996 - 4561596 escudos<br>
7/96 - 31 de Maio de 1996 - 5870007 escudos<br>
9/96 - 28 de Junho de 1996 - 3634020 escudos<br>
8/96 - 31 de Julho de 1996 - 3469635 escudos<br>
10/96 - 30 de Agosto de 1996 - 4702932 escudos;<br>
10. A autora procedeu ao pagamento integral das facturas emitidas pela ré B; <br>
11. Por carta de 13 de Outubro de 1997, constante de fls. 12, a autora comunicou à ré a rescisão do contrato referido em 2;<br>
12. A ré foi citada para a acção em 15 de Abril de 1998; <br>
13. Durante a vigência do contrato referido em 2, as partes acordaram em que a autora entregasse à ré adiantamentos de verbas por conta de comissões que esta viria a receber, dando-se periodicamente o acerto entre o que a ré receberia, a título de comissões, e o que haveria de restituir à autora, a título dos adiantamentos já realizados;<br>
14. A autora procedeu aos adiantamentos à ré dos valores de 1000000 escudos em 4 de Setembro de 1995, 3000000 escudos, em 30 de Abril de 1996, 1000000 escudos, em 30 de Maio de 1996, 2000000 escudos, em 27 de Julho de 1996, 1000000 escudos, em 30 de Julho de 1996 e 2000000 escudos, em 29 de Agosto de 1996;<br>
15. Desses valores, a autora nada recebeu da ré.<br>
Postos os factos, entremos na apreciação do recurso.<br>
Constitui jurisprudência dominante que o Supremo não pode censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712º do Código de Processo Civil (cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 2 de Fevereiro de 1993, 14 de Junho de 1995 e 18 de Novembro 1997, Col. Jur. Ano I, tomo 1.º, págs. 117, ano III, tomo 2.º, págs. 127 e Rev. Leg. Jur. ano 132.º, pág. 76, respectivamente).<br>
Por outro lado, a decisão da 2.ª instância quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722º, como dispõe o artigo 729º, n.º 2, do Código de Processo Civil.<br>
Nos termos do referido artigo 722º, n.º 2, do Código de Processo Civil o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.<br>
Em causa no presente recurso está apenas uma questão: a existência do contrato de agência só pode provar-se por documento escrito e só por essa forma podem ser provadas as suas ulteriores estipulações?<br>
Entendemos que a resposta é negativa.<br>
Como se sabe, a regra é a liberdade de forma. A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir - artigo 219º do Código Civil.<br>
A agência foi elevada à categoria de contrato típico pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril.<br>
O artigo 1º do referido diploma legal, depois de no n.º 1 indicar a noção de contrato de agência, preceitua no seu n.º 2 que "qualquer das partes tem o direito, a que não pode renunciar, de exigir da outra um documento assinado que indique o conteúdo do contrato e de posteriores aditamentos ou modificações".<br>
Resulta deste normativo que a lei não exige a forma escrita para a celebração do contrato de agência, dando apenas a qualquer das partes o direito de exigir da outra um documento assinado com a indicação do conteúdo do contrato e de posteriores estipulações, contrato esse que estará previamente celebrado.<br>
Como se diz no acórdão recorrido, citando o Professor Pinto Monteiro, Contrato de Agência, págs. 43, "a doutrina desta norma (n.º 2 do artigo 1º) não altera a natureza consensual do contrato, nos termos gerais do artigo 219º do Código Civil. Por razões de segurança, ligadas à protecção dos contraentes atribui-se a qualquer deles o direito de exigir do outro a assinatura de um documento com o conteúdo do contrato e de eventuais aditamentos ou modificações".<br>
Não estando o contrato de agência sujeito a qualquer forma, o mesmo se passa com os seus aditamentos.<br>
E dos artigos 4º e 9º do mencionado Decreto-Lei n.º 178/86, com a redacção dada àquele pelo Decreto-Lei n.º 118/93, também não resulta que o contrato de agência tenha natureza formal, pois tais preceitos regulam apenas o direito de exclusivo a favor do agente e a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, actividades que estejam em consonância com as da outra parte.<br>
Nada se provando sobre a questão da concorrência, a exclusividade da actividade da ré, alegada no artigo 4º da petição inicial, foi por ela confessada no artigo 1º da contestação, o que substitui a prova documental, nos termos do n.º 2 do artigo 364º do Código Civil.<br>
Não havendo, como não há, disposição expressa de lei a exigir a forma escrita para a validade do contrato de agência, nenhuma censura pode ser dirigida ao acórdão recorrido por não alterar a matéria de facto.<br>
Improcedendo as conclusões da respectiva alegação, o recurso está votado ao insucesso.<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pela recorrente.<br>
<br>
<br>
Lisboa, 3 de Maio de 2001<br>
Tomé de Carvalho,<br>
Silva Paixão,<br>
Silva Graça. <br>
<br>
7º Juízo Cível de Lisboa - Proc. 219/98 - 3ª Secção.<br>
T. Relação Lisboa - Proc. 4067/00 - 1ª Secção. <br>
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WTKWu4YBgYBz1XKvdR_z | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. - AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa contra CC e mulher, DD, EE e FF e mulher, GG, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade de HH, por sucessão testamentária de II, desde da data do óbito deste, e do direito de propriedade do Autor, por sucessão hereditária de HH, dos bens imóveis que identificam, com o consequente cancelamento dos registos prediais referentes à acção judicial averbada nos referidos prédios, considerando-se definitivos os registos prediais referentes à aquisição testamentária desses prédios a favor de HH e à sua aquisição, por via hereditária, a favor do ora Autor. Pedem ainda que os terceiros Réus sejam condenados a restituir aos Autores os frutos percebidos e as rendas recebidas com a fruição e o arrendamento dos bens supra mencionados, a determinar em execução de sentença. </font>
</p><p><font>Alegaram, para o efeito, em síntese, que:</font>
</p><p><font> em 13/1 0/1967, II outorgou um testamento nos termos do qual deixava à sua mulher, JJ, a quota disponível ou todos os seus bens, consoante o testador tivesse ou não herdeiros legitimários à data da sua morte, instituindo ainda um fideicomisso, nos termos do qual os bens herdados por força do testamento reverteriam para as irmãs dele, testador, à morte de JJ. Caso a sua mulher falecesse prévia ou simultaneamente a ele, a quota disponível da sua herança seria deferida para as suas irmãs; </font>
</p><p><font> o testador não teve descendentes, faleceu em …/0…/19… e, em …/…/19…, foram habilitadas como herdeiras do falecido a viúva, como herdeira legitimária e como fiduciária da quota disponível, e as três irmãs do falecido, como fideicomissárias da mesma quota disponível;</font>
</p><p><font> em 12/2/1988, foi celebrada escritura de partilha entre viúva e as três irmãs do testador, em que as partes determinaram os prédios sujeitos ao fideicomisso e que reverteriam, à morte da fiduciária, para as fideicomissárias que ainda fossem vivas, em comum e em partes iguais;</font>
</p><p><font> as fideicomissárias KK e LL faleceram antes da fiduciária, JJ, apenas lhe sobrevivendo a fideicomissária HH a quem sucedeu o Autor, seu único filho; </font>
</p><p><font> os terceiros Réus arrogaram-se a qualidade de proprietários dos bens sujeitos ao fideicomisso, tendo, desde 2008, usufruído indevidamente dos mesmos, dos quais recebem rendas, fazendo seus os frutos naturais (eucaliptos).</font>
</p><p><font>Mais articularam que era intenção de II que os referidos bens se mantivessem na sua família de origem, pelo menos no âmbito da quota disponível da sua herança, sendo que a fideicomissária sobreviva teve ainda direito a acrescer as quotas ideais das suas irmãs nos ditos bens, após o falecimento destas. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os Réus FF e mulher, GG, contestaram e deduziram pedidos reconvencionais.</font>
</p><p><font>Sustentaram que, por força da escritura de partilhas referida, todos os bens integrantes da herança do falecido II foram então adjudicados à viúva e ali primeira outorgante, JJ, abrangendo os três imóveis sujeitos ao fideicomisso, passando, assim, a fiduciária JJ a exercer, por força daquela escritura, em relação aos três imóveis sujeitos ao fideicomisso, o legítimo direito de titularidade sobre coisa própria, apenas com os ónus definidos no art. 2286º do Código Civil, situação que se manteve até à data da sua morte, ocorrida em 23/01/2008, altura em que, em virtude de terem já falecido, as fideicomissárias LL e KK não puderam aceitar a deixa, ficando sem efeito a respectiva substituição e passando a radicar no acervo da fiduciária, desde a morte do testador, o direito definitivo sobre tais bens (art.º 2293º, n.º 2 do CC). Porque os três bens deveriam ser transmitidos às fideicomissárias em comum e partes iguais, e duas delas não puderam aceitar a deixa, apenas em relação à terça parte respeitante à fideicomissária HH a substituição se operou, não podendo aquela receber mais do que aquilo que lhe foi deixado, ou seja, um terço indiviso de cada um dos três imóveis em causa, tendo-se as restantes duas terças partes daqueles imóveis consolidado definitivamente, desde a morte do referido II, na esfera jurídica de sua esposa (herdeira legitimária e fiduciária) JJ, por força da disposição legal imperativa constante do n.º 2 do art. 2293º do Código Civil, não podendo a fideicomissária sobrevivente invocar qualquer direito de representação (art. 2041º, n.º 2. alínea b), do CC) nem de acrescer ou de não decrescer (arts. 2301º a 2306º), direitos inexistentes no caso em virtude de disposição legal expressa que define a situação jurídica e os seus efeitos (art. 2293º, n.º 2. do CC). </font>
</p><p><font>Admitem terem recebido rendas daqueles prédios e procedido ao corte de algumas árvores (eucaliptos) que se encontravam em estado de corte e em risco de perecer por perigo de incêndio, disponibilizando-se para apresentar contas, proporcionalmente ao direito que aos Autores venha a ser atribuído. </font>
</p><p><font>Reconvencionalmente, pediram que fosse reconhecido que, por caducidade das substituições fideicomissárias instituídas a favor de LL e KK no testamento outorgado por II em 13.10.1967 e na escritura de partilhas celebrada em 12.02.1998, as duas terças partes dos imóveis aí definidos como objecto do fideicomisso passaram a integrar definitivamente a esfera jurídica da fiduciária JJ, desde a data da morte daquele II ocorrida em 31.10.1985; que os Réus reconvintes são legítimos donos e proprietários de duas terças partes indivisas de cada um dos imóveis por eles identificados e questionados na presente acção, por os terem adquirido por sucessão testamentária de JJ e que os AA. sejam condenados a absterem-se de praticar qualquer acto ou facto que impeça o livre exercício por parte dos Réus do seu direito assim definido; e, ainda, que seja determinado o cancelamento de todos os registos efectuados na Conservatória do Registo Predial competente que contrariem a situação ora peticionada e, consequentemente, reduzir os registos existentes à exacta dimensão do direito dos AA., isto é, a uma terça parte dos imóveis referenciados. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Após audiência de discussão e julgamento, a acção foi julgada totalmente procedente.</font>
</p><p><font>Os Réus contestantes interpuseram este recurso de revista “</font><i><font>per</font></i><font> </font><i><font>saltum</font></i><font>” visando a revogação da sentença e, com ela, a sua absolvição dos pedidos e a procedência da reconvenção.</font>
</p><p><font>Para tanto, argumentam nas conclusões da respectiva alegação:</font>
</p><p><font> “1.ª Aceita-se, como correcta e legal, a decisão da douta sentença recorrida segundo a qual não se verifica, </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font>, o instituto jurídico do direito de acrescer ou sequer de não decrescer previsto no art. 2031, n.º 1, do Código Civil; </font>
</p><p><font> 2.ª Não havendo lugar à aplicação normativa daqueles institutos, não pode nunca verificar-se a transferência, da esfera jurídica da fiduciária para a esfera jurídica da fideicomissária sobreviva, das partes que deveriam caber às fideicomissárias pré-falecidas; </font>
</p><p><font> 3.ª Isto porque, para a hipótese </font><i><font>sub</font></i><font>-</font><i><font>judice</font></i><font>, rege o disposto no art. 2293, n.º 2, do Código Civil, que impõe que, no caso de as fideicomissárias não poderem aceitar a herança, esta não chega a sair da esfera jurídica da fiduciária, por esta se considerando definitivamente adquirida; </font>
</p><p><font> 4.ª Tal regime é imposto por lei, não podendo ser derrogado por vontade ou desejo das partes, embora possa ceder perante declaração em contrário produzida pelo testador (PIRES DE LIMA e ANTUNES V ARELA, Cód. Civil Anotado, vol. VI, pág. 462/463); </font>
</p><p><font> 5.ª Tal declaração tem que ser expressa, contrariando inequivocamente a solução decorrente daquele preceito legal (art. 2292, n.º 3, do CC) e indicando concretamente os beneficiários da substituição directa; </font>
</p><p><font> 6.ª Tais exigências decorrem apodicticamente do facto de aqui não vigorarem as regras do instituto da representação (art. 2041, n.º 2, alínea b), do CC) nem do instituto do direito de acrescer (art. 2301, n.º 1, do CC), conforme a própria sentença reconhece; </font>
</p><p><font> 7.ª As regras de interpretação dos testamentos constantes do art. 2187, n.º 1, do Código Civil, a que deve deitar-se mão em caso de dúvidas sobre a vontade do testador, não podem ser chamadas para se concluir pela inaplicabilidade do regime legal consignado no art. 2293, n.º 2, do CC, sobretudo quando não existe qualquer declaração do testador que contrarie a adequação da aplicação ao caso daquele regime legal; </font>
</p><p><font> 8.ª Caso em que deve aplicar-se o regime daquele preceito legal (art. 2293, n.º 2, do CC); </font>
</p><p><font> 9.ª A tal não obsta, como é óbvio, a matéria de facto dada como provada sobre a intenção do testador, pois que precisamente esta surtiu efeito em relação a uma das fideicomissárias e, em relação às outras, é por efeito legal impeditivo decorrente do disposto no art. 2293, n.º 2, do CC (morte das fideicomissárias) que a aceitação se não pôde dar; </font>
</p><p><font> 10.ª Não é mais legal nem menos legal qualquer das situações previstas no n.º 1 ou no n.º 2 daquele preceito legal (art. 2293 do CC), pois cada uma delas pressupõe a verificação dos requisitos que fazem desencadear o respectivo (diverso) tratamento legal; </font>
</p><p><font> 11.ª A intenção assinalada ao testador, mau grado definida nos termos assinalados, nunca poderia ter o condão de surtir efeito de transferência dos bens para qualquer das fideicomissárias, desde que não se tivesse verificado a condição de que se fizera depender tal acto, isto é, desde que estas não tivessem sobrevivido à fiduciária (art. 2293, n.º 2, do CC); </font>
</p><p><font> 12.º Tudo conforme aliás, na escritura de partilhas referida em G dos factos assentes (facto n.º 7 elencado na sentença a pág. 10/11), fiduciária e fideicomissárias estabeleceram, em cumprimento - conforme expressamente declararam - das disposições testamentárias do testador, definindo claramente que tais disposições só eram válidas se as fideicomissárias sobrevivessem à fiduciária, ou seja, o mesmo é dizer que só as fideicomissárias que sobrevivessem poderiam beneficiar das deixas que lhe estavam sendo definidas e atribuídas; </font>
</p><p><font> 13.ª Termos em que a douta sentença recorrida, ao conceder procedência à acção, violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições legais citadas nas conclusões precedentes, que aqui se dão como repetidas”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Os Autores responderam em defesa da manutenção do sentenciado.</font>
</p><p>
</p><p><font> 2. - A </font><b><font>questão </font></b><font>decidenda, como resulta das conclusões dos Recorrentes, vem definida na sentença impugnada e admitida pelos Recorrentes, consiste em saber se, declarando o testador, ao instituir o fideicomisso, que “</font><i><font>a sua quota disponível pertencerá às irmãs do testador</font></i><font>”, mas sobrevivendo apenas uma das três irmãs à fiduciária, todos os bens que constituíram o fideicomisso são herdados pela fideicomissária sobrevivente ou a parte que caberia às fideicomissárias pré-falecidas integra o património da fiduciária. </font><b><font> </font></b>
</p><p>
</p><p><font> 3. - Vem assente o </font><b><font>quadro factual </font></b><font>que segue.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Com data de 13/10/1967, II outorgou um testamento público no Cartório Notarial de ..., declarando, além do mais que: "</font><i><font>sua mulher JJ herdará toda a sua quota disponível ou todos os seus bens, consoante o testador tenha ou não herdeiros legitimários. À morte de sua mulher, porém, os bens por ela herdados por força deste testamento, reverterão para as irmãs do testador, mas sem prejuízo da faculdade concedida pelo disposto no artigo dois mil duzentos e noventa e um do Código Civil. Se sua mulher lhe não sobreviver e mesmo na hipótese de um e outro falecerem simultaneamente, a sua quota disponível pertencerá às irmãs do testador</font></i><font>." (documento de fls. 19 e ss). </font>
</p><p><font>2. As irmãs do testador eram LL, HH e KK. </font>
</p><p><font>3. O testador não teve descendentes e faleceu em 31/01/1985, conforme consta do averbamento no testamento referido em 1. </font>
</p><p><font>4. Em escritura de habilitação de herdeiros outorgada em 16/05/1986, no Cartório Notarial de ..., em que compareceram MM, FF e NN, por todos foi declarado: </font>
</p><p><font>"</font><i><font>Que no dia trinta e um de Janeiro de mil novecentos e oitenta e cinco nesta cidade, freguesia e concelho de ..., onde teve a sua última residência habitual (..) faleceu II no estado de casado em primeiras núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral de bens com JJ (..)</font></i><font>" </font>
</p><p><font>"</font><i><font>Que o falecido deixou testamento outorgado no dia treze de Outubro de mil novecentos e sessenta e sete neste Cartório (..) no qual dispôs dos seus bens pela forma seguinte:</font></i><font> </font>
</p><p><font>" </font><i><font>sua referida esposa, JJ, herdaria toda a sua quota disponível ou todos os seus bens, consoante à data da sua morte ele testador tivesse ou não herdeiros legitimários; que à data da morte daquela sua mulher, porém, os bens por ela herdados por força do testamento, reverteriam para as irmãs dele testador</font></i><font>. " </font>
</p><p><font>"</font><i><font>Que as irmãs do falecido e testador são as seguintes: "- LL (. . .) </font></i>
</p><p><i><font>"- KK (..) "- HH (..) </font></i>
</p><p><i><font>"Que porém face às alterações introduzidas no Código Civil, e particularmente no direito das sucessões, pelo Decreto-Lei quatrocentos e noventa e seis barra setenta e sete de vinte e cinco de Novembro - alterações posteriores à feitura do referido testamento (..) - se deve considerar o fideicomisso imposto no referido testamento como restringido à quota disponível do falecido, uma vez que a referida JJ passou a ser, em consequência das referidas alterações, herdeira legitimária de seu marido</font></i><font>." (doc. de fls. 21 e ss.) </font>
</p><p><font> 5. Através da Apresentação n.º 3 de 1986/1 0/24 foi registada sobre os prédios descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob n.º …; n.º …; e n.º …, em que figuram com Sujeito Activo JJ e como Sujeito Passivo II, aquisição por sucessão legítima e testamentária com "</font><i><font>cláusula fideicomissária que recai sobre a quota disponível do autor da herança, instituída a favor de LL (..); HH (..); e KK (..)</font></i><font>." (doc. de fls. 40 e ss) </font>
</p><p><font> 6. No dia 12/02/1988, no Cartório Notarial de ..., da Licenciada DD, Notária, foi outorgada escritura de "</font><i><font>Partilha</font></i><font>" em que compareceram como outorgantes: </font>
</p><p><font>"</font><i><font>Primeira: JJ, viúva, natural da freguesia e concelho de ..., residente nesta Cidade, na Avenida ….</font></i><font>" </font>
</p><p><font>"</font><i><font>Segunda: HH, que também usa HH, viúva, natural da freguesia de …, deste concelho, residente na Rua …, …, 1º direito em Lisboa, a qual outorga por si e como procuradora de: </font></i>
</p><p><i><font>"LL, viúva, natural de …, …, Brasil, residente em Lisboa, na Avenida …, …, 4.º andar, direito</font></i><font>". </font>
</p><p><font>"</font><i><font>Terceira: KK, casada com PP sob o regime de separação de bens, natural da freguesia de …, deste concelho e residente nesta Cidade de ...</font></i><font>. " </font>
</p><p><font>"</font><i><font>E por elas foi dito: </font></i>
</p><p><i><font>"Que no dia trinta e um de Janeiro de mil novecentos e oitenta e cinco, nesta cidade, freguesia e concelho de ..., onde teve a sua última residência habitual na Avenida ..., faleceu II, no estado de casado em primeiras núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral de bens com a primeira outorgante JJ, o qual era natural da freguesia de …, deste concelho</font></i><font>. " </font>
</p><p><font>"</font><i><font>Que o falecido deixou testamento outorgado em treze de Outubro de mil novecentos e sessenta e sete neste Cartório, lavrado a fls. seis verso e seguinte do livro próprio número catorze, no qual dispôs de seus bens pela forma seguinte: " </font></i>
</p><p><i><font>"Sua referida esposa, JJ, herdaria a sua quota disponível ou todos os seus bens, consoante à data da sua morte ele, testador, tivesse ou não herdeiros legitimários; que à morte daquela sua mulher, porém, os bens herdados por força do testamento reverteriam para as irmãs do testador. " </font></i>
</p><p><i><font>"Que, porém, face às alterações introduzidas no Código Civil, particularmente no direito das sucessões pelo decreto-lei quatrocentos e noventa e seis barra setenta e sete, de vinte e cinco de Novembro - alterações posteriores à feitura do referido testamento - se deve considerar o fideicomisso imposto no referido testamento como restringido à quota disponível do falecido, uma vez que a viúva, JJ, passou a ser, em consequência das referidas alterações, herdeira legitimária de seu marido. " </font></i>
</p><p><i><font>"Que, assim, foram únicas herdeiras do falecido: a viúva, como sua herdeira legitimária e como fiduciária da quota disponível de seus bens e as referidas três irmãs LL, KK e HH, como fideicomissárias da mesma quota disponível do testador</font></i><font>" (doc. de fls. 26 e ss); </font>
</p><p><font> 7. Declararam ainda que "</font><i><font>Que os bens que constituíam o património comum do casal dissolvido são os constantes de um documento complementar elaborado nos termos do artigo setenta e oito, número um do Código do Notariado, que fica arquivado e faz parte integrante desta escritura. </font></i>
</p><p><i><font>"Todos os prédios - situados no concelho de ... e de Aveiro - estão descritos nas Conservatórias do Registo Predial respectivas, encontrando-se lá regista dos a favor da viúva (com a cláusula fideicomissária que recai sobre a quota disponível do autor da herança instituída a favor das irmãs dela) cada um dos situados neste concelho de ... por uma inscrição G-um e o situado em Aveiro pela inscrição G-dois; os rústicos não confinam com outros pertencentes à herança e atribuem a todos, para efeitos desta partilha, valores iguais aos matriciais referidos, no total de nove milhões e doze mil quatrocentos e cinquenta escudos</font></i><font>" </font>
</p><p><font>"</font><i><font>Deste modo, quatro mil quinhentos e seis mil duzentos e vinte e cinco escudos é o valor da meação da viúva e igual montante o da herança do falecido, representando dois milhões duzentos e cinquenta e três mil cento doze escudos e cinquenta centavos o valor da quota disponível do mesmo. " </font></i>
</p><p><i><font>"Todos os bens são por esta escritura adjudicados à viúva e primeira outorgante, JJ, acordando todas em que, para cumprimento das disposições testamentárias do falecido, os prédios sujeitos ao fideicomisso são os identificados sob os números dois, onze e catorze, que assim, reverterão à morte da fiduciária, se ocorrer antes da das fideicomissárias, para estas em comum e partes iguais.</font></i><font> "(doc. de fls. 26 e ss) </font>
</p><p><font> 8. Os prédios identificados sob os números dois, onze e catorze a que aludiu a escritura referida em 7., foram identificados na relação de bens anexa à dita escritura, como: </font>
</p><p><font>a) "</font><i><font>DOIS - Terreno de cultura (..) sito na "Quinta ..." (..) inscrito na matriz. rústica sob o artigo seis mil quatrocentos e oitenta e um (..) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número zero zero cinco sete dois</font></i><font>." </font>
</p><p><font>b) "</font><i><font>ONZE - Casa com dois pavimentos (..) sita no ..., inscrita na matriz urbana sob o artigo seiscentos e sessenta e cinco ( . .) descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número zero zero cinco oito zero</font></i><font>." </font>
</p><p><font>c) "</font><i><font>CATORZE - Terreno a eucaliptal (..) sito no "P..." (..) inscrito na matriz rústica sob o artigo mil quinhentos e cinquenta e seis (..) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número zero zero seis zero oito</font></i><font>." (doc. de fls. 26 e ss, a fls. 34 e ss); </font>
</p><p><font> 9. KK faleceu em …/…/19… (doc. de fls. 58/59). </font>
</p><p><font> 10. LL faleceu em …/…/19… (doc. de fls. 60/61). </font>
</p><p><font> 11. JJ faleceu em …/…/20… (doc. de fls. 62/63). </font>
</p><p><font> 12. HH faleceu em …/…/20… (doc. de fls. 64). </font>
</p><p><font> 13. Por escritura de habilitação de herdeiros lavrada em 01/10/2009, no Cartório Notarial da Notária QQ, de fls. 96 a 97 do livro de notas para escrituras diversas n.º 153-A, foi habilitado AA como único herdeiro de HH. (doc. de fls. 65 e ss). </font>
</p><p><font> 14. Sobre os prédios descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob n.º …; n.º …; e n.º … encontra-se recusada a Ap. 3317 de 2009/11/17 e lavrada provisória por natureza a Ap. 3318 de 2009/11/17 - Aquisição/Sucessão hereditária, em que figura como Sujeito Activo AA e como Sujeito Passivo HH (doc. de fls. 40 e ss). </font>
</p><p><font> 15. Sobre os mesmos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob n.º …; n.º …; e n…. encontra-se registada através de Ap. 19 de 2008/11/27 Acção, figurando como Sujeitos Activos EE e CC, e como Sujeitos Passivos RR, FF e mulher, SS, TT, UU, DD, VV, sendo o pedido "</font><i><font>a) que seja reconhecida e declarada a falsidade do testamento lavrado a 23 de Fevereiro de 2007, com a consequente ineficácia das deixas testamentárias dele objecto; b) subsidiariamente, que seja reconhecida a anulabilidade do aludido testamento, decretando-se a respectiva nulidade, com as respectivas consequências legais; c) de que, em consequência da procedência de qualquer um dos pedidos anteriores, seja determinado o cancelamento nas competentes Conservatórias do Registo Predial de quaisquer inscrições já efectuadas ou que venham a ser efectuadas, de direitos emergentes do aludido testamento, incluindo do direito de propriedade que, por força do mesmo se transmitiu para os 6.ºs RR (FF e mulher GG) e 7.ª Ré (UU).</font></i><font>" (doc. de fls. 40 e ss). </font>
</p><p><font> 16. Corre termos na Comarca do Baixo Vouga, no Juízo de Grande Instância Cível da Anadia, Juiz 2, sob o n.º 2388/08.6TBAGD, acção declarativa em que são Autores os aqui 1.º e 2.º RR., CC e EE, e em que são Réus, além de outros, os aqui 3.ºs RR FF e mulher GG, em que se discute a validade de testamento outorgado em 23 de Fevereiro de 2007 por JJ. </font>
</p><p><font> 17. Por testamento outorgado em 2302/2007 na Avenida …, n.º 49, da cidade de ..., perante a Licenciada DD, Notária, JJ declarou "</font><i><font>Que, pelo presente testamento, lega a UU, sua casa de habitação, com pátio, logradouro e quintal, sita na Avenida …, nesta cidade, descrita na Conservatória do Registo Predial concelhia sob o número quinhentos e oitenta e dois, instituindo únicos herdeiros do remanescente de sua herança FF e mulher GG (..)</font></i><font>." e que constitui o documento n.º 5 da petição inicial dos autos referidos em 16. (doc. de fls. 79 e ss, a fls. 104 e ss). </font>
</p><p><font> 18. Naqueles autos referidos em 16, os ali Autores e aqui 1.º e 2.º RR identificaram no art. 119.º da sua petição, como fazendo parte da herança de JJ os bens referidos em 8. (doc. de fls. 79 e ss). </font>
</p><p><font> 19. Sobre os prédios referidos em 8, descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob n.º …; n.º …; e n.º … encontra-se recusada a Ap. 3317, de 2009 11/17 e lavrada provisória por natureza a Ap. 3318, de 2009/11 17. ¬Aquisição/Sucessão hereditária, em que figura como Sujeito Activo AA e como Sujeito Passivo HH (doc. de fls. 40 e ss). </font>
</p><p><font> 20. Através da Apresentação n.º 2452, de 2009/03/25, foi registada sobre os prédios descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob n.º … e n.º …, aquisição, provisória por natureza e dúvidas, por sucessão testamentária, em que figuram com Sujeitos Activos FF e GG e como Sujeito Passivo JJ. (doc. de fls. 318 e ss). </font>
</p><p><font> 21. Encontram-se averbadas em nome dos Réus FF e GG as cadernetas prediais dos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob n.º … e n.º …, respectivamente artigos matriciais …, … e …(doc. de fls. 72 a 75). </font>
</p><p><font> 22. Nos autos referidos em 16, os aqui e ali Réus FF e GG juntaram à sua contestação o testamento outorgado por II, referido em 1. </font>
</p><p><font> 23. Os Réus FF e GG arrogaram-se da qualidade de comproprietários de 2/3 indivisos dos bens referidos em 8. </font>
</p><p><font> 24. E desde 2008 que têm recebido as rendas da propriedade agrícola constituída pelos prédios identificados em a) e b) de 8. </font>
</p><p><font> 25. Procederam ainda ao corte e venda dos eucaliptos do prédio identificado em c) de 8. </font>
</p><p><font> 26. Os Réus FF e GG são conhecedores da instituição do fideicomisso pelo testador II a favor de suas irmãs. </font>
</p><p><font> 27. Os familiares próximos sabiam desta deixa testamentária e os Autores sempre privaram com II e sua mulher JJ, sendo visitas de sua casa. </font>
</p><p><font> 28. Era intenção de II que os seus bens se mantivessem na sua família de origem, pelo menos no âmbito da quota disponível da sua herança. </font>
</p><p><font> 29. Nunca os Autores comunicaram aos Réus FF e GG quaisquer indicações sobre a administração que eles vêm fazendo dos bens referidos em 8. </font>
</p><p><font> 30. Nunca os Autores se disponibilizaram ou ofereceram para colaborar com os Réus FF e GG para suportar qualquer despesa referente aos imóveis.</font>
</p><p><font> 4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 1. - Na sentença impugnada entendeu-se que, apesar de parecer unânime o entendimento que a falta de aceitação do fideicomissário faz caducar a instituição ou o direito de acrescer, porque a situação do fiduciário, como titular do direito a termo incerto, demanda que a disposição fique sem efeito, como resulta do art. 2293º C. Civil, o que leva a afastar o direito de acrescer ou de não decrescer invocados pelos Autores, essa solução do n.º 2 do referido preceito não tem carácter imperativo, porque nenhuma razão há para não se acatar a vontade do testador, em contrário do disposto na norma, desde que não envolva uma substituição em 2º grau. Depois, por se ter ponderado que, no caso, a vontade do testador se revela no sentido de afastar a referida solução, decidiu-se no sentido de atribuir todos os bens que integraram o fideicomisso à fideicomissária que sobreviveu à fiduciária.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Os Recorrentes insurgem-se contra tal posição, a pretexto de que a solução do n.º 2 do art. 2293º – de ficar sem efeito a substituição e a titularidade dos bens hereditários se considerar adquirida definitivamente pelo fiduciário – só pode vir a ceder se existir declaração expressa do testador em contrário, se o testador tiver declarado, de forma expressa, que quer afastar a solução decorrente da lei, indicando concretamente outros beneficiários.</font>
</p><p><font> Ou seja, como vem alegado, o regime do art. 2293º-2 é imposto por lei, tem de ser aplicado, e só pode ceder perante declaração expressa do testador que o contrarie inequivocamente e indique concretamente os beneficiários da substituição directa, o que decorre do facto de não vigorarem as regras do instituto da representação nem do do direito de acrescer.</font>
</p><p><font>Tais os limites em que os Recorrentes aceitam a derrogação ou não imperatividade da norma em causa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 2. - Do que vem de dizer-se já se vê que o que, mais restrita e essencialmente, está sob disputa é saber qual o alcance da quebra de imperatividade da norma do art. 2293º-2, que os Recorrentes parece acabarem por admitir: - se nos termos adoptados na sentença, isto é, se por interpretação do testamento, designadamente por recurso ao regime da declaração tácita; ou, - se apenas, e só, quando o testador tenha declarado, de forma expressa, que quer afastar a solução acolhida pela dita norma, indicando concretamente outros beneficiários.</font>
</p><p><font> 4. 3. - Parece não se colocarem grandes dúvidas sobre o alcance do n.º 2 do art. 2293º no sentido de afastar, como regra, o direito de acrescer na substituição fideicomissária.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O direito de acrescer, consagrado nos arts. 2301º e ss. do C. Civil, opera </font><i><font>ope legis </font></i><font>e funda-se na vontade presumida do testador.</font>
</p><p><font> Tal fundamento revela-se bem na norma do art. 2304º, ao estabelecer uma presunção “</font><i><font>juris</font></i><font> </font><i><font>tantum</font></i><font>” de acrescimento, pois que imediatamente ressalva ou exclui o direito “se o testador tiver disposto outra coisa”.</font>
</p><p><font> Consequentemente, verificados os pressupostos de acrescer - unidade de objecto e pluralidade de sujeitos chamados -, não estabelecendo o testador uma substituição e não resultando do testamento uma diversa vontade do “</font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>cujus</font></i><font>”, funciona o instituto do direito de acrescer.</font>
</p><p><font>Traduz-se, assim, o acrescer, numa “vocação autónoma que, colocando o beneficiário da porção vaga no lugar daquele a quem era destinada, tem a forma de uma vocação indirecta, isto é, de uma substituição, tendo por fundamento a vontade do testador, sendo, pois, uma substituição vulgar presumida pela lei …porque o herdeiro que recebe a porção acrescida sucede nela como sucederia aquele que faltou, a título de substituto e por a lei presumir que o testador assim o quis” (vd. A. GONÇALVES COIMBRA, “</font><i><font>O Direito de Acrescer no Novo Código Civil</font></i><font>”, 1974, pp. 56 e ss.; GALVÃO TELLES, “</font><i><font>Direito de Representação, Substituição Vulgar e Direito de Acrescer</font></i><font>”, 217 pp. e ss.).</font>
</p><p><font>4. 4. - O n.º 2 do art. 2293º, corresponde ao art. 1868º do Código de Seabra, preceito que já dispunha que “</font><i><font>se o fideicomissário não aceitar a herança ou o legado, ou se falecer antes do fiduciário, caducará a substituição, ficando o fiduciário com a propriedade definitiva dos bens</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Não se encontra, assim, diferença de substância entre a norma actual e o artigo anterior, pois que se equivalem as expressões «</font><i><font>caducará a substituição</font></i><font>» e «</font><i><font>fica sem efeito a substituição</font></i><font>», consagrando-se, no mais, a consolidação da propriedade no herdeiro fiduciário, no caso de o herdeiro fideicomissário, igualmente herdeiro do testador, não querer ou não poder aceitar.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Ora, como ensinou GALVÃO TELLES, que foi, como é sabido, o Autor do Projecto que deu origem ao vigente art. 2293º (cfr. </font><i><font>BMJ </font></i><font>54º-1209), o que, na substituição fideicomissária, explica a inverificação do direito de acrescer é a e | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rDKju4YBgYBz1XKvuyUP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<div><b><font> </font></b>
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</p><p><b><font> </font></b><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b></p></div><br>
<b><font> Recurso de Revista nº521-A/1999.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a><div><br>
<font> </font></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> I - RELATÓRIO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>Consigna-se que o valor correcto da acção é de 8.077.769,00€ (oito milhões, setenta e sete mil, setecentos e sessenta e nove euros), conforme ampliação do pedido admitida por despacho de fls. 273-275.</font>
</p><p><font> Corrija-se na capa e locais adequados e atenda-se de futuro, mormente para efeito de apuramento de custas devidas a final.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<b><font>D... – Sociedade de Construções, S.A.</font></b><font>, intentou incidente para liquidação da sentença proferida no processo principal contra o </font><b><font>Município de </font></b><font>..., pedindo que:</font>
<p><font>– se fixe em 5.333.355,00€ (cinco milhões, trezentos e trinta e três mil, trezentos e cinquenta e cinco euros) o valor actual do prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1096/970701, da freguesia de ..., sem incluir o valor das construções nele entretanto edificadas, valor esse que o Município de ... deverá restituir à requerente;</font>
</p><p><font>– se fixe em 425,34€ (quatrocentos e vinte e cinco euros e trinta e quatro cêntimos), o valor correspondente ao preço de aquisição dos terrenos que vieram a dar origem ao referido prédio n.º 1096, que a requerente deverá restituir ao Município de ..., sem prejuízo do montante que vier a resultar da decisão do recurso interposto pela requerente em 18/12/2007;</font>
</p><p><font>- a quantia que vier a ser liquidada deverá ser acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 22/05/2006 (data do trânsito em julgado do Acórdão do STJ de 09/05/2006), até integral pagamento, e de juros à taxa legal de 5% ao ano desde a data do trânsito em julgado do presente incidente até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Firmou tais pedidos no acórdão deste Supremo Tribunal de 9/05/2006, transitado em julgado, que decidiu conceder-lhe o direito à resolução do contrato que havia celebrado com aquele Município, relativo aos terrenos actualmente descritos na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1096/970701, e na sentença do Tribunal Judicial de ... de 20/11/2007 que no seguimento daquele acórdão condenou o réu Município a restituir à autora D... o valor actualizado do prédio correspondente à descrição 1096, sem incluir o valor das construções nele entretanto edificadas, em quantia a apurar em execução de sentença, e condenou a requerente a restituir ao Município o preço correspondente à aquisição dos terrenos que depois de destacados dos prédios originais vieram a dar origem ao prédio com a descrição 1096, actualizado em função da correcção monetária, em quantia a liquidar em execução de sentença.</font>
</p><p><font>Contestou o Município de ..., a fls. 92 a 95, impugnando os valores apresentados pela requerente e sustentando que o valor do primeiro pedido deverá ser fixado em 17.680,00€ (dezassete mil seiscentos e oitenta euros) e o do segundo pedido em 16.937,03€ (dezasseis mil novecentos e trinta e sete euros e três cêntimos).</font>
</p><p><font>Foi proferido despacho saneador no qual se conheceu do pedido de liquidação da sentença proferida pelo T. J. de ... nos autos principais, em 20/11/2007, na parte em que condenou a D... – Sociedade de Construções, S.A., a restituir ao Município de ... o preço correspondente à aquisição dos terrenos que, depois de destacados dos prédios originais, vieram a dar origem ao prédio com a descrição n.º 1096, actualizado em função da correcção monetária, fixando-se essa obrigação em 14.300,96€.</font>
</p><p><font>Mais se determinou que os autos prosseguissem para conhecimento da liquidação da condenação emergente da mesma sentença datada de 20/11/2007, que condenou o réu, Município de ..., a pagar à autora, D... – Sociedade de Construções, S.A., o valor actualizado do prédio correspondente à descrição n.º 1096, sem incluir o valor das construções nele entretanto edificadas (cf. fls. 116 a 121). </font>
</p><p><font>Essa decisão transitou em julgado.</font>
</p><p><font>Por despacho de fls. 143 a 145 (de 14/10/2008), delimitou-se o âmbito da prova pericial requerida pelas partes, estando o respectivo relatório inserto a fls. 197 e segs., e os esclarecimentos dos peritos, na esteira de requerimento do Município de ..., a fls. 233 e segs..</font>
</p><p><font>Na sequência de solicitação da requerente (fls. 266/267), e cumprido o contraditório (cf. fls. 270/271), admitiu-se a ampliação do pedido formulado pela D... – Sociedade de Construções, S.A., de 5.333.355,00€ (cinco milhões, trezentos e trinta e três mil, trezentos e cinquenta e cinco euros) para 8.077.769,00€ (oito milhões, setenta e sete mil, setecentos e sessenta e nove euros), conforme despacho de fls. 273 a 275, datado de 03/02/2010.</font>
</p><p><font>Seguiram os autos para a fase de julgamento, que se realizou com observância do legal formalismo. </font>
</p><p><font>Foi fixada a matéria de facto, sem reclamações (fls. 289 a 294), e, de seguida, proferida sentença, com data de 07/04/2010 (fls. 295 a 299), que julgou o incidente procedente nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Pelo exposto, no que concerne à condenação do Réu Município de ... a restituir à Autora D..., S.A. o valor actualizado do prédio correspondente à descrição 1096, sem incluir o valor das construções nele entretanto edificadas, julgo procedente a liquidação e fixo essa obrigação, nos termos em que foi relegada a sua liquidação para execução de sentença, no montante de € 8.077.769,00 (oito milhões, setenta e sete mil, setecentos e sessenta e nove euros), acrescido de juros de mora contados desde a data da presente sentença até pronto e integral pagamento.</font></i>
</p><p><i><font>Custas pelo Réu Município.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Desta decisão interpôs o requerido recurso de apelação (cf. fls. 314).</font>
</p><p><font>Foram juntos pareceres, quer pelo recorrente, quer pela recorrida, elaborados, respectivamente, pelos Senhores Professores António Menezes Cordeiro e António Pinto Monteiro, o primeiro apenso por linha, o segundo incorporado de fls. 404 a 475.</font>
</p><p><font>O recurso foi julgado improcedente por acórdão de fls. 495 a 510, datado de 29/03/2011.</font>
</p><p><font>Novamente inconformado, o Município de ... veio recorrer daquela decisão (cf. fls. 527) para este Supremo Tribunal, recurso admitido a fls. 547.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alegando, finaliza, com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>“I. O Município de ... não se conforma com a decisão constante do douto acórdão recorrido, que, aliás, acolhe, no essencial por remissão, a fundamentação da douta sentença proferida em 1.ª instância e que tal como esta enferma, salvo o devido respeito, de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.</font>
</p><p><font>II. O presente incidente de liquidação deu entrada em juízo em Abril de 2008, tem o valor de € 8.077.769 e foi objecto de contestação e resposta.</font>
</p><p><font>III. No momento da entrada em juízo do processo encontrava-se em vigor a Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro. O artigo 380°, n° 3 do CPC, dispõe que </font><i><font>"quando o incidente seja deduzido depois de proferida a sentença e o réu conteste, ou, não contestando, a revelia deva considerar-se inoperante, seguem-se os termos subsequentes do processo sumário de declaração".</font></i>
</p><p><font>IV. Perante a realidade factual existente no presente processo, sem esquecer o artigo 106°, alínea b) da LOFTJ e 791 do CPC, este último na medida em que impossibilita a intervenção de tribunal colectivo em processo sumário, certo é que o valor do incidente de liquidação para execução de sentença é superior à alçada do Tribunal da Relação, donde resulta ser da competência do Tribunal colectivo o julgamento da sua apreciação.</font>
</p><p><font>V.A presente acção foi julgada pelo Tribunal Singular, sendo no entanto para o efeito competente o Tribunal colectivo.</font>
</p><p><font>VI. A incompetência do Tribunal importa a nulidade de todo o processado, a qual é de conhecimento oficioso e pode ser suscitada a todo o tempo. Pelo que deve no caso vertente ser declarada a nulidade de todo o processado nos presentes autos, inclusive a sua distribuição.</font>
</p><p><font>VII. as questões que se colocam no caso vertente, são as seguintes:</font>
</p><p><font>• Interpretação das decisões judiciais;</font>
</p><p><font>• A resolução dos contratos e o dever de restituição;</font>
</p><p><font>• A Avaliação dos imóveis;</font>
</p><p><font>• O Abuso de Direito e o exercício desequilibrado de posições jurídicas</font>
</p><p><font>VIII. Refere o Professor Menezes Cordeiro, no parecer que se encontra junto aos autos, bem como no Tratado de Direito Civil, I - Parte Geral, tomo 1, 3.ª Edição (2005), pag. 741 </font><i><font>"(....) as decisões judiciais são sujeitas a interpretação, tal como sucede com a lei, com os negócios jurídicos e com os actos, em geral(....)".</font></i>
</p><p><font>IX. Refere o Douto Acórdão do STJ 28 de Junho 1994 (Cardona Ferreira), CJ/Supremo II (1994) 2,165-170 (170/1) </font><i><font>"As decisões, como os contratos, como as leis, devem ser interpretadas, no seu contexto legal e processual, na sua lógica, e não apenas lidas."</font></i>
</p><p><font>X. Quando uma decisão mande aplicar um instituto jurídico, há que atentar no regime que ao mesmo se encontra subjacente.</font>
</p><p><font>XI. Quando a resolução ou a invalidação de um contrato originem restituições homogéneas, nada obsta à compensação. Pelo que havendo deveres de restituição de sinal contrário, quando homogéneos, opera a compensação: apenas é devido o saldo.</font>
</p><p><font>XII. Esta regra é importante, pela compensação em si mesma, mas também pelo princípio da retroactividade em jogo, previsto no artigo 854° do C.C. uma vez, que a resolução produz efeitos </font><i><font>ex tunc</font></i><font>, a comparabilidade funciona </font><i><font>ab initio</font></i><font>, permitindo assim, prevenir o risco de variações isoladas no valor de alguma das prestações, o que iria beneficiar ou prejudicar as partes, fora de qualquer lógica comutativa ou reintegrativa.</font>
</p><p><font>XIII. A avaliação de um imóvel a restituir deve fazer-se com recurso ao instituto da restituição do que haja sido prestado, e não na justa indemnização por utilidade pública.</font>
</p><p><font>XIV. A desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo seu exercício a outrem constitui o mais relevante dos subtipos inseridos no exercício desequilibrado. Integram-se aqui situações como o desencadear de poderes -sanção por faltas insignificantes, a actuação de direitos com lesão intolerável de outras pessoas e o exercício jurídico subjectivo sem consideração por situações especiais.</font>
</p><p><font>XV. O douto acórdão recorrido no que diz respeito à determinação do valor a pagar pelo Município à autora, limitou-se a referir que a decisão sob interpretação afastou a actualização em função da correcção monetária e sem qualquer fundamento de suporte conclui de forma manifestamente abusiva: </font><i><font>"...que o valor actualizado do prédio é o seu valor actual... e o valor actual é o que os peritos lhe atribuíram ...”.</font></i>
</p><p><font>XVI. Admitindo-se, sem conceder, que o valor actual e o valor actualizado são a mesma coisa, nunca o douto acórdão recorrido, à semelhança da sentença da 1ª instância poderiam acolher, sem mais, que o valor actual é o valor atribuído pelos peritos. Porque o que está em causa, e o douto acórdão, sobre esta questão, não se pronunciou são os métodos utilizados pelos senhores peritos para fixar o valor do prédio. Métodos nunca colocados em causa pela sentença de 1ª instância, nem pelo douto acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>XVII. No que diz respeito ao abuso de direito, o douto acórdão recorrido conclui apenas pela sua inexistência, sem apontar qualquer razão de facto ou de direito que suporte esta mesma conclusão.</font>
</p><p><font>XVIII. O douto acórdão recorrido à semelhança da sentença proferida em 1.ª instância limita-se a fixar o valor do prédio descrito sob o número 1096 com remição para o relatório dos peritos.</font>
</p><p><font>XIX. O Acórdão do STJ de 9 de Maio de 2006 não fixou quaisquer critérios para a restituição, muito menos, fixou critérios para qualquer avaliação. Aliás, a entrega dos terrenos, enquanto consequência da resolução, ficou dependente da decisão a proferir sobre o pedido reconvencional e é claro ao afastar o direito da D... a qualquer indemnização.</font>
</p><p><font>XX. A sentença de 12 de Outubro de 2007, limitou-se a concluir, que a restituição do terreno se havia tornado impossível, porque implicaria a violação de direitos de terceiros, pelo que se impunha recorrer, nos termos da lei, a uma restituição do valor actualizado do prédio, excluindo o valor das construções. Também esta decisão não fixou critérios, nem indicações, remetendo para as regras gerais.</font>
</p><p><font>XXI. A resolução visa colocar as partes na situação em que se encontravam se o contrato não tivesse sido celebrado, não pretendendo consequentemente dar nem tirar vantagens a nenhuma das partes.</font>
</p><p><font>XXII. O douto acórdão, ao fixar o valor que fixou, e que se traduz numa manifesta desproporção entre as prestações de restituição, a vingar conduzirá na prolação de uma decisão manifestamente injusta, já que a D... receberá 8.077.769,00 €, enquanto o Município terá apenas direito a 14.300,96 €, a vantagem patrimonial da D... é abismal.</font>
</p><p><font>XXIII. contrariamente ao decidido, temos várias possibilidades:</font>
</p><p><font>• Valor do terreno à data do negócio devidamente actualizado;</font>
</p><p><font>• Valor do terreno actual;</font>
</p><p><font>• O actual valor hipotético do terreno se, desde 1973 e até hoje, nada se tivesse passado;</font>
</p><p><font>• O actual valor hipotético do terreno se, desde 1973 e até hoje, apenas houvessem operado os factores de valorização.</font>
</p><p><font>XXIV. A solução mais justa no caso vertente seria a primeira. O valor mais justo para o terreno é o preço que as partes acordaram livremente. A desproporção das prestações fixadas, resultou do relatório de avaliação efectuados pelos senhores peritos, e que foi o único meio de prova considerado pela douta sentença recorrida, que se recusou a tomar em consideração a prova produzida pelo Município, e não quis sequer questionar os critérios de avaliação adoptados pelos senhores peritos, limitando-se a dar como assente o valor por aqueles atribuído ao terreno, e consequentemente aceitando o critério pelos mesmos utilizado, como se fosse o único, ou como se fosse o melhor, para a composição do litigio.</font>
</p><p><font>XXV. Os Senhores peritos porque adoptaram o critério da justa indemnização, inaplicável aos caso vertente, partiram de pressupostos inconciliáveis com o instituto da restituição do haja sido prestado e com o principio da justiça comutativa.</font>
</p><p><font>XXVI. Os senhores peritos apenas equacionaram como critério de avaliação o da justa indemnização, e sempre na perspectiva do que estava construído e não às eventuais aptidões do mesmo, se não tivesse sido alienado ao Município e o douto tribunal acolheu aquela tese e fixou ao terreno um valor tendo por base critérios inaplicáveis ao caso em apreço, não cuidou sequer de atender à prova produzida pela entidade demandada;</font>
</p><p><font>XXVII. A douta sentença proferida em 1.ª instância e consequentemente o douto acórdão recorrido, por se ter limitado a fixar o valor com base num relatório pericial, fazendo seus os critérios utilizados pelos senhores peritos, inaplicáveis como já se disse ao caso vertente produziu uma sentença manifestamente injusta, violando o caso julgado;</font>
</p><p><font>XXVIII. Mas a admitir-se que se optasse pelo valor actual do prédio, haveria que ter em conta os ónus e os encargos que durante todos estes anos o proprietário teria necessariamente que ter suportado, e necessariamente factores de desvalorização, o que importaria também saber o que de facto poderia ter edificado naquele terreno de acordo com os Instrumentos de Gestão Territorial em vigor;</font>
</p><p><font>XXIX. Esta solução seria mais justa que a solução acolhida pela douta sentença recorrida, que apenas contou com a valorização do terreno, e não com os encargos que o proprietário teria de suportar e necessariamente os riscos de desvalorização, como não computou os encargos que o Município teve de suportar com o prédio durante todos estes anos.</font>
</p><p><font>XXX. De qualquer forma, a solução que melhor se adequa ao decidido pelo Venerando STJ e pela sentença de Outubro de 2007, será fixar ao prédio o valor à data dos contratos e proceder à sua actualização função da correcção monetária, porque também é esta a solução que resulta do preceituado no artigo 289°, n° 1 do C.C.</font>
</p><p><font>XXXI. O douto acórdão recorrido é manifestamente injusto, porque é manifesta a desproporcionalidade entre as vantagens auferidas pela D... e o sacrifício imposto ao Município, e traduz um exercício desequilibrado incompatível com a boa fé;</font>
</p><p><font>XXXII. O Abuso de Direito é objectivo (dispensa a culpa) e é de reconhecimento oficioso;</font>
</p><p><font>XXXIII. O douto acórdão recorrido, viola, entre outras disposições legais, o disposto nos artigos 236°, 237°, 289°, 295°, 298°, 432°, 433°, 434° e 847° todos do Código Civil, impondo-se a sua revogação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Contra-alegou a requerente (cf. fls. 600 a 634), rematando assim, as suas conclusões:</font>
</p><p><font>“A - DA INEXISTÊNCIA DA NULIDADE INVOCADA PELO MA</font>
</p><p><font>1ª. A arguição da nulidade do processado constitui questão nova que não pode ser apreciada por este Venerando Tribunal, pois os recursos destinam-se a impugnar a decisão recorrida, ou seja, a reexaminar o que aí tiver sido discutido e apreciado (v. Ac. STJ de 2011.04.13, Proc. 918/09.5JAPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt);</font>
</p><p><font>2ª. A arguição da inexistente nulidade agora suscitada pelo MA é manifestamente extemporânea, pois tinha de ser suscitada até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, ex vi dos arts. 110º/2 e 4 e 646.º/3 do CPC, pelo que sempre se encontraria sanada (v. arts. 3º, 39°, 110º/4,151°, 153°, 201°, 205°, 254° e 259° do CPC);</font>
</p><p><font>3ª. O julgamento do presente incidente de liquidação era da competência do Tribunal Singular, pois trata-se de processo sumário (v. art. 380°/3 do CPC), no qual está processualmente excluída a intervenção do Tribunal Colectivo, ex vi do art. 791º/1 do CPC (v. art. 106º/b) da LOFTJ);</font>
</p><p><font>4ª. É assim manifestamente falso, inexacto e improcedente o que consta das conclusões I a VI das alegações do MA, que se impugnam;</font>
</p><p><font>B - DO SENTIDO E ALCANCE DA SENTENÇA. DE 2007.11.20 - CASO JULGADO</font>
</p><p><font>5ª. O douto acórdão deste Venerando Supremo Tribunal, de 2006.05.09, decidiu: "conceder à A. (D...) o direito à resolução do contrato firmado com o R. Município de ... e relativo ao terreno destinado a Paços do Concelho" (v. fls. 69 do presente 1.º Volume do processo); </font>
</p><p><font>6ª. A douta sentença do Tribunal Judicial de ..., de 2007.11.20, proferida na sequência do referido Acórdão do STJ, de 2006.05.09, condenou o recorrente a restituir à recorrida o valor actual do prédio em causa, sem incluir o valor das construções nele entretanto edificadas, pois entendeu que "a restituição deve ser feita na medida do valor actual do prédio e não do valor à altura em que foi transmitido" (v. fls. 75 a 77 do 1.º Volume do presente processo);</font>
</p><p><font>7ª. As referidas decisões judiciais transitaram em julgado (v. arts. 677° do CPC) e assumem força vinculativa no presente processo, não podendo ser reeditada a discussão de questões já decididas (v. art. 205°/2 da CRP e arts. 671° e segs. do CPC; cfr. parecer do Prof. António Pinto Monteiro, a fls. 413 a 423 do 3.º Volume do presente processo);</font>
</p><p><font>8ª. A posição agora defendida pelo Município de ... – o valor do prédio deve ser fixado à data dos contratos, procedendo-se à sua actualização em função da correcção monetária – é assim manifestamente improcedente e sempre implicaria a violação do caso julgado das referidas decisões judiciais, maxime da douta sentença, de 2007.11.20;</font>
</p><p><font>9ª. É assim manifestamente falso, inexacto e improcedente o que consta das conclusões VII a XXX das alegações do MA, que se impugnam;</font>
</p><p><font>C - DO VALOR ACTUAL DO PRÉDIO N.º 1096</font>
</p><p><font>10ª. O valor do prédio correspondente à descrição 1096 tem de ser liquidado de acordo com os pressupostos fundadores do douto Acórdão deste Venerando Supremo Tribunal, de 2006.05.09, e da sentença, de 2007.11.20. na qual se decidiu com trânsito em julgado: "a restituição deve ser feita na medida do valor actual do prédio e não do valor à altura em que foi transmitido” (v. fls. 75 a 77 do 1.º Volume do processo);</font>
</p><p><font>11ª. O valor actual do prédio em causa é de € 8.077.769.00. conforme se decidiu no douto aresto recorrido, tendo em conta os casos julgados das decisões judiciais liquidandas – Ac. STJ, de 2006.05.09 e sentença, de 2007.11.20 (v. arts. 672° e segs. do CPC) – e o disposto nos arts. 289º/1, 432°, 433°, 562° e segs. do C. Civil;</font>
</p><p><font>12ª. É assim manifestamente falso, inexacto e improcedente o que consta das conclusões XXXI a XXXIII das alegações do MA, que se impugnam”.</font>
</p><p><font>Por despacho do Exmo. Senhor Desembargador Relator, de fls. 639 e verso, desatendeu-se a arguição de nulidade, invocada pelo requerido/recorrente, resultante do facto do julgamento ter decorrido perante juiz singular e não perante tribunal colectivo.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>As conclusões das alegações do recorrente, balizas definidoras do objecto do recurso, como resulta dos arts. 684.°, n.° 3, e 690.°, n.°s 1 e 3, do Código de Processo Civil</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font> (de ora em diante CPC), suscitam várias questões, assim circunscritas:</font>
<p><font>a) Nulidade resultante do julgamento ter decorrido perante juiz singular; </font>
</p><p><font>b) Interpretação das decisões judiciais constantes do acórdão do STJ de 09/05/2006, e da sentença da 1.ª instância de 20/11/2007; </font>
</p><p><font>c) Determinação do valor a pagar pelo recorrente à recorrida, definindo “</font><i><font>o valor actualizado do prédio correspondente à descrição 1096, sem incluir o valor das construções nele entretanto edificadas</font></i><font>”;</font>
</p><p><font>d) Verificação da existência de abuso do direito por parte da recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> ● </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Das instâncias vem dada por assente a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font>1. Por sentença datada de 20/11/2007, já transitada em julgado, proferida nos autos de acção declarativa de condenação com processo ordinário, dos quais o presente incidente constitui apenso, em que é autora “D... – Sociedade de Construções, S.A.” e réu o Município de ..., decidiu-se para além do mais, condenar o réu a restituir à autora o valor actualizado do prédio correspondente à descrição 1096, sem incluir o valor das construções nele entretanto edificadas, em quantia a apurar em execução de sentença.</font><a><u><font>[3]</font></u></a>
</p><p><font>2. Consta como provado na referida sentença, com interesse para os autos, que:</font>
</p><p><font>a) O prédio autónomo com a descrição 1096, de terreno para construção tem a área total de 8 840 m2; </font>
</p><p><font>b) No referido prédio 1096 foi construído um parque de estacionamento e galerias comerciais, o qual, desde a abertura ao público, tem vindo a ser explorado comercialmente pela “B...”, que daí retira proveitos e receitas.</font>
</p><p><font>3. O valor total da construção existente no prédio com a descrição 1096 é de 19.389.182€, sendo 8.998.969€ relativos ao valor do parque de estacionamento e 10.390.213€ relativos ao valor das galerias comerciais/zona comercial.</font>
</p><p><font>4. O valor real e corrente de mercado do terreno, sem incluir o valor das construções aí existentes, referente ao parque de estacionamento é de 3.800.159€ (18.156,52m2 x 598€/m2 x 0,35) e o referente à zona comercial é de 4.277.610€ (4.586,02m2 x 2.665€/m2 x 0,35), no valor total de 8.077.769€ (3.800.159€ + 4.277.610€).</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font> A</font><b><font>)</font></b><u><font> Nulidade resultante do julgamento ter decorrido perante juiz singular</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recorrente começa por qualificar de nulo todo o processado, com base na incompetência do tribunal, a qual é de conhecimento oficioso e pode ser suscitada a todo o tempo, porquanto, ponderando o facto do valor do incidente de liquidação ser superior à alçada do Tribunal da Relação, caberia ao tribunal colectivo e não ao juiz singular a sua apreciação.</font>
</p><p><font>Façamos, preliminarmente, umas breves observações sobre o tipo de incidente que aqui se analisa. </font>
</p><p><font>O incidente de liquidação, processado nos termos definidos pelos arts. 378.º a 380.º-A do CPC – aplicáveis ao caso porque a sentença foi proferida depois de 15/09/2003 </font><a><u><font>[4]</font></u></a><font> – destina-se a “fixar o objecto ou a quantidade” da condenação proferida em termos genéricos, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 661.º do CPC. O pedido de liquidação, por sua vez, não pode extravasar do pedido genérico formulado na acção principal, ou seja, não pode derivar de diversa especificação ou de diversos elementos de dano.</font><a><u><font>[5]</font></u></a>
</p><p><font>Isto dito, importa, então, ponderar, em linhas muito breves, a questão do tribunal competente para apreciar o incidente de liquidação.</font>
</p><p><font>De acordo com o estatuído no art. 380.º, n.º 3, do CPC: “</font><i><font>Quando o incidente seja deduzido depois de proferida a sentença e o réu conteste, ou, não contestando, a revelia deva considerar-se inoperante, seguem-se os termos do processo sumário de declaração</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Quer isto dizer que, tal como aconteceu </font><i><font>in casu</font></i><font>, havendo oposição ao requerimento de liquidação abre-se, após os articulados, a fase declarativa do incidente, sob a forma do processo sumário, sendo a audiência final, sempre e em qualquer caso, da competência do juiz singular, de harmonia com a regra constante do art. 791.º, n.º 1, do CPC.</font><a><u><font>[6]</font></u></a>
</p><p><font>Trata-se, pois, de uma situação em que é a própria lei a excluir a intervenção do tribunal colectivo, tal como emerge do art. 106.º, al. b), da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13/01.</font>
</p><p><font>Sem prejuízo do referido, facto é que, como salienta a recorrida, a arguição da inexistente nulidade é manifestamente extemporânea, pois tinha de ser suscitada até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, o que deflui da leitura articulada dos arts. 110.º, n.ºs 2 e 4, e 646.º, n.º 3, do CPC. Decorrido este momento processual, o vício sana-se</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Não ocorre, consequentemente, qualquer nulidade decorrente da intervenção do tribunal singular no julgamento deste incidente, sendo ostensiva a falta de razoabilidade da posição carreada pelo recorrente, nas conclusões I a VI, que manifestamente improcedem.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B) </font><u><font>Interpretação das decisões judiciais constantes do acórdão do STJ de 09/05/2006, e da sentença da 1.ª instância de 20/11/2007. </font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Grande parte das alegações recursivas do Município de ..., tal como as conclusões que as rematam, </font><i><font>prendem-se</font></i><font>, de forma directa ou indirecta, com a interpretação das decisões judiciais vertidas no Acórdão do STJ, de 09/05/2006, e na sentença da 1.ª instância, de 20/11/2007 (cf., em especial, as conclusões VIII a X, XV, XIX, XX, XXI, e XXX).</font>
</p><p><font>As decisões judiciais correspondem, evidentemente, ao resultado de uma operação intelectual que consiste, em termos simplificados, no apuramento de uma situação de facto e na subsunção e aplicação do Direito a essa situação.</font>
</p><p><font>Importa salientar, em primeiríssimo lugar, que, no caso apreciado, as decisões judiciais supra identificadas já transitaram em julgado (art. 677.º do CPC) e assumem força vinculativa no presente procedimento incidental, não podendo ser reaberta, neste âmbito, a discussão de questões que nelas foram expressamente decididas, tal como se alcança do art. 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e dos arts. 671.º e segs. do CPC.</font><a><u><font>[8]</font></u></a>
</p><p><font>Precisando melhor este aspecto, há que discernir, por um lado, a força e autoridade do caso julgado, e, por outra banda, a excepção do caso julgado: aquela, como explica Manuel de Andrade, “é uma qualidade ou valor jurídico especial que compete às decisões judiciais a que diz respeito”; esta “constitui um meio de defesa do réu, baseado na força e autoridade do caso julgado (material) que compete a uma precedente decisão judicial, força que pode manifestar-se e ser invocada por outra forma (como fundamento da acção, etc.)”.</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>/</font><a><u><font>[10]</font></u></a>
</p><p><font>Especificando, o que foi decidido na sentença proferida nos autos de acção declarativa, não pode ser contrariado pela sentença de liquidação, não podendo, designadamente, voltar a discutir-se no incidente de liquidação o momento a partir do qual se constituiu a obrigação </font><i><font>de pagar</font></i><font> ali definida. </font>
</p><p><font>Posto isto, vejamos, com maior detalhe, o problema da interpretação das decisões judiciais.</font>
</p><p><font>A sentença proferida em processo judicial constitui um acto jurídico – em geral, reduzido a escrito –, ao qual se aplicam as normas reguladoras dos negócios jurídicos – pelo que as regras que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma sentença – o que determina que a decisão judicial deve ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto – cf. arts. 236.º e segs. do Código Civil (doravante, CC).</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>/</font><a><u><font>[12]</font></u></a>
</p><p><font>Não haverá dúvidas sérias de que a sentença ou o acórdão são documentos autênticos no sentido do art. 363.º, n.º 1, do CC: trata-se, mesmo, de documentos constitutivos que incorporam uma declaração de vontade dirigida a uma determinada alteração na esfera jurídica das pessoas.</font><a><u><font>[13]</font></u></a>
</p><p><font>Tais documentos provam plenamente que em determinada acção foi profe | [0 0 0 ... 0 0 0] |
fTIVvIYBgYBz1XKvPY3S | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
O Ministério Público veio, ao abrigo do disposto no artigo 205 n. 1 da Organização Tutelar de Menores, propor a presente acção de investigação de paternidade contra A, alegando, em síntese, ser o menor B, - nascido em 11 de Março de 1989 e registado em 31 do mesmo mês, na Conservatória do Registo Civil do Funchal, apenas como filho de C, - igualmente filho do Réu, por a mãe do mesmo menor, durante o período legal da concepção, só com ele, A, ter mantido relações sexuais.<br>
O Réu contestou, sustentando nunca ter mantido qualquer contacto de natureza sexual com a dita C.<br>
Após o julgamento, foi proferida sentença julgando a acção procedente.<br>
O Réu apelou para a Relação de Lisboa, mas sem êxito, pois aí foi confirmada a sentença da 1. instância.<br>
Ainda inconformado, o Réu recorreu agora para este Supremo Tribunal concluindo as suas alegações do seguinte modo:<br>
1 - Ao Autor incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, tendo o Réu a faculdade de opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos (cfr. artigo 342 n. 1 e 346 do Código Civil). O Tribunal Colectivo alicerçou as respostas ao questionário, nomeadamente as respostas aos quesitos 2, 3 e 4, com base no depoimento de testemunhas ouvidas, quer na audiência de julgamento, quer por deprecada e também no Relatório de exame de folhas 10 a 13.<br>
As testemunhas ouvidas numa audiência de julgamento (testemunhas do Réu) depuseram em parte sobre os mesmos factos, cuja prova incumbia ao Autor, em regime de contraprova. Assim e em última análise a prova do Autor assentou no depoimento da mãe da menor, uma vez que o depoimento das testemunhas arroladas pelo Autor e, no essencial, um depoimento indirecto (por ouvir dizer), sempre com base na mãe da menor, tendo esta, aliás, chegado a ser ouvida como testemunha, o que era vedado por lei (cfr. artigos 616, 618 n. 1 alínea b) e 645 n.<br>
1 do Código de Processo Civil e 392 do Código Civil).<br>
2 - O exame de sangue de folha 10 a 13 produzido no processo de averiguação oficiosa de paternidade<br>
AOP31/89, 1. Secção do Ministério Público do Tribunal<br>
Judicial do Funchal não podia ser utilizado e/ou considerado na acção de estado como atrás se disse, por se tratar de uma prova produzida em instância diversa, sem audiência contraditória da parte, não oferecendo aquele processo as garantias da acção de estado onde o mesmo deve ser produzido, como prova constituenda que<br>
é, estando vedado ao pretenso pai e Réu, na acção de estado, a faculdade de, sem mais, fazer uso do meio previsto no artigo 601 n. 2 do Código de Processo Civil<br>
(cfr. nomeadamente: artigos 202 a 206 da OTM, 513, 517,<br>
520, 521 n. 2, 522 n. 1, 570 n. 1, 572 n. 1, 573, 574 e<br>
602 n. 1 do Código de Processo Civil e artigos 1801 e<br>
1865 ns. 4 e 5 do Código Civil).<br>
3 - Na falta de presunção legal de paternidade cabe ao<br>
Autor, em acção de investigação de paternidade, fazer prova de que a mãe, no período legal de concepção, só com o pretenso pai manteve relações sexuais de cópula completa cfr. artigo 342 n. 1, 1798, 1865 n. 5, 1866 e<br>
1868 do Código Civil e ainda, o Assento 4/83 de 21 de junho de 1983.<br>
4 - A prova desses factos é essencial para a procedência da acção e não é suprida pela eventual probabilidade da paternidade, com exame de sangue, mormente fora do contexto da acção e sem as necessárias condições de segurança e garantias de acompanhamento, verificação e controlo que a Lei consagra.<br>
5 - A referida prova não pode ainda assentar no depoimento directo ou indirecto da mãe da menor, ainda que através de testemunhas que só têm conhecimento dos factos, por intermédio dela, por a isso se oporem as regras da prova testemunhal e o princípio constitucional da igualdade perante a lei (cfr., nomeadamente, artigos 392 do Código Civil; 616 e seguintes do Código de Processo Civil; e 13 da Constituição).<br>
6 - Aquela prova não pode também assentar em exame de sangue realizado no âmbito do processo de averiguação oficiosa, por tal exame dever ser realizado no âmbito da acção de estado, como prova constituenda que é, com as garantias que esta acção oferece e aquele processo não, nomeadamente com o respeito do princípio do contraditório (cfr. nomeadamente, artigos 513, 517, 522 e 170 e seguintes do Código de Processo Civil e 202 a 206 da OTM).<br>
7 - O facto do exame de sangue não ser impugnado expressamente não releva para que possa ser considerado não impugnado e tomado em consideração, porquanto tal exame pode ser impugnado tácita ou implicitamente com o teor da contestação, mas nem isso é necessário, pelo que decorre da conclusão anterior, pois de todo em todo, a prova do Autor não pode assentar em exame realizado fora do âmbito da acção de estado, requisitado por outro que não seja o Juiz da causa (cfr. nomeadamente artigo 601 do Código de Processo Civil).<br>
8 - Havendo necessidade de formular quesitos novos para boa decisão da causa e não tendo o Tribunal usado dessa faculdade, a decisão que proferiu acaba por ficar sob a alçada do artigo 668 n. 1 alínea d) e 712 n. 2 do Código de Processo Civil.<br>
9 - Não tendo o Tribunal Colectivo feito qualquer referência ao documento da TOP TOURS e não podendo ele servir-se de depoimento indirecto da mãe da menor, ainda que através de testemunhas, quer ainda do exame de sangue de folha 10 a 13, a declaração de TOP TOURS enquadrada com o documento da folha 121 não pode deixar de ter relevância.<br>
10 - Por tais motivos, o Acórdão recorrido acabou, por erro de determinação, interpretação e/ou aplicação, por violar o disposto nos artigos mencionados, não fazendo uso dos poderes resultantes dos artigos 712 n. 1 alínea b) do Código de Processo Civil, não alterando as respostas aos quesitos 2, 3, 4 e 12 e não formulando quesitos novos cometendo, a final, erro de julgamento.<br>
11 - Deve ser dado provimento ao recurso, anulando-se e alterando-se ou revogando-se a decisão recorrida.<br>
Na sua contra-alegação, o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, sustenta que deve manter-se o Acórdão recorrido.<br>
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br>
Alinhemos, antes de mais, mais os factos que as instâncias consideraram como apurados:<br>
Em 11 de Março de 1989, nasceu, na freguesia do Funchal<br>
(São Pedro), concelho do Funchal, B, que foi registado em 31 de Março de 1989, na Conservatória do Registo Civil do Funchal, apenas como filho de C.<br>
O Réu e a mãe desse menor conheceram-se em Março de 1988.<br>
Entre o Réu e ela não existiam relações de parentesco ou afinidade em linha recta, nem parentesco no segundo grau da linha colateral.<br>
Foi proferido despacho final de viabilidade no competente processo de averiguação oficiosa.<br>
Em 17 de Junho de 1988, o Réu manteve com a mãe da menor relações sexuais de cópula completa.<br>
E foi em consequência destas relações sexuais que esta engravidou e deu à luz o menor.<br>
Durante os primeiros 120 dias dos trezentos que precederam o nascimento deste, a sua mãe apenas com o Réu manteve relações sexuais.<br>
O Réu conheceu a mãe do menor numa discoteca do Funchal.<br>
Só em Fevereiro de 1989, o Réu foi surpreendido com um telefonema da mãe do menor, dizendo-lhe que ia ter um filho seu.<br>
Antes e depois de ser apresentada ao Réu, e a D, a C era vista frequentemente, quer em cafés, quer em discotecas, ora acompanhada, ora não.<br>
A primeira questão suscitada pelo recorrente prende-se com o valor atribuído ao depoimento da mãe da menor, o qual, segundo ela, seria, no fundo, o único suporte da fundamentação das respostas aos quesitos que versam sobre os pontos fácticos essenciais à procedência da acção, uma vez que, em tal asserção, as testemunhas ouvidas ter-se-iam limitado a relatar a versão dos factos que lhes foram contados pela mesma, ou seja, pela dita C.<br>
Mas a crítica do recorrente vai mais longe: ele põe em causa a própria admissibilidade de tal depoimento, dada a inabilidade que atingiria a respectiva depoente, face ao disposto no artigo 618 n. 1 alínea b) do Código de Processo Civil.<br>
É claro que esta censura, atinente à admissibilidade do depoimento da mãe do menor não tem o menor cabimento; é que o despacho judicial que admitiu esse depoimento transitou em julgado. Daí que não se possa pôr agora em causa a legalidade dessa admissão.<br>
De todo o modo, sempre se dirá que sendo a presente acção proposta pelo Ministério Público, nos termos dos artigos 205 da OTM e 1865 n. 5 do Código de Processo<br>
Civil, nunca a mãe da menor seria inábil, de harmonia com o citado artigo 618 n. 1 alínea b) deste último diploma legal, pois, em tal hipótese, a causa não é do menor, mas sim do Ministério Público, em seu próprio nome e agindo no interesse colectivo (cfr. Costa Pimentel, Filiação, página 153).<br>
Esta solução corresponde, aliás, à prevalentemente adoptada pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 1993, Col. dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1993, I, página 42; Acórdão da<br>
Relação de Coimbra de 28 de Março de 1982, Col. 1982, II, página 90; Acórdão da Relação do Porto de 21 de Abril de 1976, Col. 1976, I, página 153, etc.).<br>
Não resulta, por outro lado, dos autos que o Tribunal<br>
Colectivo tenha sobrevalorizado a versão factual da mãe da menor, ainda que indirectamente, como sustenta o recorrente, pois as respostas aos quesitos enfocados foram fundamentadas também nos depoimentos das testemunhas por ele arroladas, - o que é permitido, nos termos do artigo 515 do Código de Processo Civil, que consagra o princípio de aquisição processual, - cujo teor e razão de ciência não é possível conferir pelos<br>
Tribunais de recurso por não estarem reduzidos a escrito.<br>
Acresce que este Supremo Tribunal não tem poder de censura sobre as respostas aos quesitos, mesmo que porventura elas tivessem sido alicerçadas apenas com base no depoimento da mãe da menor (cfr. cit. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 1993).<br>
É que, como deflui do artigo 722 n. 2 do Código de Processo Civil, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista. Só não será assim, de harmonia com o mesmo dispositivo, se houver "ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".<br>
Mas esta ressalva não ocorre no caso sub júdice.<br>
Podemos sintetizar a directiva exposta, do seguinte modo: a censura exercida pelo Supremo, em consonância com o citado artigo 722 do Código de Processo Civil, confina-se "à legalidade do apuramento dos factos - e não respeita directamente à existência ou inexistência destes" (Rodrigues Bastos, Notas, III, página 352).<br>
Na fundamentação às respostas aos quesitos enfocados já também citada o Relatório do exame ao sangue realizado como diligência instrutória no âmbito do processo tutelar cível de averiguação oficiosa de paternidade, junto com a petição inicial apresentada pelo Ministério Público.<br>
Não temos dúvidas em arrevesar que tal Relatório pode ser considerado na acção de investigação oficiosa de paternidade, pois a lei (artigo 1811 do Código Civil aplicável ex vi do artigo 1868 do mesmo Código), só não consente a utilização das declarações prestadas no precedente processo tutelar cível, a que se aludem, por virtude de nesta espécie processual não haver respeito pelo sagrado princípio do contraditório (cfr. Costa<br>
Pimenta, obra citada, página 149).<br>
Há, portanto, possibilidade legal de se valorar esse Relatório na subsequente acção cível, mas não no âmbito da prova pericial, e sim num contexto da mera prova documental, a avaliar livremente pelo Tribunal, como simples documento particular que é (cfr. a este respeito, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1976, Boletim 261, página 179).<br>
E, por isso, não se verifica qualquer prejuízo do princípio do contraditório, pois o Réu poderá sempre impugnar o documento junto, como prova pre-constituída, nos termos da 2. parte do n. 2 do artigo 517 do Código de Processo Civil, embora, no caso sub júdice o não tenha feito, ao contrário do que afirma sem o menor fundamento.<br>
Não ocorre, portanto, neste caso, violação ao preceituado na 1. parte do n. 2 do artigo 517 do Código de Processo Civil, contrariamente ao defendido pelo recorrente, já que não estamos, aqui, como vimos, no domínio das provas constituendas, mas sim perante uma prova pre-constituída e, como tal, passível de impugnação neste processo.<br>
O Réu queixa-se, também, do Tribunal a quo não ter valorizado devidamente, ao fixar a factualidade apurada, o documento de folha 89 e 90 (TOP TOURS), o que teria postulado a resposta negativa dada ao quesito<br>
12.<br>
A verdade, porém, é que, como já se assinalou, ao Supremo não coube analisar o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.<br>
De todo o modo, o recorrente não poderá esquecer que tal documento nunca poderia ser valorado, por si só, mas no contexto das demais provas produzidas, ou seja, em confronto com todos os outros elementos probatórios carreados.<br>
E esta operação, como é óbvio, pode determinar, mormente quando não há obstáculos legais à sua livre apreciação pelo Tribunal, a rejeição de certo elemento, perante a prevalência de outros, mais convincentes.<br>
O que também se não afigura viável é pretender-se ultrapassar o malogro, resultante da resposta negativa dada ao quesito 12, - nem se propor, sequer, a anulação dessa resposta, nem se ver razão para isso, no<br>
âmbito do artigo 712 do Código de Processo Civil - com a formulação de outros quesitos. De resto, nem houve a preocupação, mínima, de indicar a matéria sobre que incidiriam, sendo que sempre teriam de sair da factualidade alegada, (cfr. artigos 650 alínea f) e 664 do Código de Processo Civil).<br>
Acresce que a eventual formulação de novos quesitos - não se vendo bem qual a seu teor e finalidade... - não implicaria só por si a invalidade das respostas já dadas, como decorre do n. 2 do citado artigo 712; tanto mais que tais respostas não enfermam de quaisquer dos vícios previstos naquele normativo, nem, por outro lado, são susceptíveis de alteração, nos termos do n. 1 do mesmo artigo, por não ocorrer o circunstancialismo exigido para esse efeito.<br>
Mas, o que interessa sobremaneira aqui sublinhar é que este Supremo Tribunal, não tem competência para censurar o não uso, pela Relação, dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712 do Código de Processo<br>
Civil, que vimos citando, como aliás é correntemente entendido (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1993. Col. dos Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, 1993, I, página 117). E isto não foi devidamente considerado pelo recorrente.<br>
Nestes termos, nega-se a revista confirmando-se o<br>
Acórdão recorrido.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 7 de Dezembro de 1994.<br>
Machado Soares;<br>
Miguel Montenegro;<br>
Fernando Fabião.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
fTIlvIYBgYBz1XKvT6YM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Na comarca de Vila Franca de Xira,<br>
A, por si e em representação de seus filhos menores B e C, propôs a presente acção contra<br>
Companhia de Caminhos de Ferro Portugues E.P., na qual pediu que esta fosse condenada a pagar-lhes a quantia de 5 milhões de escudos, acrescida de juros legais a contar da citação, como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por eles sofridos com a morte de seu marido e pai, colhido por um comboio em 10/2/86, quando conduzia um camião e procurava atravessar uma passagem de nível ao Km<br>
23,390 da linha do Norte.<br>
A ré contestou e pediu que a acção fosse julgada improcedente logo no saneador.<br>
Houve resposta dos autores.<br>
Foi concedida aos autores a assistência judiciária que requereram, foi proferido o despacho saneador e organizados a especificação e o questionário.<br>
Seguiu o processo a tramitação legal até ao julgamento, após o que o meritissimo Juiz de 1 instância julgou a acção improcedente.<br>
Desta sentença apelaram os autores, mas a Relação negou provimento ao recurso.<br>
Deste acórdão da Relação interpuseram os autores recurso de revista e, nas suas alegações concluem assim:<br>
I- nos termos do n. 2 do artigo 342 do Código Civil, cabia à ré provar os factos imputadores da culpa à vitima mortal por serem impeditivos do direito dos lesados;<br>
II- não age com culpa o motorista de um autocarro de passageiros que, pretendendo atravessar uma passagem de nível sem guarda e existindo então nevoeiro intenso, parou, olhou para a esquerda e para a direita e, sem ver avançou vagarosamente, surgindo, então, o comboio a mais de 100 Km hora, dando-se o embate;<br>
III- é facto notório que circulam por conta e no interesse da ré os comboios que se deslocam no troço ferroviário entre<br>
Lisboa e Vila Franca de Xira e que são conduzidos por maquinistas empregados da mesma ré.<br>
IV- a circulação (situação deve ter sido lapso) ferroviária deve considerar-se actividade perigosa pela natureza e poder dos meios que usa;<br>
V- por força dos artigos 493 n. 2 e 503 do Código Civil incumbe à ré provar que, nesse acidente em passagem de nível sem guarda, houve culpa do condutor do veículo embatido pelo comboio, só assim excluindo o dever de indemnizar os respectivos prejuízos;<br>
VI- entendendo-se que não existe culpa presumida, há que repartir a responsabilidade na produção do risco de cada um dos veículos (artigo 506 do Código Civil), sendo que o risco da circulação de um comboio é, pelo menos, igual ao dobro do risco da circulação de um autocarro, e, subsistindo dúvidas, deve ser igual a medida de contribuição de cada um dos veículos (artigo 506 n. 2 do Codigo Civil);<br>
VII- a condenação por via da responsabilidade objectiva deve situar-se nos limites do artigo 508 do Código Civil.<br>
VIII- incorre na obrigação de indemnizar o concessionário de<br>
Caminhos de Ferro que omitiu a obrigação de tomar todas as medidas indispensáveis para garantir a segurança dos utentes da estrada, sendo obrigação desse concessionário fazer aplicar as normas legais cuja aplicação foi transitoriamente adiada e sendo injustificado, juridicamente, um período superior a dez anos para fazer aplicar integralmente as normas regulamentares que visam garantir a segurança nas passagens de nível, já danificadas segundo a parte vigente do dito Regulamento, pelo que deve o referido concessionário ser condenado a pagar os prejuízos decorrentes de um acidente numa passagem de nível (artigo 486 do Código Civil);<br>
IX- o Decreto-Lei 156/81, que aprova o Regulamento das Passagens de Nível deve entender-se com eficácia meramente interna, cuja aplicação se limita às relações entre concessionários dos Caminhos de Ferro e o Estado, já que, se se pretender dar-lhe eficácia externa, é inconstitucional, nomeadamente o seu artigo 29, na medida em que viola o artigo 115 n. 5 da Constituição, além de ser formalmente inconstitucional, por aprovar um regulamento independente contra o disposto no artigo 115 n. 6 da Constituição;<br>
X- o montante de 5 milhões de escudos deve considerar-se ajustado para indemnizar os autores, certo sendo que a vítima auferia mais de 50 mil escudos por mês e era pessoa saudável, trabalhadora, poupada e o único sustentáculo económico da familia;<br>
XI- foram violados os artigos 342, 483, 487, n. 2 do 493, 495, 496, 499 e s.s., 503, 505 e s.s., 562 a 572, todos do Código Civil.<br>
Nas suas contra-alegações, a ré rebateu as alegações dos autores e terminou pedindo se negue provimento ao recurso.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir<br>
Têm provados os factos seguintes:<br>
1- no dia 10/2/86, D conduzia o veículo autocarro ..., no sentido Casal de Aderse - Estaleiros de Argibay, entre as 7,45 horas e as 8.00 horas, e pretendera atravessar a passagem de nível que dá acesso aos ditos estaleiros, ao Km 23,390 da Linha do Norte;<br>
2- na mesma ocasião, pela referida Linha do Norte, no sentido Lisboa-Vila Franca, circulava o comboio n. 1013, a reboque da locomotiva n. 2565, a cerca de 100 Km hora;<br>
3- o veículo conduzido por D e o comboio embateram sendo o D colhido pela locomotiva;<br>
4- o sol estava a nascer, havia nevoeiro intenso no local do embate, a referida passagem de nível é sem guarda, sem barreiras e sem sinalização luminosa ou sonora de aproximação de circulações ferroviárias, e, para quem conduzisse no sentido do D, havia uma "Cruz Dupla de Santo Andre" e uma tabuleta com a inscrição "Atenção aos comboios - Pare, escute e olhe";<br>
5- ao chegar junto à passagem de nível, o D deteve o autocarro, tendo olhado para a direita e para a esquerda, nada tendo vislumbrado, após o que arrancou vagarosamente, e, quando estava cerca de um metro sobre a via férrea, surgiu do lado direito o comboio;<br>
6- o falecido D, que nascera em 4/6/36, faleceu, em consequência de tal embate, às 8,25 horas do dito dia<br>
10/2/86, auferia mais de 50 mil escudos mensais, era saudável e trabalhador, pessoa poupada e de poucos gastos e o único sustento económico dos autores, os quais sofreram grande desgosto com a sua morte.<br>
O Supremo Tribunal de Justiça, por via de regra apenas conhece matéria de direito (artigo 29 da Lei 39/82 e 729 n. 1 do Código de Processo Civil) e não pode alterar a decisão da 2 instância quanto à materia de facto, salvo o caso excepcional do n. 2 do artigo 722 do Código de Processo<br>
Civil (artigos 722 n. 2 e 729 n. 2 do Código de Processo<br>
Civil); e, à luz destes preceitos, a jurisprudência do<br>
Supremo vem seguindo, quanto à culpa, a orientação seguinte: o juízo de censura em que a culpa se traduz pode basear-se em inconsideração ou falta de atenção, de perícia ou de zelo bem como na violação dos deveres gerais de diligência, e nestes casos integra matéria de facto; mas também pode basear-se na interpretação e aplicação de preceitos legais violados, ou seja, na inobservância de preceitos legais ou regulamentares, e nestes casos a culpa já integra matéria de direito (ver, por todos, acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 6/10/87, B.M.J., 370, 505, e respectiva anotação).<br>
Sendo assim, e uma vez que a 2 instância considerou exclusivo culpado do acidente o condutor do veículo pesado e tanto a 2 como a 1 instância concluiram pela ausência de culpa do condutor do comboio, até porque a ré apenas foi demandada com base no risco, parece que, agora, teremos de aceitar estas conclusões quanto à culpa, dado ser matéria de facto, e, em consequência, julgo a acção improcedente, por estar excluida a responsabilidade da ré, nos termos do artigo 505 do Código Civil, pois que vem provado ter havido culpa do lesado e não ter havido culpa do condutor ou do detentor do comboio (Antunes Varela, Das Obrigações em<br>
Geral, 7 ed., vol I, 672; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5 ed., 514).<br>
Só que, dir-se-á, a culpa, neste caso, é matéria de direito por estar relacionada com a inobservância de preceitos legais ou regulamentares.<br>
Assim é, na verdade, pois que tanto a 1 como a 2 instância, no apuramento da culpa do condutor do autocarro ..., se basearam em textos legais, nomeadamente preceitos do Decreto-Lei 156/81, de 9/6, que aprovou o Regulamento de Passagens de Nível, pelo que nada impede que este Supremo<br>
Tribunal aborde o problema da existência de culpa deste condutor, por ser matéria de direito.<br>
Porém, antes, interessa deixar claro que se considera ponto assente que o condutor do comboio não teve culpa, já porque a ré só foi demandada com base no risco e não também na culpa do condutor do comboio, já porque, atento o tipo de passagem de nível (ver supra n. 4) sinalizada embora com a<br>
Cruz Dupla de Santo André e com a tabuleta com a inscrição<br>
"Atenção aos comboios - Pare, escute e olhe" e considerada, por outro lado, a prioridade absoluta de passagem nas passagens de nível de que gozam os comboios (artigo 3 do Decreto-Lei 156/81) forçoso é concluir pela ausência de culpa do condutor do comboio, como as instâncias já haviam concluido.<br>
Ainda a este respeito, cabe referir que os autores negaram que o comboio circulava por conta e no interesse da ré (ver artigo 31 da petição), facto este que não foi impugnado, pelo que se deve considerar admitido por acordo, nos termos do n. 3 do artigo 659 do Código de Processo Civil, além de que, verdade seja, também se podia considerar notório, para efeitos do disposto no n. 12 do artigo 514 do mesmo Código.<br>
Significaria isto a culpa presumida do condutor do comboio como condutor por culpa de outrém, por virtude do artigo 503 n. 3 do Código Civil, na interpretação do Assento do Supremo<br>
Tribunal de Justiça de 14/4/83, se, como acima já se disse e demonstrou, tal presunção não tivesse sido ilidida com a prova de que o condutor do comboio não teve culpa.<br>
Pelo que toca à questão de saber se houve culpa do condutor do autocarro, não fica mal lembrar que a culpa implica uma ideia de censura da conduta do agente por este ter violado ilicitamente os direitos ou interesses de outrém, quando podia e devia ter agido de outro modo (Antunes Varela, obra citada, 559; Almeida Costa, obra citada, 466), culpa esta apreciada pela diligência de um bom pai de familia, em face das circunstâncias de cada caso, como prescreve o n. 2 do artigo 487 do Código Civil.<br>
E recordemos que o condutor do veículo pesado, ao chegar à passagem de nivel já supra descrita no n. 4 e pretender atravessa-la, estando o sol a nascer e havendo nevoeiro intenso, após ter detido o veiculo e ter olhado para a direita e para a esquerda sem nada ter vislumbrado, arrancou vagarosamente e foi colhido pelo comboio quando estava cerca de um metro sobre a via férrea.<br>
Ora uma tal conduta foi deveras negligente.<br>
Com efeito, o arrancar vagarosamente estava contra-indicado e impunha-se uma travessia da passagem de nível o mais rápido possível, como inequivocamente inculca o disposto na alínea e) do n. 2 do artigo 24 do Decreto-Lei 156/81 (este texto proibe que as travessias demorem mais que x segundos) e como aconselhava a falta de visibilidade devida ao intenso nevoeiro e a notoria frequência das circulações ferroviárias a altas velocidades, tanto mais que os comboios tinham prioridade absoluta, segundo o artigo 3 do mesmo Decreto-Lei.<br>
Por outro lado, o facto de o veículo pesado ter sido colhido pelo comboio quando aquele veículo pesado, mais concretamente a frente daquele, como facilmente se depreende, apenas estava cerca de um metro sobre a via férrea bem demonstra que o condutor deste veículo agiu descuidadamente e não tomou as precauções necessárias para se certificar de que podia atravessar a passagem de nível sem perigo, como impõe o n. 1 do artigo 24 do Decreto-Lei<br>
156/81.<br>
Parece-nos, pois, indiscutível a culpa efectiva do condutor do veículo pesado, pelo que fica excluida a responsabilidade da ré, ao abrigo do disposto no citado artigo 505 do Código<br>
Civil. De resto, para tanto, nem preciso era provar o facto culposo do lesado, pois bastava que o acidente lhe fosse devido, mesmo sem culpa dele (Antunes Varela, obra citada,<br>
673; Almeida Costa, obra citada, 514) - assim se julga ter respondido às conclusões supra incluidas nos numeros I e II.<br>
Todavia, os recorrentes põem o problema da constitucionalidade e da vigência do Decreto-Lei 156/81 ou pelo menos de alguns dos seus preceitos, designadamente do artigo 29.<br>
Há alguma dificuldade em acompanhar o raciocínio dos recorrentes neste campo, mas pensamos que eles dizem o seguinte (supra conclusão IX): o Decreto-Lei 156/81 é apenas um Regulamento com eficácia meramente interna, as relações entre os Caminhos de Ferro e o Estado, pois que, se se pretende dar-lhe eficácia externa, haverá inconstitucionalidade pelo menos do artigo 29, na medida em que se viola o n. 5 do artigo 115 da Constituição da República Portuguesa, ao permitir-se a revogação ou interpretação de leis por regulamentos, e também o n. 6 do mesmo artigo 115, pois todo o Decreto-Lei é formalmente inconstitucional por aprovar um regulamento independente, não destinado a regulamentar uma lei prévia e actuando o governo no exercicio da função administrativa.<br>
Que dizer disto?<br>
Questão idêntica a esta já surgiu quanto aos artigos 75 a 77 do Regulamento para a Exploração e Pericia dos Caminhos de<br>
Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei 39780, de 21/8/54, os quais isentando os Caminhos de Ferro de responsabilidade em certos casos e condições, ofendiam os principios da responsabilidade por acidentes de viação e dos principios gerais da responsabilidade civil. Acabou por se entender, ao menos maioritariamente, que os referidos artigos haviam sido revogados, primeiro pelo artigo 56 do Código da Estrada e, posteriormente pelo artigo 503 do Código Civil (Vaz Serra,<br>
R.L.J. 99, 332 e seguintes; Assentos do Supremo Tribunal de<br>
Justiça de 5/2/71 e 19/6/79, B.M.J. 204, 138 e 288, 378, respectivamente).<br>
Só que o Decreto-Lei 156/81 referido, que aprovou o Regulamento das Passagens de Nivel, veio estabelecer um regime idêntico, no seu artigo 29, ao limitar a obrigação de indemnizar dos Caminhos de Ferro a certos casos e condições, assim estabelecendo um regime mais favorável aos Caminhos de<br>
Ferro do que aquele que resultaria dos correspondentes textos do Código Civil referentes a responsabilidade por acidentes de viação.<br>
Parece que houve o propósito manifesto de favorecer os<br>
Caminhos de Ferro enquanto se mantiveram as passagens de nível, sobretudo aquelas sem guarda, sem barreiras e sem sinalização luminosa ou sonora da aproximação de circulações ferroviárias, se bem que a custa de regras atenuantes dos princípios gerais da responsabilidade civil e dos principios da responsabilidade por acidentes de viação (Vaz Serra,<br>
R.L.J. 95, 64, quanto aos textos idênticos do Decreto-Lei<br>
39780).<br>
Pois bem, no caso sub-judice, não se vê necessidade de tomar posição nesta delicada questão, porquanto para a correcta e justa decisão do pleito se não torna necessário o recurso ao falado artigo 29 e daí ser irrelevante a sua constitucionalidade ou vigência.<br>
Mas já importa tomar posição em relação ao Decreto-Lei<br>
156/81, dado que nos temos apoiado nos seus artigos 3 e 24.<br>
Ora não se vê que diploma algum possa ter revogado o Decreto-Lei 156/81.<br>
E também nos parece que ele não viola o artigo 115 n. 5 ou n. 6 da Constituição.<br>
Em primeiro lugar, tal diploma é anterior à entrada em vigor da Lei Constitucional 1/82, de 30/9, que introduziu os ns. 5 e 6, além de outros, do artigo 115, pelo que é indubitavelmente constitucional e continua a ser, já que a inconstitucionalidade eventual dos termos dos referidos ns.<br>
5 e 6 do artigo 115 se aplicará às futuras produções legislativas do governo (Acórdão do Tribunal Constitucional,<br>
B.M.J. 363, 174; 369, 290).<br>
Mas há mais, a saber:<br>
- não é exacto que o governo tenha actuado no exercício da sua competência administrativa, para uso interno, pois que, como do preâmbulo consta, actuou "nos termos da alínea a) do n. 1 do artigo 201 da Constituição, ou seja no exercicio da sua competência legislativa;<br>
- o Decreto-Lei 156/81 não é um simples regulamento independente, é um verdadeiro decreto-lei (o Decreto-Lei<br>
156/81) aprovado em Conselho de Ministros e os decretos-leis têm igual valor ao das leis (artigo 115 n. 2 da Constituição).<br>
- se a matéria em causa devia ter sido objecto de decreto regulamentar e veio a ser vasada em decreto-lei, nenhum vicio haveria, dada a maior solenidade da forma usada.<br>
Os recorrentes afirmam também que a circulação ferroviária é uma actividade perigosa, pelo que é de aplicar o disposto no n. 2 do artigo 493 do Código Civil (supra conclusão IV e V); mas não têm razão, porquanto, segundo o Assento do Supremo<br>
Tribunal de Justiça de 21/11/79, o disposto no artigo 493 n.<br>
2 do Código Civil não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre e os acidentes em passagens de nível, como é pacífico e resulta até da parte final do n. 3 do artigo 508 do Código Civil, estão sujeitos ao regime dos acidentes de viação.<br>
Pretendem ainda os recorrentes a condenação da ré, nos termos do artigo 486 do Código Civil, por omissão das medidas indispensáveis para garantir a segurança dos utentes da estrada nas passagens de nivel.<br>
Nos termos deste artigo 486, só há responsabilidade civil por omissão quando, além de outros requisitos, exista o dever jurídico de praticar o acto omitido imposto por lei ou negócio jurídico, e quando haja nexo de causalidade, nos termos do artigo 563 do Código Civil, ou seja, quando o acto omitido tivesse, segura ou muito provavelmente, obstado a produção do dano (Almeida Costa, obra citada, 448; Antunes<br>
Varela, obra citada, 518).<br>
No caso sub-judice, não há qualquer negócio jurídico a impor o dever jurídico de actuação aos Caminhos de Ferro, e a lei também não o impõe, porquanto, como resulta do artigo 2 do Decreto-Lei 156/81, a aplicação de alguns textos atinentes à nova regulamentação das passagens de nível, não entrados logo em vigor, ficou nas mãos dos Caminhos de Ferro sem prazo limite, isto é, a decisão de aplicar a nova regulamentação cabe aos Caminhos de Ferro e estes toma-la-ão progressivamente, à medida que sejam criadas as condições necessárias, como se afirma no preâmbulo do diploma em causa. É, pois, certo e seguro que os Caminhos de Ferro não ficaram obrigados a, em certo prazo marcado, modernizar as passagens de nível, reclassificando-as quanto à tipologia, visibilidade, sinalização geral e equipamento, pelo que se não pode falar em dever jurídico de proceder à dita modernização antes do dia do acidente.<br>
Por outro lado, também se nos afigura faltar o nexo de causalidade, porque se não pode concluir que o acto omitido pelos Caminhos de Ferro, ou seja, a modernização ou melhoramento das passagens de nível, tivesse, segura ou muito provavelmente, obstado ao acidente.<br>
De resto, uma vez que a passagem de nível estava sinalizada com a Cruz de Santo André e a falada tabuleta com a inscrição respectiva, sempre se poderá dizer que não há obrigação de reparar os danos porque o acto omitido foi substituido por tais sinais que se devem considerar idóneos para prevenir o acidente, tal como fêz o Acórdão do Supremo<br>
Tribunal de Justiça de 2/6/77 (B.M.J. 268, 208).<br>
Ficam prejudicadas as conclusões supra referenciadas nos números VI, VII e X.<br>
Por tudo o exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.<br>
Custas pelos recorrentes, devendo, porém, atender-se a que gozam de assistência judiciária.<br>
Lisboa, 4 de Fevereiro de 1992<br>
Fernando Fabião,<br>
Cesar Marques,<br>
Ramiro Vidigal.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I- Sentença de 87-07-01 do 2 Juizo, 2 Secção do Tribunal de<br>
Vila Franca de Xira.<br>
II- Acordão de 91-02-14 da Relação de Lisboa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
fTKPu4YBgYBz1XKv1hsG | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font>I.</font>
</p><p><font>AA, casada com BB</font><b><font>, </font></b><font>intentou contra CC</font><b><font> </font></b><font>e mulher,</font><b><font> </font></b><font>DD, EE, solteiro, FF e mulher, GG, todos identificados no processo, esta acção declarativa de condenação com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo:</font>
</p><p><font>a declaração de nulidade e invalidade da escritura pública de justificação notarial, celebrada em 30-12-2008, exarada de fls. 38 a 39 v, do Livro n.° … do Cartório Notarial Privado do Dr. HH, e, consequentemente, nulo o respectivo registo predial efectuado, com o seu respectivo cancelamento;</font>
</p><p><font>a declaração de nulidade das compras e vendas tituladas em actos contínuos no mesmo Cartório, pelas escrituras exaradas de fls. 40 a 41 e 42 a 43 do Livro n.º ..., com todos os efeitos legais, e consequentemente nulo o respectivo registo, com o consequente cancelamento do registo predial do prédio misto, localizado ao sítio do ..., freguesia de ..., concelho do ..., com a área de 320 m2, dos quais 35 m2 são de superfície coberta, inscrito na matriz predial respectiva a parte rústica sob o artigo 7.°, da secção “AD” e a parte urbana sob o artigo 39.°, e actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º …, da freguesia de ..., e registado a favor dos réus FF e mulher GG, pela Apresentação 3329 de 10-02-2009, com todas as demais consequências legais;</font>
</p><p><font>a declaração de que a autora é dona e legítima possuidora do prédio misto, com a área de 320 m2, dos quais 45 m2 são de superfície coberta, localizado ao Caminho do ..., n.º … de polícia, no sítio do ..., freguesia de ..., concelho do ..., inscrito na matriz predial respectiva, a parte rústica sob o artigo 77.° da Secção “AD” e a parte urbana sob o artigo ….°, como tal não descrito na Conservatória do Registo Predial do ...;</font>
</p><p><font>a condenação dos réus a reconhecerem a favor da autora o direito de propriedade desta sobre o prédio acima referido, com todas as consequências legais.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese: é proprietária do prédio identificado supra, por o ter adquirido por usucapião, após aquele lhe ter sido doado verbalmente pela anterior proprietária; os primeiros réus, faltando à verdade, outorgaram escritura de justificação notarial, onde se declararam proprietários do referido prédio; nessa mesma data, aqueles primeiros réus venderam o prédio ao réu EE, cunhado e irmão dos 1.° e 2.° réus, respectivamente; por sua vez, o réu EE vendeu o prédio ao réu FF; os réus FF e mulher conheciam os restantes réus, de quem são amigos, e sabiam que estes não eram proprietários do prédio.</font>
</p><p><font>Feitas as legais citações - sendo as dos réus CC e DD por éditos –, contestou apenas o réu FF, alegando que desconhecia os factos alegados pela autora quanto à sua propriedade; adquiriu o prédio com base nos documentos que lhe foram exibidos e por escritura de 23-07-2009, vendeu o prédio a II e JJ, requerendo a intervenção destes adquirentes como associados do réu. </font>
</p><p><font>Nessa sequência, foi requerida a intervenção processual destes últimos e a ampliação, quanto a estes, dos pedidos constantes da petição inicial, por forma a abranger a nulidade da compra e venda titulada pela referida escritura celebrada a 23-07-2009, exarada a fls. 28 a 31 do Livro …, do Cartório Notarial de KK.</font>
</p><p><font>Deferida essa intervenção e citados os intervenientes vieram os mesmos contestar, aduzindo, em síntese: a ineptidão da petição inicial, pelo facto de a autora não ter alegado factos referentes à partilha dos bens por morte da anterior proprietária do prédio; a nulidade da doação invocada pela autora, por ter sido feita verbalmente; o desconhecimento dos factos alegados pela autora quanto à posse do prédio; e a aquisição do prédio dos autos de boa-fé, com base na documentação que lhes foi exibida e com recurso a crédito bancário.</font>
</p><p><font>A autora replicou, respondendo às excepções invocadas por II e JJ, pugnando pela sua improcedência.</font>
</p><p><font>Após convite do tribunal, a autora requereu, ainda, a intervenção na lide do LL ..., S.A., por ser titular de hipoteca registada sobre o prédio dos autos, pedindo a ampliação quanto a este interveniente dos pedidos de nulidade de hipoteca voluntária, constituída a seu favor pela apresentação 2057, de 27-07-2009, sobre o prédio objecto da presente acção, descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.° …, da freguesia de ....</font>
</p><p><font>Citado, o LL, S.A. contestou alegando que desconhece os factos alegados pela autora; financiou a aquisição do prédio pelos réus II e JJ, que, para tanto, constituíram hipoteca sobre o prédio adquirido, registada a 27-07-2009 e a presente acção apenas foi registada no dia 10-05-2012, pelo que, estando de boa-fé, não lhe é oponível a eventual nulidade de contratos anteriores, nos termos do art. 291.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>Efectuada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial, tendo-se seleccionado a matéria de facto assente e controvertida; prosseguiu o processo para julgamento, no qual foi ampliada aquela mesma matéria de facto e no seu têrmo, após ter sido respondida a matéria de facto controvertida, seguiu-se a prolação de sentença, com a seguinte decisão:</font>
</p><p><i><font>Pelo exposto, decido julgar a acção parcialmente procedente e, em conformidade:</font></i>
</p><p><i><font>declaro nula e ineficaz a escritura pública de justificação notarial, celebrada a 30 de Dezembro de 2008, pelos Réus CC e mulher, DD, exarada de fls. 38 a 39 v, do Livro n.º ... do Cartório Notarial Privado do Dr. HH, referida na al. A) dos factos provados.</font></i>
</p><p><i><font>declaro nula a compra e venda, titulada pela escritura pública de compra e venda celebrada a 30 de Dezembro de 2008, entre os Réus CC e mulher, DD, como vendedores, e o Réu EE, como comprador, exarada de fls. 40 e 41 v, do Livro de notas n.° ... do Cartório Notarial Privado do Dr. HH, referida na al. E) dos factos provados.</font></i>
</p><p><i><font>declaro nula a compra e venda, titulada pela escritura pública de compra e venda celebrada a 30 de Dezembro de 2008, entre o Réu EE, como vendedor, e o Réu FF, como comprador, exarada de fls. 41 e 42, do Livro de notas n.° ... do Cartório Notarial Privado do Dr. HH, referida na al. F) dos factos provados.</font></i>
</p><p><i><font>ordeno o cancelamento do registo de propriedade inscrito a favor do Réu FF e mulher, GG, efectuado na Conservatória do Registo ... relativamente ao prédio aí descrito sob o n.° … da freguesia de ....</font></i>
</p><p><i><font>declaro nula a compra e venda e a hipoteca, tituladas pela escritura pública de compra e venda e de mútuo com hipoteca e fiança, celebrada a 23 de Julho de 2009, entre os Réus FF e mulher, GG, como vendedores, e os Réus II e JJ, como compradores, e entre estes como mutuários, e o LL, Banco LL ..., S.A. como mutuante, e MM e NN, como fiadores, exarada de fls. 28 a …, do Livro de notas para escrituras diversas n.° … do Cartório Notarial Privado da Dra. KK, referida na al. I) dos factos provados.</font></i>
</p><p><i><font>ordeno o cancelamento do registo de propriedade inscrito a favor dos Réus II e JJ efectuado na Conservatória do Registo ... relativamente ao prédio aí descrito sob o n.° … da freguesia de ....</font></i>
</p><p><i><font>ordeno o cancelamento do registo da hipoteca inscrito a favor do Réu LL, Banco LL..., S.A. efectuado na Conservatória do Registo ... relativamente ao prédio aí descrito sob o n.º … da freguesia de ....</font></i>
</p><p><i><font>absolvo os Réus dos demais pedidos contra si formulados pela Autora.</font></i>
</p><p><i><font>Custas a cargo da Autora e dos Réus, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 2/8 para a primeira e 6/8 para os segundos, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido à Autora.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformados, os intervenientes II e JJ apelaram e a Relação de Lisboa, por Acórdão do pretérito dia 08-05-2014 decidiu “…</font><i><font>julgar procedente a apelação revogando a decisão recorrida e em julgar inteiramente improcedente a acção, absolvendo os réus dos pedidos formulados.</font></i><font>” </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Agora insatisfeita, a autora AA veio interpor recurso de revista daquele acórdão, para o STJ, concluindo, assim, a minuta de recurso:</font>
</p><p><i><font>“1) Os presentes autos tratam de uma ação de impugnação de escritura de justificação notarial; </font></i>
</p><p><i><font>2) Este tipo de ação declarativa é uma ação de simples apreciação negativa - art. 10°, n.º 2 e n.º 3, alínea a) do novo CPC (antes art. 4.°, n.º 2, alínea a) do CPC); </font></i>
</p><p><i><font>3) Nas ações de simples apreciação negativa, compete aos réus justificantes a prova dos factos constitutivos do direito que se arrogam – art. 343.°, n.º 1 do C.C.; </font></i>
</p><p><i><font>4) No caso sub judice, está em questão apenas o pedido da autora relativo à impugnação da escritura de justificação, único sobre o qual o douto Acórdão da Relação de Lisboa se pronunciou e do qual foi interposto o presente recurso, sobre o qual se deve exclusivamente atentar; </font></i>
</p><p><i><font>5) Os Réus CC e mulher DD, por escritura de justificação notarial celebrada a 30 de dezembro de 2008, exarada de fls. 38 a 39 v. do L. ... do Cartório Notarial Provado do Dr. HH, declararam serem os donos e legítimos possuidores do prédio misto em questão nos presentes autos, o qual veio à sua posse por compra verbal feita no ano de mil novecentos e setenta e sete, a OO e mulher PP, e a QQ; </font></i>
</p><p><i><font>6) Mais declararam os mesmos réus que “entraram na posse e fruição do aludido imóvel, posse que mantiveram sem interrupção até hoje, habitando a casa, usufruindo de todas as suas utilidades, cultivando e colhendo os frutos da parte rústica e suportando os respectivos impostos e encargos...”; </font></i>
</p><p><i><font>7) Cabia aos Réus CC e DD, e só a estes, virem aos autos provarem aquelas suas declarações, nos termos do imposto pelo artigo 343.°, n.° 1 do C.C., onde está claramente estabelecida a inversão do ónus da prova; </font></i>
</p><p><i><font>8) Os Réus justificantes CC e DD foram citados; </font></i>
</p><p><i><font>9) Os Réus justificantes CC e DD, não apresentaram qualquer tipo de Contestação nos presentes autos; </font></i>
</p><p><i><font>10) Só aos Réus justificantes, no caso concreto, os RR. CC e DD, competia fazer prova daquelas suas declarações proferidas na escritura pública de justificação notarial; </font></i>
</p><p><i><font>11) Simplesmente pelo facto dos RR. justificantes CC e DD não terem apresentado Contestação importa, automaticamente, a procedência do pedido de impugnação da escritura de justificação notarial, declarando-se impugnado o facto justificativo e ineficaz tal escritura, declarando-se que não produz quaisquer efeitos, com todas as demais consequências legais; </font></i>
</p><p><i><font>12) Sem prejuízo do acima alegado e sem prescindir, também os outros réus não conseguiram fazer qualquer prova sobre a veracidade das declarações dos RR. CC e DD proferidas na escritura de justificação notarial; </font></i>
</p><p><i><font>13) Antes pelo contrário. Resulta dos autos prova suficiente da falsidade daquelas declarações. </font></i>
</p><p><i><font>Vejamos: Da alínea P) dos factos provados, consta que sobre a parte rústica do prédio justificado existe um prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ….°, com a composição aí descrita, que é totalmente diverso do declarado na escritura de justificação que é um outro inscrito sob o artigo 39.° e com uma composição diversa; </font></i>
</p><p><i><font>Da alínea Q) dos factos assentes resulta que a autora, antes e depois da morte da RR, ocorrida em 23-04-1992, cultivou parte do prédio justificado pelos RR. CC e DD, recolhendo os seus frutos à frente e com conhecimento de toda a gente. </font></i>
</p><p><i><font>Aditada oficiosamente as declarações dos RR. CC e DD à Base Instrutória, foram julgadas não provadas. </font></i>
</p><p><i><font>Resulta ainda do documento autêntico junto à p.i. sob o n.º 12 que a casa era habitada pela RR à data da sua morte em 23 de abril de 1992; </font></i>
</p><p><i><font>14) Os factos constantes do número anterior estão em perfeita e completa contradição com as declarações dos RR. CC e DD proferidas na escritura de justificação notarial; </font></i>
</p><p><i><font>15) Andou mal o Acórdão recorrido ao dizer “… não se vê que tenha sido julgada provada a falsidade dos fundamentos da justificação notarial.”: </font></i>
</p><p><i><font>16) Conforme já acima alegado, não era à autora que competia provar a falsidade das declarações ou fundamentos da justificação notarial; </font></i>
</p><p><i><font>17) É precisamente o contrário. Era aos RR. CC e DD, os justificantes, e a estes e só a estes, que competia fazer a prova nos presentes autos da veracidade das suas declarações proferidas na escritura de justificação notarial; </font></i>
</p><p><i><font>18) É absoluta a falta de prova nos presentes autos dos RR. CC e DD sobre a veracidade das suas declarações na escritura de justificação, pelo que não podem adquirir por usucapião; </font></i>
</p><p><i><font>19) Está assente na nossa jurisprudência judicial, que os réus não podem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.° do CRP – por todos o Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 04-12-2007, Proc. 07A2464, in </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font> – pois o registo que usufruíam a seu favor foi com base na escritura de justificação ora impugnada; </font></i>
</p><p><i><font>20) Claramente andou mal o Acórdão ora recorrido ao julgar que “.... segundo se julga, não ficou provado qualquer facto incompatível com qualquer dos fundamentos alegados na escritura de justificação e que, por isso, permitisse afirmar essa falsidade.”; </font></i>
</p><p><i><font>21) Apesar de desnecessário para a procedência da impugnação, os factos acima alegados no ponto 13 e provados nos presentes autos, estão em clara contradição com as declarações dos RR. CC e DD na escritura de justificação; </font></i>
</p><p><i><font>22) O Acórdão recorrido foge para a razão da A. quando afirma que “Parecendo ... que a posse do prédio tinha sido transmitida, no ano de 1977 ou antes, para a referida RR ... “, pois foi isso que a A. alegou e que está em clara contradição ou é incompatível com as declarações dos RR. CC e DD na escritura de justificação, em que declararam que tinham comprado verbalmente o imóvel no ano de 1977 a OO e mulher PP, e a QQ; </font></i>
</p><p><i><font>23) O Acórdão recorrido continua no mesmo erro ou equívoco ao julgar que ”.... julga-se que a matéria de facto assente não permite conduzir que as declarações que integram a escritura de justificação sejam falsas, não estando, assim verificado o fundamento pelo qual foi declarada a nulidade dessa justificação .... a decisão está limitada pela matéria de facto fixada, e esta não permite afirmar que a justificação notarial assentou em declarações falsas.”, acabando por julgar com estes fundamentos errados a apelação procedente, revogando a decisão da 1ª Instância e julgando inteiramente improcedente a ação, absolvendo os réus dos pedidos formulados; </font></i>
</p><p><i><font>24) Toda a fundamentação do Acórdão ora recorrido encontra-se invertida, errada, partindo do princípio errado de que era à Autora que competia fazer a prova da falsidade das declarações dos réus CC e DD proferidas na escritura de justificação, constitutiva do direito destes; </font></i>
</p><p><i><font>25) Esta interpretação está errada e viola o estabelecido nos artigos 10.°, n.º 2 e n.º 3, alínea a) do CPC (antes art. 4.°, n.º 2, alínea a)), 343.°, n.º 1 do Código Cível e o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 04-12-2007, Proc. 07A2464, in </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>. que estabelece o seguinte: </font></i>
</p><p><i><font>“ - Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos arts. 116.º, n.° 1 do Código do Registo Predial e 89.° e 101.° do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial.”; </font></i>
</p><p><i><font>26) O Acórdão ora recorrido, por falência absoluta de prova quanto aos corpus da posse e ao animus dos réus CC e DD sobre o imóvel justificado - competia a estes réus o ónus da prova de todos os caracteres da posse, designadamente se foi de boa ou má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta, titulada ou não e invocação e prova do respectivo prazo prescritivo - violou, nomeadamente, o artigo 10.°, n.º 2 e n.º 3, alínea a) do CPC (antes art. 4°, n.º 2, alínea a)) e artigos 343.°, n.º 1, 1258.°, 1259.°, 1260.°, 1261.°, 1262.°, 1287.° e 1296.° do C.C., não podendo aqueles réus terem adquirido, por usucapião, o imóvel em apreço, identificado na escritura de justificação; </font></i>
</p><p><i><font>27) Tudo bastante e mais que suficiente para conduzir à procedência do pedido da A. ora em questão, constante da alínea a) da sua p.i., devendo ser declarada a escritura de justificação ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos, por os RR. CC e DD não terem adquirido o imóvel por usucapião; </font></i>
</p><p><i><font>28) Em face do exposto e mais dos autos, deve ser concedida a revista e revogar-se o Acórdão recorrido, mantendo-se a sentença da primeira instância”. </font></i>
</p><p><font>Foram apresentadas contra-alegações pelos intervenientes II e JJ, e pelo LL, S.A., pugnando pela improcedência da revista.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II.</font>
</p><p><font>A. Das Instâncias vem considerada provada a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font>1. Por escritura de justificação notarial celebrada em 30-12-2008, exarada de fls. 38 a 39 v. do livro ... do Cartório Notarial Privado do Dr. HH, os réus CC e mulher DD, na qualidade de justificantes, declararam que “são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de um prédio misto (rústico, terreno agrícola e urbano habitacional), com a área global de trezentos e vinte metros quadrados, tendo a parte urbana trinta e cinco metros quadrados de superfície coberta, sito ao Caminho Novo do ..., 33, ..., freguesia de ..., concelho do ..., inscrito na matriz predial, em nome do justificante, a parte rústica sob o artigo cadastral 77.º da Secção “AD” (antes, artigo 361), com o valor patrimonial e atribuído de oito euros e sessenta cêntimos (€ 8,60) e a parte urbana sob o artigo 39, com o valor patrimonial e atribuído de quatrocentos e dois euros e cinquenta e dois cêntimos (€ 402,52), não descrito na Conservatória do Registo Predial do ... – al. A) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>2. Mais declararam os réus justificantes que “nos termos do n.º 4 do artigo 112.º do Código do Registo Predial, que não obstante o prédio identificado e objecto desta escritura, oferecer semelhanças com o descrito naquela mesma Conservatória, sob o número cento e vinte e nove, a folhas duzentos e sessenta e um verso do Livro B Primeiro da Extinta Conservatória do Concelho do ..., não existe qualquer relação entre os mesmos” – al. B) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>3. Declararam ainda os mesmos réus “que o identificado prédio, veio à posse dos justificantes, no estado de casados, por compra verbal feita no ano de mil novecentos e sessenta e sete, a OO e mulher PP, residentes que foram ao sítio dos ..., ..., ..., e a QQ, viúva, residente que foi à Rua ..., ..., ..., todos já falecidos.</font>
</p><p><font>Assim, naquele ano, os justificantes entraram na posse e fruição do aludido imóvel, posse que mantiveram sem interrupção até hoje, habitando a casa, usufruindo de todas as suas utilidades, cultivando e colhendo os frutos da parte rústica e suportando os respectivos impostos e encargos, tendo adquirido e mantido a sua posse sem oposição de quem quer que fosse e com conhecimento de toda a gente, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, sendo por isso uma posse pública, pacífica, contínua e de boa-fé, que dura há mais de vinte anos, pelo que o adquiriram por usucapião, não tendo, dado o modo de aquisição, documento que titule o seu direito de propriedade” – al. C) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>4. Com origem na identificada escritura de justificação, abriu-se uma nova descrição na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º … da freguesia de ... – al. D) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>5. Ainda, no mesmo dia, no mesmo Cartório Notarial e em acto contínuo, por escritura pública exarada de fls. 40 a 41 do mesmo Livro ..., os justificantes CC e mulher DD, venderam a seu cunhado e irmão, o réu EE, o prédio justificado – al. E) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>6. Ainda, em outro acto contínuo, no mesmo dia e no mesmo Cartório Notarial, por escritura pública exarada de fls. 42 a 43 do mesmo Livro ..., o identificado réu EE vendeu ao réu FF, o prédio em apreço – al. F) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>7. A aquisição da propriedade do prédio referido em A) a favor dos réus FF e mulher foi registada a 10-02-2009 – cf. certidão do registo predial a fls. 473 a 477 dos autos.</font>
</p><p><font>8. A RR faleceu no dia 23-04-1992 – cf. certidão de óbito a fls. 51 dos autos – al. G) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>9. Por escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 23-07-2009, no Cartório Notarial da Dra. A. KK, exarada a fls. 28 a fls. 31 do livro de notas para escrituras diversas, número …, os réus II e JJ adquiriram a FF e mulher GG, o prédio misto, sito ao Caminho do ... n.º …, inscrito a parte rústica na matriz cadastral sob o art. 77 da secção AD e a parte urbana sob o art. 39 e descrito na conservatória do Registo Predial do ... sob o nº … – al. H) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>10. Para poderem adquirir o supra aludido imóvel, os réus II e JJ contraíram um empréstimo bancário junto da instituição bancária LL, Banco LL ..., S.A., no montante de € 75 000 (setenta e cinco mil euros), valor que foi utilizado para proceder ao pagamento acordado pela compra e venda – al. I) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>11. Para garantia do empréstimo, foram seus fiadores MM e NN – al. J) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>12. A aquisição da propriedade do prédio referido em A) a favor dos réus II e JJ foi registada a 27-07-2009 – cf. certidão do registo predial a fls. 473 a 477 dos autos.</font>
</p><p><font>13. A hipoteca para garantia do empréstimo referido em I) foi registada a 27-07-2009 – cf. certidão do registo predial a fls. 473 a 477 dos autos.</font>
</p><p><font>14. Após a realização da escritura de compra e venda, os intervenientes procederam ao registo da sua aquisição – al. L) dos factos assentes.</font>
</p><p><font>15. Sobre a referida parcela de terreno rústica do prédio referido em A) existe um prédio urbano, coberto parte por telha e parte por folhas plásticas, de um só pavimento, composto por 4 divisões, 2 casas de banho, </font><i><font>hall</font></i><font> e 1 arrecadação, com a superfície coberta de 45 m2 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ….º – resposta ao artigo 1.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>16. A autora, antes e depois da morte da RR, cultivou parte do referido prédio, recolhendo os seus frutos à frente e com conhecimento de toda a gente – resposta aos artigos 7.º a 9.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>17. A SS foi procuradora dos réus CC e DD na compra e venda referida em E) – resposta ao artigo 10.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>18. Em 2009, II e JJ decidiram adquirir um imóvel – resposta ao artigo 15.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>19. Para tanto, deslocaram-se a várias agências imobiliárias e, sondaram no “terreno” alguns imóveis que estivessem para venda – resposta ao artigo 16.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>20. Já depois de terem visto vários imóveis e em meados de 2009, o réu II estava num café no ... e, em conversa com algumas pessoas naquele café, foi-lhe dito que o imóvel sito ao do ..., n.º 33 estava à venda e que o proprietário era o Sr. FF – resposta ao artigo 17.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>21. Uma das pessoas que estava no café conhecia pessoalmente o Sr. FF e forneceu o seu contacto ao II – resposta ao artigo 18.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>22. Na posse do contacto do Sr. FF, o II contactou-o com o intuito de adquirir o imóvel – resposta ao artigo 19.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>23. Os réus II e JJ deslocaram-se ao imóvel com o Sr. FF, negociaram o preço e decidiram adquirir o imóvel – resposta ao artigo 20.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>24. Os réus II e JJ adquiriram o supra aludido imóvel com o intuito de ali construírem a sua casa de morada de família – resposta ao artigo 21.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>25. Aquisição essa que foi feita já com um projecto aprovado na Câmara Municipal do ... para a sua reconstrução – resposta ao artigo 22.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>26. Após adquirirem o imóvel, os réus II e JJ alteraram o titular do projecto de licenciamento junto do Município do ... e pediram uma prorrogação de prazo, para a conclusão das obras – resposta ao artigo 23.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>27. Os réus II e JJ adquiriram o imóvel em ruínas e sem estar cultivado – resposta ao artigo 24.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>28. O imóvel adquirido não possuía qualquer ligação de água potável – resposta ao artigo 25.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>29. Nem tinha fornecimento de electricidade – resposta ao artigo 26.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>30. Os réus II e JJ nunca suspeitaram que existisse algum problema com o registo da casa, ou até mesmo que existisse outro proprietário, tanto que antes de adquirirem o imóvel deslocaram-se várias vezes ao imóvel e quem tinha a chave que permitia aceder ao local era o Sr. FF – resposta ao artigo 27.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>31. Já depois de adquirirem o imóvel, os réus II e JJ realizaram algumas obras no local e nunca foram importunados por ninguém a assumir-se como proprietário daquele imóvel – resposta ao artigo 28.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>32. A presente acção foi registada a 10-05-2012 – cf. certidão do registo predial a fls. 473 a 477 dos autos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B. As conclusões da recorrente, delimitando o objecto do recurso – cf. art. 635.º, n.º 4, do Novo Código de Processo Civil, suscitam o exame e decisão das seguintes questões:</font><br>
<font> i. Análise da escritura de justificação notarial, sua impugnação judicial e respectivo ónus da prova.</font><br>
<font> ii. Erro de julgamento do Acórdão recorrido e suas consequências.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B1. Em traços muito largos, revela-se nos autos a seguinte situação: uma escritura de justificação notarial sobre determinado bem imóvel, outorgada num cartório privado no ..., Madeira, no dia 30-12-2008, a que se sucederam, nesse mesmo dia, duas alienações consecutivas e onerosas do imóvel justificado, a favor de pessoas diversas; os últimos adquirentes, por seu turno, procederam à sua venda a terceiros, no dia 27-07-2009 que o hipotecaram à instituição bancária mutuante; a presente acção deu entrada em juízo em 23-09-2009 e foi registada em 10-05-2012.</font>
</p><p><font>A acção move-se, ostensivamente, no campo dos direitos reais, tendo a autora gizado o pleito sob duas perspectivas: pretende, em primeiro lugar, impugnar a escritura de justificação notarial, e, por </font><i><font>arrasto</font></i><font>, as sucessivas alienações efectuadas, incluindo a hipoteca; em segundo lugar, procura ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o imóvel objecto do litígio, com a respectiva condenação dos réus a acatarem esse direito.</font>
</p><p><font>As acções reais, por norma, não se poderão fundar, exclusivamente, na invocação de um título de aquisição derivada que só por si não gera o direito de propriedade, sendo apenas translativo dele, operando simplesmente a sua modificação subjectiva.</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a>
</p><p><i><font>In casu</font></i><font>, mais do que obter a mera declaração da inexistência do direito justificado, a autora visa obter o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio identificado, não assumindo o pedido de declaração de nulidade da escritura de justificação relevo autónomo, antes integrando a causa de pedir complexa em que se integra o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio a seu favor, e a condenação dos réus a reconhecerem aquele direito, com todas as legais consequências. </font>
</p><p><font>Não é ousado afirmar, nesta óptica, que estão reunidos – a par dos pressupostos da acção de impugnação judicial de escritura notarial – os requisitos da acção de reivindicação do art. 1311.º do CC, enquanto manifestação típica do direito de sequela, em que se pretende firmar o direito de propriedade do autor e pôr fim à situação ou actos que o violem, tendo como primeiro desiderato a declaração de existência do direito e, como escopo ulterior, a sua realização, nela concorrendo dois pedidos: o de reconhecimento do direito e o de restituição da coisa, objecto desse direito.</font>
</p><p><font>As instâncias, como se narrou anteriormente, decidiram em sentidos diametralmente opostos, tendo a 1.ª instância enveredado pela solução de declaração de nulidade das várias escrituras outorgadas, sem contudo dar guarida ao pedido da autora, ao passo que a Relação acabou por julgar improcedente a acção.</font>
</p><p><font>A situação bule, manifestamente, com as regras civilísticas, em matéria de direitos reais, tal como com as normas registais previstas no Código do Registo Predial, sendo de recordar que nem sempre as estatuições do registo predial estão em sintonia directa com as do Código Civil, devendo proceder-se à sua concatenação, atenta a necessidade de procurar a unidade do sistema jurídico.</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Na verdade, enquanto que do art. 408.º do CC deflui que “</font><i><font>a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito de contrato”</font></i><font>, com ressalva das “</font><i><font>excepções previstas na lei</font></i><font>”, o art. 5.º do CRP dispõe que “</font><i><font>os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Acresce que, ao passo que a lei civil substantiva considera que os direitos adquiridos por terceiro, a título oneroso e de boa-fé, não são prejudicados pela declaração de nulidade e anulação registada depois do registo da aquisição – por esse terceiro –, embora não reconheça esses direitos enquanto não transcorrerem 3 anos sobre a conclusão do negócio viciado – cf. art. 291.º do CC –, já o CRP dispensa aquele prazo na declaração de nulidade registal, em relação aos direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa-fé, bastando que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de nulidade – cf. art. 17.º, n.º 2.</font>
</p><p><font>Na inter-relação dos arts. 408.º do CC e 5.º do CRP, pode dizer-se que o regime consagrado no CRP se enquadra na área das excepções previstas no art. 408.º: ou seja, “a constituição ou transferência do direito real opera-se por mero efeito de contrato, salvo quando se trate de coisas imóveis ou de móveis sujeitos a registo”, porquanto, nessa eventualidade, essa “constituição ou transferência dá-se por mero efeito de contrato entre as partes ou seus herdeiros”, mas “em face de terceiro | [0 0 0 ... 0 1 0] |
fTKYu4YBgYBz1XKvOSDr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AA - Companhia De Seguros, S.A.</font></b><font> (hoje </font><b><font>BB – Companhia de Seguros S.A.</font></b><font>) com sede na Avenida José Malhoa, nº..., Lisboa, instaurou a presente acção declarativa, com processo comum na forma ordinária, contra CC, residente no ..., </font><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 345.122,17 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. </font>
</p><p><font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que no exercício da sua actividade seguradora celebrou com DD um contrato de seguro, titulado pela apólice nº AU4320184, para cobertura da responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-FZ. No dia 17/08/2003, pelas 00h20m, ocorreu um acidente, na E.N. 210, ao Km. 71.4, em Vila Boa do Bispo, em que foram intervenientes aquele veículo, que na altura era conduzido pelo R., sem estar legalmente habilitado a fazê-lo com a respectiva carta de condução, e o motociclo de matrícula ...-PD, propriedade de EE, conduzido por FF e onde era transportado, como passageiro, GG. Do acidente resultaram para o condutor do motociclo – FF – danos morais e patrimoniais para cujo ressarcimento a A., por via do contrato de seguro, despendeu € 267.239,00. Do acidente resultaram para o passageiro Alcino danos morais e patrimoniais para cujo ressarcimento a A., por via do contrato de seguro, despendeu € 22.532,17. A A., por via do acidente, pagou assistência hospitalar e indemnizou o dono do motociclo em 8.000,00 por ter ficado totalmente destruído. Ao todo a A. despendeu € 345.122,71. o R. foi o único culpado pela produção do acidente, por via de conduzir o FZ sem estar legalmente habilitado a tal, o que foi causal do mesmo. Tem, assim, o direito de exigir o reembolso da quantia paga ao R. atentas as disposições dos artigos 27º d) do Dec-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto (actual redacção dada ao artigo 19º, al. c) do Dec-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro) e artigo 25º das Condições Gerais da Apólice. Interpelou o R. para pagar, mas em vão. </font>
</p><p><font> O R., citado, contestou, defendendo-se por excepção (prescrição) e impugnação. Concluiu pela improcedência da acção. </font>
</p><p><font> Respondeu a R. à defesa por excepção. </font>
</p><p><font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador em que não se conheceu da excepção peremptória da prescrição por falta de alegação dos necessários factos, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font>
</p><p><font> Nesta julgou-se a acção procedente por provada e, em consequência condenou-se o R., CC, a pagar à A., AA - Companhia de Seguros, S.A. a quantia de 345.122,71 (trezentos e quarenta e cinco mil cento e vinte e dois euros e setenta e um cêntimos) euros, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 24/09/2009 até integral e efectivo pagamento. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 22-4-2013, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido pela Formação de Juízes a que alude o art. 712º A nº 3 do C.P.Civil, </font><u><font>como revista excepcional</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- É nosso entendimento que os Dec-Leis 522/85 e 291/2007 não contêm qualquer norma a afastar o regime geral da responsabilidade, motivo porque sempre caberá à seguradora fazer a prova do facto donde emerge o direito de regresso. </font>
</p><p><font> 2ª- Para facilitar a prova de nexo de causalidade, no dizer de alguns, diabólico, permite-se ao julgador o recurso a presunções judiciais, apoiadas em factos e não de </font><i><font>per si. </font></i><font>A este propósito, cita-se o Ex.mo Sr. Conselheiro João Bernardo, na parte em que, doutamente, refere que </font><i><font>"a fixação de tal relação causal não assenta em prova diabólica, porque julgar a matéria de facto não é, por natureza, apenas um acto consistente em espelhar nos factos provados o que passou pela frente do juiz. A ideia de "julgamento" tem ínsito precisamente o acrescentar da consciência ponderada de quem julga ao que por ali passou". </font></i>
</p><p><font> 3ª- Na situação dos autos, o R.te só deveria ter sido condenado se a R.da tivesse feito, pelo menos, prova indiciária de que foi essa falta de habilitação que deu causa ao sinistro. </font>
</p><p><font> 4ª- A Rda não só não fez tal prova, como foi até o Rte que demonstrou o seguinte: </font>
</p><p><i><font> - "Apesar do referido em M), o Réu estava habituado a conduzir veículos ligeiros, incluindo o FZ, nomeadamente no logradouro da oficina, como ajudante de mecânico" </font></i><font>facto assente em N); </font>
</p><p><i><font> - "E transitava com frequência na via em que ocorreu o embate em </font></i><font>C) </font><i><font>e noutros com bicicleta a pedal" </font></i><font>(Facto assente em O) </font>
</p><p><font> - "O </font><i><font>Réu esteve emigrado na Suíça e quando frequentava a escola nesse país teve aulas de código" </font></i><font>(Facto assente em P). </font>
</p><p><font> 5ª- Por assim ser, mesmo que se entenda que tal concreto nexo pode ser estabelecido automaticamente, há que reconhecer que foi feita, pelo Rte prova no sentido contrário, devendo, aquele, considerar-se, por isso, "destruído". </font>
</p><p><font> 6ª- Aliás, é o próprio Tribunal "a quo" a, nas respostas à matéria de facto (pág. 18, §2) a dizer o seguinte: </font>
</p><p><i><font> "A resposta a essas questões é, a nosso ver, apenas uma: o Réu, ao contrário do que pretende a testemunha HH, não encetou (não podia ter encetado) aquelas manobras que por ele são descritas, de contrário, </font></i><b><i><font>teria forçosamente, visto o motociclo, </font></i></b><i><font>e </font></i><b><i><font>por razões que se desconhece (imperícia, distracção?) </font></i></b><i><font>(negrito nosso), ao abeirar-se do cruzamento, encetou a manobra de mudança de direcção à sua esquerda, cortando, com essa sua manobra, a linha de trânsito ao condutor do motociclo, quando este se encontrava em aproximação ao cruzamento, circulando dentro da sua mão de trânsito, muito próximo daquele cruzamento, a uma distância do ponto da colisão nunca superior a 50 metros, de modo que apenas lhe deu tempo para imprimir, como imprimiu, uma travagem brusca ao motociclo, deixando um rasto de travagem de escassos 9,10 metros até colidir no FZ." ; </font></i><font>sendo, ainda a este respeito, evidente que a hipotética </font><i><font>"distração", </font></i><font>sinalizada pelo M.mo Juiz, não estabelece o nexo causal entre a falta de habilitação legal e o acidente. </font>
</p><p><font> 7ª- Há, por outro lado, que salientar que a existência de habilitação válida nem sempre é sinónimo de boa prática de condução, do mesmo modo que a falta de habilitação também nem sempre significará inabilidade; </font>
</p><p><font> 8ª- Também não se percebendo o porquê da diferença entre a condução sem habilitação legal, a condução sob efeito do álcool e o abandono do sinistrado, sendo caso para questionar o fundamento da justificação de tratamento tão diferenciado. </font>
</p><p><font> 9ª- Como é sabido, mesmo após a alteração legislativa, a jurisprudência continua a entender que na situação de condução sob efeito do álcool é necessário que a seguradora alegue e prove o nexo de causalidade - vejam-se, a este propósito, o Acórdão STJ, de 06/07/2011, proc. 129/08.7TBPTL.G1.S1 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19/01/2012, proc. 774110.0TBESP.Pl, em que é Relator o Desembargador Teles de Menezes, que se passa a citar: </font>
</p><p><i><font> "Para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool, exige-se a alegação e prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre o estado de etilizado e o acidente de que resultaram os danos do terceiro por ela indemnizados, segundo a melhor interpretação do art. o </font></i><font>27º </font><i><font>nº </font></i><font>1, </font><i><font>al. c) do DL nº 291/2007, de </font></i><font>21/8. " </font>
</p><p><font> No que diz respeito ao abandono do sinistrado, é pacífico que o direito de regresso da seguradora apenas abrange os danos derivados do abandono da vítima ou agravamento decorrente desse abandono, e não a totalidade dos danos originados pelo acidente - </font><i><font>vide </font></i><font>Ac. STJ de 01/2/2011, em que é Relator o Conselheiro Paulo Sá. </font>
</p><p><font> 9ª- Na nossa opinião não há fundamento lógico para que o atropelamento mortal de um peão tenha efeitos tão díspares conforme o condutor que o cause esteja etilizado, não possua licença de condução válida ou abandone a vítima, quando todas as mencionadas situações constam da mesma previsão legal. </font>
</p><p><font> 10ª- Na situação da condução sem habilitação legal são possíveis ocorrências práticas em que a aplicação da, passe a expressão, ideia jurídica subjacente à decisão dos autos, configurará, a todos os níveis, completo desacerto. Imagine-se, como supra se alegou, a situação de um qualquer piloto automóvel a quem a carta foi cassada ou a de qualquer ilustre cidadão que, com muitas centenas de milhares de quilómetros de condução, deixou, devido à idade e natural desconhecimento legal caducar a carta. </font>
</p><p><font> 11ª- É por tudo isso que nas situações de direito de regresso se deve analisar e ponderar, caso a caso, e perceber se a falta de habilitação teve alguma relação com o sinistro. Estamos no campo da responsabilidade civil e não no campo da responsabilidade penal ou contraordenacional. Não podemos ver esta condenação (civil) de quem circulava sem carta como uma pena. </font>
</p><p><font> 12ª- É necessário provar os pressupostos da responsabilidade civil e, no caso do direito de regresso por falta de habilitação, demonstrar que o acidente se deu por imperícia decorrente dessa concreta a falta e que esta deu causa ao sinistro. </font>
</p><p><font> 13ª- Na situação que nos ocupa, há que ter na devida conta que a Rda. não fez prova alguma do necessário nexo e que até foi o R.te que provou o contrário. </font>
</p><p><font> 14ª- Compreendíamos e até aceitávamos que o nexo de causalidade fosse presumido, mas já não podemos concordar que seja indestrutível (como parece defender o acórdão em crise), uma vez que, a ser assim, tal entendimento pode conduzir a resultados completamente díspares. A condenação ficará dependente dos danos causados a terceiros, podendo ter a "sorte" de eles serem ligeiros ou, como ocorreu no caso </font><i><font>sub judice, </font></i><font>ficar-se endividado para o resto da vida (€ </font><u><font>345.000.00</font></u><font>!!!). </font>
</p><p><font> 15ª- É facto notório que tal aleatoriedade não contribui, em nada, para a segurança e certeza do nosso direito e, bem assim, que não foi, seguramente, essa ideia de justiça aquela que o legislador pretendeu, ao fazer constar do art° 8° do CC que </font><i><font>"nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito". </font></i>
</p><p><font> 16ª- A interpretar-se a norma do art. 27° n° 1, aI. d), do DL 291/2007, no sentido de que </font><i><font>- provada a culpa no acidente e a ausência de habilitação, não é possível "destruir" o nexo de causalidade adequada </font></i><font>- pensamos que semelhante interpretação será segura e inequivocamente violadora do art. 13° e 18° da CRP, desde logo por não permitir ilidir a presunção e por tratar de forma igual situações de uma enorme diversidade. </font>
</p><p><font> 17ª- Tendo em conta que o R.te provou que tinha experiência de condução, que já tinha circulado outras vezes com o FZ, que era conhecedor das regras do Código da Estrada, e que, na concreta manobra, agiu em conformidade com as regras, nomeadamente abrandando e dando o pisca - não faz sentido, seja a que título for que, mesmo assim, seja condenado a pagar a enormidade do valor em causa. </font>
</p><p><font> Por assim ser, ao sentenciar da forma supra alegada, o Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>violou o disposto nos artigos 668° do CPC, 566°, n° 2 e 3, art. 8°, nº 3, ambos do CC e o art. 13° e 18° da CRP - </font><u><font>devendo o acórdão ser alterado/revogado</font></u><font>, nos seguintes termos: </font>
</p><p><font> - absolver-se o R.te pelo facto de a R.da não ter logrado provar o nexo de causalidade entre a falta de habilitação legal para conduzir e a produção do sinistro; </font>
</p><p><font> - ou, a defender-se o efeito automático, ainda assim, absolver-se o R.te uma vez que foi demonstrada a ausência de nexo entre a aludida falta de habilitação legal e o evento </font><i><font>sub judice</font></i><font>, com o que se fará sábia e oportuna Justiça.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º nº 3 e 685º A nº 1 do C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se para exercitar o direito de regresso a que alude o art. 19º al. c) do Dec-Lei 522/85 de 31/12, incumbe, ou não, à Seguradora a prova do nexo de causalidade adequada entre a falta de habilitação legal de condução e o acidente. - Se a decisão recorrida violou o princípio constitucional da igualdade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Vem fixada das instâncias e com vista à decisão, a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> A- A Autora exerce a actividade seguradora. </font>
</p><p><font> B- No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com DD um contrato de seguro titulado pela apólice nº AU43201843, para cobertura da responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo ligeiro de passageiros de marca "Volkswagen" e com o número de matrícula ...-FZ. </font>
</p><p><font> C- No dia 17 de Agosto de 2003, pelas 00h20m, deu-se um embate na E.N. 210, ao Km. 71,4, em Vila Boa do Bispo, concelho de Marco de Canaveses. </font>
</p><p><font> D- Foram interveniente no acidente: </font>
</p><p><font> - O veículo motociclo, da marca "Honda" e de matrícula ...-PD, propriedade de EE e conduzido, na altura, por FF; </font>
</p><p><font> - e o já citado veículo ...-FZ, conduzido pelo Réu. </font>
</p><p><font> E- À data do embate, além do referido condutor, seguia como passageiro do motociclo ...-PD GG. </font>
</p><p><font> F- O local onde veio a ocorrer o embate configura uma recta de boa visibilidade, com cruzamento devidamente sinalizado. </font>
</p><p><font> G- Cruzamento esse formado pela dita E.N. 210 e a via que liga o Lugar do Pinheiro a Lages. </font>
</p><p><font> H- No local o limite de velocidade é de 50 Kms./hora. </font>
</p><p><font> I- O piso encontrava-se seco e em bom estado de conservação. </font>
</p><p><font> J- No mencionado dia e hora o veículo PD circulava na dita E.N. nº 210, no sentido de marcha Marco de Canaveses/Alpendurada, pela respectiva metade direita da faixa de rodagem. </font>
</p><p><font> L- Enquanto o veículo FZ conduzido pelo Réu circulava em sentido oposto, ou seja, no sentido de marcha Alpendurada/ Marco de Canaveses. </font>
</p><p><font> M- No momento do embate identificado em C), o Réu conduzia o FZ sem estar legalmente habilitado com a respectiva carta de condução. </font>
</p><p><font> N- Apesar do referido em M), o Réu estava habituado a conduzir veículos ligeiros, incluindo o FZ, nomeadamente no logradouro da oficina, como ajudante de mecânico. </font>
</p><p><font> O- E transitava com frequência na via em que ocorreu o embate identificado em C) e noutros com bicicleta a pedal. </font>
</p><p><font> P- O Réu esteve emigrado na Suíça e quando frequentava a escola nesse país teve aulas de código. </font>
</p><p><font> Q- Após circular na E.N. 210 no sentido Alpendurada/Marco de Canaveses, ao chegar à intersecção do cruzamento identificado em G), o Réu iniciou uma manobra de mudança de direcção à sua esquerda, com destino ao Lugar do Pinheiro - resposta aos pontos 3°,4° e 5° da base instrutória. </font>
</p><p><font> R- Invadindo a hemi-faixa de rodagem contrária, no preciso momento em que o motociclo aí circulava a uma distância daquele cruzamento não concretamente apurada, mas nunca superior a 50 metros - resposta ao ponto 6° da base instrutória. </font>
</p><p><font> S- Cortando e obstruindo, assim, a linha de trânsito do referido motociclo - resposta ao ponto 7° da base instrutória. </font>
</p><p><font> T - E provocando o embate entre os dois veículos - resposta ao ponto 8° da base instrutória. </font>
</p><p><font> U- Embate que ocorreu entre a parte lateral direita do FZ e a frente do motociclo resposta ao ponto 9° da base instrutória. </font>
</p><p><font> V- E se deu na hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido de marcha do Réu -resposta ao ponto 10° da base instrutória. </font>
</p><p><font> W - O condutor do motociclo não conseguiu evitar o embate - resposta ao ponto 11 ° da base instrutória. </font>
</p><p><font> Y - Por força da violência do embate, o condutor e passageiro do motociclo foram projectados contra o solo - resposta ao ponto 12° da base instrutória. </font>
</p><p><font> X- Em consequência do embate, o condutor do motociclo FF sofreu traumatismo crâneo-encefálico, com múltiplas pequenas contusões hemorrágicas, traumatismo de hemiface direita e da região cervical direita, com fractura do malar direito, fractura da mandíbula e ferida inciso-contusa sub-mandibular e cervical, traumatismo do ombro direito, traumatismo do tórax, com pneumotorax à esquerda e contusão pulmonar - resposta ao ponto 13 ° da base instrutória. </font>
</p><p><font> Z- Em consequência do embate, também o passageiro do motociclo, GG sofreu traumatismo crâneo-encefálico - resposta ao ponto 14° da base instrutória. </font>
</p><p><font> AA- …</font>
</p><p><font> AL- Por força do contrato identificado em B), lesões e sequelas acima identificadas, a Autora entregou a FF a quantia de 267.239,00 euros, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu com o embate identificado em C) - resposta ao ponto 23° - C da base instrutória. </font>
</p><p><font> AM - ... Sendo que a quantia de 17.239,00 euros lhe foi sendo adiantada pela Autora por conta da indemnização final - resposta ao ponto 23° - D da base instrutória. </font>
</p><p><font> AN- A Autora pagou toda a assistência médica, hospitalar e transportes prestados a FF, no que despendeu a quantia de 37.660,30 euros - resposta ao ponto 23° - E da base instrutória. </font>
</p><p><font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
fTKtu4YBgYBz1XKv1i0k | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><font> </font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font>I – Nos autos de insolvência, dos quais os presentes autos de reclamação de créditos são apenso, por sentença do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Rio Maior, de 18 de Outubro de 2006, foi declarada a insolvência de AA- M...-Metalúrgia de R... M..., Lda, matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Rio Maior, sob o n.º 00.../..., com sede na Estrada Nacional 114, L... da Q... da R..., R... M... .</font><br>
<br>
<font>Foi, então, fixado em trinta dias o prazo para a reclamação de créditos.</font><br>
<font>Findo este, o administrador juntou, nos termos do artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), a lista de créditos reclamados e reconhecidos, não se indicando créditos não reconhecidos.</font><br>
<br>
<font>Não foi tempestivamente apresentada qualquer reclamação.</font><br>
<br>
<font>Foram apreendidos bens imóveis e bens móveis.</font><br>
<br>
<font>Tendo o administrador da insolvência, na relação de créditos apresentada, considerado os créditos dos ex-trabalhadores como privilegiados, atribuindo-lhes apenas privilégio mobiliário geral (fls. 15), e não como garantidos à luz do disposto no artigo 47º, nº 4, do CIRE, e existindo bens imóveis apreendidos sobre os quais se encontravam registadas hipotecas, entendeu o Senhor Juiz, para efeito de proceder à graduação de créditos tendo em conta o preceituado na alínea b) do nº 1 do artigo 377º do Código do Trabalho, determinar, por despacho de fls. 54, que lhe fosse apresentada cópia das reclamações feitas pelos mesmos ex-trabalhadores, a fim de verificar se nelas fora alegado e demonstrado que exerciam a sua actividade em algum daqueles imóveis, apresentação essa que foi feita.</font><br>
<br>
<font>A fls. 56 e seguintes, foi proferida sentença, a qual, por um lado, homologou a lista de credores apresentada pelo administrador da insolvência, mas com ressalvas, determinadas por ter sido entendido que aquela lista enfermava de algumas imprecisões na qualificação de alguns créditos, sanáveis por se considerar o entendimento de erro referido no nº 3 do artigo 130º do CIRE, em sentido amplo, como compreendendo os erros de direito na qualificação dos créditos, e originadas essencialmente pela circunstância de alguns trabalhadores terem, e outros não, indicado o imóvel em que prestavam a sua actividade laboral, e que, desde logo, graduou os créditos na forma aí descrita.</font><br>
<br>
<font>Notificados de tal sentença, vieram diversos ex-trabalhadores requerer a sua rectificação, o que levou, tendo em conta o deferimento de alguns desses requerimentos, à reforma daquela.</font><br>
<br>
<font>Entretanto, já antes de tal reforma, interpuseram recurso da sentença as credoras reclamantes BB- M... – Materiais de Importação, Lda, e CC, tendo aquela ainda recorrido da reforma efectuada e vindo os ex-trabalhadores DD e EE recorrer igualmente da sentença.</font><br>
<br>
<font>Foi, então, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido o acórdão de fls. 786 e seguintes, onde se decidiu julgar procedentes as apelações dos credores reclamantes CC, DD e EE e improcedente o da credora BB-M..., alterando-se, em conformidade, a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>De tal acórdão recorreu de revista a credora BB-M... para este STJ, tendo aqui sido proferido, em 25.11.2008, o acórdão de fls. 1118 a 1133, segundo o qual se decidiu “anular o processado posterior à indicação do aludido erro manifesto pelo Sr. Juiz da 1ª instância, com inclusão da decisão de homologação da lista de credores e da graduação de créditos, a fim de, remetendo-se directamente os autos à 1ª instância, ser elaborada nova lista de credores em atenção àquele erro, seguindo-se depois os termos prescritos no art.º 130º, nº 1, e seguintes, do CIRE”.</font><br>
<br>
<font>Voltando os autos à 1ª instância, foi ordenada a elaboração de nova lista de credores, nos termos do artigo 129º do CIRE, tendo em atenção o erro de qualificação dos créditos dos trabalhadores consignado no despacho de fls. 57 e seguintes.</font><br>
<br>
<font>O administrador da insolvência elaborou nova lista, nos termos da qual constam apenas créditos reconhecidos.</font><br>
<br>
<font>Nos termos do artigo 130º, nº 1, do CIRE, foram deduzidas impugnações à referida relação por FF, CC, GG, EE, DD, HH, II, JJ, LL e MM, todos trabalhadores da insolvente, impugnando a qualificação dos seus créditos na parte em que não lhes é reconhecido o privilégio imobiliário especial sobre os imóveis apreendidos nos autos e nos quais prestavam a sua actividade laboral ao serviço da insolvente.</font><br>
<br>
<font>Também a credora BB-M... – Materiais de Importação, Lda., deduziu impugnação, questionando a qualificação, o valor e os créditos de NN, CC, FF, OO, GG, EE, DD, HH, II, JJ, LL, MM e PP. </font><br>
<br>
<font>Reponderam à impugnação deduzida por BB- M..., Lda, CC, FF, OO, GG, EE, DD, HH, II, JJ, LL e MM.</font><br>
<br>
<font>Foi realizada uma tentativa de conciliação, não sendo obtido qualquer acordo quanto ao reconhecimento dos créditos impugnados.</font><br>
<br>
<font>Procedeu-se ao saneamento dos autos, reconhecendo-se os créditos não impugnados, e fixou-se a base instrutória em relação aos demais.</font><br>
<br>
<font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 14 de Julho de 2009, sentença que, reconhecendo os créditos, procedeu à sua graduação nos seguintes termos:</font><br>
<font>1) </font><u><font>Sobre o produto da venda do imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial de Rio Maior sob o nº ... da freguesia de R... M</font></u><font>...:</font><br>
<font>- Em primeiro lugar e até 10% do valor da venda, as dívidas da massa insolvente, caso existam (art. 172º, nºs 1 e 2, do CIRE);</font><br>
<font>- Em segundo lugar, os créditos laborais reclamados por CC, FF, OO, GG, EE, DD, HH, II, JJ, LL, MM (arts. 377º do Código do Trabalho e 751ºdo Código Civil);</font><br>
<font>- Em terceiro lugar, os créditos de IMI do referido imóvel do ano de 2005 (arts. 734º e 744º do Código Civil);</font><br>
<font>- Em quarto lugar, o crédito da Caixa Geral de Depósitos garantido por hipoteca sobre o referido prédio (arts. 686º do Código Civil e 47º, nº 4, alínea a), do CIRE);</font><br>
<font>- Em quinto lugar, o crédito da Segurança Social referente a contribuições e respectivos juros vencidos nos doze meses anteriores a 17-7-2006 (arts. 11º do DL 103/80, de 9 de Maio, e 97º, nº 1, alínea b), do CIRE);</font><br>
<font>- Em sexto lugar, o crédito do Estado referente a IRS vencido nos doze meses anteriores a 17-7-2006 (arts. 111º do CIRS e 97º, nº 1, al. a), do CIRE);</font><br>
<font>- Em sétimo lugar, os créditos comuns.</font><br>
<br>
<font>2) </font><u><font>Sobre o produto da venda do imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial de Rio Maior sob o nº ... da freguesia de R... M</font></u><font>...:</font><br>
<font>- Em primeiro lugar e até 10% do valor da venda, as dívidas da massa insolvente, caso existam (art. 172º, nºs 1 e 2, do CIRE);</font><br>
<font>- Em segundo lugar, os créditos laborais reclamados por CC, FF, OO, GG, EE, DD, HH, II, JJ, LL, MM (arts. 377º do Código do Trabalho e 751º do Código Civil);</font><br>
<font>- Em terceiro lugar, os créditos de IMI do referido imóvel do ano de 2005 (arts. 734º e 744º do Código Civil);</font><br>
<font>- Em quarto lugar, o crédito da Caixa Geral de Depósitos garantido por hipoteca sobre o referido prédio (arts. 686º do Código Civil e 47º, nº 4, al. a), do CIRE);</font><br>
<font>- Em quinto lugar, o crédito de BB- M..., Lda, garantido por hipoteca sobre o referido prédio (arts. 686º do Código Civil e 47º, nº 4, al. a), do CIRE);</font><br>
<font>- Em sexto lugar, o crédito da Segurança Social referente a contribuições e respectivos juros vencidos nos doze meses anteriores a 17-7-2006 (arts. 11º do DL 103/80, de 9 de Maio, e 97º, n.º 1, al. b), do CIRE); </font><br>
<font>- Em sétimo lugar, o crédito do Estado referente a IRS vencido nos doze meses anteriores a 17-7-2006 (arts. 104º do CIRS e 97º, nº 1, al. a), do CIRE);</font><br>
<font>- Em oitavo lugar, os créditos comuns.</font><br>
<br>
<font>3) </font><u><font>Sobre o produto da venda dos bens móveis</font></u><font>:</font><br>
<font>- Em primeiro lugar, as dívidas da massa insolvente, caso existam, na devida proporção sobre cada um dos bens (art. 172º, nº 1, do CIRE);</font><br>
<font>- Em segundo lugar, os créditos laborais (art. 377º do Código de Trabalho);</font><br>
<font>- Em terceiro lugar, crédito do Estado referente a IRS e IVA vencidos nos doze meses anteriores a 17-7-2006 (arts. 111º do CIRS, 735º, nº 1, do Código Civil, e 97º, n.º 1, al. a), do CIRE);</font><br>
<font>- Em quarto lugar, o crédito da Segurança Social referente a contribuições e respectivos juros vencidos nos doze meses anteriores a 17-7-2006 (arts. 10º do DL 103/80, de 9 de Maio, e 97º, nº 1, al. b), do CIRE); </font><br>
<font>- Em quinto lugar, o crédito da requerente da insolvência até um quarto do seu montante e com o limite máximo de 500 UC (art. 98º, nº 1, do CIRE);</font><br>
<font>- Em oitavo lugar, os créditos comuns.</font><br>
<br>
<font>Após recurso da credora reclamante BB- M... – Materiais de Importação, Lda, nomeadamente, quanto à graduação dos créditos sobre o imóvel descrito sob o nº ..., na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão, a negar provimento ao recurso e a confirmar a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>Ainda inconformada, veio aquela credora interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font>A recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1ª – Na Relação de Créditos inicial apresentada pelo Administrador da Insolvência, nos termos do artigo 129º do CIRE, os ex-trabalhadores foram relacionados como detentores de um privilégio mobiliário geral, nos termos do disposto no artigo 377º da Lei 99/2003, de 27 de Agosto.</font><br>
<font> 2ª – Não foram apresentadas quaisquer reclamações ou impugnações a essa Relação de Créditos, mormente à qualificação atribuída aos créditos dos ex-trabalhadores.</font><br>
<font>3ª – A eventual incorrecção da respectiva qualificação teria de ter sido impugnada pelos próprios interessados: os ex-trabalhadores.</font><br>
<font>4ª – O instituto da impugnação previsto nos artigos 130º a 140º do CIRE é de natureza dispositiva e configura ónus da parte.</font><br>
<font>5ª – Atenta esta natureza dispositiva, não tendo ocorrido impugnações, o juiz agora sob recurso deveria ter emitido sentença de verificação e graduação de créditos que deveria homologar o que constava da lista dos créditos reconhecidos, a não ser em caso de “erro manifesto”, ut o disposto no artigo 130º, nº 3, do CIRE.</font><br>
<font>6ª – Isto porque se formou caso julgado em função do comportamento das partes quanto aos montantes, natureza e qualificação dos créditos.</font><br>
<font>7ª – Em sentido lato existe erro quando ocorra não coincidência entre a representação e a realidade, sem que haja consciência disso.</font><br>
<font>8ª – No caso sub judice todos os ex-trabalhadores e os respectivos mandatários tiveram conhecimento da Relação de Créditos na Assembleia Geral e não podiam, por isso, alegar falta de consciência quanto a uma qualificação e definição de crédito a que tiveram acesso por escrito e que definia claramente o montante, os detentores e a respectiva qualificação.</font><br>
<font> 9ª – O que os ex-trabalhadores não cumpriram foi o ónus de impugnação, que não se confunde, nem é de todo confundível, com a hipótese de erro.</font><br>
<font> 10ª – O nº 3 do artigo 130º não pode ser interpretado no “sentido amplo” que lhe deu a sentença e acórdão recorridos, isto é, incluindo os erros de direito na qualificação dos créditos, porque tal interpretação desvirtua completamente o regime específico do ónus de impugnação previsto nos artigos 130º a 140º do CIRE.</font><br>
<font> 11ª – Através de tal interpretação, o julgador fez-se substituir ao cumprimento de ónus das partes, quando nessa matéria teria de ser o terceiro imparcial e mediar por decisão judicial quaisquer conflitos entre os credores em sede de qualificação dos créditos através do julgamento a que faz referência o artigo 139º do CIRE. </font><br>
<font> 12ª – Repita-se, no caso sub judice não foram apresentadas quaisquer impugnações que justificassem a intervenção do julgador e a alteração do que, em virtude da acção e omissão das partes, se havia consolidado no processo por trânsito em julgado da Relação de Créditos.</font><br>
<font> 13ª – É inequívoco que a Relação de Créditos transita em julgado, tanto assim que, ressalvado o instituto da impugnação definido nos artigos 130º e seguintes do CIRE, só através do regime estatuído nos artigos 146º e seguintes do mesmo Código se poderá proceder à sua eventual alteração.</font><br>
<font> 14ª – A eventual não coincidência entre a representação e a realidade a que faz referência o nº 3 do artigo 130º do CIRE deve aferir-se depois do período de impugnação e nunca relativa a factos que, a serem controvertidos, haveriam que seguir o rito próprio do instituto da impugnação definido nos artigos 130º a 140º do CIRE.</font><br>
<font> 15ª – A ausência de impugnações forma caso julgado sobre essa matéria, que foi directamente violado pela sentença agora sindicada, face ao disposto no nº 3 do artigo 130º do CIRE.</font><br>
<font> 16ª – A violação do caso julgado e do disposto nos artigos 671º e 672º do CPC resulta também de a sentença e o acórdão agora sindicados darem como provada para data de cessação da actividade da insolvente uma data completamente diferente da sentença dos autos principais (Dezembro de 2005 e 22 de Fevereiro de 2006, respectivamente).</font><br>
<font> 17ª – Face à ausência de reclamações, o julgador teria de homologar a lista de credores e atender na graduação de créditos ao que constava da Relação de Créditos, mormente à qualificação não impugnada pelas partes.</font><br>
<font> 18ª – Ao agir de forma diversa, o julgador violou expressamente o disposto nos artigos 130º, nº 1, e 130º, nº 3, do CIRE, bem como todo o instituto da impugnação previsto nos artigos 130º a 140º daquele Código, bem como o disposto no artigo 377º, nº 1, alínea b), do CT, que não é de natureza e aplicação imperativa, antes depende de concretos pressupostos de aplicação.</font><br>
<font> 19ª – O princípio do inquisitório e o disposto no artigo 11º do CIRE não se aplicam à graduação de créditos e ao regime específico dos artigos 130º a 140º daquele Código, uma vez que rege nesta matéria o princípio do dispositivo, segundo o disposto nos artigos 17º do CIRE e 264º, nº 2, e 664º, ambos do CPC, que assim foram violados.</font><br>
<font> 20ª – A decisão agora sindicada violou também o princípio da igualdade entre as partes, ínsito no artigo 3º-A do CPC, porque enxertou nos autos a possibilidade de os trabalhadores verem alterada a qualificação inicial que transitou sobre os seus créditos sem que estes tenham tempestivamente deduzido qualquer impugnação.</font><br>
<font> 21ª – Ao agir da forma descrita, o julgador cometeu irregularidade processual, que consubstancia nulidade, que se argui nos termos do disposto nos artigos 201º e 205º, ambos do CPC, uma vez que influi decisivamente na decisão da causa.</font><br>
<font> 22ª – Foi definido em sentença um privilégio imobiliário especial aos trabalhadores, que prevalece inclusive sobre a hipoteca, isto quando processualmente lhe havia sido definido outra qualificação sem qualquer reacção por parte dos interessados.</font><br>
<font> 23ª – A douta sentença e o acórdão recorridos padecem de inconstitucionalidade nos termos expostos, por violação do disposto nos artigos 13º, 20º, nº 4, e 204º, todos da Constituição.</font><br>
<font> 24ª – Nenhum dos trabalhadores alegou quaisquer factos concretos susceptíveis de demonstrar que prestavam a sua actividade naquele local, não bastando para o reconhecimento do privilégio imobiliário especial a mera alegação de que trabalhavam nos prédios inscritos sob os números ... e ... na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior.</font><br>
<font> 25ª – Alegar que se presta trabalho nos prédios ... e ..., como se alegou, equivale a alegar que se trabalhava na sede da empresa, se tal alegação for desacompanhada – como foi no caso sub judice – de factos que consubstanciem, em concreto, esta alegação.</font><br>
<font> 26ª – Nenhum facto concreto suporta a mera alegação de que estas pessoas prestavam o trabalho no referido prédio ..., pelo que, face ao disposto no artigo 516º do CPC, terão os ex-trabalhadores de ver a dúvida daí resultante ser decidida contra si, ou seja, no sentido de não beneficiarem do dito privilégio.</font><br>
<font> 27ª – A douta sentença e o acórdão recorridos violaram desta forma o disposto nos artigos 342º, nº 1, do CC e 516º do CPC.</font><br>
<font> 28ª – A decisão do Supremo, fundamentada, entre outros, na violação do princípio da igualdade entre as partes, não pode degenerar num processo que agrave essa desigualdade, ignorando tudo o quanto se disse nas conclusões antecedentes.</font><br>
<font> 29ª – A questão do erro, ao contrário do referido pelo acórdão, não se encontra definitivamente esclarecida ou decidida nos presentes autos, já que tribunal nenhum se pronunciou, até à presente data, sobre as questões elencadas nas conclusões antecedentes e que a parte tem direito a ver decididas e respondidas.</font><br>
<font> 30ª – Ao não responder, por um lado, e ao não fundamentar, por outro, tudo tal como referido em sede de alegações, o acórdão incorreu nas nulidades ínsitas nas alíneas b) e d) do artigo 668º (refere-se a recorrente ao seu nº 1, como é óbvio) do CPC, que também aqui expressamente se argúem.</font><br>
<font> 31ª – Esta total ausência de resposta equivale a um non liquet, já que as trinta questões suscitadas em sede de recurso para a Relação transcendem em muito as respostas do douto acórdão.</font><br>
<font> 32ª – A resposta jurídica às questões suscitadas interessa à aqui recorrente e tem manifesto interesse processual a interpretação jurídica das normas.</font><br>
<font> 33ª – Mesmo que a conclusão fosse a que foi em sede de recurso, a recorrente manteria igual interesse na resposta às questões suscitadas, até porque suscita inconstitucionalidade e a violação de regras essenciais do sistema jurídico, como o sejam a da igualdade entre as partes.</font><br>
<font> 34ª – Em virtude da total ausência de respostas, a recorrente foi forçada a recorrer para este Supremo Tribunal, já que não viu respondidas de forma alguma a generalidade das questões jurídicas que suscitou à Relação.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Pede, assim, que, revogando-se o acórdão recorrido, seja o mesmo substituído por outro que reconheça apenas aos ex-trabalhadores o privilégio mobiliário geral que não veio a ser objecto de impugnação, graduando o crédito da ora recorrente logo a seguir ao da Caixa Geral de Depósitos quanto ao prédio inscrito sob o nº ... na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior.</font><br>
<br>
<font> Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<br>
<font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font> II – No acórdão recorrido, foram dados como provados, designadamente, os seguintes factos:</font><br>
<br>
<font>1. MM, DD, EE, LL, JJ, II, HH, FF, GG e OO exerceram a sua actividade profissional por conta da insolvente no estabelecimento desta sito na Q... da R..., EN nº 114, Rio Maior, nos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial de Rio Maior, sob os nºs ... e ..., e até ao encerramento da insolvente.</font><br>
<font>2. CC desempenhou as suas funções sob a autoridade e direcção da insolvente, no estabelecimento desta sito na Q... da R..., EN n.º 114, Rio Maior, nos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial de Rio Maior, sob os nºs ... e ... .</font><br>
<font>3. A insolvente manteve-se em actividade até 22 de Fevereiro de 2006, sendo então fechadas as portas do seu estabelecimento fabril na Q... da R... .</font><div></div><font>III – 1. A questão a dilucidar no presente recurso de revista prende-se com a graduação dos créditos sobre o produto da venda do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o nº ... da freguesia de Rio Maior.</font><br>
<br>
<font>Pretende a recorrente que se reconheça aos ex-trabalhadores da empresa declarada insolvente apenas o privilégio mobiliário geral, graduando-se o crédito da recorrente, quanto ao referido imóvel, logo a seguir ao da Caixa Geral de Depósitos.</font><br>
<br>
<font> Para se demonstrar a falta de razão da recorrente, escreveu-se no acórdão ora recorrido:</font><br>
<font>“Desde logo, interessa frisar que a Apelante consagra parte substancial das alegações a pronunciar-se sobre a violação do n.º 3 do art. 130.º do CIRE, decorrente da decisão que, ao abrigo dessa norma, determinou a correcção da qualificação dos créditos dos trabalhadores.</font><br>
<font>Sobre essa questão processual já houve pronúncia definitiva, designadamente no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tendo-se formado caso julgado formal, nos termos dos arts. 672.º e 677.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC).</font><br>
<font>Por efeito da força e autoridade do caso julgado que se formou, tornando a decisão obrigatória dentro do processo, não pode voltar a discutir-se a mesma questão, o que, necessariamente, prejudica também todas as questões subsequentes conexas, como seja a da nulidade processual e a da violação do princípio da igualdade entre as partes (art. 3.º-A, do CPC), que, no mesmo âmbito, foram alegadas.</font><br>
<br>
<font>A referida decisão do Supremo Tribunal de Justiça, anulando o processado a partir da indicação do erro manifesto na qualificação de créditos, para ser elaborada nova lista de credores em atenção àquele erro e seguir-se depois os termos prescritos no art. 130.º, n.º 1, e seguintes do CIRE, limita-se a repor o processo em certa fase e a permitir que os interessados exerçam os direitos processuais consagrados.</font><br>
<font>O exercício desses direitos, em face de um novo acto do processo, é, com efeito, uma consequência normal da anulação dos actos processuais e não acarreta qualquer violação do princípio da igualdade das partes, mesmo que os interessados, antes da anulação, não tenham feito uso de qualquer direito, nomeadamente do da impugnação dos créditos. O contrário é que poderia ser susceptível de originar uma violação a esse princípio.</font><br>
<font>De resto, e ao invés do alegado, o caso julgado forma-se sobre as decisões e, por outro lado, qualquer preclusão processual deixa de ter efeitos se, entretanto, for abrangida pela anulação de actos processuais.</font><br>
<font>Por isso, a equidade do processo, garantida constitucionalmente, não fica afectada, como também não fica qualquer outro princípio da mesma natureza, não se surpreendendo na interpretação das normas processuais aplicáveis qualquer tipo de inconstitucionalidade.</font><br>
<br>
<font>Em face da matéria de facto provada, também não pode ser validamente posta em causa, por sua vez, a conclusão de que os credores trabalhadores identificados prestaram a sua actividade no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior, sob o n.º ... .</font><br>
<font>Efectivamente, daqueles factos resulta que tais trabalhadores exerciam as suas funções no estabelecimento da insolvente, sito na Q... da R..., EN n.º 114, Rio Maior, nos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial de Rio Maior, sob os n.º s ... e ... .</font><br>
<font>Estando o estabelecimento da insolvente, onde os trabalhadores exerciam a sua actividade, instalado nos dois prédios referidos, o que não se questiona, mais não era necessário alegar para se concluir nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 377.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, ainda aplicável ao caso dos autos.</font><br>
<font>Dada a natureza jurídica do estabelecimento e o efeito jurídico associado, não podiam tais prédios ser tidos senão como um só, não obstante o seu registo diferenciado.</font><br>
<font>Nestes termos, apresenta-se inteiramente correcto o reconhecimento do privilégio imobiliário especial feito na sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>Como já se aludiu, o caso julgado forma-se apenas sobre as decisões (finais), quer no âmbito da relação processual, quer da relação material controvertida.</font><br>
<font>A força do caso julgado não se estende aos respectivos fundamentos, ainda que, por vezes, possam ser utilizados para a fixação do sentido e alcance da decisão final, com vista à delimitação do caso julgado.</font><br>
<font>Por isso, como entende a doutrina, “os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final” (ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, pág. 716).</font><br>
<font>Neste contexto, a eficácia do caso julgado da decisão que declarou a insolvência não se estende aos factos considerados provados, que serviram de fundamento à respectiva decisão final.</font><br>
<font>Por isso, nada obstava que, em resultado da prova produzida no âmbito da reclamação de créditos, fosse dado como provado um facto diferente. Deste modo, a desconformidade alegada quanto à cessação da actividade da insolvente, que aqui se provou ter sido em 22 de Fevereiro de 2006, não tem quaisquer consequências, estando excluída qualquer ofensa ao caso julgado.</font><br>
<font>De qualquer modo, a alegação sempre seria irrelevante, porque podendo apenas influenciar o montante de certos créditos, a Apelante, no presente recurso, não impugnou o reconhecimento desses créditos, mas apenas a sua graduação, por entender que apenas gozam do privilégio mobiliário geral”</font><font>.</font><br>
<br>
<font>2. Concorda-se inteiramente com o expendido no acórdão da Relação.</font><br>
<font>Aliás, compulsando as alegações e respectivas conclusões apresentadas pela recorrente, constata-se que a sua discordância incide essencialmente sobre o acórdão deste STJ de 25.11.2008.</font><br>
<font>Só que tal decisão transitou em julgado, pelo que a 1ª instância, perante a anulação do processado aí determinada, apenas tinha de lhe dar o devido cumprimento, fazendo observar a tramitação prevista nos artigos 129º e seguintes do CIRE.</font><br>
<br>
<font>Se o não fizesse, é que haveria violação do caso julgado.</font><br>
<br>
<font>Imputa a recorrente ao acórdão ora recorrido o vício da nulidade, nos termos do artigo 668º, nº 1, a) e b), do Código de Processo Civil (CPC).</font><br>
<br>
<font>Segundo o citado nº 1 do artigo 668º, é nula a sentença, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b)), e quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (alínea d), 1ª parte).</font><br>
<br>
<font>Tal regime é aqui aplicável por força dos artigos 716º e 732º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Lendo o acórdão em causa, não conseguimos vislumbrar onde podem existir as apontadas nulidades.</font><br>
<br>
<font>Efectivamente, os factos estão aí devidamente especificados, bem como as razões de direito.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, não conseguimos descortinar que tenha havido qualquer omissão de pronúncia por parte do tribunal recorrido, em relação às questões que a aí apelante lhe colocou, sendo certo que não compreendemos como, de forma completamente despropositada, a recorrente alega que colocou trinta questões no seu recurso.</font><br>
<br>
<font>Não padece, pois, o acórdão de qualquer nulidade, designadamente das apontadas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>2. No fundo, o que a recorrente defende é a intangibilidade da lista elaborada pelo administrador da insolvência e, consequentemente, a fixação da matéria de facto, face à falta de impugnação por parte de alguns dos credores (ex-trabalhadores).</font><br>
<br>
<font>O nº 3 do artigo 130º do CIRE ressalva a verificação de erro manifesto como sendo o único caso de controlo judicial da lista elaborada pelo administrador da insolvência.</font><br>
<font>A questão tem sido debatida. </font><br>
<br>
<font>Propendemos a aceitar o defendido por SALVADOR DA COSTA, no sentido de que, se o juiz, pela análise da lista, “suspeitar de que o administrador da insolvência incorreu em erro manifesto de facto e ou de direito no plano dos direitos de crédito ou das respectivas garantias, deve diligenciar no sentido da pertinente correcção” (O Concurso de Credores, 4ª edição, Actualizada e Aumentada, págs. 336 a 338).</font><br>
<br>
<font>Percebe-se o entendimento da recorrente: se, porventura, a lista inicial fizesse caso julgado, os créditos dos trabalhadores não poderiam ser considerados verificados, por falta de impugnação, em relação ao prédio nº ... .</font><br>
<br>
<font>Contudo, o que é certo é que o STJ determinou a anulação do processado, com vista à elaboração, por parte do administrador da insolvência, de nova lista.</font><br>
<br>
<font>Foi em virtude de tal decisão – que, necessariamente, cumpre respeitar – que os trabalhadores se aprestaram a fazer valer os seus direitos, relativamente aos seus créditos laborais, o que, anteriormente, não haviam feito.</font><br>
<br>
<font>Só que, como bem diz o acórdão ora impugnado, a decisão do Supremo transitou em julgado, razão pela qual terá de ser respeitada.</font><br>
<br>
<font>Assim, também não foi cometida nenhuma irregularidade de natureza processual que possa consubstanciar nulidade, como defende a recorrente, invocando o disposto nos artigos 201º e 205º do CPC, sendo certo que, a existir, estaria há muito a mesma sanada (cfr. o nº 1 do citado artigo 205º e nº 1 do artigo 153º do mesmo diploma).</font><br>
<br>
<font>3. No tocante à alegada violação dos artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 516º do CPC, esquece a recorrente que, apesar da falta de alegação, por parte dos trabalhadores, de factualidade a justificar o privilégio contido no artigo 377º, nº 1, b), do Código do Trabalho, as instâncias, por presunção, retiraram o facto de que os seus créditos são privilegiados em relação aos dois imóveis que constituíam as instalações da empresa insolvente e onde exerciam funções, onde se inclui o inscrito na respectiva Conservatória sob o nº ..., sem embargo também de se ter reconhecer ao tribunal os poderes oficiosos a que o alude o nº 3 do artigo 265º do CPC. </font><br>
<font>Não havendo críticas ao modo como a presunção foi extraída, ao STJ só cabe acatar o juízo probatório firmado (cfr. artigos 722º, nº 2, e 729º, nº 2, do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, ainda aqui aplicável).</font><br>
<br>
<font>4. Argumenta ainda a recorrente que o acórdão recorrido (como também a sentença proferida na 1ª instância) padece de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13º, 20º, nº 4, e 204º da Constituição da República Portuguesa.</font><br>
<br>
<font>Não lhe assiste a mínima razão.</font><br>
<br>
<font>O primeiro dos preceitos legais indicados reporta-se ao princípio da igualdade.</font><br>
<br>
<font>O nº 4 do artigo 20º refere que “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.</font><br>
<br>
<font>Por sua vez, o artigo 204º prescreve que “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.</font><br>
<br>
<font>Perante o texto destes dispositivos legais, não vislumbramos onde se funda o juízo de inconstitucionalidade feito pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>A partir do momento em que, neste STJ, foi proferido um acórdão a anular todo o processado, a fim de ser elaborada uma nova lista de credores, nos termos do artigo 129º do CIRE – e voltamos a dizer que a discordância da ora recorrente incide essencialmente sobre esta decisão, que transitou em julgado –, o tribunal da 1ª instância mais não podia fazer senão dar cumprimento ao decidido nesse acórdão, o que foi feito, dando-se estrita obediência ao estabelecido nos artigos 129º a 140º do CIRE.</font><br>
<br>
<font>Logo, não pode ser imputado ao acórdão recorrido (como também à sentença que o mesmo confirmou) nenhum juízo de inconstitucionalidade, designadame | [0 0 0 ... 0 0 0] |
sTKlu4YBgYBz1XKvKSac | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font> Revista nº 1903/06.4TVLSB.L1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a></p><div><br>
<b><font> </font></b></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> I— RELATÓRIO </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA – Actividades Hoteleiras, Lda.</font></b><font>, com sede na Rua ......., nº ..., ..., Dto, Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, distribuída nas Varas Cíveis de Lisboa, contra </font><b><font>BB, S.A.</font></b><font>, com sede na Rua da Cintura do Porto de Lisboa, Terminal Fluvial do Cais do Sodré.</font>
</p><p><font>Em suporte da sua demanda, alega a autora que:</font>
</p><p><font> Por carta de 28-06-2004, a sociedade CC – Exploração de Espaços Comerciais da CP, S.A., na qualidade que invocou de consultora e representante da ré para a preparação da concessão dos espaços comerciais do novo terminal do Cais do Sodré, convidou a autora a enviar, no prazo de 10 dias, uma proposta de preço mensal para a concessão de um espaço destinado à actividade de snack bar; </font>
</p><p><font>Durante as negociações que se seguiram à apresentação da proposta por parte da autora, a CC informou-a de que no terminal em causa, para além das máquinas automáticas a instalar nas salas de embarque, não seriam abertos outros estabelecimentos que vendessem ao público o mesmo tipo de produtos que seriam vendidos no estabelecimento da autora;</font>
</p><p><font>O facto de se tratar de uma concessão em exclusividade levou a autora a aceitar pagar mensalmente à ré uma taxa mensal de 6.784,00€ (8.072,96€, com IVA) e, após a adjudicação da concessão, a apresentar um projecto e executar obras de instalação de equipamentos que importaram em 171.113,73€, IVA incluído;</font>
</p><p><font>A concessão veio a ser adjudicada à autora, tendo sido celebrado com a ré, em 31-01-2005, contrato de cessão para exploração comercial no terminal fluvial de passageiros do Cais do Sodré; </font>
</p><p><font>Porém, no dia 26-06-2005, foi instalado no mesmo terminal, a 15 metros da entrada do estabelecimento da autora, um quiosque para venda de cafés, cervejas, artigos de snack bar e gelados, e a receita da autora, que aumentara mensalmente desde a abertura do seu estabelecimento até ao final do mês de Junho de 2005, entrou em declínio desde a abertura do quiosque;</font>
</p><p><font>Se não fosse a abertura deste quiosque a autora teria de receita mensal, pelo menos, desde Janeiro de 2006, 30 000,00€; </font>
</p><p><font>Acresce que a autora não tem cumprido os consumos mínimos a que se obrigou para com a “D...” e “N...”, podendo a “D...” exigir a devolução dos equipamentos que lhe entregou e a “N...” pôr termo ao contrato e exigir à autora o pagamento da indemnização contratual;</font>
</p><p><font>Além disso, a autora corre o risco de ter que encerrar o seu estabelecimento por as receitas, nas actuais circunstâncias, serem insuficientes para fazer face às despesas do seu funcionamento e aos encargos contraídos para a sua instalação, e terá também que indemnizar a “U...” nos termos do contrato que com esta celebrou; </font>
</p><p><font>Por virtude da diminuição de receitas em consequência da abertura do quiosque, a autora não pagou à ré a renda vencida em Outubro de 2005, nem nenhuma das posteriores, tendo a ré procedido à resolução do contrato.</font>
</p><p><font>Concluiu pedindo a condenação da ré, a:</font>
</p><p><font>a) Pagar-lhe a quantia de 147.532,88€, a título de indemnização pelos prejuízos por ela sofridos entre 07-07-2005 e o final de Março de 2006, acrescida de juros, à taxa legal dos juros comerciais, a contar da citação;</font>
</p><p><font>b) Pagar-lhe a quantia de 30.000,00€ a título de indemnização por cada mês que o quiosque se mantenha em funcionamento para além do fim de Março de 2006, acrescida de juros, à taxa legal dos juros comerciais, a contar do final de cada mês;</font>
</p><p><font>c) Indemnizá-la por todos os outros prejuízos, a liquidar em execução de sentença, que venha a sofrer em consequência do incumprimento da R.;</font>
</p><p><font>d) Proceder ao encerramento imediato do quiosque, ou, caso assim não se entenda:</font>
</p><p><font>e) Não renovar o contrato ou licença a ele relativos, para além do termo do período que se encontra em curso;</font>
</p><p><font>f) Não resolver o contrato celebrado com a A. com fundamento na falta de pagamento da taxa mensal contratualmente estabelecida, enquanto o quiosque não for encerrado, ou enquanto a R. não indemnizar a A. dos prejuízos sofridos, conforme o que primeiro se verificar.</font>
</p><p><font>A ré contestou, alegando, em síntese, que:</font>
</p><p><font> A relação contratual existente entre as partes consta do contrato junto aos autos, sendo que nele não há qualquer referência a um regime de exclusividade de cedência de espaço para fins comerciais; </font>
</p><p><font>A CC nunca foi sua procuradora e não recebeu instruções para transmitir aos interessados qualquer intenção de contratualização em regime de exclusividade;</font>
</p><p><font>Há produtos comercializados que não são comuns ao estabelecimento da autora e ao quiosque, a confecção dos mesmos não é igual, os preços variam, há estabelecimentos similares nas imediações do Terminal e há outros factores que levam o consumidor a optar por um estabelecimento em detrimento de outro;</font>
</p><p><font>Com quiosque, ou sem quiosque a funcionar, os resultados da autora seriam sempre negativos porquanto, antes da abertura daquele, apresentava já um prejuízo mensal de cerca de 15.000,00€. </font>
</p><p><font>Pede, em concordância, a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.</font>
</p><p><font>Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e integrante da base instrutória (fls. 138 a 142 verso).</font>
</p><p><font>Foi deferida, após requerimento da ré, a apensação, à presente, da acção que corria termos na 8.ª Vara Cível de Lisboa, 1.ª Secção, sob o n.º 183/07.9TVLSB.</font>
</p><p><font>Nessa acção declarativa de condenação, igualmente com processo comum, sob a forma ordinária, a </font><b><font>BB S.A.</font></b><font>, aqui ré, pede a condenação da ora autora a pagar-lhe as compensações mensais vencidas entre 01-10-2005 e 21-12-2006, no montante total de 125.395,39€, acrescidas das que se vencerem na pendência da acção, eventualmente actualizadas nos termos contratuais.</font>
</p><p><font>Alega a falta de pagamento pela AA, Lda., da contrapartida mensal acordada pelas partes no contrato de cessão para exploração comercial no Terminal fluvial de passageiros do Cais do Sodré.</font>
</p><p><font>A AA, Lda., contestou, alegando que não pagou as contrapartidas peticionadas, porque a BB incumpriu o contrato que celebrou com ela, originando esse incumprimento uma drástica diminuição de receitas naquele estabelecimento comercial, por forma tal que deixou de conseguir angariar meios para poder proceder ao pagamento daquelas quantias, terminando por pedir a improcedência da acção.</font>
</p><p><font>Deduzida réplica, e na sequência da apensação, procedeu-se ao aditamento da base instrutória (fls. 619).</font>
</p><p><font>Efectuadas perícias singulares, tendo por objecto a contabilidade da autora (cf. fls. 161 verso, 167, 561 a 565 e 600 e fls. 623, 628 e 632 a 634), realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a gravação da prova, conforme consta da acta de fls. 688 a 691, tendo sido julgada a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 695 a 699.</font>
</p><p><font>Apresentadas alegações de direito, foi exarada sentença, inserta de fls. 745 a 764, que julgou esta acção parcialmente procedente e a acção apensada procedente, condenando:</font>
</p><p><font>– A BB, S.A., a pagar à AA – Actividades Hoteleiras, Lda., a quantia de 15.266,52€, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva dos juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde a citação até integral pagamento;</font>
</p><p><font>– A BB, S.A., a pagar à AA – Actividades Hoteleiras, Lda., o lucro por esta esperado após Dezembro de 2006, bem como as quantias que esta tenha de pagar à D..., N... e U... por cessação dos respectivos contratos, em montante a liquidar em execução de sentença;</font>
</p><p><font>– A AA – Actividades Hoteleiras, Lda., a pagar à BB, S.A., a quantia de 125.395,39€, bem como as taxas mensais acordadas que se venceram na pendência da acção,</font>
</p><p><font>– Absolvendo a BB, S.A. do demais peticionado.</font>
</p><p><font>Inconformadas, ambas as partes recorreram desta decisão, tendo a Relação, por unanimidade, proferido o acórdão de fls. 885 a 925, rectificado pelo de fls. 940 a 943 verso, deliberando:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação da “BB”, e parcialmente procedente a apelação da “AA”, revogando a sentença recorrida - excepto no que respeita à condenação da “BB” a pagar as quantias que a “AA” tenha de pagar à “D...”, “N...” e “U...” por cessação dos respectivos contratos, em montante a fixar em subsequente liquidação, e na condenação da “AA” a pagar à “BB”a quantia de € 125.395,39, bem como as rendas que se venham a vencer depois da de Dezembro de 2006 - condenando-se a “BB” a pagar à “AA” a quantia de € 88.853,73 (48.353,73 + 40.500,00), acrescida de juros de mora à taxa supletiva relativa a créditos de que sejam titulares empresas comercias desde a citação até integral pagamento, bem como a pagar-lhe a quantia de € 13.500,00 por cada mês em que o "quiosque" se mantenha em funcionamento para além do fim de Março de 2006, mais determinando que a "AA" só terá de proceder ao pagamento da quantia de € 125.395,39, bem como o das rendas que se venham a vencer depois da de Dezembro de 2006, depois que a "BB" proceda ao pagamento das quantias acima referidas e se mostre cessada a exploração que vem a ter lugar no "quiosque" em referência nos autos.</font></i>
</p><p><i><font>Custas da apelação da "BB" pela mesma.</font></i>
</p><p><i><font>Custas da apelação da "AA", por esta, na proporção de 1/5, e pela "BB", na proporção de 4/5, sem prejuízo do que porventura se venha a apurar em liquidação de sentença</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Novamente inconformada, agora somente a ré BB (fls. 948), vem recorrer para este Supremo Tribunal, rematando as alegações do recurso de revista com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>“1.ª A recorrente BB não incorreu em responsabilidade contratual;</font>
</p><p><font>2.ª A matéria de facto considerada provada não permite concluir que o contrato dos autos comporta a cláusula de exclusividade que não ficou consignada no documento assinado pelas partes;</font>
</p><p><font>3.ª A referência ao regime de exclusividade resultou da informação prestada pela CC, enquanto representante da Recorrente na preparação da concessão dos espaços comerciais do Terminal do Cais do Sodré;</font>
</p><p><font>4.ª A CC nunca foi procuradora da Recorrente com poderes de representação para a obrigar contratualmente;</font>
</p><p><font>5.ª Considerando os factos apurados, a culpa da Recorrente radica no facto da informação pré-contratual prestada pelo seu mediador à AA não ter sido respeitada posteriormente à formação do contrato que não prevê nas suas cláusulas o regime da exclusividade;</font>
</p><p><font>6.ª A Recorrente BB ao permitir a instalação do quiosque no terminal, incorreu perante a A., em responsabilidade pré-contratual, nos termos do artº 227º, nº 1, do C.Civil;</font>
</p><p><font>7.ª O douto acórdão recorrido faz errada interpretação do disposto no nº 1 do artigo 227º e nº 1 do artigo 798º, ambos do C. Civil.</font>
</p><p><font>8.ª Os danos sofridos pela AA resultam de </font><i><font>culpa in contraendo</font></i><font> e não da violação ilícita do contrato;</font>
</p><p><font>9.ª A </font><i><font>exceptio non adimpleti contractus</font></i><font> só seria aplicável existindo incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato por parte da Recorrente BB;</font>
</p><p><font>10.ª O douto acórdão recorrido faz errada aplicação do disposto no artº 428º do C. Civil;</font>
</p><p><font>11.ª A recusa do pagamento das rendas vencidas, por parte da AA é ilícita e implica a sua constituição em mora, nos termos do nº 1 do art. 406º e nº 1 do art. 762º do C.Civil;</font>
</p><p><font>12.ª Relativamente aos prejuízos sofridos pela AA, resultantes do desvio de clientela, na sequência da abertura do quiosque, apurou-se nos autos uma diminuição de receitas de 12% (2033,81 mês), resultante da diferença entre a média das receitas contabilizadas antes e depois da abertura deste;</font>
</p><p><font>13.ª O douto acórdão recorrido considerou que não foi apenas de 12% a diminuição de receitas da AA, partindo do pressuposto que estas iriam certamente aumentar com base na linha ascendente dos cinco primeiros meses;</font>
</p><p><font>14.ª A totalidade da matéria de prova considerada provada não permite fundamentar tal convicção;</font>
</p><p><font>15.ª O decréscimo de clientela, para além do desvio concorrencial, resultou também de factos directamente imputáveis à AA;</font>
</p><p><font>16.ª Consta da resposta ao artº 20º da base instrutória que, (...) </font><i><font>por vezes de manhã há indigentes sentados nas mesas do estabelecimento da A., o que afasta potenciais clientes</font></i><font>;</font>
</p><p><font>17.ª Tal prova não é inconsequente mas sim reveladora do fraco nível do estabelecimento explorado pela AA, o qual certamente afastou clientela e influenciou negativamente a linha ascendente verificada nos primeiros meses de facturação;</font>
</p><p><font>18.ª O douto acórdão recorrido violou o princípio da legalidade material e o disposto no nº 3 do art. 659º do CPC;</font>
</p><p><font>19.ª A decisão proferida em primeira instância apenas merece censura na medida em que calculou mal, utilizando o raciocínio correcto, o valor do lucro esperado com o cumprimento do contrato;</font>
</p><p><font>20.ª O resultado final é de € 11 108,52 e não de € 15 266,52;</font>
</p><p><font>21.ª O douto acórdão recorrido considerou mal ser impossível saber-se a medida da diminuição de clientela e que tal impossibilidade só pode ser suprida com um julgamento através da equidade;</font>
</p><p><font>22.ª O douto acórdão recorrido não deveria ter recorrido à equidade para calcular o valor da indemnização decorrente da transferência de clientela;</font>
</p><p><font>23.ª Assim procedendo violou o princípio da legalidade material;</font>
</p><p><font>24.ª Ao caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> aplicam-se normas gerais e abstractas;</font>
</p><p><font>25.ª Existem elementos de prova objectivos que permitem calcular o prejuízo sofrido pela AA em sede de execução de sentença, pelo que se impunha a aplicação do disposto no nº 2 do art. 661º do CPC;</font>
</p><p><font>26.ª Ao decidir recorrer à equidade o douto acórdão recorrido faz errada aplicação do disposto no nº 3 do art. 566º do C.C.;</font>
</p><p><font>27.ª Mas ainda que se pudesse entender que o recurso à equidade é admissível, ainda assim o douto acórdão recorrido violaria o disposto no nº 3 do art. 566º do CC;</font>
</p><p><font>28.ª Na medida em que não tem em consideração os limites que resultam da prova produzida dos autos, à qual está obrigatoriamente vinculado, para decidir segundo critérios de equidade;</font>
</p><p><font> 29.ª O douto acórdão recorrido, equitativamente, atendeu à receita média do quiosque, como sendo o limite considerado provado a ter em conta e considerou que, pelo menos metade da clientela do referido quiosque corresponderia a clientela já existente ou que viria a existir no estabelecimento da AA;</font>
</p><p><font>30.ª Tal critério é inadmissível por não existirem limites provados que apontem, ainda que indiciariamente, nesse sentido;</font>
</p><p><font>31.ª Ficou provado que a presença de indigentes afastava a clientela.</font>
</p><p><font>Neste termo e nos mais de direito, que mui doutamente serão supridos, deverá ser revogado o douto acórdão recorrido, mantendo-se a sentença proferida em primeira instância, com excepção do valor apurado respeitante ao lucro esperado com o cumprimento do contrato, correspondente à diferença entre a média mensal de receitas, sem IVA, obtidas pela AA, antes e depois da abertura do quiosque, que deverá ser corrigido para €11.108,52”.</font>
</p><p><font> Foram oferecidas contra-alegações, pela autora, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido, assim rematadas:</font>
</p><p><font>“1. A BB incorreu em responsabilidade contratual ao ter contratado com terceiro a instalação de um quiosque no Terminal fluvial do Cais do Sodré;</font>
</p><p><font>2. É impossível neste momento, como o seria em execução de sentença, determinar com exactidão, ou mesmo aproximativamente, qual a clientela desviada do estabelecimento da AA para o quiosque.</font>
</p><p><font>3. Assim sendo, a não se considerar que toda a Clientela do quiosque foi desviada do estabelecimento da AA, por não haver outro no local, apenas por recurso à equidade pode o valor indemnizatório ser determinado como o fez a decisão recorrida;</font>
</p><p><font>4. Tendo o incumprimento da BB precedido o não pagamento da renda por parte da AA, e havendo, como há, proporcionalidade entre os valores em causa - o valor dos prejuízos mensais da AA decorrentes do incumprimento da BB e o valor das rendas não pagas por aquela, podia a AA invocar, como invocou, a </font><i><font>exceptio non adimpleti contractus</font></i><font>;</font>
</p><p><font>5. A decisão recorrida não violou qualquer disposição legal e não merece qualquer censura”.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nºs 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> – por diante CPC.</font>
</p><p><font>São as seguintes as questões suscitadas que importa apreciar e decidir: </font>
</p><p><font>a) Âmbito da responsabilidade civil da ré para com a autora, ao ter contratado com terceiro a instalação de um quiosque no Terminal Fluvial do Cais do Sodré, se responsabilidade contratual ou pré-contratual;</font>
</p><p><font>b) Danos e cômputo indemnizatório dos prejuízos patrimoniais da autora, resultantes da conduta da ré;</font>
</p><p><font>c) Saber se a conduta da ré legitima o não pagamento das contrapartidas contratuais, por parte da autora, nos termos e para os efeitos do art. 428.° do Código Civil (a partir de agora CC).</font>
</p><p><b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
</p><p><b><font> DE FACTO</font></b>
</p><p><font> Vem tida por assente a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font>1. A R. é a sociedade concessionária dos transportes fluviais entre as duas margens do Tejo e que gere e explora os terminais fluviais em ambas as margens do rio, incluindo a nova estação fluvial do Cais do Sodré (al. A) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>2. A A. dedica-se e tem por objecto a actividade de restauração, com especial incidência no serviço de cafetaria e, nomeadamente, na venda ao público de café, enquanto bebida (al. B) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>3. Por carta de 28 de Junho de 2004, a sociedade CC - Exploração de Espaços Comerciais da CP, S.A., informou a A. de que fora nomeada pela R. como seu consultor e representante para a preparação da concessão dos espaços comerciais do novo terminal do Cais do Sodré (documento de fls. 12) (al. C) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>4. Nessa carta a CC, na sua invocada qualidade, convidou a A. a enviar, no prazo de 10 dias, uma proposta de preço mensal para a concessão de um espaço destinado à actividade de snack bar – espaço esse assinalado em planta anexa à carta – tendo ainda em conta o seguinte: – A duração do contrato seria por cinco anos, renovável automaticamente por períodos anuais; – O horário do estabelecimento seria a acordar posteriormente; – A A. deveria apresentar seguros multi-riscos e de responsabilidade civil; – Ao preço proposto acresceria IVA à taxa legal, sendo aquele preço actualizado anualmente de acordo com a taxa de inflação do ano anterior; – Seriam da conta da A. todas as obras de adaptação do espaço a concessionar (al. D) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>5. Para melhor análise do convite formulado e mais consciente determinação da proposta a apresentar, foi a A. ainda informada naquela carta de que estava prevista a colocação de máquinas automáticas de bebida, snacks e cafés nas salas de embarque (al. E) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>6. A concessão veio a ser adjudicada à A., que em consequência celebrou com a R., em 31 de Janeiro de 2005, o denominado “</font><i><font>contrato de cessão para exploração comercial</font></i><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><i><font> no terminal fluvial de passageiros do Cais do Sodré</font></i><font>” e respectivos anexos (documento de fls. 40, que se dá por reproduzido) (al. F) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>7. A cláusula 12.ª, subordinada à epígrafe “rescisão”, é do seguinte teor: </font>
</p><p><i><font>1 – ...</font></i>
</p><p><i><font>2 – Se uma das partes não cumprir qualquer das obrigações assumidas no presente contrato, será avisada, por escrito, para lhe dar cumprimento no prazo de 10 (dez) dias. </font></i>
</p><p><i><font>3 – Se a parte faltosa não cumprir de harmonia com o estipulado no número anterior, poderá a outra parte rescindir o contrato invocando o facto por carta registada com aviso de recepção. </font></i>
</p><p><i><font>4 – A rescisão produzirá efeitos a partir da data da recepção da respectiva comunicação. </font></i>
</p><p><i><font>5 – ...</font></i>
</p><p><font>8. No dia 26 de Junho de 2005 foi instalado no mesmo terminal fluvial do Cais do Sodré, a 15 metros da entrada do estabelecimento da A., um quiosque para venda de cafés, cervejas, artigos de snack bar e gelados, com autorização da R. já após a celebração do contrato com a A. (documentos de fls. 62 e 63) (al. H) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>9. Tal quiosque, instalado no local assinalado na planta de fls. 64, em frente ao principal corredor de acesso e saída do pontão de maior movimento do terminal, junto à porta de saída dos passageiros para a estação de comboios do Cais do Sodré, é local obrigatório de passagem de quem, vindo da Praça do Cais do Sodré, se queira dirigir para aquele pontão, e de quem, vindo dos respectivos pontões de acostagem, se dirija àquela praça (al. I) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>10. A renda paga mensalmente pelo quiosque à BB é de 3.750€ (al. J) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>11. A A. não pagou à R. a renda vencida no mês de Outubro de 2005, nem nenhuma das posteriormente vencidas, no montante de 8.072,96€, IVA incluído (al. L) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>12. Na sequência da falta de pagamento da renda vencida em Outubro, a R. notificou a A., nos termos da cláusula 12.ª do contrato de fls. 40, para proceder a esse pagamento no prazo de 10 dias (documento de fls. 94) (al. M) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>13. A A. comunicou à R. a impossibilidade de pagamento, atribuindo-lhe a responsabilidade, respondendo esta através do presidente do conselho de administração que “...</font><i><font>o contrato em vigor é para ser cumprido. Assim, caso a AA não promova o pagamento das prestações vencidas, seremos forçados a proceder em conformidade com o clausulado contratual</font></i><font>” (documentos de fls. 95 e 96) (al. N) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>14. Durante as negociações que se seguiram à apresentação de proposta por parte da A., a CC informou-a de que no terminal em causa, para além das máquinas automáticas a instalar nas salas de embarque, não seriam abertos outros estabelecimentos que vendessem ao público o mesmo tipo de produtos que seriam vendidos no estabelecimento da A. (resposta ao art. 1.º da base instrutória).</font>
</p><p><font>15. A informação da instalação das máquinas automáticas, na carta de fls. 12, tinha por fim a avaliação da concorrência que viria a existir no local (resposta ao art. 2.º da base instrutória).</font>
</p><p><font>16. Foi a informação referida no art. 1.º que levou a A. a pagar à R. uma taxa mensal de € 6784 (€ 8072,96, com IVA) (resposta ao art. 3.º da base instrutória).</font>
</p><p><font>17. E, após a adjudicação da concessão, a apresentar um projecto e executar obras e instalação de equipamentos que importaram em € 171.113,73, IVA incluído (resposta ao art. 4.º da base instrutória).</font>
</p><p><font>18. A A. vende, entre outros, os produtos vendidos no quiosque a que se referem as als. H) e I): cafés, cervejas, gelados e sanduíches (resposta ao art. 5.º da base instrutória).</font>
</p><p><font>19. O quiosque tem seis empregados, três em cada turno (resposta ao art. 6.º da base instrutória).</font>
</p><p><font>20. De Janeiro a Setembro de 2006, o quiosque obteve receitas médias mensais de € 27 169,46 (resposta ao art. 7.º da base instrutória).</font>
</p><p><font>21. Desde que a A. iniciou a sua actividade no estabelecimento, em 01-02-2005, a média mensal de receitas até final de Junho, sem IVA, foi de € 16.353,40, sem contabilizar as receitas resultantes da venda de tabaco (resposta ao art. 8.º da base instrutória).</font>
</p><p><font>22. No mês de Junho de 2005, a receita foi de € 25.978,90, com IVA incluído, sem contabilizar as receitas resultantes da venda de tabaco (resposta ao art. 9.º da base instrutória).</font>
</p><p><font>23. Após a abertura do quiosque, as receitas da A. foram as seguintes, com IVA incluído e sem contabilizar as receitas resultantes da venda de tabaco: – € 19 893,70 no mês de Julho de 2005, – € 16 872,15 no mês de Agosto, – € 17 503,90 no mês de Setembro, – € 15 931,35 no mês de Outubro, – € 15 244,75 no mês de Novembro, – € 16 271,4 no mês de Dezembro, – € 15 062,7 no mês de Janeiro de 2006, – € 14 881,96 no mês de Fevereiro de 2006, – € 15 848,00 no mês de Março de 2006, – € 16 876,31 no mês de Abril de 2006, – € 17 856,73 no mês de Maio de 2006, – € 16 861,34 no mês de Junho de 2006, – € 18 383,25 no mês de Julho de 2006, – € 17 064,09 no mês de Agosto de 2006, – € 16 597,80 no mês de Setembro de 2006, – € 22 038,05 no mês de Outubro de 2006, – € 23 182,60 no mês de Novembro de 2006, e – € 20 783,00 no mês de Dezembro de 2006 (resposta ao art. 10.° da base instrutória).</font>
</p><p><font>24. Foi devido à diminuição das receitas em virtude da abertura do quiosque e às elevadas despesas totais mensais suportadas que a A. deixou de cumprir o compromisso de pagar à R. a taxa mensal, conforme consta da al. L) (resposta ao art. 11.º da base instrutória).</font>
</p><p><font>25. A A. corre o risco de encerrar o seu estabelecimento por insuficiência das receitas para fazer face às despesas de funcionamento e encargos contraídos para a sua instalação (resposta ao art. 12.° da base instrutória).</font>
</p><p><font>26. Por imposição da R. e face à informação referida no art. 1.º, a A. aceitou celebrar com a D... um contrato de compra exclusiva, pelo qual se obrigou à aquisição do mínimo mensal de 100 Kg de café D... (resposta ao art. 13.° da base instrutória).</font>
</p><p><font>27. Ficou acordado que o incumprimento desta obrigação daria lugar à resolução do contrato por parte da D... e à devolução dos equipamentos por esta entregues à A. (resposta ao art. 14.° da base instrutória).</font>
</p><p><font>28. Face à informação referida no art. 1.º, a A. celebrou com a N... um contrato de venda exclusiva, no qual se obrigou à venda anual de € 16 000,00 de produtos daquela, sob pena de a indemnizar em € 24 791,30 (resposta ao art. 15.° da base instrutória).</font>
</p><p><font>29. A A. não tem cumprido os consumos mínimos a que se obrigou perante a D... e a N..., por virtude da diminuição da sua clientela em consequência da abertura do quiosque (resposta ao art. 16.° da base instrutória).</font>
</p><p><font>30. Nem tem adquirido à U... a quantidade de produtos a que se obrigou através do contrato reproduzido a fls. 91 (resposta ao art. 17.° da base instrutória).</font>
</p><p><font>31. Por acordo celebrado entre a R. e a CC, esta obrigou-se em relação àquela a gerir o processo de preparação da concessão dos espaços comerciais do terminal do Cais do Sodré, procedendo à consulta a potenciais interessados no espaço comercial, à avaliação das propostas, à apresentação à R. de uma lista de interessados e à elaboração de um relatório final, tendo a R. concedido à CC poderes para esta a representar nos contactos com os potenciais interessados (resposta ao art. 18.° da base instrutória).</font>
</p><p><font>32. A A., para além do referido no art. 5.º, serve refeições quentes e por vezes de manhã há indigentes sentados nas mesas do estabelecimento da A., o que afasta potenciais clientes (resposta ao art. 20.° da base instrutória).</font>
</p><p><font>33. Antes da abertura do quiosque o estabelecimento da A. já apresentava um prejuízo mensal de montante não apurado (resposta ao art. 21.° da base instrutória).</font>
</p><p><b><font> DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>A) </font><u><font>Âmbito da responsabilidade civil da ré para com a autora, ao ter contratado com terceiro a instalação de um quiosque no Terminal Fluvial do Cais do Sodré, se responsabilidade contratual ou pré-contratual</font></u>
</p><p><font> As instâncias, após qualificarem o contrato outorgado entre a autora e a ré, em 31-01-2005, como “</font><i><font>Contrato de cessão de exploração comercial</font></i><font>”, enveredaram por caminhos diversos para responsabilizar a ré, “BB”, ora recorrente</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, em face do petitório da autora.</font>
</p><p><font>Na decisão da 1.ª instância considerou-se que, porque daquele contrato não constava qualquer referência nesse sentido, não se poderia vir a entender que a ré teria ficado obrigada, por via contratual, a qualquer tipo de exclusividade na </font><i><font>concessão da exploração</font></i><font> do espaço comercial fruído pela autora. Todavia, já se poderia, e deveria, concluir ter a mesma ficado obrigada a tal exclusividade, em função de, nas negociações que precederam o contrato, ter sido garantido à autora, através de “mediador autorizado”, que a actividade de snack bar a que a futura loja se destinava não teria concorrência no terminal em causa, tendo-se assim constituído a ré em responsabilidade pré-contratual, nos termos do art. 227.°, n.º 1, do CC, na base de uma “informação pré-contratual ilícita”. </font>
</p><p><font>Diversamente, a Relação considerou que a “BB” incorreu em responsabilidade contratual pura, sem que seja necessário recorrer à figura da “convenção adicional” (como o fez a autora), ponderando que a circunstância de não constar do texto contratual a cláusula de exclusividade não inviabiliza que se possa entender que a mesma integrou e integra o contrato.</font>
</p><p><font>Sustentou-se, no aresto sob recurso, que será em função da vontade real da “BB” que se deverá interpretar e integrar o contrato realizado pelas partes, não podendo obstar a que se revele e se considere tal vontade, como a negocial, a circunstância de não estar expressamente aludida no contrato aquela exclusividade; ademais, se dúvidas existissem, seria esse o sentido a conferir às declarações contratuais, porque, estando em causa um contrato oneroso, esse sentido sempre seria o que conduziria a um maior equilíbrio das prestações, segundo o art. 237.º do CC.</font>
</p><p><font>Por outro lado, após se insistir na qualificação do contrato como de “</font><i><font>locação de estabelecimento</font></i><font>”, escreveu-se que “</font><i><font>a circunstância de, pura e simplesmente o contrato de locação de estabelecimento não dispor de qualquer regulamen | [0 0 0 ... 0 0 0] |
sTKnu4YBgYBz1XKv2yis | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><b><font> </font></b>
<p><b><font>Revista nº 4393/08.3TBAMD.L1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I – RELATÓRIO</font></b></p></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b><font>O </font><b><font>Digno Magistrado do Mº Pº,</font></b><font> em representação dos menores AA e BB, nascidos em 04-04-1995 e 12-11-2000, respectivamente, intentou acção de regulação do exercício do poder paternal contra os pais daqueles, </font><b><font>CC </font></b><font>e DD.</font>
</p><p><font>Invoca que os requeridos viveram juntos cerca de treze anos, mas actualmente encontram-se separados, residindo os menores com a mãe, DD, sendo a que indica a última residência conhecida do pai, não estando os progenitores de acordo sobre a forma do exercício do poder paternal.</font>
</p><p><font>Por despacho de folhas 23, e considerando ser desconhecido o requerido na residência indicada pelo requerente, foi dada sem efeito a aprazada conferência de pais e fixado um regime provisório de regulação do exercício do poder paternal, com entrega dos menores à guarda e cuidados da mãe, que ficou a exercer o poder paternal.</font>
</p><p><font>Designada nova conferência de pais, para ela foi também citado o requerido, editalmente, mas à mesma não compareceu qualquer dos requeridos, nela tendo sido determinada a requisição do competente inquérito à Segurança Social.</font>
</p><p><font>Junto este, o Digno Agente do Mº Pº promoveu a fixação de um regime de exercício do poder paternal com atribuição deste à progenitora, fixação de um regime de visitas e de uma pensão de alimentos, a pagar pelo pai, em valor não inferior a 100,00€ mensais para cada menor, actualizável anualmente em função do índice de inflação divulgado pelo INE.</font>
</p><p><font>Foi subsequentemente proferida sentença que, considerando não ser possível proceder à fixação de quantitativo a título de pensão de alimentos para os menores, em casos, como o dos autos, de absoluto desconhecimento do paradeiro e nomeadamente da situação económica e social do obrigado ao pagamento da pensão de alimentos, e julgando embora a acção procedente, fixou o regime de exercício do poder paternal, confiando os menores à guarda e cuidados da mãe, mas não estabeleceu qualquer prestação a efectuar pelo pai a título de pensão de alimentos para aqueles.</font>
</p><p><font>Recorreu o Mº Pº, referindo expressamente circunscrever o objecto do recurso à parte da sentença que, com base no desconhecimento do paradeiro e das condições económico-financeiras do pai dos menores, omitira a fixação de uma prestação alimentícia a cargo desse progenitor, mas sem êxito, uma vez que a Relação no seu Acórdão de fls. 103 a 117 negou provimento à apelação e confirmou, por unanimidade, a sentença ali recorrida.</font>
</p><p><font>Desse acórdão foi interposta revista excepcional, de novo pelo Exmo. Magistrado do Mº Pº, que invocou a verificação dos pressupostos da respectiva admissibilidade previstos no art. 721º-A, nº 1, als. a), b) e c), do Código de Processo Civil, indicando as razões em seu entender justificativas e juntando cópia de um acórdão da Relação de Lisboa, de 28/06/07, cujo trânsito em julgado certifica, e que invoca como fundamento.</font>
</p><p><font>Foi a mesma aceite pela formação de Juízes deste Supremo Tribunal por verificado o requisito da alínea c) do nº 1 do citado art. 721º-A.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>ª</font></div><br>
<font>Passando ao demais, nas alegações que apresentou, com interesse e directamente conexionadas com a questão controvertida uma vez que quase na sua integralidade as conclusões versam a sustentação da admissibilidade da revista excepcional, tira as seguintes conclusões:</font>
<p><font>1. A decisão foi proferida em violação das seguintes normas legais: art°s 1878º, 1905° e 2004°, n" 1 do Código Civil. </font>
</p><p><font>2. O que terá devido suprimento pela concessão de acolhimento do presente recurso, dando sem efeito a decisão recorrida e fixando-se uma pensão a cargo do progenitor, mesmo desconhecendo-se em concreto as suas condições para responder pelo pagamento da prestação alimentar ou o desconhecendo-se até o seu paradeiro.</font>
</p><p><font>3.- "Ainda que não se saiba da existência de rendimentos de que seja titular o progenitor - quer por desconhecimento do respectivo paradeiro, quer por desconhecimento da sua situação económica - e, bem assim, quando esta seja precária, deve a sentença impor àquele a obrigação de prestar alimentos. </font>
</p><p><font>4.- Com efeito, é inerente ao poder paternal o dever de prover ao sustento do filho menor, o que, além de constituir imperativo constitucional por força do que se</font><font> </font><font>dispõe no artigo 36° da CRP, decorre também do artigo 2009º, n° 1, c) do Código Civil. </font>
</p><p><font>5.- Acresce que, de outro modo, ficaria vedada a intervenção do FGADM, por falta de um dos pressupostos essenciais, ou seja, a fixação judicial do quantum de alimentos. Tal fixação deve, nesses casos, ser determinada com recurso a presunções e por critérios de equidade ".</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font></p><div><br>
<font>ª</font></div><br>
<font>As conclusões do recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil – doravante CPC) – consubstanciam uma única questão: saber se o desconhecimento de qualquer facto relativo às condições económicas do pai dos menores, que se encontra em paradeiro desconhecido, impede que seja fixada uma prestação alimentícia a seu cargo.</font><div><br>
<font>ª</font></div><br>
<font> </font><div><br>
<b><font>I I – FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br>
<font> </font>
<p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>Das instâncias vem dada por</font><b><font> </font></b><font>assente a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font>"1- AA nasceu em 04 de Abril de 1995 e encontra-se registado como filho de CC e de DD; </font>
</p><p><font>2- BB nasceu em 12 de Novembro de 2000 e encontra-se registado como filho de CC e de DD; </font>
</p><p><font>3- Os progenitores do AA e do BB não são casados entre si, viveram maritalmente um com o outro durante cerca de 15 anos e encontram-se separados um do outro há cerca de 6 anos; </font>
</p><p><font>4- Os Menores sempre viveram com a Requerida, coabitando os três numa casa constituída por dois quartos, 1 sala, casa de banho e cozinha, com boas condições de habitabilidade; </font>
</p><p><font>5- A Requerida mantém uma forte ligação afectiva aos dois filhos, esforça-se por garantir a satisfação das necessidades básicas dos Menores acompanhando com regularidade o percurso escolar do BB , beneficiando de apoio por parte de familiares; </font>
</p><p><font>6- A Requerida encontra-se desempregada, conta com apoio económico por parte da Segurança Social em montante não apurado, bem como com a prestação de abono de família em benefício dos filhos no montante de € 100,00 mensais e apoio económico por parte de familiares; </font>
</p><p><font>7- A Requerida despende mensalmente, em média, € 60,00 com electricidade, € 20,00 com água e € 21,00 com gás; </font>
</p><p><font>8- O AA frequenta o ensino oficial público na Escola Sophia de Mello Breyner na Brandoa, tem um comportamento adequado para com adultos, revelando, todavia, problemas de concentração e aprendizagem, beneficiando de actividades extracurriculares (basquetebol) e aulas de apoio de inglês;</font>
</p><p><font>9- O BB frequenta, igualmente, o ensino oficial público na Escola B1 Ricardo Alberty, revela dificuldades de aprendizagem, beneficiando de actividades extracurriculares (xadrez) e aulas de apoio ao estudo; </font>
</p><p><font>10- A Requerida tem demonstrado maior disponibilidade para acompanhar o percurso escolar do BB que o do irmão; </font>
</p><p><font>11- Após a separação entre os progenitores dos Menores o Requerido passou a visitar os filhos de forma muito esporádica; </font>
</p><p><font>12 - Apesar de longos períodos de ausência de contactos entre o Requerido e os filhos estes possuem uma ligação afectiva ao pai, nomeadamente o AA; </font>
</p><p><font>13- O Requerido reside previsivelmente no estrangeiro, em local incerto, desconhecendo-se presentemente qual o seu modo de vida, situação pessoal, laboral e económica; </font>
</p><p><font>14- Em 03/02/2009 foi proferida a fls. 23 dos autos decisão provisória sobre a guarda e exercício do poder paternal dos Menores, competindo tal poder-dever à Requerida.".</font></p><div><br>
<font>ª</font></div><br>
<font> </font>
<p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Como acima se disse na enunciação da questão suscitada nesta revista, procura saber-se se poderá o tribunal, sem dispor de quaisquer elementos factuais acerca da vida pessoal, social e económica do progenitor dos menores que lhes deverá prestar alimentos, fixar mesmo assim uma prestação alimentar.</font>
</p><p><font>O acórdão recorrido, confirmando a sentença da 1ª instância, concluiu no sentido de que “</font><i><font>para a fixação de alimentos devidos a menor é necessário a recolha de elementos que permitam avaliar os meios do obrigado à sua prestação, nos termos do artigo 2004º n.º 1 do C. Civil, não merecendo censura a sentença que, por carência de tais elementos não fixa tal pensão, o que a verificar-se violaria o disposto no referido artigo</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Perfilha-se o entendimento de que a fixação da pensão de alimentos não é obrigatória nas decisões que regulam o exercício do poder paternal, sempre que se ignora totalmente o paradeiro do obrigado à sua prestação, bem como a sua situação económica e financeira.</font>
</p><p><font>Integra-se ela numa das duas soluções em que sobre esta matéria as decisões dos tribunais de 1ª e 2ª instância se têm agrupado, de que se faz vasta discriminação no corpo alegatório recursivo. A outra é precisamente de sentido oposto, sustentando a sua fixação nos termos defendidos pelo recorrente.</font>
</p><p><font>Esta questão foi objecto de recente apreciação no acórdão desta Secção de 12/07/11, Proc. nº</font><font> </font><font>4231/09.0TBGMR.G1.S1, disponível no ITIJ, relatado pelo Cons. Hélder Roque, também subscrito pelos ora relator e 1º Adjunto Cons. Martins de Sousa.</font>
</p><p><font>Continuando a não divisar algo que desmereça a orientação nele firmada, por razões de comodidade, transcreve-se de seguida o que nele se escreveu:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>O fundamento sociológico e jurídico da obrigação de alimentos radica-se na natureza vital e irrenunciável</font></i><a><b><i><u><sup><font>[2]</font></sup></u></i></b></a><i><font> do interesse, juridicamente, tutelado, que tem subjacente a responsabilidade dos pais pela concepção e nascimento dos filhos, independentemente da relação afectiva e do convívio, realmente, existente entre o progenitor não guardião e os filhos, a ponto de permanecer intacta, na hipótese do mais grave corte da relação entre ambos, como acontece com a situação de inibição do exercício do poder paternal, que “em nenhum caso isenta os pais do dever de alimentarem o filho”, como decorre do estipulado pelo artigo 1917º, do Código Civil (CC).</font></i>
</p><p><i><font>A obrigação de alimentos é, igualmente, de interesse e ordem pública</font></i><a><b><i><u><sup><font>[3]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, de carácter indisponível, irrenunciável, intransmissível e impenhorável, constituindo preocupação do Estado que quem deles esteja carecido possa recorrer, desde logo, aos seus familiares</font></i><a><b><i><u><sup><font>[4]</font></sup></u></i></b></a><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>Dispõe o artigo 1878º, do CC, que “compete aos pais, no interesse dos filhos,…, prover ao seu sustento,…”, sendo responsáveis por todas as despesas ocasionadas com a educação, saúde, alimentação, vestuário e instrução dos seus filhos menores, devendo sustentá-los, satisfazendo as despesas relacionadas com o seu crescimento e desenvolvimento, participando, com iguais direitos e deveres, na sua manutenção, atento o estipulado pelo artigo 36º, nºs 3 e 5, da Constituição da República, ainda que não seja, necessariamente, idêntica a forma do cumprimento desta obrigação.</font></i>
</p><p><font>(…) </font><i><font>A obrigação de alimentos dos pais para com os filhos menores representa um exemplar manifesto da catalogação normativa dos deveres reversos dos direitos correspondentes, dos direitos-deveres ou poderes-deveres, com dupla natureza, em que se assiste à elevação deste dever elementar, de ordem social e jurídico, a dever fundamental, no plano constitucional</font></i><a><b><i><u><sup><font>[5]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, de modo a “assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”, como estabelece o artigo 27º, nº 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança</font></i><a><b><i><u><sup><font>[6]</font></sup></u></i></b></a><i><font>.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>É, assim, apodíctico o indissociável dever jurídico do progenitor de contribuir para o sustento dos filhos menores</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>, e que perante a matéria de facto provada os menores AA e BB carecem de alimentos para fazer face às suas necessidades básicas.</font>
</p><p><font>Do mesmo modo, todas as decisões relativas a menores terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. É o que resulta do estabelecido no nº 1 do art. 1878º do Código Civil (CC), do disposto no art. 1905º do mesmo Código que recusa a homologação do acordo dos pais referente aos alimentos devidos ao filho se “não corresponder ao interesse do menor”, e são ainda os interesses do menor a que o art. 180º da OTM faz apelo quando regula a sentença que deva ser proferida.</font>
</p><p><font>Significa tudo isto, que a essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua. Tal vazio só deverá ocorrer perante a demonstração de qualquer incapacidade laboral, permanente ou definitiva, do progenitor que o iniba de procurar e diligenciar por uma actividade profissional ou laboral que lhe permita cumprir os seus deveres para com o menor, como se escreveu no Ac. deste Supremo de 12/11/09, Proc. nº 110-A/2002.L1.S1, no ITIJ, a propósito de situação de contornos próximos dos destes autos</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>É certo que nos termos do art. 2004°, n.º 1, do CC “</font><i><font>Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los</font></i><font>”, e no caso em apreço nada foi possível apurar que se prendesse com a condição social e económica do requerido-pai.</font>
</p><p><font>Perante a censura formulada, ao vazio decisório da 1ª instância, de contrariar frontalmente a filosofia que presidiu à criação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores constante da Lei nº 75/98 de 19/11, constituindo uma gritante violação do princípio da igualdade estabelecido no art. 13º da Constituição já que potenciaria um tratamento diferenciado entre menores em idêntica situação de carência, consoante se lograsse, ou não, averiguar a situação do alimentante, este princípio constitucional serviu de arrimo no acórdão recorrido para se concluir que em nada aquela solução recorrida, que igualmente preconiza, viola o princípio da igualdade, pois que “são coisas diversas uma situação de fixação de uma pensão de alimentos em montante determinado, em função de comprovada possibilidade de o obrigado a alimentos a pagar, e a situação de absoluto desconhecimento da situação pessoal do progenitor obrigado a alimentos“. </font>
</p><p><font>Motiva-nos este juízo a denunciar o enfoque errado em que se perspectivou esse princípio da igualdade, porque particularmente na óptica da posição e interesse do requerido quando o deveria ter sido na óptica do interesse dos menores. No caso, o interesse que fundamentalmente deve ser tutelado é o dos menores, que não deve ser prejudicado por juízos assentes numa outra lógica formal que os projecte para um plano secundário ao ponto de os postergar. E àquela luz, sem dúvida, que o respeito do princípio da igualdade não é assegurado.</font>
</p><p><font>Como se refere na decisão em crise, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global. Ora, requer este princípio, além de que “</font><i><font>todos os cidadãos… são iguais perante a lei</font></i><font>”, que esta lei deve tratar por igual todos os cidadãos. De outra forma, breve e simples: “</font><i><font>No fundo, o princípio da igualdade traduz-se na regra da generalidade na atribuição de direitos e na imposição de deveres. Em princípio, os direitos e vantagens a todos devem beneficiar os deveres e encargos sobre todos devem impender</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Então, se a lei fosse aplicada de acordo com a interpretação vazada nas decisões das instâncias, um menor, sem ter qualquer influência nesse resultado, ficaria beneficiado ou prejudicado em relação a outro consoante se lograsse apurar ou não a situação económica dos pais. Desigualdade com maior, e particular, visibilidade quando o menor alimentando nem sequer sabe do paradeiro do pai, como aqui acontece, circunstância por via de regra associada até a situações de maior carência alimentar.</font>
</p><p><font> Tínhamos, pois, que em igualdade de circunstâncias quanto à necessidade da prestação alimentar, diferentes menores podiam ser favorecidos ou prejudicados pela aplicação da lei na perfilhação desse entendimento.</font>
</p><p><font>De facto, e retomando o mencionado Acórdão de 12/07/11 que subscrevemos “</font><i><font>A natureza constitucional da obrigação de prestação de alimentos encontra expressão ordinária, ao nível da tutela penal da violação da obrigação do credor de alimentos menor, com consagração no artigo 250º, do Código Penal, e na específica compressão, em sede executiva, do próprio direito à sobrevivência condigna do progenitor vinculado ao dever de prestar alimentos, desanexado, atento o referencial básico das necessidades fundamentais dos filhos menores, do valor do salário mínimo nacional, como reduto inexpugnável do devedor, mas que, inversamente, não releva como pressuposto negativo da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, ou seja, o requisito da “inexistência de rendimentos líquidos do alimentando superiores ao salário mínimo nacional”.</font></i>
</p><p><i><font>Efectivamente, uma das concretizações mais marcantes deste direito fundamental dos filhos menores à prestação alimentar, por parte dos seus progenitores, encontra-se na instituição pelo Estado de uma prestação social substitutiva, com vista ao reforço da protecção social dos menores carenciados, expressa no regime do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, constante da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, regulamentada pelo DL nº 164/99, de 13 de Maio.</font></i>
</p><p><i><font>Com efeito, para além dos meios processuais tutelares hábeis com vista à obtenção de alimentos destinados a menores, de natureza declarativa, a lei consagrou ainda procedimentos coercivos, de índole pré-executiva, para tornar efectiva a prestação de alimentos devidos a menores.</font></i>
</p><p><i><font>Entre eles, destaca-se a efectivação da prestação dos alimentos devidos a menores, já, judicialmente, fixados, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, com natureza subsidiária, dependendo esta prestação substitutiva do Estado da verificação cumulativa de vários requisitos, nomeadamente, a existência de sentença ou acórdão, mesmo que não transitados, que fixem os alimentos devidos a menores, ou de decisão que estabeleça alimentos provisórios, a favor dos mesmos, a cargo da pessoa obrigada, a residência do menor, em território nacional, a inexistência de rendimentos líquidos do alimentando superiores ao salário mínimo nacional, o não recebimento pelo alimentando, na mesma quantidade, de rendimentos de outrem, a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, sempre que a capitação de rendimentos desse agregado familiar não exceda aquele salário, e o não pagamento, total ou parcial, por parte do devedor, das quantias em dívida, designadamente, através de uma das formas previstas no artigo 189º, da OTM, independentemente do recurso à via da execução especial por alimentos, como resulta das disposições combinadas dos artigos 1º, da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, 2º, nº 2 e 3º, nº 1, a), do DL nº 164/99, de 13 de Maio.</font></i><font> </font><i><font>Assim sendo, é pressuposto necessário, etapa prévia indispensável da intervenção</font></i><font> </font><i><font>subsidiária, de natureza garantística, do Fundo de Alimentos Devidos a Menores, que a pessoa visada, para além de estar vinculada, por lei, à obrigação de alimentos, tenha ainda sido, judicialmente, condenada a prestá-los ao menor, em consequência de uma antecedente decisão, mesmo que não transitada em julgado.</font></i>
</p><p><i><font>Com efeito, a prestação do Fundo não visa substituir, definitivamente, a obrigação legal de alimentos devidos a menores, mas antes propiciar uma prestação «a forfait» de um montante, por regra, equivalente ao que fora fixado, judicialmente</font></i><a><b><i><u><sup><font>[10]</font></sup></u></i></b></a><font>.</font>
</p><p><font> </font><i><font>Ora, não tendo sido fixada a prestação de alimentos, a cargo do requerido, na sentença que regulou o exercício do poder paternal, não pode o Fundo de Alimentos Devidos a Menores assegurar o pagamento de prestações alimentares que, oportunamente, não foram estabelecidas, “a pretexto da sua carência económica, o que seria susceptível de vedar ao filho carenciado o acesso a tal prestação social, com o argumento de que não existiria pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos ao menor</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>. “.</font>
</p><p><font>Assim sendo, do que vem dito emana que também nestas circunstâncias de desconhecimento das condições económicas do requerido pode e deve ser fixada uma prestação alimentícia como reflexo do seu poder/dever paternal. Como refere Remédio Marques, “</font><i><font>os direitos-deveres dos progenitores para com os menores são sempre devidos, independentemente dos seus recursos económicos e dos estado de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é obrigatório e prioritário em atenção á pessoa e aos interesses do menor. Na nossa opinião, não tem aplicação, nestas eventualidades, o disposto no art.2004/1 do CC, de harmonia com o qual , e ao derredor do princípio da proporcionalidade se deve atender às possibilidades e económicas do devedor, para o efeito de fixar a obrigação de alimentos. Donde, faz mister fixar-se sempre uma prestação de alimentos a cargo de um ou de ambos os progenitores, mesmo que estejam desempregados e não tenham meios de subsistência “</font></i><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Nem se diga, como no acórdão recorrido, que tal opção importa a “degradação” da fixação da pensão de alimentos num acto meramente instrumental da subsequente intervenção do Fundo, quando esta é subsidiária daquela, exigindo-se para a sua intervenção o prévio insucesso das vias pré-executivas do art. 189º, da OTM.</font>
</p><p><font>Importa ter presente a necessidade de que o mecanismo de apoio aos menores, em relação aos quais o dever parental de prover à sua subsistência é incumprido, possa dar uma resposta eficaz a essas situações. Pela sua acuidade, melhor que outros considerandos será transcrever o que neste âmbito do direito fundamental da segurança social dos menores se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 54/11, de 1/02/11, Proc. nº 707/10:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Estando nós perante a atribuição de prestações pecuniárias regulares, destinadas a custear as despesas dos menores, a questão temporal da satisfação dessas prestações é essencial. O sistema de segurança social deve garantir uma adequação temporal da resposta, concedendo oportunamente as prestações legalmente previstas para uma satisfatória promoção das condições dignas de vida das crianças (vide, enunciando este princípio da segurança social, João Carlos Loureiro, em “Proteger é preciso, viver também: a jurisprudência constitucional portuguesa e o Direito da Segurança Social”, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, pág. 383, da ed. de 2009, da Coimbra Editora). E este objectivo só se mostra alcançado, por um lado, se as prestações sociais atribuídas aos menores cobrirem, o mais aproximadamente possível, todo o período em que se verifica o incumprimento por parte dos pais do dever de proverem à subsistência dos seus filhos, e por outro lado, se existir um mecanismo que permita acorrer, num curtíssimo espaço de tempo, aos casos de necessidade urgente</font></i><font>.</font>
</p><p><i><font>É necessário ter presente que, sendo os beneficiários desta prestação social menores privados de meios de subsistência, estamos num universo em relação ao qual os imperativos de protecção social constitucionalmente previstos se verificam na sua máxima expressão.</font></i><font> “.</font>
</p><p><font>Ora, a solução perfilhada na decisão recorrida de deixar para o futuro, de duração incerta se não mesmo inalcançável, campo para novas iniciativas por banda da mãe dos menores ou do Mº Pº com o objectivo de descobrir o paradeiro do requerido-pai e as suas condições de vida ou expectar o seu surgimento, compromete inevitavelmente a eficácia jurídica da satisfação das necessidades básicas dos menores alimentandos, prolongando no tempo de forma injustificada, a não ser o estrito sentido literal do critério do art. 2004º do CC, a carência continuada de recebimento de qualquer prestação social de alimentos, em que a falta de solidariedade familiar do requerido já se vem demonstrando desde há cerca de 5 anos. </font>
</p><p><font>Em suma, com o devido respeito, a análise detalhada do acórdão recorrido evidencia que em vez de procurar tutelar os interesses dos menores que estão em causa abraçou uma hermenêutica jurídica acauteladora dos interesses do progenitor ausente, conduzindo a um resultado inadequado.</font>
</p><p><font>Inadequado, porquanto não só manteve completamente desonerado o progenitor requerido da responsabilidade decorrente do poder paternal, </font><i><font>maxime</font></i><font> da sua contribuição para alimentos dos filhos a que se encontra juridicamente vinculado pela paternidade, como acabou por deixar desprotegidos os menores, que não podem ser deixados às contingências de eventuais apoios de familiares e amigos, precisamente quem o direito da família essencialmente mais pretende tutelar.</font>
</p><p><font>Neste contexto e nesta área, a fixação de uma prestação alimentícia nos moldes pretendidos pelo requerente é a solução substancialmente mais justa, sabendo-se, para mais, que nos encontramos no domínio da jurisdição voluntária onde vigora o princípio do predomínio da equidade sobre a legalidade, que subtrai o julgador aos critérios puros e rigorosos normativamente fixados, por vezes indutores de soluções social e éticamente indiferentes (cfr. art. 1410º do CPC).</font>
</p><p><font>O requerente Mº Pº pede que seja fixada a pensão mensal de 100€ mensais para cada menor, actualizável anualmente em função do índice de inflação divulgado pelo INE. </font>
</p><p><font>Às instâncias cabe, neste âmbito, o pronunciamento e decisão. </font>
</p><p><font>Procedem, assim, as conclusões recursivas.</font></p><div><br>
<font>ª</font></div><br>
<font>Resta sumariar em observância do nº 7 do art. 713º do CPC:</font>
<p><font>I -. A essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua; </font>
</p><p><font>II – Mesmo no caso de se desconhecer o paradeiro e a situação económica do progenitor, deve fixar-se a pensão de alimentos devidos a menor; </font>
</p><p><font>III – Não o fazer, deixando para o futuro, de duração incerta se não mesmo inalcançável, campo para novas iniciativas por banda da mãe dos menores ou do Mº Pº com o objectivo de descobrir o paradeiro do requerido-pai e as suas condições de vida ou expectar o seu surgimento, compromete inevitavelmente a eficácia jurídica da satisfação das necessidades básicas dos menores alimentandos, prolongando no tempo de forma injustificada a carência continuada de recebimento de qualquer prestação social de alimentos.</font></p><div><br>
<font>ª</font></div><br>
<font> </font><div><br>
<b><font>III -DECISÃO</font></b></div><br>
<font> Termos em que se julga procedente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido.</font>
<p><font>Nas instâncias se fixará o montante, e termos, da prestação mensal a prestar </font>
</p><p><font>Custas nos recursos a cargo do requerido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 27/09/11</font><br>
<font>Gregório Silva Jesus (Relator) *</font><br>
<font>Martins de Sousa</font><br>
<font>Gabriel Catarino</font>
</p><p><font>____________________________</font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> </font><font>Relator</font><b><font>: Gregório Silva Jesus</font></b><font>— Adjuntos: Conselheiros </font><b><font>Martins de Sousa</font></b><font> e</font><b><font> Gabriel Catarino</font></b><font>.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> </font><i><font>Philippe Malaurie, Cours de Droit Civil, La Famille, 6ª edição, «Cujas», Paris, 1998/99, 496 e nota (67), citando Marty et Raynaud, nº 58.</font></i><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> </font><i><font>Xavier Henry, Mega Code Civil Dalloz, 2003, 276, em anotação ao artigo 203º, do Código Civil Francês.</font></i><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> </font><i><font>Jean Carbonnier, La Famille, Thémis, PUF, 18ª edição, 1997, nº 385</font></i><font>.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> </font><i><font>Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, 169</font></i><font>.</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> </font><i><font>Aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12 de Setembro, publicados no DR, Iª série, de 12 de Setembro de 1990.</font></i><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> </font><font>Decorre também do art. 2009º, n° 1, c) do CC.</font><br>
<a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> </font><font>Cfr. neste sentido,</font><font> </font><font>Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, Coimbra, 2002, págs 203 e 204; Também no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 525/01, de 3/12/01, Proc. n.º 528/01, disponível no sítio desse Tribunal, se rejeita a prevalência dos direitos dos progenitores a não trabalhar ou ao repouso em relação aos deveres de educação e manutenção dos filhos que impendem sobre os pais.</font><br>
<a><u><sup><f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
sTKpu4YBgYBz1XKvIyng | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I – Nos Juízos Cíveis da Comarca de Sintra (mais tarde, Sintra – Juízo Grande Instância Cível da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste), AA – Imobiliária e Turismo, Lda, em acção com processo ordinário, intentada contra BB e marido CC, pediu que, com a procedência da acção, sejam os Réus condenados a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 475.000,00, acrescido de juros legais a partir da citação.</font><br>
<br>
<font>Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:</font><br>
<font>Por escritura pública outorgada em 24.10.1996, a Ré (autorizada pelo marido) vendeu à Autora o prédio urbano sito na Avenida das ........, nº ..., Portela de Sintra, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº ......e inscrito na matriz sob o artigo 942º da freguesia de Santa Maria e S. Miguel.</font><br>
<font>Não se mostravam registados quaisquer ónus ou encargos sobre o prédio, que foi vendido e comprado já com projecto aprovado pela Câmara Municipal de Sintra para edificação de um edifício com oito pisos.</font><br>
<font>Em Novembro de 1996, já depois de demolida a construção que existia no prédio e de terem sido iniciadas as obras de construção do novo edifício, a ora Ré alertou a Autora para a existência de uma servidão de vistas sobre o prédio vendido, constituída em favor de um prédio identificado por “Vivenda.........”.</font><br>
<font>Em momento posterior, os Réus confessaram que conheciam a existência dessa servidão, que veio a ser registada entre a data da escritura e a do registo da aquisição em favor da Autora.</font><br>
<font>A existência dessa servidão foi reconhecida em acção proposta pelos proprietários da “Vivenda.........”.</font><br>
<font>Em sede de execução da sentença aí proferida (em embargos de executado), a Autora alcançou acordo com os demandantes nessa acção, nos termos do qual pagou, para obter a renúncia à servidão, a quantia de € 475. 000,00, o que representa um prejuízo para a Autora de igual montante e constituiu os Réus na obrigação de indemnizar, estando verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual.</font><br>
<br>
<font>Os Réus contestaram, invocando, no que aqui releva, a excepção de caducidade do direito de acção, com o fundamento de que, estando em causa o exercício de direitos fundados em venda defeituosa, a acção deveria ter sido intentada, na pior das hipóteses, no prazo de cinco anos, contado do conhecimento do vício, nos termos dos artigos 916º e 917º do Código Civil, sendo que esse conhecimento teve lugar em Novembro de 1996 e a presente acção apenas foi intentada a 19.05.2009.</font><br>
<br>
<font>A Autora replicou, reafirmando que não pretende a anulação do contrato de compra e venda, mas apenas ser indemnizada dos prejuízos decorrentes do incumprimento do contrato, pelo que o prazo aplicável é o ordinário da prescrição, ou seja, é de vinte anos, para além de que só podia pedir o reembolso do montante que pagou para extinguir a servidão depois de ter efectuado esse pagamento.</font><br>
<br>
<font>Foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu julgar procedente a arguida excepção peremptória da caducidade, com a consequente absolvição dos Réus do pedido.</font><br>
<br>
<font>Após recurso da Autora, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão, segundo o qual se julgou improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Ainda inconformada, veio a Autora interpor o presente recurso de revista excepcional, com fundamento no artigo 721º-A, nºs 1, a), 2, a), do Código de Processo Civil (CPC), vindo a ser proferido, pela formação a que alude o nº 3 do mesmo artigo, o acórdão de fls. 327 a 335, a admitir a presente revista excepcional.</font><br>
<br>
<font>A recorrente, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1ª – A Recorrente comprou aos Recorridos o imóvel urbano sito na Avenida ......................,.... em Sintra, para nele edificar um prédio urbano com seis pisos e duas caves, conforme projecto aprovado pela Câmara Municipal de Sintra, a pedido dos próprios vendedores.</font><br>
<font>2ª – Em 27 de Agosto de 1996 tiveram início as obras de construção, com a prévia demolição da construção que ali existia.</font><br>
<font>3ª – Em Novembro de 1996, já demolida a antiga construção e construídos os muros de suporte e as fundações, a Recorrente tomou conhecimento de uma servidão contratual de vistas, em benefício de outro imóvel – a Vivenda......... –, que impedia, no local, quaisquer construções com altura superior a cinco metros a contar do solo térreo.</font><br>
<font>4ª – Os beneficiários da servidão, não tendo conseguido chegar a um entendimento com os Recorridos, propuseram uma acção ordinária contra estes, pedindo o reconhecimento da servidão e a condenação a demolir, até à altura máxima de cinco metros, a construção que a Recorrente já havia iniciado.</font><br>
<font>5ª – Uma tal acção, que correu seus termos pelo 1º Juízo do Tribunal de Sintra, sob o nº 31/97, afastou os Recorridos da acção, ao arrepio do estatuído nos números 1 e 3 do artigo 907º do C.C., e condenou na totalidade dos pedidos apenas a ora Recorrente, que foi a ela chamada por ser, entretanto, a nova proprietária do imóvel.</font><br>
<font>6ª – Na execução da identificada acção judicial, a ora Recorrente viu-se forçada a pagar aos beneficiários da servidão uma indemnização de € 475.000,00 contra a renúncia à mesma por parte destes, sendo certo que os vendedores não resolveram o problema, concretamente a expurgação do ónus, como haviam prometido.</font><br>
<font>7ª – A acção agora proposta pela Recorrente visa obter dos vendedores Recorridos uma indemnização igual àquela que pagou.</font><br>
<font>8ª – O acórdão de que se recorre deu como procedente a excepção de caducidade do artigo 917º do C.C., porque entendeu que era de aplicar o regime jurídico da venda de coisas defeituosas.</font><br>
<font>9ª – A Recorrente discorda deste entendimento, na medida em que entende que uma servidão não é um defeito do imóvel, mas um vício do direito transmitido, o que lhe confere diferente tratamento jurídico, designadamente o previsto nos artigos 905º a 912º.</font><br>
<font>10ª – A sentença recorrida errou na aplicação do direito, ao ter escolhido o regime da Secção VI, do Livro II, Título II do Código Civil, esquecendo o regime da Secção antecedente – a Secção V – sobre a venda de bens onerados.</font><br>
<font>11ª – A sentença recorrida, ao dizer que não podemos passar ao lado do disposto nos artigos 916º e 917º do C.C., adoptou uma interpretação extensiva que a lei não consente, visto estarmos em presença de realidades e conceitos distintos e é claramente atentatória do elemento sistemático de interpretação.</font><br>
<font>12ª – As disposições sobre a venda de bens onerados não contêm o prazo de caducidade para a anulação do negócio, como o fazem as relativas à venda de coisas defeituosas.</font><br>
<font>13ª – É o regime da venda de bens onerados que subsidiariamente é aplicável à venda de coisas defeituosas, sem que exista na letra da lei, ou na </font><i><font>ratio legis</font></i><font>,</font><i><font> </font></i><font>qualquer indicação de inversão desta subsidiariedade.</font><br>
<font>14ª – Na falta de lei especial, aplicar-se-á a lei geral, como é reconhecido e indiscutível, pelo que no caso, não havendo prazo de caducidade previsto na Secção própria da venda de bens onerados, há que aplicar a parte geral do Código Civil, designadamente o artigo 309º.</font><br>
<font>15ª – Pelo que não se verifica a excepção de caducidade, sendo a acção de indemnização intentada pela Recorrente tempestiva.</font><br>
<font>16ª – A Recorrente não podia optar pela anulação do contrato, atentos os efeitos da anulação de um negócio (artigo 289º do C.C.), o que era materialmente impossível no caso em apreço.</font><br>
<font>17ª – A acção proposta faz todo o sentido, ao fundar-se no cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda, aplicando-se-lhe as disposições gerais sobre a responsabilidade civil contratual.</font><br>
<font>16ª – A acção está em tempo, visto beneficiar do prazo de prescrição ordinário de vinte anos (artigo 309º do Código Civil).</font><br>
<font>17ª – O acórdão recorrido omitiu os artigos 905º a 912º do Código Civil, especificamente aplicáveis à venda de bens onerados, devendo por isso ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento da acção.</font><br>
<br>
<font>Contra-alegaram os recorridos, defendendo a confirmação do julgado.</font><br>
<br>
<font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font>II – 1. O que está em causa no presente recurso consiste em determinar se a instauração da presente acção estava sujeita a prazo de caducidade e, na hipótese afirmativa, a dimensão desse prazo e o termo inicial da sua contagem – como entenderam as instâncias –, ou se estaremos antes perante um incumprimento contratual, com a inerente responsabilidade civil, em que se aplica o prazo ordinário da prescrição, relativamente ao respectivo direito – como defende a recorrente.</font><br>
<br>
<font>Na 1ª instância, depois de se aludir ao regime da venda de coisas defeituosas, escreveu-se:</font><br>
<font>“Ora, no caso dos autos, é patente que a Autora alega ter comprado um imóvel onerado por uma servidão de vistas que desconhecia existir; considerando, por isso, que os Réus/vendedores cumpriram deficientemente a sua prestação contratual.</font><br>
<font>Ocorre que, como a Autora alega, podia ter pedido a anulação do contrato.</font><br>
<font>Optou por não o fazer pelos motivos que enuncia. Porém, em conformidade com a alegação da demandante, da violação contratual acima indicada levada a cabo pelos ora Réus, resultaram prejuízos para a ora Autora, prejuízos que a Autora não teria se o contrato de compra e venda fosse </font><i><font>perfeitamente </font></i><font>cumprido.</font><br>
<font>Por isso, a Autora tomou a opção de pedir indemnização pelo </font><i><font>interesse contratual positivo</font></i><font>, com vista a ser colocada na situação em que estaria se os ora Réus tivessem cumprido devidamente a sua prestação (venda do imóvel sem ónus).</font><br>
<font>O que menos se compreende, nos termos sobreditos, é porque é que a Autora pretende, em termos de fundamentação jurídica, afastar a sua pretensão do contexto em que esta se insere: a compra e venda </font><i><font>defeituosa</font></i><font>; uma vez que pretende manter-se no âmbito do simples </font><i><font>incumprimento </font></i><font>contratual.</font><br>
<font>Voltando ao disposto pelos arts. 916º/917º, do C. Civil, em face do que é alegado pela própria Autora, cremos que poderá entender-se ter existido </font><i><font>denúncia </font></i><font>relativamente à existência do ónus sobre o imóvel (a servidão de vistas) na reunião a que a Autora se refere em 18º, da sua petição inicial, que terá ocorrido em Novembro de 1996 (cfr., ainda, art. 15º, da p.i.) – ver, quanto à forma da denúncia, os arts. 217º e 219º, do C. Civil.</font><br>
<font>Ora, assim sendo, das duas uma: ou se considera que, nesta ocasião, da reunião, ocorreu a denúncia e a acção de indemnização deveria ter sido interposta decorridos seis meses sobre a denúncia; e, não o tendo sido, como não foi, caducou o direito de acção; ou se considera que inexistiu efectiva denúncia, e findo o prazo de cinco anos após a entrega do imóvel (27 de Agosto de 1996, cfr. art. 13º, da p.i.), caducou o direito de acção (arts. 916º, 917º, do C. Civil); nada se vendo ou tendo sido alegado passível de suspender ou interromper o prazo de caducidade – cfr. art. 328º, do C. Civil.</font><br>
<font>Deste modo, em face dos termos em que a própria Autora configura a acção; e mesmo admitindo que os seus fundamentos de facto lograssem provar-se, sempre a acção improcederia, em função da procedência da alegada excepção de caducidade do direito de acção.”.</font><br>
<br>
<font>2. Chegando ao mesmo resultado – a procedência da excepção peremptória da caducidade –, embora com diferente fundamentação, refere o acórdão ora recorrido: </font><br>
<font>“Como se conclui da leitura da decisão recorrida, foi ali considerado que era aplicável ao caso o preceituado nos artigos 916.º e 917.º do C. Civil, e que, conforme doutrina e jurisprudência abundantemente citadas, o regime ali estabelecido para a acção de anulação era aplicável, por interpretação extensiva, ao exercício dos demais direitos que fossem fundados na compra de coisa defeituosa.</font><br>
<font>Ora bem, quanto à última parte, julga-se ser pacífico o entendimento de que o prazo de caducidade, estabelecido no art. 917.º do C. Civil para a propositura da acção de anulação do contrato de compra e venda de coisa defeituosa, também é aplicável às demais acções fundadas em venda de coisas defeituosas. Tal solução mostra-se adequadamente justificada na decisão recorrida, com oportuna invocação de doutrina e jurisprudência, não se justificando agora ir mais longe nessa apreciação, contra a qual, de resto, nada vem oposto.</font><br>
<font>Pois que o que a apelante questiona e, a nosso ver com razão, é a aplicabilidade do regime estabelecido para a venda de coisas defeituosas, nos art. 913.º e seguintes do C. Civil, a uma situação de venda de um bem onerado, que o mesmo código regula nos art. 905.º a 912.º.</font><br>
<font>Com efeito, a presente acção não é fundada numa venda de coisa defeituosa, prevista nos art. 913.º e seguintes, mas numa venda de um bem onerado – um prédio onerado com uma servidão – regulada nos já referidos art. 905º a 912.º. </font><br>
<font>Ora, uma vez que é o regime da venda de bens onerados que, por força da remissão feita no n.º 1 do art. 913.º do C. Civil, é subsidiariamente aplicável, à venda de coisas defeituosas, e não inversamente, e uma vez que o questionado prazo de caducidade está estabelecido para a venda de coisas defeituosas, parece resultar do confronto dos dois regimes que esse prazo não será directamente aplicável à venda de bens onerados. Para além de que, como observa Pedro Romano Martinez, em «Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada» 1994, 417, “</font><i><font>é duvidosa a viabilidade de se aplicarem prazos por via analógica, principalmente sendo estes curtos e de caducidade</font></i><font>”.</font><br>
<font>Admite-se, pois, que assista razão à apelante quando pretende que não é aplicável ao caso dos autos o prazo de caducidade estabelecido no art. 917.º do C. Civil. </font><br>
<font>Mas já não quando, de seguida, pretende que, não sendo aplicável aquele prazo, a lei não sujeita a qualquer prazo o exercício do direito de indemnização fundado na compra e venda de bens onerados. Que, consequentemente, apenas ficaria limitado pelo prazo geral da prescrição, que, nos termos do art. 309.º do C. Civil, é de vinte anos.</font><br>
<font>Como já acima ficou referido, e foi fundadamente justificado na decisão recorrida, no que respeita à compra e venda de coisas defeituosas, é quase pacífico o entendimento de que o regime da caducidade, estabelecido no art. 917.º do C. Civil para acção de anulação, é igualmente aplicável às demais acções que possam ser fundadas no mesmo cumprimento defeituoso, inclusive para o pedido de indemnização, mesmo que deduzido desacompanhado de qualquer outro pedido.</font><br>
<font>Ora, se em relação à compra e venda de coisa defeituosa é reconhecida a aplicabilidade do mesmo regime de caducidade a qualquer dos direitos que o comprador possa exercer, fazendo-se interpretação extensiva da norma do art. 917.º, julga-se que idêntica conclusão deve ser estabelecida no que respeita ao exercício de direitos fundados na venda de bens onerados, considerando-se, neste caso, o prazo da acção de anulação para que remete o art. 905.º do C. Civil. Pois que as razões que justificam a interpretação extensiva no primeiro caso, também a justificam no segundo.</font><br>
<font>Deste modo, tal como na venda de coisas defeituosas, deve entender-se que o exercício de quaisquer direitos fundados na venda de bens onerados está sujeito ao mesmo regime de caducidade. Regime que é aplicável ao direito de indemnização, mesmo que desacompanhado de qualquer pedido de anulação. </font><br>
<font>Nos termos do art. 287 n.º 1 do C. Civil, o respectivo prazo é de um ano, contado do conhecimento do vício que lhe serve de fundamento.</font><br>
<font>Neste mesmo sentido se pode ver Pedro Romano Martinez, obra citada, pag. 418.</font><br>
<font>Contra este entendimento não colhe o argumento de que o montante do dano só foi conhecido depois de transitada a decisão que reconheceu a existência da servidão e depois da transacção em que foi acertado o montante que a autora desembolsou para desonerar o prédio, sempre muito tempo depois de esgotado o prazo acima considerado. </font><br>
<font>Como decorre da sua alegação, a autora tomou conhecimento da existência da servidão de vistas em Novembro de 1996, e foi nesse mesmo mês que foi requerida a inscrição desse encargo no registo predial. Assim, o ónus ficou logo identificado e a desvalorização que o mesmo representava para o prédio onerado era, desde logo, determinável, podendo ser prontamente exercidos os direitos que assistissem à compradora, fundados na sua existência.”.</font><br>
<br>
<font>3. É pacífico que estamos aqui perante a venda de um bem onerado.</font><br>
<br>
<font>O regime da venda de bens onerados encontra-se regulado na Secção V do Capítulo I do Título II do Código Civil (artigos 905º a 912º).</font><br>
<br>
<font>Supõe-se nesta secção a existência de encargos ou ónus que incidam sobre o direito transmitido </font><i><font>(vícios do direito) </font></i><font>e não a existência de </font><i><font>vícios da coisa</font></i><font>, aos quais se refere a secção seguinte.</font><br>
<br>
<font>Segundo os Profs. PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, Vol. II, 1968, pág. 149), são vícios do direito um usufruto, uma hipoteca, um privilégio por obrigação anterior que se venha a executar, um penhor, uma servidão, etc., constituídos em benefício de terceiro. Já não são vícios do direito os encargos ou ónus inerentes aos direitos da mesma categoria, como são as limitações legais ao direito de propriedade e as servidões legais. São estes os </font><i><font>limites normais</font></i><font> a que se refere o artigo 905º, segundo o qual, “Se o direito transmitido estiver sujeito a alguns ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade”.</font><br>
<br>
<font>Havendo ónus ou limitações que excedam esses limites normais, a venda é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade. São, pois, aplicáveis as disposições dos artigos 251º (erro sobre o objecto do negócio) e 254º (dolo), designadamente no que se refere à essencialidade do erro e à sua recognoscibilidade para o declaratário (obra e local citados).</font><br>
<br>
<font>Por sua vez, o Conselheiro RODRIGUES BASTOS, citando Larenz (Notas ao Código Civil, Vol. IV, 1995, pág. 94), diz: “Existe vício na venda quando, em consequência de defeitos na titularidade do vendedor, o comprador recebe um direito diminuído relativamente àquele que segundo o contrato o vendedor estava obrigado a proporcionar-lhe. Sucede assim se o vendedor não pode proporcionar ao comprador a propriedade da coisa porque ele próprio não é proprietário dela, e não pode sequer adquirir a sua propriedade, ou não puder proporcionar-lhe uma propriedade livre de encargos por ela estar onerada com um direito real pertencente a terceiro, ou finalmente, quando não puder facultar-lhe o exercício pacífico das faculdades de domínio porque um terceiro tem um direito de aproveitamento ou um direito de proibição que possa ser exercido contra o comprador”.</font><br>
<br>
<font>Sendo o termo ónus aqui utilizado num sentido técnico, designa ele geralmente encargos ou limitações do gozo da propriedade.</font><br>
<br>
<font>4. Já vimos que, embora com fundamentação não totalmente coincidente, as instâncias acabaram por considerar que, na presente situação, se está perante a caducidade do direito de acção, sendo que, tendo a 1ª instância optado pela aplicação do regime da venda de coisas defeituosas (artigo 917º) por interpretação extensiva, a Relação, com um raciocínio algo confuso, acabou por entender ser de aplicar a mesma disposição legal.</font><br>
<br>
<font>A Autora invoca, na sua petição inicial, a compra aos Réus de um prédio urbano e que, ainda antes da realização da escritura, se diligenciou no sentido de se obter a viabilidade da edificação de oito pisos que a Autora, após a demolição do primitivo edifício, tinha ali em vista, vindo a ser confrontada, já com as obras em curso, com a existência de uma servidão de vistas a favor de um terceiro, facto que lhe havia sido ocultado pelos vendedores.</font><br>
<br>
<font>Perante esta situação, a Autora alega ter tido necessidade de chegar a um entendimento com os beneficiários da servidão já após decisão judicial a reconhecer a existência desta, pagando-lhes a quantia de € 475.000,00 pela renúncia à servidão.</font><br>
<font>Mais alega que, se tivesse tido oportuno e atempado conhecimento da limitação que impendia sobre o objecto da venda, não o teria adquirido, ou, ainda que o tivesse feito, seria por preço incomparavelmente inferior, bem como que, quando descobriu o encargo sobre o imóvel, já este se encontrava demolido e já havia despendido avultados montantes na construção do novo, razão por que não poderia já requerer a anulação do negócio.</font><br>
<br>
<font>Fundamenta a Autora o seu pedido de indemnização na responsabilidade civil contratual. </font><br>
<br>
<font>Ora, tendo o credor o direito à prestação, há a necessidade imposta ao devedor de realizar a prestação, sob a cominação das sanções aplicáveis à inadimplência.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ao lado das obrigações principais, que definem o tipo ou módulo da relação (assim, na compra e venda há por parte do comprador a obrigação de pagar o preço e por parte do vendedor a obrigação de entrega da coisa, </font><i><font>ut</font></i><font> art. 879º, alíneas c) e b), do Código Civil), surgem ou podem surgir outros, chamados secundários ou laterais (ex: os destinados a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação), e, ainda, os chamados deveres acessórios de conduta (por ex. no contrato referido, a obrigação do vendedor de conservar devidamente a coisa até à entrega) (cfr. ANTUNES VARELA, Direito das Obrigações, Vol. I, 8ª edição, págs. 73 e 110 e seguintes).</font><br>
<br>
<font>“Quanto à sua disciplina jurídica, a generalidade dos deveres acessórios de conduta não dá lugar, como vimos, à acção de cumprimento (artigo 817º), próprio dos deveres de prestação, mas a sua violação pode obrigar à reparação dos danos causados à outra parte ou…” (autor e obra citados, pág. 129). </font><br>
<font> </font><br>
<font>É que, como ensina ALMEIDA COSTA (Direito das Obrigações, 9ª edição, pág. 63), “numa compreensão globalizante da situação jurídica creditícia, apontam-se, ao lado dos deveres de prestação – tanto deveres principais de prestação, como deveres secundários –, os deveres laterais (…), além de direitos potestativos, sujeições, ónus jurídicos, expectativas, etc.. Todos os referidos elementos se coligam em atenção a uma identidade de fim e constituem o conteúdo de uma relação de carácter unitário e funcional: a relação complexa em sentido amplo ou, nos contratos, relação contratual”.</font><br>
<font> Na mesma ordem de ideias, podemos, ainda, citar MOTA PINTO (Cessão da Posição Contratual, pág. 337), que refere que “além dos deveres principais de prestação e dos direitos correspectivos, que definem o tipo da relação contratual, existem ou podem existir, também, deveres secundários de prestação”, ou deveres secundários com prestação autónoma ou deveres secundários acessórios da prestação principal, para além dos deveres laterais. </font><br>
<font> </font><br>
<font>No mesmo sentido, CARNEIRO DA FRADA (Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, pág. 443) alerta-nos para o facto de o contrato convocar “uma ordem normativa”, que o envolve, sujeitando os contraentes aos ditames da regra da boa fé por todo o seu período de vida e daí que, “ao lado dos deveres de prestar – sejam eles </font><i><font>principais de prestação</font></i><font> ou </font><i><font>acessórios da prestação</font></i><font> </font><i><font>principal</font></i><font> –, floresce, na relação obrigacional complexa, um leque mais ou menos amplo de deveres que disciplinam o desenrolar da relação contratual, que podem designar-se </font><i><font>deveres laterais</font></i><font> ou </font><i><font>simples deveres de conduta</font></i><font>”.</font><br>
<br>
<font> Ainda segundo CARNEIRO DA FRADA (Contrato e Deveres de Protecção, págs. 36 e seguintes), estes deveres laterais “não estão virados, pura e simplesmente, para o cumprimento do dever de prestar, antes visam a salvaguarda de outros interesses que devam, razoavelmente, ser tidos em conta pelas partes no decurso da sua relação” e “exprimem, na formulação de Larenz, a necessidade de tomar em consideração os interesses justificados da contraparte e de adoptar o comportamento que se espera de um parceiro negocial honesto e leal, e costumam fundamentar-se no princípio da boa fé”. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Não é, pois, uma simples vontade, um simples capricho, embora consagrado no clausulado, ou até uma razoável expectativa que se pode transformar num direito à prestação do credor e sua correlativa obrigação de prestar por parte do devedor.</font><br>
<font> </font><br>
<font>As ditas “obrigações laterais” surgem-nos como o resultado do comprometimento das partes e ligadas ao cumprimento das obrigações principais, com estas coenvolvidas, e, portanto, merecedoras da tutela do Direito.</font><br>
<font> Elas podem surgir, assim, como tendo estado na base de todo o desenvolvimento negocial, quiçá determinando-o (MENEZES CORDEIRO qualifica estes deveres como “acessórios” e qualifica-os em deveres de protecção, de esclarecimento e de lealdade – Boa Fé, I, pág. 604).</font><br>
<font> </font><br>
<font>No domínio dos contratos em particular, a regra é a da liberdade: “a liberdade contratual consiste na faculdade que as partes têm, dentro dos limites da lei, de fixar, de acordo com a sua vontade, o conteúdo dos contratos que realizarem, celebrar contratos diferentes dos prescritos no Código ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver” (cfr. artigo 405º do Código Civil).</font><br>
<br>
<font>Com efeito, “a liberdade reconhecida às partes aponta para a criação do contrato”, sendo este “um instrumento jurídico vinculativo, um acto com força obrigatória” (ANTUNES VARELA, obra citada, págs. 240 e seguintes).</font><br>
<br>
<font> Daí que o seu incumprimento, pondo em crise a relação contratual, acabe por quebrar o nexo sinalagmático entre as prestações.</font><br>
<font> </font><br>
<font>É esta a conclusão a que chega MOTA PINTO – “implicando a sua culposa infracção, por qualquer dos sujeitos da obrigação, responsabilidade civil com fundamento em violação do contrato (art. 798º) e dando à contraparte, sob certas circunstâncias, o direito de resolução, tal como se tratasse do não cumprimento culposo do dever da prestação.” </font><br>
<br>
<font>É que, muito embora tais deveres não realizem a obrigação principal, acabam por tutelar outros interesses da contraparte, “coenvolvidos no interesse contratual, não implicando a sua violação o inadimplemento ou a mora no cumprimento do dever de prestação, mas importando uma violação contratual positiva” (obra citada, págs. 240 e seguintes).</font><br>
<br>
<font>5. O caso dos presentes autos enquadra-se perfeitamente no incumprimento: é nele que nos iremos apoiar na abordagem concreta que a questão impõe.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Havemos de questionar, então, se os Réus violaram os tais “deveres</font><i><font> </font></i><font>laterais” no negócio que celebraram com a Autora, para, de seguida, determinar, as suas consequências, caso a 1ª questão venha a obter resposta afirmativa.</font><br>
<br>
<font> Ora, estabelece o nº 1 do artigo 227º do Código Civil que “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. </font><br>
<br>
<font> Por outro lado, “O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado” – artigo 762º, nº 1, do referido Código.</font><br>
<font> “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé” – nº 2 do mesmo artigo.</font><br>
<br>
<font> A materialidade fáctica alegada pela Autora na sua petição inicial faz imputar aos Réus a responsabilidade pelo desconhecimento, por parte daquela, do ónus que, alegadamente, incidiria sobre o prédio urbano adquirido, aquando da sua aquisição pela ora recorrente.</font><br>
<br>
<font> Acresce que aí se invocam as razões por que não poderia a Autora optar pela anulação do negócio com base em vício de vontade (erro).</font><br>
<br>
<font> No fundo, e ao contrário do que entenderam as instâncias, a causa de pedir consubstancia uma situação de cumprimento defeituoso do contrato (venda de um bem onerado), à qual terá de ser aplicado o regime da responsabilidade civil por incumprimento do contrato.</font><br>
<br>
<font> “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” – artigo 798º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font> “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”, sendo que “A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil” (nºs 1 e 2 do artigo 799º do mesmo diploma).</font><br>
<br>
<font> Encontramo-nos, assim, aqui perante uma alegada responsabilidade civil contratual, pelo que não se coloca a questão da caducidade do direito de acção – como erradamente decidiram as instâncias –, mas a aplicação do prazo ordinário de prescrição, que é de vinte anos, nos termos do artigo 309º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font> Logo, terá a acção de prosseguir para conhecimento do pedido formulado. </font><br>
<br>
<font> 6. Infere-se, assim, do exposto que colhem as conclusões da recorrente, tendentes ao provimento do recurso, pelo que o acórdão recorrido, confirmativo, embora com diferente fundamentação, da decisão da 1ª instância, terá de der revogado, devendo os autos prosseguir na 1ª instância com a enunciação dos Factos Assentes e com a elaboração da Base Instrutória (cfr. artigo 511º, nº 1, do CPC).</font><br>
<br>
<font> III – Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, determinando-se a remessa dos autos directamente à 1ª instância, a fim de ser dado prosseguimento ao processo, mediante a enunciação dos Factos Assentes e a elaboração da Base Instrutória.</font><br>
<br>
<font> Custas, aqui e na Relação, a cargo dos recorridos.</font><br>
<br>
<br>
<font> Lisboa, 31 de Maio de 2011 </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Moreira Camilo (Relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Garcia Calejo </font><br>
<br>
<font> </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ojLvu4YBgYBz1XKv0lyS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
<b>"A"</b> intentou contra <b>"B"</b> acção a fim de ser condenado a pagar-lhe 5.000.000$00, a título de indemnização por incumprimento do contrato de prestação de serviço celebrado em 98.08.18, acrescido de juros de mora vencidos no montante de 300.000$00 e vincendos.<br>
Contestando, excepcionou o réu a nulidade do contrato e impugnou, concluindo pela absolvição do pedido.<br>
Após réplica, procedeu a excepção e improcedeu a acção, em saneador-sentença.<br>
Tendo como inconstitucionais os arts. 22, 23 e 24 da lei 28/98, de 26.06, e pretendendo que a acção prossiga, pediu revista (recurso per saltum) o autor, concluindo em suas alegações.<br>
- a decisão proferida fundamentou-se nas normas estabelecidas no Regulamento dos Estatutos da FIFA, no Regulamento dos Agentes dos Jogadores e nos arts. 22 e 23-4 da lei 28/98 (por lapso certamente, referiu o autor o art. 24-4 por art. 23-4);<br>
- a F.I.F.A., como organização reguladora do futebol profissional, não é uma entidade reconhecida pelo nosso ordenamento jurídico e as suas normas não fazem parte integrante do direito português,<br>
- pelo que a lei 28/98 ao assimilar aplicativamente as suas normas violou princípios fundamentais da nossa soberania ínsitos na C.R.P.;<br>
- as normas da F.I.F.A. e as dos arts. 22, 23 e 24 dessa lei, ao subordinarem o exercício de uma profissão de agente desportivo à prestação de uma garantia bancária de CHF 200,00 e à sua inscrição num organismo estrangeiro, ferindo de inexistência os contratos celebrados por cidadãos portugueses não credenciados por aquele organismo, constituem grave discriminação em função da situação económica dos cidadãos, violando direitos fundamentais dos cidadãos ao trabalho, à escolha de profissão ou do género de trabalho,<br>
- ofendendo os preceitos ínsitos nos arts. 59 e 47-1 CRP.<br>
Contra-alegando, defendeu o réu a improcedência do recurso o qual, a seu ver, deveria ter sido dirigido ao Tribunal Constitucional.<br>
Colhidos os vistos.<br>
Matéria de facto dada como provada -<br>
a)- entre ambas as partes foi celebrado o acordo escrito, datado de 98.08.18, constante dos autos a fls. 8;<br>
b)- nos termos do mesmo, o réu confiou ao autor, com carácter de exclusividade, «a gestão e orientação da sua carreira futebolística profissional, em todos os aspectos e situações, podendo este representá-lo, quer em Portugal quer em qualquer outro País, na angariação e/ou negociação de contratos de trabalho, ou quaisquer contratos que directa ou indirectamente, digam respeito a esta actividade profissional, dando-lhe assim poderes de representação através da procuração nesta data outorgada» (teor da cláusula 1ª);<br>
c)- o réu celebrou com o Club de Futebol ................, em 99.07.26 (a data que consta do saneador é a do acordo referido na al. a); a rectificada não foi impugnada pelo réu), acordo de trabalho desportivo remunerado como jogador profissional de futebol sem o consentimento, autorização ou conhecimento do autor;<br>
d)- o autor não é agente ou intermediário desportivo filiado na FIFA nem tem qualquer licença para o exercício da actividade acordada com o réu.<br>
Decidindo: -<br>
<br>
1.- É do conhecimento comum que apenas se recorre de decisões.<br>
A decisão recorrida não se pronunciou sobre a constitucionalidade das normas que teve por aplicáveis e aplicou.<br>
Não foi, até às alegações do recurso, suscitada a questão da inconstitucionalidade.<br>
O tribunal recorrido não recusou a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade.<br>
Improcede a questão prévia (LTC- 70-1 a) e b) e 2, e 72-2).<br>
2.- Aplicada a lei 28/98 de 98.06.26.<br>
A lei 28/98 entrou em vigor em 98.07.01, antes, portanto, do contrato accionado, por incumprimento, contrato de mandato (art. 23-4).<br>
Só podem exercer actividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais competentes (art. 22-1).<br>
O autor não se encontra inscrito no registo dos empresários desportivos, fulminando a lei o contrato em causa com a sanção da inexistência.<br>
As pessoas singulares ou colectivas que exerçam a actividade de intermediários, ocasional ou permanentemente, só podem ser remuneradas pela parte que representam (art. 24-1).<br>
Julgado nulo o contrato, improcedeu a acção.<br>
Defende agora o autor a inconstitucionalidade destas normas.<br>
3.- Desde logo cumpre limitar o âmbito cognoscível do objecto do recurso.<br>
Com efeito, em nada interessa aos autos a matéria da conclusão 4ª pois que não se coloca a exigência de garantia bancária de CHF, necessária só para a inscrição em entidade internacional.<br>
In casu, a transferência apresentada como violadora do contrato nos moldes em que se processou é interna, dentro do próprio País. Bastava a inscrição em entidade nacional.<br>
Certamente por lapso, requer-se o julgamento de (in)constitucionalidade do art. 24.<br>
Nem se alegou para o efeito, sendo incorrecto falar-se em «conclusão» nem tal norma interessou ao julgamento de nulidade do contrato.<br>
Contrariamente ao que se lê na 1ª conclusão das alegações do recorrente, a decisão só subsidiariamente «serve isto para dizer que, se tanto não bastasse na lei em causa, também os próprios estatutos ...» (fls. 108) - recorreu aos estatutos da FIFA «assimilados aplicativamente por via subsidiária através do art. 22».<br>
Assim, apenas é cognoscível neste processo a questão da constitucionalidade dos arts. 22 e 23 da lei 28/98.<br>
4.- Uma das coisas que decorre da soberania de cada País é a adopção das leis que tem por mais adequadas à satisfação dos seus interesses nacionais, legisla nesse sentido.<br>
Não é o facto de um outro País, de uma organização ou de uma entidade não nacional, ou de um organismo internacional ter um conjunto normativo similar ou igual que impede o legislador de diferente Estado o fazer acolher no seu ordenamento jurídico, com ou sem alterações.<br>
Não resulta daí qualquer violação para a soberania do Estado e mal andará o legislador que, embora reconhecendo a excelência da norma, a afaste só porque outrem tomou a iniciativa ou soube aperfeiçoá-la.<br>
De tão evidente esta conclusão que, para afastar este fundamento posto pelo autor, não se torna necessário uma outra argumentação.<br>
5.- O direito à escolha de profissão não pressupõe o acesso indiscriminado e absoluto à que se elegeu.<br>
Não é pelo facto de A querer ser médico ou B engenheiro que o é e com isso não se lhe está a negar o direito de o vir a ser uma vez adquirida a preparação adequada nem o de vir a exercer a profissão para que se preparou, uma vez respeitadas as normas aplicáveis (v.g., inscrição na respectiva Ordem, etc).<br>
Para ser basta-lhe a preparação, consoante os casos, académica ou técnica.<br>
Para exercer a profissão para que se preparou terá, muitas vezes, de percorrer os passos que, na organização da sociedade que traçou, a lei prescreve para aquele concreto tipo de profissão.<br>
As normas em causa não vedam a escolha da actividade de empresário desportivo, mas apenas regulamentam o seu exercício.<br>
Exigir que, para exercer a actividade, haja preparação, não uma qualquer preparação, e que essa seja de molde a permitir o reconhecimento do aproveitamento e que, sendo positivo, as entidades desportivas autorizem o respectivo exercício nada tem de extraordinário.<br>
No fundo, o que se está é a valorizar o exercício de uma profissão e a querer conferir uma certa respeitabilidade e dignidade, o que é de estimar.<br>
Há profissões que não requerem preparação específica nem autorização para a exercer.<br>
Todavia, a lei entendeu que para a actividade de empresário desportivo era necessária uma e outra. Nada lho proibia e a utilidade pública da regulação desportiva requeria-as.<br>
Isto está de acordo com o art. 47-1 CRP.<br>
Cita ainda o autor o art. 59 da Lei Fundamental apenas na vertente «todos têm direito ao trabalho» (fls. 117 vº). Nem uma palavra mais acrescentou.<br>
Não merece esta referência mais que duas observações.<br>
Nem as normas em causa negam o direito ao trabalho nem a exigência da autorização deixa de ter justificação plausível e pertinente.<br>
<br>
Termos em que se não julgam inconstitucionais as normas constantes dos arts. 22 e 23 da lei 28/98 e se nega a revista.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 23 de Abril de 2002<br>
Lopes Pinto<br>
Ribeiro Coelho<br>
Garcia Marques</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
2jKju4YBgYBz1XKv_SXH | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Processo n.º 5971/09.9TBOER</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I ─ S... – Sistemas de Saneamento Básico, S.A. </font></b><font>intentou, no Tribunal da Comarca de Oeiras, acção declarativa de anulação de decisão arbitral, com processo ordinário, ao abrigo dos art.º 16.º, a), 23.º, n.º 3, 27.º, n.º 1, alíneas c) d) e e), da Lei de Arbitragem Voluntária (doravante, LAV), e art.º 17.º, n.º 1, do Regulamento da Arbitragem (doravante, RA), contra</font><b><font> E...C...A..., E...I..., S.A., </font></b><font>e</font><b><font> E...I..., Sucursal em Portugal, </font></b><font>pedindo que, na sua procedência, se anule a decisão do Tribunal Arbitral.</font>
</p><p><font> Como fundamentos da pretendida anulação da referida decisão arbitral, alega a autora, em suma que:</font>
</p><p><font> Intentou, em 01.08.2007, acção arbitral contra as rés, ao abrigo e nos termos do RA, por força do compromisso arbitral constante de cláusula (22.ª), contida em contrato celebrado em 02.04.1998, entre a autora e a 1.ª ré.</font>
</p><p><font>A decisão arbitral que veio a ser proferida enferma dos vícios de violação do princípio da absoluta igualdade, omissão de pronúncia e falta de fundamentação.</font>
</p><p><font>Quanto ao vício da violação do art. 16.º da LAV, com influência decisiva na resolução do litígio (art. 27.º, n.º 1, c) da LAV), a sentença arbitral não cumpre o princípio contido no referido art. 16.º, no que respeita à sujeição das rés à cominação contida no art. 17.º, n.º 1, do RA, porquanto não considera admitidos por acordo todos os factos contidos na p.i, apresentada pela autora contra as rés, e, se o tivesse feito, tal situação teria tido uma influência decisiva na resolução do litígio.</font>
</p><p><font>A decisão padece, ainda, do vício de falta absoluta de fundamentação da decisão, na parte relativa aos danos sofridos pela autora, porquanto condenou em quantias respeitantes a encargos com a manutenção da equipa e encargos com quadros dirigentes da empresa autora, por, ao invés de dar como provados os danos que a autora havia alegado no art. 306.º da sua petição, ter dado como provados os factos que constam do art. 25.º da matéria de facto assente na sentença arbitral e que nada tem a ver com o alegado pela autora. </font>
</p><p><font>A ausência absoluta de fundamentação integra o vício conducente à anulação, por força do estabelecido no art. 27.º, n.º 1, d), </font><i><font>in fine</font></i><font> da LAV.</font>
</p><p><font>Por outro lado, a sentença arbitral concluiu que o </font><i><font>Operational Contract</font></i><font> celebrado com a Parque Expo se renovou, com importantes ajustamentos e com exclusão da subcontratação da S... porque, por um lado, tomou conhecimento de factos que não podia conhecer e, por outro, não teve em consideração, contrariamente ao que lhe era exigível, os factos alegados pela autora na sua p.i. e não aduziu qualquer tipo de fundamentação para concluir pela existência de “importantes ajustamentos“, pelo que padece a sentença arbitral dos vícios previstos nas alíneas b), d) e e) do art. 27.º, n.º 1, da LAV, todos consubstanciadores de causa de anulação da sentença.</font>
</p><p><font>A sentença arbitral, ao referir que o negócio dissimulado é válido, i.e., que não houve denúncia do </font><i><font>Operational Contract</font></i><font> por parte da Parque Expo, mas sim, por via da simulação relativa, a manutenção do negócio dissimulado entre a aludida Parque Expo e a E... e, ao concluir pela validade do negócio dissimulado, i.e. renovação do contrato com a Parque Expo, com exclusão da subcontratação da S..., justificando tal validade ao referir a fls. 12 que “a cessação do subcontrato com a S... (ora A.) por declaração da PE é permitida pela cláusula 15.2 do Contrato (celebrado entre a S... e a AB C... a qual veio mais tarde a ceder a sua posição contratual à E...I...)“ olvidou, sem o poder fazer, que, quer da matéria admitida por acordo, quer da prova documental junta aos autos, quer da prova testemunhal produzida em sede de esclarecimento, nada consta quanto à existência da manifestação de vontade da Parque Expo no afastamento da S....</font>
</p><p><font>Como tal, se o Tribunal Arbitral considera que o negócio dissimulado é válido, i.e., renovação do </font><i><font>Operational Contract</font></i><font> celebrado entre a Parque Expo e a E..., já não poderia considerar, a não ser com manifesto vício de excesso de pronúncia e violação do princípio da igualdade absoluta entre as partes, com relevância na decisão da causa, que tal renovação se haja operado e fosse lícita com exclusão da subcontratação à S....</font>
</p><p><font>Logo, a sentença arbitral deve ser anulada, por padecer dos vícios previstos nas alíneas c) e e), do n.º 1, do art. 27.º, da LAV.</font>
</p><p><font>O vício de excesso de pronúncia de que padece a sentença arbitral é exponenciado, quando na mesma se conclui que o contrato celebrado entre a A. e a 1.ª R, a que posteriormente sucedeu a 2.ª R, não se renovou, havendo cessado por caducidade.</font>
</p><p><font>Ora, tendo sido alegado na p.i. que o contrato celebrado entre a A. e a 1.ª R., a que posteriormente sucedeu a 2.ª R., tem uma natureza </font><i><font>back to back</font></i><font> relativamente ao </font><i><font>Operational Contract</font></i><font> e que, a Parque Expo não requereu, por escrito, em qualquer momento, a substituição da S..., enquanto subcontratante da E... (cl. 15.2), nada constando dos autos nesse sentido, tal significa que, considerando-se renovado o </font><i><font>Operational Contract</font></i><font>, necessariamente ter-se-á de considerar igualmente renovado, por igual período, o contrato celebrado entre a S... e a E....</font>
</p><p><font>Assim, ao decidir que o contrato celebrado com a A. não se renovou, por caducidade, a sentença arbitral apenas o pôde concluir nos termos constantes da mesma, com manifestos vícios de excesso de pronúncia e violação do princípio da igualdade absoluta entre as partes, com influência decisiva na decisão da causa, ambos integradores de causa de anulação da sentença arbitral, incorrendo no vício de violação do princípio da igualdade absoluta entre as partes, com manifesta influência na decisão do litígio (art. 17.º, n.º 1, do RA, e art. 27.º, n.º 1, alínea c), da LAV).</font>
</p><p><font>A decisão arbitral, ao considerar que o contrato celebrado com a S... não se renovou, tendo antes cessado por caducidade, conheceu de matéria não alegada, nem invocada por qualquer das partes, tendo, em consequência, conhecido de questões que não podia tomar conhecimento. O que, consubstancia vício de excesso de pronúncia, nos termos do art. 27.º, n.º 1, alínea e), da LAV.</font>
</p><p><font>Adianta que, ao decidir pela caducidade do contrato celebrado com a S..., a sentença fê-lo sem qualquer fundamentação, pelo que a decisão deve ser anulada, por padecer dos vícios previstos no art. 27.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), da LAV.</font>
</p><p><font>Ainda, no que concerne ao pedido subsidiário, a sentença enferma, igualmente, dos vícios de violação do princípio da igualdade absoluta das partes e excesso de pronúncia, na medida em que radica a sua conclusão na caducidade do aludido contrato, o que não tem assento na matéria de facto contida na p.i., pelo que se mostra ferida de excesso de pronúncia, ao lançar mão de factos não alegados pela autora em sede de p.i.</font>
</p><p><font>Finalmente e relativamente ao cômputo dos danos peticionados pela aqui A. e comprovadamente sofridos por esta, também a sentença recorrida incorreu, quer na violação do princípio da igualdade das partes, quer no vício de falta de fundamentação da decisão.</font>
</p><p><font>Se os factos constantes da p.i. tivessem ter sido dados como provados por acordo das partes, outra consequência não se poderia retirar senão a de sentença ter condenado as Requeridas nos valores aí peticionados, i.e., € 93.258,00 e não € 71.122,03, e em € 81.000,00 e não em € 8.244,38.</font>
</p><p><font>Tal decisão enferma do vício de violação do princípio da igualdade absoluta das partes, que inclui a igualdade, por decorrência de cominações legais, o que, e na medida em que afecte decisivamente a resolução do litígio é, por si só, gerador de anulação da sentença arbitral, por força do estabelecido no art. 16.º, alínea a), da LAV, aplicável </font><i><font>ex vi</font></i><font> da alínea c), do n.º 1, do art. 27.º, do mesmo diploma legal.</font>
</p><p><font>A decisão enferma, também, neste aspecto, do vício de falta absoluta de fundamentação, na medida em que o Tribunal Arbitral não justifica a razão pela qual diminuiu os montantes indemnizatórios, a esse título peticionados pela A, o que consubstancia também, por si só, causa de anulação da sentença arbitral, por aplicação conjunta dos arts. 23.º, n.º 3, aplicável </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 27.º, n.º 1, alínea d), ambos da LAV.</font>
</p><p><font>No que tange ao decidido pelo Tribunal Arbitral, relativamente aos danos de imagem emergentes da conduta das RR, a decisão incorre em omissão de pronúncia. A decisão omite pronunciar-se sobre os danos e respectivas consequências, pelo que se verifica a existência do já aludido vício de omissão de pronúncia, devendo a sentença arbitral ser anulada, nos termos do art. 27.º, n.º 1, alínea e), da LAV.</font>
</p><p><font>Por outro lado, e no que concerne ainda aos peticionados danos de imagem, bem como aos peticionados lucros cessantes, a sentença referiu que as Requeridas não são responsáveis pelos lucros cessantes e pelos danos de imagem causados pela não renovação do contrato, uma vez que esta se deveu ao exercício de um poder potestativo, conferido à PE, pelo contrato celebrado entre a C... e a S... (cl. n.º 15.2).</font>
</p><p><font>Ora, inexiste qualquer facto que consubstancie “exercício de um poder potestativo conferido à Parque Expo” emergente de cláusula 15.2 do contrato celebrado com a S..., pelo que a sentença, ao negar provimento ao ressarcimento da A. pelos aludidos danos de imagem e lucros cessantes, nos termos e com os fundamentos em que o fez – considerando que a Parque Expo exerceu o tal direito potestativo à luz da cláusula 15.2 – incorreu em manifesto vício de excesso de pronúncia previsto no art. 27.º, n.º 1, alínea e), da LAV e como tal gerador de anulação da decisão arbitral sub judice.</font>
</p><p><font>Ao decidir nos termos supra expostos, a sentença arbitral violou, ainda, o princípio da igualdade absoluta das partes, na medida em que não deu como provados factos alegados pela Requerente (aqui A.) na sua p.i. que demonstraram à evidência que a Parque Expo nunca exerceu o tal direito potestativo que lhe era conferido ao abrigo da cláusula 15.2 do contrato celebrado com a S... e ainda que este contrato tinha uma natureza </font><i><font>back to back</font></i><font> relativamente ao </font><i><font>Operational Contract</font></i><font> que se renovou, o que implica que as vicissitudes deste último (renovação) se reflictam directamente no outro.</font>
</p><p><font>É por isso que, se a sentença arbitral tivesse dado como provada a matéria alegada no art. 33.º da p.i. conforme se impunha por força da cominação determinada pelo art. 17.º, n.º 1, do RA, e da aplicação do já referido princípio da igualdade absoluta entre as partes, teria sido outra a decisão.</font>
</p><p><font>Pelo que, tendo tal vício tido influência decisiva na resolução do litígio, conforme previsto na alínea c), do n.º 1, do art. 27.º, da LAV, encontra-se também preenchido um dos pressupostos de verificação necessária à anulação da sentença arbitral sub judice.</font>
</p><p><font>Conclui pela procedência da acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Citada, veio a ré contestar, por excepção, alegando a incompetência territorial do Tribunal e impugnar todos os factos que não constem dos documentos juntos aos autos do processo arbitral.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alega que a circunstância de todos os factos alegados na petição inicial do processo arbitral não constarem do ponto III da decisão arbitral, não significa necessariamente que não foram considerados provados, mas tão-só que não foram julgados relevantes pelo tribunal arbitral.</font>
</p><p><font>Refere que, a existir algum vício no facto de não constar do ponto III da decisão arbitral toda a matéria de facto alegada na petição inicial do processo arbitral, será, quando muito, um mero erro de julgamento, um erro no juízo de avaliação dos factos relevantes para a decisão da causa.</font>
</p><p><font>Mas, enquanto erro de julgamento, não constitui fundamento de anulação da decisão. E não constitui, decerto, violação do princípio da igualdade.</font>
</p><p><font>Alega ainda que, mesmo que se entenda que os factos alegados na petição inicial não foram todos julgados admitidos por acordo e, em consequência, provados, ainda assim inexistem fundamentos que fundem a invalidade da decisão arbitral.</font>
</p><p><font>Diz que se tal aconteceu houve, quando muito, violação das regras processuais do processo arbitral constantes do regulamento de arbitragem, o que não é fundamento de anulação da decisão arbitral.</font>
</p><p><font>No entanto, não houve, em rigor, sequer, violação do regulamento de arbitragem, pois, o tribunal arbitral na decisão interlocutória em matéria processual de 16 de Outubro de 2008 decidiu convidar as partes a requererem, no prazo de 5 dias, diligências probatórias, com vista a complementar os factos que se consideram admitidos por acordo.</font>
</p><p><font>De seguida, na decisão interlocutória sobre produção da prova de 19 de Janeiro de 2009, o tribunal arbitral solicitou às partes a entrega de determinados documentos; a entrega de depoimentos escritos das testemunhas arroladas pela Autora e pelas Rés; e a entrega de depoimento escrito do Senhor AA, administrador da Autora, visando os depoimentos o esclarecimento de questões, as quais correspondem a factos alegados pela Autora na petição inicial do processo arbitral, sendo que a Autora não reclamou junto do tribunal arbitral destas decisões interlocutórias.</font>
</p><p><font>Refere ser abusivo, por </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font> (artigo 334.º CC), a Autora vir, agora, invocar que a decisão arbitral violou o artigo 17.º, n.º 1, do regulamento de arbitragem, quando não impugnou, não requereu a aclaração e se conformou com as decisões interlocutórias que determinaram a realização de diligências probatórias destinadas a “complementar” os factos alegados na petição inicial e a esclarecer factos alegados na petição inicial – factos esses que, segundo, agora, a Autora, se deviam ter sido admitidos </font><i><font>ipso iure,</font></i><font> por acordo em função do desentranhamento da contestação das Rés, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do regulamento de arbitragem.</font>
</p><p><font>Diz ainda ser abusivo, por </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font> (artigo 334.º CC), a Autora alegar, em sede de anulação de decisão arbitral, que todos os factos alegados na petição inicial do processo arbitral deviam ter dados como provados por admitidos por acordo, quando, no processo arbitral, não reagiu e se conformou com decisões de cujo conteúdo decorria o contrário.</font>
</p><p><font>Refere que a Autora, sabendo que não é fundamento de anulação a violação do regulamento de arbitragem, utiliza o princípio da igualdade das partes como artifício para invocar aquela violação, pelo que deve improceder a anulação da decisão arbitral, com fundamento na violação do princípio da igualdade das partes.</font>
</p><p><font>Relativamente ao vício de excesso de pronúncia diz que a Autora qualifica como excesso de pronúncia o trecho da decisão arbitral no qual se conclui que o contrato se renovou com “importantes ajustamentos”. A Autora não alega, porém, no que é que se traduziu o excesso de pronúncia, limitando-se a juízos conclusivos. A Autora não cumpriu, pois, o ónus de alegação que, nos termos do artigo 264.º, n.º 1, CPC, lhe cabia, pelo que o excesso de pronúncia deve, sem mais, improceder.</font>
</p><p><font>Alega que a conclusão da decisão arbitral no sentido de o contrato se ter renovado com “importantes ajustamentos” encontra-se ancorada em prova documental e testemunhal, produzida em consequência das diligências probatórias que, ao abrigo do artigo 22.º do regulamento de arbitragem, o tribunal arbitral promoveu e convidou as partes a promoverem – destinadas a “complementar” </font><i><font>(sic)</font></i><font> os factos da petição inicial.</font>
</p><p><font>Por fim, refere ainda que a Autora assaca um vício de excesso de pronúncia à decisão arbitral, na medida em que negou provimento ao pedido de ressarcimento pelos danos de imagem e lucros cessantes (artigos 114.º e seguintes da petição inicial). Como o fundamento para esse excesso de pronúncia é o facto de não existirem nos autos factos que fundamentem a exclusão da subcontratação da Autora, é aplicável, mutatis mutandis, tudo o que se escreveu supra, devendo improceder a anulação da decisão arbitral com fundamento em excesso de pronúncia (artigo 27.º, n.º 1, alínea e), LAV), por não provada.</font>
</p><p><font>Finalmente, a Autora imputa à decisão arbitral um vício de omissão de pronúncia referente aos danos de imagem, sendo que, no caso sub judice, a decisão arbitral pronunciou-se, expressamente, sobre os danos de imagem, bem como sobre os lucros cessantes, no último parágrafo do ponto IV da decisão arbitral, termos em que deve improceder a anulação da decisão arbitral com fundamento em omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font>Na petição inicial, a Autora acusa a decisão arbitral de falta de fundamentação relativamente: a) Aos danos sofridos (artigos 55.º e seguintes e 101.º e seguintes da petição inicial); b) À renovação “com importantes ajustamentos” (artigos 63.º e seguintes da petição inicial); c) À caducidade (artigos 89.º e seguintes da petição inicial), quando se verifica que esta se encontra fundamentada em termos de facto e de direito não se verificando o apontado vício.</font>
</p><p><font>Pugna pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Notificada da contestação, veio a autora apresentar réplica, onde se pronuncia acerca da excepção de incompetência territorial. Conclui pela procedência da acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Realizada a Audiência Preliminar e não tendo sido possível a conciliação das partes foi decidido proferir a decisão por escrito, nos termos do art.º 510, n.º 2, do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por despacho de fls. 514, foi julgada procedente a excepção dilatória da incompetência relativa e ordenada a remessa dos autos às Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, por serem as competentes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tendo em conta a matéria constante nos autos e as questões invocadas pela autora e entendendo que o processo continha todos os elementos que permitiam conhecer de imediato do mérito da causa, passou o julgador </font><i><font>a quo</font></i><font> a fazê-lo, proferindo saneador-sentença – artigos 510.º, n.</font><sup><font>os</font></sup><font> 1, b), e 3, do CPC –, decidindo julgar a acção procedente por provada e, em consequência, anulou a decisão arbitral.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformadas, as RR. recorreram, de revista, </font><i><font>per saltum</font></i><font>, para este Tribunal, tendo formulado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A. O presente recurso tem por objecto o despacho saneador-sentença proferido pela 6.ª Vara Cível de Lisboa – 1.ª Secção (doravante, Tribunal a quo), que julgou a acção de anulação de decisão arbitral procedente, por provada, e, em consequência, anulou a decisão arbitral proferida no processo 9-2007-INS-AP organizado sob a égide do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa com fundamento na violação do princípio da igualdade das partes.</font>
</p><p><font>B. São, três os fundamentos para a procedência do presente recurso – um principal; dois subsidiários: (i) decisão arbitral não violou, em desfavor da Apelada, o princípio da igualdade das partes ao não aplicar estritamente as cominações previstas no artigo 17.º, n.º 1, e 37.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem, (ii) ainda que tenha havido violação, em desfavor da Apelada, do princípio da igualdade das partes, essa violação não teve uma influência decisiva no litígio; (iii) ainda que tenha havido violação, em desfavor da Apelada, do princípio da igualdade das partes e essa violação tenha tido uma influência decisiva no litígio, deve concluir-se que a Apelada se conformou no processo arbitral com essa violação, sendo, pois, abusivo (artigo 334.º do Código Civil), por </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>, o pedido de anulação da decisão arbitral.</font>
</p><p><font>C. A cominação prevista no artigo 37.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem (desentranhamento automático da contestação em caso de não pagamento tempestivo do preparo), e aplicada às Apelantes, é algo sem paralelo na arbitragem internacional, violando os princípios do contraditório e da igualdade das partes – corolários do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa).</font>
</p><p><font>D. A cominação prevista no artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento de Arbitragem (efeito cominatório semi-pleno da revelia), e aplicada às Apelantes, é também algo sem paralelo na arbitragem internacional, violando esse efeito cominatório semi-pleno, quando aplicado no processo arbitral, o princípio do processo equitativo.</font>
</p><p><font>E. Do facto de as cominações previstas no Regulamento de Arbitragem e aplicadas às Apelantes violarem os princípios da igualdade das partes e do contraditório e, em geral, o princípio do processo equitativo, afigura-se manifesto que a decisão arbitral não deve ser anulada com o fundamento de o tribunal arbitral não ter aplicado </font><i><font>estritamente</font></i><font> a cominação prevista no artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento de Arbitragem (efeito cominatório semi-pleno da revelia).</font>
</p><p><font>F. Em suma: houve, de facto, no processo arbitral, violação de princípios fundamentais do processo equitativo. Contudo, essa violação prejudicou as Apelantes, que viram a sua contestação ser desentranhada em termos que violaram ostensivamente os princípios do contraditório e da igualdade das partes. Contudo, as Apelantes não peticionaram a acção de anulação da decisão arbitral. Destarte, visando, </font><i><font>in casu</font></i><font>, os princípios do contraditório e da igualdade das partes tutelar a esfera jurídica das Apelantes, a violação desses princípios no processo arbitral não pode ser valorada a favor da Apelada, anulando-se a decisão arbitral.</font>
</p><p><font>G. O facto de o de o tribunal arbitral não ter aplicado </font><i><font>estritamente</font></i><font> a cominação prevista no artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento de Arbitragem não viola o princípio da igualdade das partes. O que violava os limites impostos pelo processo equitativo – princípios do contraditório e da igualdade das partes – eram as cominações previstas artigo 17.º, n.º 1, e 37.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem, e que foram aplicadas às Apelantes.</font>
</p><p><font>H. Ainda que se entenda à semelhança do Tribunal a quo, que a decisão arbitral viola o princípio da igualdade das partes, sempre, porém, a presente acção de anulação de decisão arbitral terá de ser julgada improcedente, por não provada, porquanto não houve influência decisiva no litígio – requisito que a alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º LAV estabelece para a anulação da decisão arbitral com fundamento na violação dos princípios consagrados no artigo 16.º LAV.</font>
</p><p><font>I. Ainda que tenha havido violação, em desfavor da Apelada, do princípio da igualdade das partes e essa violação tenha tido uma influência decisiva no litígio, deve concluir-se que a Apelada se conformou no processo arbitral com essa violação, sendo, pois, abusivo (artigo 334.º do Código Civil), por </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>, o pedido de anulação da decisão arbitral.</font>
</p><p><font>J. Constitui um princípio geral de direito aceite nos principais sistemas jurídicos o princípio segundo o qual a parte que tenha conhecimento de uma irregularidade do processo arbitral deve invocá-la imediatamente nesse processo, sob pena de não poder alegar esse vício processual como fundamento de anulação da decisão arbitral.</font>
</p><p><font>K. É abusivo, por </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font> (artigo 334.º CC), a Apelada alegar, em sede de anulação de decisão arbitral, que todos os factos alegados na petição inicial do processo arbitral deveriam ter dados como provados por admitidos por acordo, quando, no processo arbitral, não reagiu e se conformou com decisões de cujo conteúdo decorria o contrário.</font>
</p><p><font>L. O despacho saneador-sentença violou os artigos 16.º e 27.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Arbitragem Voluntária, ao anular a decisão arbitral.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Terminam, peticionando que lhes seja concedida a revista, julgando-se, em consequência, improcedente, por não provada, a acção de anulação de decisão arbitral.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A recorrida, sustenta, em contralegações, a improcedência do recurso, defendendo que, a manter-se a decisão recorrida, deveria o tribunal arbitral decidir de acordo com o princípio da igualdade, após substituição de um dos árbitros, por se encontrar impedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Houve resposta por parte das recorrentes, arguindo a nulidade, pelo facto da ampliação do pedido, não ter sido apreciada e dada à contraparte a faculdade de responder, defendendo o não conhecimento dessa ampliação do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II </font></b><font>– Na 1.ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Consta da decisão arbitral que:</font>
</p><p><font>“1. As partes submeteram a arbitragem ao Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio Indústria Portuguesa/Associação Comercial de Lisboa (CI. n.º 22 do Contrato celebrado entre a AB C... e a S... em 2/4/1998).</font>
</p><p><font>De acordo com o art. 11.º/1 do Regulamento de Arbitragem (doravante designado RA) a arbitragem foi realizada em Lisboa, razão por que cai dentro do âmbito de aplicação da lei portuguesa de Arbitragem Voluntária (art. 37.º da L n.º 31/86, de 29/8, doravante designada LAV).</font>
</p><p><font>2. A presente arbitragem tem por objecto um litígio entre empresas que apresentam contactos relevantes com mais de um Estado. Com efeito, a Requerente tem sede em Portugal e as Requeridas têm sede na Suécia e em Espanha. O tribunal entende, por conseguinte, que esta arbitragem põe em jogo interesses de comércio internacional e deve ser qualificada como arbitragem internacional no sentido do art. 32.º LAV. “</font>
</p><p><font>2 – Do ponto III. da decisão arbitral, a fls. 8 da mesma, consta o seguinte:</font>
</p><p><font>“15. O tribunal considera provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>1.º – Em 2/7/1998 foi celebrado um contrato de prestação de serviço entre AB C..., com sede estatutária na Suécia, e S..., com sede em Portugal. Posteriormente a AB C... alterou a sua denominação social para E...C...A... (cf. Considerando C do aditamento n.º 3 ao contrato com a PE que consta como doc. n.º 25 anexo à petição inicial). Neste contrato a S... obriga-se a realizar os serviços necessários ou convenientes "to suport C... as sub-contractor in the exact extent the respective Services are described in the Main Contract which shall be replaced and/or supplemented by those detailed Services to be specified in the Operation Contract that once executed between C... and PE 98 shall be attached herewith and deemed to be part of the present contract" (cl. n.º 2.1).</font>
</p><p><font>2.º – Por "Main Contract" entende-se o contrato celebrado entre a PE 98 e a C... em Novembro de 1995 em conjunto com os seus anexos (cl. n.º 1.3 do contrato entre a C... e a S...). Trata-se do Contrato n.º 950217 (anexo não numerado à petição inicial).</font>
</p><p><font>3.º – Por "Operation Contract" entende-se o contrato referido no Considerando C) do contrato entre a C... e a S..., bem como as suas eventuais extensões ou renovamentos (cl. n.º 1.4 do contrato entre a C... e a S...). Trata-se do Contrato n.º 990073, celebrado em 10/9/99, entre PE e a AB C....</font>
</p><p><font>4.º – O contrato celebrado entre a C... e a S... em 2/4/1998 substitui todos os acordos anteriores entre as partes (cl. n.º 19.4).</font>
</p><p><font>5.º – A C... obrigou-se a pagar à S... uma percentagem mensal das importâncias recebidas da PE 98 "under the Operation Contract for the same Services during the two (2) years after PE 98's Preliminary Handhover of the RSU System" (cl. 9.1 do contrato entre a C... e a S...), bem como uma percentagem das importâncias recebidas pela C... pela prestação de determinados serviços adicionais (cl. n.º 9.2 do contrato entre a C... e a S...).</font>
</p><p><font>6.º – A S... deveria assistir e representar a C... em todas as negociações relacionadas com o Operation Contract bem como na sua renovação ou na transmissão da posição contratual pela PE 98 (cl. n.º 11 do contrato entre a C... e a S...), mas isto não significa a atribuição de poderes representativos (cf. cl. n.º 20 do contrato entre a C... e a S...).</font>
</p><p><font>7.º – Nos termos da cl. n.º 15.1 do contrato entre a C... e a S... este contrato vigora em princípio durante 2 anos contados do Preliminary Handover of the RSU System pela PE 98. Segundo a cl. n.º 15.2 o contrato é renovado por períodos sucessivos de 3 anos se o Operation Contract for renovado ou transmitido por iguais períodos, a menos que:</font>
</p><p><font>– a PE 98 requeira por escrito a substituição da S... como subcontratante da C...;</font>
</p><p><font>– a S... tenha colocado a eficiência do RSU system em risco pela sua sucessiva falta de diligência apesar de sucessivas solicitações escritas da C... para que a situação seja corrigida;</font>
</p><p><font>– A S... tenha, segundo a opinião razoável da C... colocado a relação com a C... em risco devido a ignorar sucessivamente as solicitações ou pedidos escritos razoáveis feitos pela C....</font>
</p><p><font>8.º – O contrato celebrado entre a AB C... e a Parque Expo foi celebrado inicialmente por um período de 2 anos e foi sucessivamente renovado o que determinou que entre 28/4/1998 e 30/4/2007 a Requerente tenha assegurado a exploração técnica do sistema.</font>
</p><p><font>9.º – As partes designaram como lei aplicável ao contrato a lei aplicável ao Operation Contract (cl. n.º 21 do contrato entre a C... e a S...). O Operation Contract (Contrato n.º 990073) determina na cl. 15. que na "interpretação e aplicação do Contrato ter-se-á em conta o disposto na Lei e nos regulamentos em vigor, nomeadamente o decreto-lei n.º 55/95, de 29 de Março de Dezembro, em tudo o que não contrariar as condições especiais previstas no Contrato e a natureza de entidade empresarial, inerente à Parque Expo". Neste mesmo contrato foi estipulado a competência exclusiva do foro da Comarca de Lisboa para todos os diferendos dele decorrente (cl. 16.).</font>
</p><p><font>10.º – A S... dotou-se dos meios humanos e materiais para cumprir o contrato, mobilizando e/ou recrutando e formando as suas equipas para o cumprimento do contrato. Também suportou os custos de formação de alguns técnicos na Suécia (37.º e 38.º da petição inicial).</font>
</p><p><font>11.º – Embora a E... C... tivesse uma representação permanente em Portugal, o contrato foi celebrado com a administração principal, as questões essenciais relacionadas com a execução do contrato eram tratadas entre a E... C... e a S..., numa base trimestral, sendo que o responsável da primeira se deslocava da Suécia a Lisboa para o efeito (46.º da petição inicial) e as comunicações entre as partes ocorriam para as moradas das respectivas sedes em o conformidade com a cl. n.º 18 do Contrato (39.º, 40.º 46.º, 5 | [0 0 0 ... 0 0 0] |
AzKpu4YBgYBz1XKvhyqp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><b><font>I. - Relatório.</font></b>
</p><p><font>Desavinda com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, na improcedência da apelação interposta da decisão do tribunal de Viana do Castelo, manteve inalterada a graduação de créditos consagrada nesta decisão relativamente ao crédito da reclamante “AA-C... B..., L.da.”, com base na existência de um direito real de garantia – direito de retenção – sobre um imóvel urbano, recorre a “Caixa de Crédito Agrícola de Viana de Castelo”, concluindo a alegação de recurso com as conclusões que a seguir se deixam transcritas.</font>
</p><p><i><font>“A recorrente dispõe da garantia de hipoteca do terreno para construção que foi constituída pelos executados no ano de 2003 e em contrapartida do empréstimo que lhes concedeu para financiar a construção da casa de habitação; - vd. art.ºs 686.º e 687.º CC e. art. 1.º Cód. Reg Predial. </font></i>
</p><p><i><font>- A confiança da recorrente não pode, sem mais, ser posta em causa, pelo facto de a recorrida se ter descuidado em conter o seu crédito na construção da casa (2004 e 2005) e pese embora ter conhecimento da garantia constituída; vd. Art. 686.º CC e art. 6.º Cód. Reg. Predial </font></i>
</p><p><i><font>- Não existe direito de retenção da recorrida sobre a casa construída no terreno, pois que a lei exige ab initio a entrega pelo devedor de uma’ coisa autónoma e com estrutura definida, que o credor fica, por sua vez, obrigado a entregar depois de a melhorar/reparar. vd. Art. 754.ºdo CC; </font></i>
</p><p><i><font>- Se o legislador tivesse efectivamente querido que o empreiteiro gozasse do direito de retenção, tê-lo-ia consignado expressamente na lei e associado esse direito à obra por ele construída; - vd. Art. 755.º (a contrario) e art. 9.º CC; </font></i>
</p><p><i><font>- O direito de retenção sempre teria que ser negado à recorrida, uma vez que a mesma não se coibiu de acumular despesas volumosas confiando apenas nesse direito e por isso agindo com manifesta má fé em relação à recorrente “ – vd. al. b) art. 756.º CC; </font></i>
</p><p><i><font>- É inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 759.º do Cód. Civil, pois que viola os princípios da confiança inerente ao Estado de direito democrático, da proporcionalidade e do direito da propriedade privada; - vd: art. 2.º n.º 2; art.18.º e art. 62.º da Lei Fundamental</font></i><font>. “</font>
</p><p><font>Em sede de resposta a recorrida “AA-C... B..., L.da.” conclui que:</font>
</p><p><i><font>“1 - O direito de retenção, tal como a hipoteca, constitui um direito de garantia, sendo que, no confronto entre os dois prevalece o primeiro, de harmonia com o disposto no n.º 2, do art. 759.º, do Código Civil; </font></i>
</p><p><i><font>2 - A enumeração do art. 755.º do Código Civil não é taxativa, não revelando uma intenção legislativa de excluir uma retenção obrigacional fora dos casos ali previstos, designadamente, a favor do empreiteiro; </font></i>
</p><p><i><font>3 - Na sua relação com os donos da obra, á recorrida actuou em cumprimento pontual das obrigações assumidas no contrato de empreitada, realizando todos os trabalhos ali previstos. Em todo o caso, a má-fé que a recorrente lhe imputa, não pode ser sindicada, no presente recurso, ora porque é questão trazida ex novo ao, processo, não tendo sido alegada e/ou debatida nas anteriores instâncias, ora porque ao conceito de má-fé está sempre subjacente matéria fáctica que recorrente jamais alegou, ora porque, mesmo que assim não fosse, a sua apreciação implicaria a reapreciação da matéria de facto, o que a lei não permite, de harmonia com o disposto nos arts. 721.º e 722.º do Código Civil, mormente o n.º 2, deste ultimo preceito; </font></i>
</p><p><i><font>4 - Admitir que à recorrida não fosse reconhecido o direito de retenção sobre o edifício que construiu, significaria permitir que a recorrente e os demais credores se locupletassem à sua custa, solução da todo inaceitável face à lei; </font></i>
</p><p><i><font>5 - Ao direito de retenção são aplicáveis as regras do penhor – n.º 3, do art. 759.º, do Código Civil –, pelo que, a recorrida tem direito de ser indemnizada das benfeitorias úteis efectuadas, isto é, da obra que realizou, tal como decorre da al. b) do art. 670.º, do Cód. Civil, indemnização que lhe deve ser paga com preferência aos credor hipotecário de com o citado n.º 2 do art. 759.º, do Cód. Civil; </font></i>
</p><p><i><font>6ª - Inexiste a invocada inconstitucionalidade do n.º 2, do art. 759.º, dó Cód. Civil.”</font></i>
</p><p><b><font>II. - Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – De facto.</font></b>
</p><p><i><font>“1. Por sentença, devidamente transitada em julgado, proferida no processo 202/07.9TBVNC, que AA-C... B..., L.da., instaurou contra BB e CC, foram este Réus condenados a pagar à autora, a quantia de €74.873,95, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde 31/12/2005, até integral pagamento.</font></i>
</p><p><i><font>2. No âmbito da supra referida acção foi admitida a intervenção principal provocada passiva da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alto Minho e de “DD-Q...-C...V...C..., Lda.”.</font></i>
</p><p><i><font>3. Na referida acção ficou provado que:</font></i>
</p><p><i><font>“1º No dia 7/3/2003, os réus acordaram com a autora que esta efectuaria para eles a obra de construção de uma casa de habitação, numa parcela de terreno sita na freguesia de Sopo, Vila Nova de Cerveira.</font></i>
</p><p><i><font>2º A autora realizou para os réus os trabalhos de construção acordados com estes até 2005.</font></i>
</p><p><i><font>3º Do custo desses trabalhos, os RR não pagaram à A.€74.873,95, com IVA incluído”.</font></i>
</p><p><i><font>4. No processo principal de que os presentes são apenso, foi penhorado o prédio urbano descrito na CRP com o nº..., sito em Barroco ou Leirinhas, da freguesia de Sopo, Vila Nova de Cerveira.</font></i>
</p><p><i><font>5. Por escritura denominada de “mútuo com hipoteca” celebrada em 18/11/03 a reclamante Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alto Minho, CRL, concedeu ao ora executado e esposa um empréstimo no montante de €158.000,00.</font></i>
</p><p><i><font>6. Por essa mesma escritura os reclamados constituíram a favor da reclamante hipoteca sobre prédio identificado em 1.3., destinando-se a garantir o bom e integral pagamento de:</font></i>
</p><p><i><font>a) Capital mutuado de €158.000,00;</font></i>
</p><p><i><font>b) Respectivos juros remuneratórios à taxa contratada (…), acrescida em caso de mora, a esse título e de cláusula penal de quatro pontos percentuais, capitalizáveis;</font></i>
</p><p><i><font>c) Despesas, incluídas as com honorários de advogados ou outros mandatários feitas ou a fazer pela reclamante para assegurar ou a haver o seu crédito.</font></i>
</p><p><i><font>7. A referida hipoteca foi inscrita no registo predial pela inscrição C – Ap. 5, de 2003/11/26.</font></i>
</p><p><i><font>8. Pela inscrição F – Ap. 3, de 2007/06/12, foi registado arresto sobre o mesmo imóvel a favor das “AA-C... B..., L.da.”.</font></i>
</p><p><i><font>9. Desde que iniciou a construção do prédio/casa de habitação dos RR, em 2003, e até à data, a reclamante “AA-C... B..., L.da.” tem em seu poder as respectivas chaves das portas e portões.</font></i>
</p><p><i><font>10. Os sócios e representantes da reclamante “AA-C... B..., L.da.” são os únicos, com exclusão de qualquer outra pessoa, em especial os executados, que acedem e podem aceder ao imóvel.</font></i>
</p><p><i><font>11. Onde se deslocam com vista a verificar o seu estado, abrir as janelas do edifício, arejando-o a fim de evitar condensações.</font></i>
</p><p><i><font>12. Ninguém mais tem acedido, entrado ou realizado qualquer acto sobre o aludido imóvel.</font></i>
</p><p><i><font>13. O que tudo acontece devido ao crédito que a reclamante “AA-C... B..., L.da.” detém sobre os executados.</font></i>
</p><p><font>O epítome fundante do recorrente reconduz a revista ao conhecimento de duas questões:</font>
</p><p><font>A – Habilita a normação vigente o credor do resultado da prestação (obra) a reter a coisa construída para garantia do pagamento do preço não pago;</font>
</p><p><font>B – O direito de retenção do empreiteiro viola o princípio da proporcionalidade e do direito à propriedade privada (artigos 18.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa). </font>
</p><p><b><font>II.B. – De Direito</font></b><i><font>.</font></i>
</p><p><font>II.B.1. – Crédito resultante da obra realizada pelo empreiteiro e direito de retenção.</font>
</p><p><font>A doutrina tem vindo a caracterizar o direito de retenção como </font><i><font>“[…] um direito a se que não se integra no direito de crédito como um seu atributo ou faculdade, antes lhe acresce como uma prerrogativa complementar que, por claras razões de justiça e equidade, a lei concede ao credor para robustecer a sua posição. </font></i>
</p><p><i><font>É um verdadeiro direito real, portanto um direito absoluto, a todos oponível. Traduz-se num poder imediato sobre certa coisa, numa posição de supremacia sobre determinado objecto. </font></i>
</p><p><i><font>Em primeiro lugar, o direito de retenção, como o próprio nome sugere, outorga ao titular a faculdade de reter a coisa, isto é, de mantê-la sob a sua dominação, enquanto não lhe for satisfeito aquilo que, em ligação com ela, lhe é devido (Código Civil artigo 754.º). Esta faculdade pode o interessado fazê-la valer tanto em face do devedor como de terceiros. Por todo o tempo em que permanecer o estado de insatisfação do seu crédito, ele poderá legitimamente recusar-se a largar mão do objecto, a entregá-lo seja a quem for. É-lhe lícito conservá-lo em seu poder, maugrado quaisquer pretensões que sobre ele se desejem exercitar, venham donde vierem. </font></i>
</p><p><i><font>Visto por esta primeira faceta, o ius retentionis configura-se como uma garantia real indirecta. É uma garantia porque visa dar maior uma garantia real indirecta. É uma garantia, porque visa dar maior consistência prática ao crédito tornando mais viável a sua cobrança. E é uma garantia real, porque possui o atributo da realidade sendo invocável contra terceiros. É uma garantia real indirecta, porque, olhado a esta luz a sua eficácia não é a de proporcionar o pagamento preferencial em execução forçada: é a de, por uma forma mediata ou oblíqua, estimular psicológica e economicamente ao pagamento voluntário. O devedor, ou quem quer que porventura se haja tornado entretanto proprietário do objecto, sabe que não pode exigir este senão mediante o simultâneo pagamento de quanto ao retentor é devido; e sente-se assim compelido a efectuar tal pagamento.”</font></i><font> [</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Para além da função garantística, real e indirecta, é atribuído ao detentor deste direito real de garantia o poder/faculdade de se fazer pagar pela coisa retida com preferência sobre os restantes credores. “</font><i><font>Encarado por este ângulo, o ius retentionis apresenta a fisionomia de uma garantia real directa. Pertence à mesma categoria de que fazem de uma garantia real directa. Pertence à mesma categoria de que fazem parte outros direitos assim qualificados, como o penhor e a hipoteca. Como estes, permite ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objecto, com prioridade sobre os credores restantes. O retentor é um credor preferencial</font></i><font>.” [</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>O direito de retenção surge na esfera jurídica do sujeito activo da relação creditícia (credor), nos termos do artigo 754.º do Código Civil quando: </font><i><font>“a) Alguém tem a detenção de uma coisa, que está obrigado a entregar a outrem; b) o primeiro é por seu turno titular de um crédito contra o segundo existindo portanto dois créditos recíprocos; c) o crédito do primeiro e o correlativo débito do segundo acham-se em conexão com a coisa detida, objecto da obrigação de entrega, conexão derivada de despesas feitas com. a coisa ou de danos por ela causados. O débito de que o detentor é sujeito activo acha-se por esse modo ligado à coisa visando o pagamento de despesas que o detentor com ela efectuou ou a indemnização de prejuízos que em razão dela sofreu (debitum cum te iunctum).</font></i><font>” [</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>E mais adiante escreve o citado autor que “</font><i><font>o empreiteiro pode por conseguinte reter a coisa enquanto não lhe for satisfeita a contrapartida pecuniária a que tem jus. Pode reagir triunfantemente, através dos adequados meios, contra os actos que ofendam a sua posse. E poderá ainda fazer-se pagar pelo valor da coisa com preferência sobre os restantes credores do dono da obra – mesmo sobre os que tenham hipoteca com registo anterior, no caso de se tratar de coisa imóvel. Está, em suma, investido num direito real de garantia dotado como é de sua natureza, de eficácia erga omnes</font></i><font>.” [</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Noutro registo, procurando escandir os elementos de conexão que podem explicar a relação garantistíca que se gera entre o facto de o empreiteiro poder exercer o direito de retenção sobre o produto ou o resultado da prestação de serviços contratada com o dono da obra, referem os Profs. Ferrer Correia e Joaquim Sousa Ribeiro que não subsiste unicamente uma conexão jurídica mas igualmente uma conexão objectiva ou material derivada de uma “</font><i><font>obrigação complexiva assumida pelo empreiteiro e que se traduz e/ou desdobra em duas prestações, funcionalmente interligadas, mas que se apresentam com autonomia, sendo evidente a sua diferenciação estrutural: uma traduz-se numa prestação de facto, a outra numa prestação de coisa, numa obrigação ou restituir</font></i><font>”. [</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Tendo o empreiteiro por causa da relação contratual – obrigação de </font><i><font>facere</font></i><font> –, que estabeleceu com o dono da obra, que realizar despesas para obtenção do resultado que tem que entregar ou restituir, tem o direito de reter a coisa de que resultaram as despesas efectuadas. “</font><i><font>Não está agora em questão, como na «exceptio», a falta de causa, a ausência da contraprestação que, pela própria estrutura do vínculo negocial, representa o fundamento necessário da obrigação assumida. O que releva, para este efeito, é a directa referência do crédito à coisa, o facto de radicar nela a causa das despesas efectuadas, justificando-se, assim, que a própria coisa corporize uma garantia especial do seu pagamento</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Também a jurisprudência tem vindo a entender, de forma maioritária, que o empreiteiro goza do direito de retenção como garantia das despesas efectuadas para a concreção da coisa a restituir ou a entregar. [</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Feito este excurso pela doutrina e pela jurisprudência importa verificar a factualidade que para efeito do ajustado enquadramento jurídico está adquirida para o processo.</font>
</p><p><font>Em recensão da facticidade pertinente ficou assente pelas instâncias que: </font>
</p><p><i><font>“9. Desde que iniciou a construção do prédio/casa de habitação dos RR, em 2003, e até à data, a reclamante “AA-C... B..., L.da.” tem em seu poder as respectivas chaves das portas e portões.</font></i>
</p><p><i><font>10. Os sócios e representantes da reclamante “AA-C... B..., L.da.” são os únicos, com exclusão de qualquer outra pessoa, em especial os executados, que acedem e podem aceder ao imóvel.</font></i>
</p><p><i><font>11. Onde se deslocam com vista a verificar o seu estado, abrir as janelas do edifício, arejando-o a fim de evitar condensações.</font></i>
</p><p><i><font>12. Ninguém mais tem acedido, entrado ou realizado qualquer acto sobre o aludido imóvel.</font></i>
</p><p><i><font>13. O que tudo acontece devido ao crédito que a reclamante “AA-C... B..., L.da.” detém sobre os executados.”</font></i>
</p><p><font>A empresa que procedeu à construção do prédio para os executados têm vindo a manter, desde o inicio da construção as chaves das portas, sendo os sócios ou pessoas por si mandadas os únicos que acedem ao prédio, detendo-o com exclusão de qualquer outro. A causa de os sócios gerentes e representantes assim procederem radica ou tem como causa o “</font><i><font>crédito que a reclamante “AA-C... B..., L.da.” detém sobre os executados</font></i><font>.” </font>
</p><p><i><font>“O titular do direito de retenção tem posse. Não a posse correspondente ao direito de propriedade, que não é seu, mas a correspondente a esse direito real menor ou sobre coisa alheia em que se cifra o ius retentionis. Estamos na presença de alguém que até determinado momento era, por hipótese, simples detentor porque tinha sobre a coisa um poder de facto que exercia um interesse de outrem. Mas reúnem-se os pressupostos do direito de retenção: este surge. A partir desse momento, o sujeito passa a exercer o poder de facto no seu próprio interesse, porque é no seu interesse que retém a coisa. De mero detentor eleva-se a possuidor</font></i><font>.” [</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>A facticidade provada evidencia uma intenção de os representantes da obra permanecerem na posse da obra até que possam vir a ser pagos das despesas efectuadas com a obra construída por virtude do contrato de empreitada. A alusão ao crédito não pode deixar de configurar como o resultado do total das despesas despendidas pela empresa construtora na edificação do prédio que se comprometeram a efectuar para o executado, constituindo-se assim como causa da retenção que tem vindo a ser exercida pelos representantes da empresa construtora.</font>
</p><p><font>Argumenta a recorrente que se o legislador quisesse dotar o empreiteiro de um direito de garantia real tê-lo-ia conferido no artigo 755.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>A este propósito escreveu-se no estudo já citado [</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>] que “</font><i><font>E assim é que, se a nossa lei não tivesse especialmente previsto, como previu, um direito de retenção a favor, por exemplo, do depositário, pelos créditos resultantes do contrato [al. e) do n.º 1 do art. 755.º], nem por isso as despesas de conservação da coisa depositada deixariam de estar garantidas pelo direito de retenção, pois, sendo despesas feitas por causa da coisa, cairiam, nessa medida, no âmbito da previsão geral do art. 754.º. A fixação, no art. 755.º, de um «numerus clasus» de casos em que o nexo jurídico entre os debitas fundamenta autonomamente o direito de retenção não invalida que, noutros casos, a própria realização de uma prestação contratual não possa implicar despesas por causa de uma coisa. Quando assim for, nada obsta à retenção da coisa não pelo facto de a obrigação de a restituir e o crédito que ela ocasionou se filiarem num mesmo contrato, mas pela relação que esse crédito apresenta com a coisa. O art. 755.º não esgota, assim, a esfera de aplicação da figura no âmbito contratual, mantendo-se sempre de pé, como norma primária de delimitação do campo operativo do direito de retenção, o art. 754.°, ao qual cabe traçar os pressupostos gerais do instituto. Onde tais pressupostos se dêem, no caso concreto, por verificados, e ressalvadas as condições negativas do art. 756.º, o credor poderá beneficiar da garantia, sem excepção.” </font></i><font>[</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>O artigo 754.º do Código Civil constitui-se como a norma-regra ou a norma-pressuposto onde o legislador estabeleceu os pressupostos ou requisitos gerais e fundantes do direito de retenção. Verificando os pressupostos nela estabelecido aquele que estiver nas condições estabelecidas na norma adquire o direito de reter a coisa para garantia do pagamento do crédito resultante de despesas efectuadas por causa da coisa que tenha a obrigação de entregar. O artigo 755.º constitui-se como norma especificadora “</font><u><font>gozam ainda do direito de retenção</font></u><font>” os sujeitos jurídicos especificados nas respectivas alíneas. Vale por dizer que para além de qualquer sujeito que reúna as condições ou se encontre no quadro condicionante estatuído no artigo gozam ainda desse direito de forma especifica aqueles que estão referenciados no artigo 755.º do mencionado livro de leis.</font>
</p><p><font>Não quedam para nós escolhos ou nódulos interpretativos que possam conduzir a divertida solução. Nem para a discussão jurídica sobre que versa a solução a definir pelo recurso valem os argumentos expendidos pela recorrente quanto a eventuais desleixos ou intemperança da empresa construtora que deveria morigerar a sua conduta tendo em conta que sobre o prédio existia uma garantia de hipoteca. Não são as condutas que relevam para efeitos de apreciação dos institutos jurídicos formados na base das relações jurídicas estabelecidas pelos sujeitos de direito mas sim as consequências que para o mundo do direito derivam da assumpção de determinados vínculos e obrigações que se dessumem das relações contratuais estabelecidas. A empresa construtora contratou com o executado a realização de uma obra e deverá ser com base nesta relação contratual que se devem retirar as consequências jurídicas que para os contraentes derivam da falta de cumprimento.</font>
</p><p><font>Ainda assim sempre se dirá que no âmbito do comércio financeiro vigente se as empresas construtoras devessem analisar os meios financeiros dos eventuais clientes a indústria de construção já teria deixado de poder ser exercitada. A prática corrente, como é do conhecimento da recorrente, é o de os instituições financeiras concederem empréstimos a particulares ou às próprias empresas de construção para financiamento (antecipado) das despesas a realizar na edificação/construção de prédios urbanos. São as instituições financeiras, enquanto mutuantes que têm o dever de escrutinar as forças/meios económicos do mutuário para asseguramento do capital ou das quantias mutuadas. As instituições financeiras, enquanto entidades que gerem o negócio de “venda” de dinheiro, deverão, por uma questão de salvaguarda do capital mutuado, colher informação quanto às possibilidades que o mutuário dispõe para vir a solver a obrigação contraída. Ao contrário do que a recorrente parece querer esgrimir relativamente a eventual imprudência do construtor – que segundo ela deveria ter-se acautelado quanto à solvabilidade do executado – afigura-se-nos que esse dever lhe caberia em primeira linha. Constitui facto notório, por resultar do comércio bancário e das relações estabelecidas, de ordinário, entre os particulares e estas instituições que os financiamentos/empréstimos realizados pelos primeiros juntos das segundas servem, quando contraídos para esse fim, para financiar a construção de prédios e que o empreiteiro/empresas de construção são pagas com o capital mutuado. Vale por dizer que, originariamente, são as instituições financeiras que adiantam as quantias necessárias para a actividade dos empreiteiros/empresas de construção e que estas são pagas com o capital emprestado pelos bancos, quer aos particulares quer às próprias empresas de construção. </font>
</p><p><font>A recorrente não viu diminuída a sua garantia pela conduta/acção da empresa construtora, ao invés, esta só terá contratado com o particular depois de este ter assegurado as quantias necessárias para fazer face á construção do prédio mas porque o executado não logrou pagar o crédito que contraiu perante si para realização da obra. Dir-se-á que a ser deste modo uma garantia hipoteca para pagamento de um determinado crédito quedaria totalmente dessorada e tornar-se-ia inerme para o fim para que foi constituída. Vale dizer, se um crédito é concedido para a construção de um prédio e a instituição bancária constitui uma garantia para pagamento do crédito precisamente sobre esse prédio, a acção de um sujeito que intervém no processo a montante, neste caso o empreiteiro que vai usufruir do crédito concedido para realização da obra, se agir de modo a reter a coisa para que o crédito foi concedido, a hipoteca deixa de ter a função para que tende, a saber garantir o pagamento do crédito concedido pelo valor do prédio. Não nos parece que este raciocínio deva proceder. Em primeiro lugar, porque tratando-se de um contrato de mútuo o devedor constitui-se, em primeira linha, obrigado a solver a dívida mediante as condições estipuladas no contrato. A execução da coisa só ocorre quando, por razão imputável ao devedor, este deixou de cumprir com a obrigação a que está contratualmente obrigado, qual seja a de solver a divida contraída. Tratando-se de um contrato sinalagmático e mediante o qual uma das partes se obriga a pagar a outrem o montante mutuado, só a falta de impossibilidade de pagamento se constitui motivo de resolução do contrato e só a partir deste momento é que surge a possibilidade de execução do património do devedor. Nesta execução, que, note-se, recai sobre o todo património do credor, e não sobre coisa determinada, o credor que haja garantido o seu crédito mediante uma garantia de hipoteca, tem o direito de ser pago, privilegiadamente, à custa de determinados bens, concretamente, os que constituem o objecto da hipoteca. Trata-se de uma garantia decorrente de um contrato cujo objecto se esgota na efectivação prestações recíprocas e que não envolvem outras obrigações senão aquelas que decorrem do conteúdo ou de feixe do sinalagma constituído. </font>
</p><p><font>No caso de uma obrigação de </font><i><font>facere</font></i><font> em que se consubstancia o contrato de empreitada, para além da obrigação de fazer/construir a obra, por parte do empreiteiro, e do correspectivo pagamento do preço, da parte do dono da obra, o empreiteiro para realização da sua prestação obriga-se a fornecer dos bens materiais para concreção do resultado a que se obrigou. A relação contratual estabelecida assume destarte uma natureza e feição diversa da relação contratual estabelecida entre um mutuante e um mutuário, por neste caso, o credor ter a obrigação de para a concreção do desenvolvimento da prestação de facere despender quantias que advêm, naturalmente do seu património, ficando, por isso mesmo, com direito a ser pago pelo valor da coisa em que as despesas foram efectuadas.</font>
</p><p><font>Em nosso juízo, e tal como procuramos demonstrar, o empreiteiro, mercê da sua especifica posição perante o resultado da obra e a atitude possessória que exerce sobre ela deve assumir perante ela uma posição de privilégio garantistíco de modo a poder reter a coisa em seu poder, perante terceiros, e adquirindo o direito a ser pago, preferencialmente, mesmo perante aqueles que possuam outra garantia real, de cariz mais formal e não com a intensidade material e intencional com que o retentor detém a coisa objecto de garantia. </font>
</p><p><b><i><font>II.B.2. – Inconstitucionalidade do artigo 759.º do Código Civil</font></i></b><font>. </font>
</p><p><font>Para além do desenvolvimento argumentativo apresentado – que não poderá ser confundido com as questões jurídicas que o recurso deve solver – a recorrente impetra a resolução da questão da eventual constitucionalidade do artigo 759.º do Código Civil.</font>
</p><p><font>Para o efeito aduz que “</font><i><font>É inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 759.º do Cód. Civil, pois que viola os princípios da confiança inerente ao Estado de direito democrático, da proporcionalidade e do direito da propriedade privada; - vd: art. 2.º n.º 2; art.18.º e art. 62.º da Lei Fundamental</font></i><font>. “</font>
</p><p><font>A questão da inconstitucionalidade já colheu pronúncia deste Supremo Tribunal tendo-se pronunciado de forma peremptória no sentido de que a graduação do crédito do detentor do direito retenção não fere ou viola os princípios da confiança e da segurança jurídica que deve ser observado relativamente à constituição e registo anterior de uma garantia hipotecária. </font>
</p><p><font>Escreveu-se, no aresto em questão que “</font><i><font>Esta solução legal tem efectivamente suscitado reparos, mas não julgamos que a preferência atribuída ao “jus retentionis” seja equiparável ao regime dos privilégios imobiliários gerais que motivou a intervenção do Tribunal Constitucional através dos Acórdãos nºs 362/2002 e 363/2002 declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas que conferiam tais privilégios à Fazenda Nacional e à segurança social e na interpretação segundo a qual elas preferiam à hipoteca.</font></i>
</p><p><i><font>Na verdade, o principal argumento acentuado pelo Tribunal Constitucional foi o facto dos créditos privilegiados não terem conexão alguma com a coisa objecto da garantia e o próprio princípio da confidencialidade tributária impossibilitar os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedores ou do Estado ou da segurança social.</font></i>
</p><p><i><font>E neles se acrescentou que não estando tais créditos sujeitos a registo, o particular que exercesse a garantia podia ser confrontado com a existência de um crédito privilegiado e que “ frustrando a fiabilidade que qualquer registo deve merecer, tal implicará uma “ lesão desproporcionada do comércio jurídico”. </font></i>
</p><p><i><font>Situação diferente ocorre com o direito de retenção.</font></i>
</p><p><i><font>Com efeito a razão da preferência que lhe é atribuída reside no facto do retentor não poder invocar o seu direito contra outros credores, para impedir a execução da coisa, por isso em contraponto reconhecendo a lei, esse dito privilégio, no âmbito do processo executivo como sustenta Vaz Serra no seu estudo sobre o tema no Anteprojecto do Cod. Civil</font></i>
</p><p><i><font>A atribuição ao direito de retenção da “oponibilidade erga omnes” decorre por seu turno do próprio facto da retenção e da publicidade inerente pois mostrando a coisa em poder do retentor, logo fará suspeitar de que não está livre.</font></i>
</p><p><i><font>E o grau de preferência que lhe é atribuído tem fundamentos que amplamente o justificam face à natureza dos actos que dão lugar as créditos do retentor.</font></i>
</p><p><i><font>Com efeito c resultando normalmente o crédito de despesas com a fabricação, conservação ou melhoramento de coisa alheia, será de concluir que se essas despesas não tivessem sido realizadas, a coisa poderia ter perecido e então nem o seu proprietário, nem o credor hipotecário nem qualquer outro credor poderiam realizar o seu direito.</font></i>
</p><p><i><font>È essa no fim de contas a razão fundamental da preferência que a lei entendeu atribuir-lhe pois como já sustentava Guilherme Moreira, citado por Mª Isabel Meneres Campos, Da Hipoteca, 224 ainda na vigência do direito anterior, se não lhe fosse atribuída tal preferência, todos os demais credores se locupletariam à sua custa em função do valor da coisa para que concorrera o retentor com as despesas com ela feitas.</font></i>
</p><p><i><font>No fundo, trata-se de garantia muito especial caracterizada por um nexo de ligação muito apertado entre a coisa e a obrigação, exactamente uma situação inversa às dos mencionados privilégios para além de envolver um processo de coacção sobre o devedor.</font></i>
</p><p><i><font>Para além disso, sempre importará referir que por via de regra os créditos que conferem o direito de retenção sobre os imóveis representavam uma pequena quantia em relação ao valor da coisa, logo sem possibilidade da prevalência a ele atribuída sobre a hipoteca esvaziar os créditos por esta garantidos Outrossim e mesmo no caso muito especial e severamente criticado pela doutrina da atribuição dessa garantia ao crédito resultante do incumprimento pelo promitente alienante do contrato promessa com tradição da coisa, nos termos da al. f) do art. 755.º do C. Civil (introduzido pelo DL n.º379/86, retirando-o, com a respectiva eliminação do anterior n.º 3 do art. 442.º, conforme a redacção do DL nº236/80) já decidiu o Tribunal Constitucional em não julgar inconstitucional tal normativo, enquanto interpretado como concedendo ao promitente comprador de imóvel ou fracção autónoma com tradição do mesmo, direito de retenção com preterição de hipoteca constituída ou registada antes da invocação do dir | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uDIQvIYBgYBz1XKvYIcv | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1 - A, titular da marca internacional n. R.316686 "TAMOL", no 14. Juízo Cível de Lisboa, interpôs recurso do despacho de 2 de Abril de 1990 do Sr. Director do Serviço de Marcas do I.W.P.J., ao abrigo dos artigos 203 e seguinte do C.P.I., que concedeu parcialmente protecção, em Portugal, ao registo de marca internacional n. 534631 "TAMOIL" para produtos da classe 18, dada a confusão, acolhida no n. 12 do artigo 93 do C.P.I..<br>
A sentença de folhas 81-82, negando provimento ao recurso, manteve o despacho.<br>
Em apelação o douto Acórdão da Relação de Lisboa folhas 125 a 128, revogando-a, ordenou que se profira despacho a recusar o registo requerido, referente à marca internacional 534631 "TAMOIL" para os produtos de classe 18.<br>
Daí a presente revista.<br>
2 - A recorrente TAMOIL Itália, S.P.A., nas suas alegações conclui: a) Os produtos assinalados pelas marcas "sub judice" não são idênticos, nem semelhantes, dado que não apresentam "manifesta afinidade". b) Consideradas as marcas no seu conjunto, são suficientemente distintas, independentemente de exercer atento ou confronto, pelo que não há possibilidade de indução fácil do consumidor em erro ou confusão. c) Não existe uma clientela comum para os produtos em causa que possa ser desviada de um dos titulares da marca para o outro, pelo que nunca poderá vir a existir concorrência desleal entre os titulares das marcas em confronto. d) Ainda que se venha a decidir que a complementaridade existente entre um artigo de couro e um preparado para limpar o couro seria motivo para impedir a coexistência de marcas, tal facto não obsta a manter-se o despacho e sentença recorridos para todos os demais produtos, como sejam "malas de viagem e malas de mão", "chapéus de chuva, chapéus de sol e bengalas", "chicotes e selaria".<br>
A recorrida defendeu o Acórdão, bem como o Ministério Público.<br>
3 - Corridos os vistos, cumpre decidir.<br>
4 - Está provado pela Relação: a) A recorrida, então apelante, é titular do registo de marca internacional n. R.316686 "TAMOL", protegida em<br>
Portugal por despacho de 24 de Junho de 1967. b) A referida marca destina-se a assinalar os produtos seguintes:<br>
- Produto chimiquer pour l'industrie, apprêts, matiérs à tanner": classe 1.<br>
- Mordants, laques, vernis, colorants pour la lessive, matiérs à détaches": classe 2<br>
- Matiérs à conserver le cuir": classe 3 c) Por despacho de 20 de Novembro de 1990, foi concedida protecção ao registo internacional 534631 "TAMOIL", para todos os produtos, excluindo os produtos de classe 1. d) A marca 534631 destina-se a assinalar além de outros, os seguintes produtos:<br>
- "cuir et imitation du cuir, produits en ces matiérs non compris dans l'outres classes; peaux d'animaux; malls, et valises; paraplui, poresols et cannes; porrits et sellerie".<br>
5 - A nossa lei não dá, directamente, um conceito de marca.<br>
Do artigo 74 do C.P.I. pode-se tirar um conceito muito amplo, caracterizado como sinal distintivo que serve para identificar o produto proposto ao consumidor, permitindo a sua diferenciação.<br>
Para além das marcas de fábrica ou de comércio,<br>
Portugal admite marca de serviços, destinados precisamente a identificar e proteger um serviço - artigo 6 da Convenção da União de Paris, incluído na Conferência de Lisboa, de Outubro 1958, introduzido no direito português pelo Decreto-Lei 176/80, de 30 de Maio, artigo 7.<br>
Foi o jurista alemão Isay quem, em 1929, apresentou a formulação tripartida das funções da marca:<br>
- indicar a origem de mercadorias - Hewrenftfunktion<br>
- garantir a sua qualidade - garantiefunktion<br>
- ser instrumento de publicidade - wesbefunktion.<br>
A marca protege o interesse particular do seu titular e o interesse público.<br>
É ponto indiscutível que a sua função fundamental é distinguir o produto ou serviço a que se aplica visando "estabelecer uma relação entre um produto ou serviço e um determinado agente económico, independentemente da individualização concreta deste". Dr. Carlos Olavo, Col. Jurisp. XII, 1987, Página 21, tomo 2, face à transmissibilidade de marca nos termos do artigo 118 n. 1 do C.P.I..<br>
Apoiamos o Acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Maio de 1979 quando afirma "a protecção de marca visa uma ampla gama de valores, tais os da reputação ou prestígio e confiança do respectivo produto, crédito e lucro do titular da respectiva patente, como ainda a boa fé, o bem estar, a saúde e a própria vida dos utentes e consumidores".<br>
É um lugar comum afirmar-se que o fenómeno de produção e distribuição em massa, aliado a modernas e refinadas técnicas publicitárias, alteraram o papel económico da marca.<br>
Daí que a função publicitária represente grande interesse para o empresário titular da marca, na medida em que lhe facilita a entrada e a permanência no mercado.<br>
Só que é questionável a sua recepção pelo direito.<br>
É exacto que a mencionada tese da tripartição de funções de Isay teve imensos seguidores: Na Alemanha, Hubmam e Reines; em França, Rontres; em Itália, Ascarelli e Franceschelli e em Espanha, Diaz Velano; o certo é que ela aí foi combatida - ver Vangetti, Natura e funzioni giuridiche del marchio, em Problemi del Diritto Judustiale, 1961, Páginas 1161 e 1169 e seguintes.<br>
A lei uniforme do Benelux, sobre marcas, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1971, no seu artigo 13.A.2 dispõe que o direito exclusivo de marca permite ao seu titular opor-se a todo o uso de uma marca idêntica ou semelhante que, sem justo motivo, se efectuou no tráfico económico em condições susceptíveis de causar prejuízo ao titular da marca.<br>
E tem-se julgado que o fundamento da norma se radica na função publicitária de marca.<br>
Entre nós tal estará vasado na disciplina legal definidora de concorrênia desleal - artigo 212 do C.P.I..<br>
6 - Os grandes princípios que pautam as marcas são:<br>
(Prof. Oliveira Ascensão, Direito Comercial II, Industrial, 1988, Páginas 139 e seguintes)<br>
- factualitatividade - artigo 75;<br>
- especialidade - artigo 90;<br>
- verdade - 93 ns. 10 e 11;<br>
- Independência - Convenção de Berna artigo 6 alíneas 1 e 3;<br>
- Imutabilidade - artigo 83;<br>
- Não conexão com o estabelecimento comercial - artigo<br>
118 parágrafo 1.<br>
- Novidade - artigos 90 parágrafos 1, 3 e 4, 93 ns. 12 e 94.<br>
Interessa-nos a novidade: a marca tem de ser nova.<br>
Recusa-se o registo de marca que contenha "reprodução ou imitação total ou parcial de marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto ou produto semelhante, que possa induzir em erro ou confusão no mercado" - n. 12 artigo 93.<br>
Paralelamente o artigo 94 estatui:<br>
"Considera-se imitada ou usurpada no todo ou em parte a marca destinada a objectos ou produtos inscritos no reportório sob o mesmo número, ou sob números diferentes mas de afinidade manifesta, que tenha tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois do exame atento ou confronto".<br>
Daí que face a estas disposições e ao artigo 217 ns. 1 e 2 com terceiro lesa uma marca através das figuras de contrafacção e imitação.<br>
Aquela traduz-se na reprodução ou cópia servil de outra marca; esta na semelhança com outra, que leva à confusão do consumidor ou de quem vai receber o serviço, partindo a lei da sua distracção, no sentido de que o imitador, colocando certas diferenças materiais, procure lançar a confusão.<br>
7 - Frente à infinita gama de meios que o imitador se pode servir para lançar a confusão, a lei veio estabelecer critérios para surpreender a existência de uma imitação, que legitime a recusa:<br>
- Aparente semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra marca anteriormente registada por outrém que não permita distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.<br>
- Destinem-se ambas as marcas a assinalar o mesmo produto ou serviços ou produto e serviço semelhantes, ou seja, que haja identidade ou manifesta afinidade de produtos ou serviços.<br>
- Resultando a possibilidade de indução fácil do consumidor em erro ou confusão.<br>
8 - O douto Acórdão recorrido considerou que entre as marcas "TAMOL" e "TAMOIL" há semelhanças gráfica e fonética.<br>
E bem.<br>
A única diferença está no "I" intercalar, irrelevante no conjunto das duas expressões, com a correlativa fácil possibilidade de confusão na memória do consumidor.<br>
São palavras homofónicas.<br>
Paralelamente foi decidido que houve imitação:<br>
- Rioten e Diolen - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 1971, Bol. 204, Página 168.<br>
- Matos e Magos - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 1972.<br>
- Guoso e Guloso - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 1974, Bol. 233, Página 214.<br>
- Litec e Litux - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 23 de Julho de 1980.<br>
- Ori e Oxi - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 1981.<br>
- Rbum Negrita e Rbum Negrito - Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Abril de 1966.<br>
- Gravistat e Gravitest - Acórdão da Relação de Lisboa, 29 de Maio de 1979 etc, etc.<br>
9 - O douto Acórdão recorrido concluiu que estávamos perante produtos afins, relacionados com o mesmo material - o couro.<br>
O registo de uma marca é efectuado por produtos.<br>
Uma marca anteriormente registada está garantida frente a contrafacção ou imitação de outra perante:<br>
- Os mesmos produtos - artigo 93 n. 12.<br>
- Produtos inscritos no reportório sob o mesmo número - artigo 94, substituído pela classificação internacional de produtos e serviços instituído pelo Acordo de Nice, de 15 de Junho de 1957, pelo Decreto-Lei 176/80, de 30 de Maio.<br>
- Produtos similares - artigo 92.<br>
- Produtos semelhantes - artigo 93 n. 12.<br>
- Produtos de afinidade manifesta - artigo 94.<br>
- Produtos idênticos ou semelhantes artigos 95 e 122 n. 4.<br>
As expressões produtos "similares", "semelhantes", "afinidade manifesta" e "idênticos" representam a mesma realidade jurídica.<br>
A lei não define o conteúdo de afinidade.<br>
A doutrina e a jurisprudência estrangeiras não são uniformes quanto a tal.<br>
Entre nós é jurisprudência assente que ela é aferida quando os produtos concorrentes no mercado têm a mesma utilidade e finalidade - por todos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 1981, Bol. 307,<br>
Página 291.<br>
Seja, como sucedâneos, seja, como complementares - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 1993.<br>
É que a concorrência entre produtos no mercado não existe apenas quando tais bens se apresentem numa relação de substituição, mas sim também, quando os bens produzidos ou trocados estiverem entre si numa relação de complementaridade, por se integrarem em determinado processo produtivo, ou por só em conjunto serem economicamente úteis - Dr. Patrício Paúl, Concorrência Desleal, Coimbra Editora, 1965, Página 128.<br>
Ora, como vimos, os produtos protegidos pela marca TAMOIL, classe 18 são:<br>
- couro e imitação de couro, artigos destes materiais não compreendidos noutras classes;<br>
- peles de animais;<br>
- malas de viagem e malas de mão;<br>
- chapéus de chuva, chapéus de sol e bengalas;<br>
- chicotes e selaria.<br>
E pela marca "TAMOL":<br>
- produtos químicos para a indústria, preparativos, matérias tonantes.<br>
- Produtos, lacas, vernizes, corantes para a lixívia, matérias para limpar;<br>
- matérias para conservar o couro:<br>
Há que saber que "a classificação por produtos e serviços visa tão somente facilitar o processo de registo de marcas, e não restringir, por qualquer forma, a noção de usurpação de marca "Dr. Carlos Olavo), C.J., Ano XII, 1987, tomo 2, Página 24.<br>
O que importa para aferir a afinidade é, como se disse, a função e aplicação dos produtos.<br>
O couro é o elemento material que relaciona as duas marcas: ambas se destinam ao mesmo sector de mercado, de couros.<br>
"A relação de semelhança apenas se reporta aos produtos de classe dos assinalados pela marca prioritária e aos que, pertencendo, embora, a classe diferente, tenham afinidade manifesta com os assinalados, por essa mesma marca. Não compreende, pois, todos os produtos de classe ou das classes a que pertencem os "afins". Mas abrange as designações genéricas, como, no caso "molls et valiero", ainda que - afinidade apenas ocorra quanto a alguma ou algumas espécies do género" - Acórdão do<br>
Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 1993.<br>
A conexão de complementaridade é surpreendida pelo consumidor que compra um artigo de couro de marca "TAMOIL" pensando que está revestida, preparada, envernizada com "TAMOL", marca que em seu entender lhe garante a qualidade que pretendia adquirir.<br>
Desta forma há que concluir que a afinidade só não é manifesta quanto a "chapéus de chuva", "chapéus de sol" e "bengalas".<br>
10 - Haverá a possibilidade de concorrência desleal?<br>
A propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direito privativo sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza - artigo 1 C.P.I..<br>
Através do princípio da especialidade a marca visa proteger a concorrência e evitar ou impedir a concorrência desleal, ao assegurar a sua capacidade distintiva relativamente a marcas já adoptadas para o mesmo produto ou serviço ou para produtos ou serviços semelhantes.<br>
Só que é ainda fundamento de recurso da marca "o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção" - n. 4 artigo 187.<br>
Paralelamente todos os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado, são índices de concorrência desleal por serem actos de concorrência contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica - artigo 212 n. 1.<br>
Aqui entra por excelência, como vimos, a função publicitária da marca.<br>
Scherer - Industrial Market Structure and Economic Performance, 2. edição, Boston, 1980, Páginas 375 e seguintes - destaca que os produtos são também diferenciados pela imagem subjectiva que projectam na mente dos consumidores.<br>
Tal imagem realiza-se por meio da publicidade e promoção pessoal de vendas.<br>
Sustenta, assim, que em circunstâncias normais, a marca possui, por si mesma, sales appeal ou selling power, tornando-se instrumento Colleton di clientela exercendo uma visão attractiva sobre o consumidor, que pode ser independente tanto da qualidade dos produtos ou serviços diferenciados, como de reputação da empresa titular.<br>
Há que convir que o bem jurídico protegido pelos artigos 187 n. 4 e 212 não é a marca, mas sim o próprio estabelecimento em si, a empresa do industrial ou do comerciante.<br>
"Em última análise ambas visam, é certo, a tutela da empresa. Só que essa tutela se efectiva em dois momentos e planos distintos: primeiro, através das normas que protegem o interesse do comerciante na utilização de cada um dos elementos de sua organização mercantil, mormente dos sinais distintivos do seu comércio; depois, onde essa primeira forma de protecção não alcance, por intermédio de outros que, dirigindo-se contra todos os actos de concorrência não conforme aos usos honestos do comércio e susceptíveis de causar dano<br>
à empresa, visam a entidade económica que é a própria empresa, em si mesma, como bem jurídico autónomo" - Professor Ferrer Correia, R.D.E.S., ano VI, ns. 1 a 3, Página 111.<br>
Desta forma o mesmo facto pode ser surpreendido por um só destes dois ilícitos ou por ambos, ao mesmo tempo.<br>
Esta última situação surgirá quando a marca não garante a lealdade de concorrência e simultaneamente vá fomentar ou facilitar a concorrência desleal, bastando, para tanto, que esta se apresente objectivamente possível, através de causação de prejuízos, que se cifrarão em desvio ou subtracção de clientela, em benefício do autor do facto.<br>
E o consumidor médio-apressado e distraído pode ficar confuso: são as semelhanças que criam a confusão.<br>
11 - Termos em que, concedendo-se parcialmente a revista, se revoga o douto Acórdão recorrido apenas na parte em que recusa protecção em território português à marca "TAMOIL" n. 534631 para os produtos da classe 18 - parapluies, parasolo e cannes (chapéus de chuva, chapéus de sol e bengalas).<br>
Custas pela recorrente e recorrida na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente.<br>
Oportunamente cumpre o artigo 210 do C.P.I..<br>
Lisboa, 26 de Setembro de 1995.<br>
Torres Paulo,<br>
Ramiro Vidigal,<br>
Cardona Ferreira,<br>
Oliveira Branquinho,<br>
Carlos Caldas.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
oTKDu4YBgYBz1XKvnxQX | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“AA, S.A.”, com sede na ..., veio interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido, em 14 de fevereiro de 2012, pela 1.ª Secção, deste Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo nº 5817/07.2TBOER.L1.S1</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, em que eram recorrentes BB e “CC, LDA.” e recorrido DD, ao abrigo do disposto pelos artigos 696.º, n.º 1, f) e 697.º, n.</font><sup><font>os</font></sup><font> 1 e 2, b), ambos do Código de Processo Civil (CPC), pedindo que, na sua procedência, seja revogado o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que julgue a revista procedente e, em consequência, a ação improcedente, por não provada, atento o preceituado pelo artigo 701º, n.º 1, b), do CPC), formulando as seguintes conclusões que, em seguida, se transcrevem, integralmente:</font>
</p><p><font>A) Em 29 de Dezembro de 2016 a CC – Sociedade Jornalística e Editorial Lda. foi extinta por meio de fusão, através da transferência global do respectivo património, com transmissão dos direitos e obrigações para a AA, S.A. que é, por isso, parte legítima, nos termos do disposto no artigo 631.º, n.º 1, do CPC, devendo passar a ocupar a posição de Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 269.º, n.º 2, do CPC.</font>
</p><p><font>B) Por entender que a expressão “delírio provocado por consumo de drogas duras”, constante do artigo de opinião de autoria do Réu BB, publicado na edição de 07 de Outubro de 2004 da revista “...”, propriedade da Recorrente, era imputada à pessoa do Autor, Dr. DD, que na altura desempenhava as funções de Primeiro-Ministro de Portugal e que, assim sendo, o referido artigo de opinião lançava a suspeita de que o mesmo era um potencial consumidor de drogas duras, não se tratando, por isso, de uma crítica objetiva mas sim pessoal ao Autor e, portanto, ilícita, foi proferido acórdão em 14 de Fevereiro de 2012 pela 1ª Secção desse Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 5817/07.2TBOER.L1.S1, que confirmou as decisões anteriores, tendo a Recorrente e o seu jornalista BB sido solidariamente condenados ao pagamento de €30.000,00 (trinta mil euros) a título de indemnização por danos morais ao (então recorrido) Dr. DD.</font>
</p><p><font>C) Não se conformando com tal condenação a Recorrente apresentou queixa no TEDH, à qual foi atribuído o n.º 55442/12, no âmbito da qual foi proferido acórdão em 30 de Agosto de 2016, a ...ª Secção do TEDH, que admitiu a queixa e declarou que houve violação do artigo 10.º da CEDH, condenando o Estado Português a pagar à Recorrente o montante de €30.000,00 (trinta mil Euros), acrescido de juros, por danos materiais e o montante de €8.919,00 (oito mil novecentos e dezanove Euros) acrescido de juros, a título de custos e despesas.</font>
</p><p><font>D) Em tal acórdão o TEDH decidiu que a condenação da Recorrente, máxime os fundamentos da negação da Revista pelo STJ, constitui uma ingerência ao direito à liberdade de expressão da Recorrente que não era necessária numa sociedade democrática, pelo que não cumpre os requisitos previstos no parágrafo 2 do artigo 10º, da CEDH.</font>
</p><p><font>E) O TEDH considerou que as expressões do artigo de opinião em causa, apesar de serem caracterizadas por um certo grau de provocação, não podem ser consideradas um ataque pessoal e gratuito contra o ex-Primeiro Ministro, configurando crítica sobre questão de interesse público no âmbito da actividade jornalística.</font>
</p><p><font>F) Pelo que, o acórdão proferido em 14 de Fevereiro de 2012 pela 1ª Secção desse Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 5817/07.2TBOER.L1.S1 é inconciliável com o mencionado acórdão do TEDH, que se tornou definitivo em 30 de Novembro de 2016, sendo obrigatório e tendo força vinculativa, nos termos do artigo 8º da CRP e do artigo 46.º da CEDH.</font>
</p><p><font>G) Encontrando-se assim, reunidos os fundamentos para que se proceda à sua REVISÃO, nos termos da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>H) O presente recurso é tempestivo e encontra-se instruído com os elementos necessários, nos termos do disposto nos artigos 697.º, nºs 1 e 2, alínea b), e 698.º, nºs 1 e 2 do CPC.</font>
</p><p><font>I) Devendo admitir-se o recurso de revisão, por se encontrarem verificados os pressupostos e requisitos previstos nos artigos 696.º, n.º 1, alínea f), 697.º e 698.º, todos do CPC, fazendo consignar nos autos que a AA, S.A. assume, para todos os efeitos legais, a qualidade de parte activa em substituição da presentemente extinta CC - ..., Lda. ao abrigo do disposto no artigo 269.º, n.º 2, do CPC.</font>
</p><p><font>Na sua resposta, o recorrido DD conclui no sentido de que deve negar-se provimento ao recurso, e, em consequência, improcederem os pedidos formulados, com vista à revogação do acórdão recorrido, considerando, nomeadamente, que:</font>
</p><p><font>1. O Recorrido não foi parte no processo que correu termos no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), não tendo sido ouvido e/ou chamado a pronunciar-se sobre o mesmo, o que se mostraria essencial na ponderação dos direitos em causa – maxime, direito ao bom-nome, imagem e reputação versus direito à liberdade expressão –, atenta a sua natureza e na medida em que o “direito ao bom-nome e reputação consiste, essencialmente, no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social, mediante imputação feita por outrem” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª edição, revista, 2007, 464 e 466);</font>
</p><p><font>……………………………………………………………………………………</font>
</p><p><font>18. Ora, antes de mais, não poderá deixar de referir-se que, ao contrário do que se faria esperar, a defesa do Estado português conformou-se com a decisão proferida pelo TEDH, ao não requerer a devolução do assunto ao Tribunal Pleno, conforme resulta do doc. 4 junto ao recurso de revisão, permitindo que o mesmo se tornasse definitivo – o que ocorreu a 30 de novembro de 2016.</font>
</p><p><font>19. Quem apresentou queixa junto do TEDH contra o Estado Português para denunciar violação da “sua” liberdade de expressão foi a CC, LDA. (ora AA, S.A.) e não o jornalista BB, cuja alegada violação do direito à respetiva liberdade de expressão – este sim – poderia eventualmente suscitar-se nesta sede para efeitos de sindicância sobre a inconciliabilidade das duas decisões.</font>
</p><p><font>……………………………………………………………………………………………</font>
</p><p><font>21. De facto, foi BB, Réu nos presentes autos, quem escreveu o artigo em questão.</font>
</p><p><font>22. Mas, BB não apresentou naquela instância internacional qualquer queixa visando ofensa a alegado direito infringido!</font>
</p><p><font>23. O que significa que este Réu conformou-se com a decisão que lhe imputou uma ofensa ilícita à reputação do visado, ora Recorrido, aceitando-a.</font>
</p><p><font>…………………………………………………………………………………………</font>
</p><p><font>25. Foi entendimento unânime nas instâncias nacionais que o Réu BB com a referência “Será um delírio provocado pelo consumo de drogas duras (…)”, resvalou para a ofensa gratuita à pessoa do Autor, ora Recorrido, de forma perfeitamente descontextualizada e sem qualquer substrato opinativo ou informativo, que o legitimasse, o que fez através de um meio particularmente abrangente e merecedor de grande credibilidade por parte da maioria do público leitor.</font>
</p><p><font>26. O reexame do caso judicial ora suscitado pelo recurso de revisão interposto relativamente ao Réu/jornalista em questão é atentatório do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado relativamente a este, que o aceitou.</font>
</p><p><font>29. A reabertura de processos só se revela indispensável perante sentenças em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à Convenção, ou quando constate a ocorrência de uma violação da Convenção em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum”.</font>
</p><p><font>………………………………………………………………………………………….</font>
</p><p><font>31. E a verdade é que, quanto à violação do direito do ora Recorrente, o TEDH já avaliou a responsabilidade do Estado Português a essa luz, e conclui no sentido de condená-lo a pagar-lhe a indemnização que entendeu adequada à reparação de tais prejuízos – precisamente a correspondente ao valor em que foi solidariamente responsável com o autor do artigo dos autos.</font>
</p><p><font>32. Assim, foi já a parte lesada devidamente ressarcida, inexistindo, por isso, consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional que torne necessária e imprescindível a presente revisão, atendendo, ainda, à circunstância, conforme referido, que esta sempre ofenderia o caso julgado relativamente ao Réu BB.</font>
</p><p><font> DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISÃO</font>
</p><p><font> [I]</font>
</p><p><font>Alega o recorrido que importava ter sido ouvido e/ou chamado a pronunciar-se no processo que correu termos, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), onde não foi parte, com vista a defender o seu direito ao bom-nome, imagem e reputação «versus» direito à liberdade de expressão.</font>
</p><p><font>De acordo com o disposto no artigo 35º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o Tribunal Europeu só pode ser solicitado a conhecer de uma causa, depois de esgotadas todas as vias de recurso internas, porquanto o mecanismo de queixa tem carácter subsidiário, confiando-se ao Estado, em primeira linha, o poder de resolução do conflito subsistente, que deve harmonizar a sua decisão com a aludida Convenção e a respetiva jurisprudência do TEDH. </font>
</p><p><font>O mecanismo do direito de queixa, consagrado no artigo 34º, do CEDH, permite ao TEDH receber petições de uma pessoa singular, de uma organização não governamental ou de grupo de particulares, com base numa violação dos direitos reconhecidos pela Convenção ou pelos seus protocolos, por qualquer Alta Parte Contratante, dentro de um período de seis meses, após a data da decisão interna definitiva, prossegue o respetivo artigo 35º, nº 1, contra um Estado que tenha violado algum dos direitos, sendo, assim, titulares dos interesses contrapostos, o particular ou entidade nacionais interessados de um Estado-membro da CEDH, parte vencida num processo que correu termos pelos seus tribunais, por um lado, e o Estado, alegadamente, violador da Convenção, por outro.</font>
</p><p><font>Por isso, não importa, de acordo com a tramitação própria do mecanismo do direito de queixa, fazer intervir a outra parte na ação onde foi proferida a decisão revidenda, a qual, como é óbvio, pode atuar, exercendo o direito ao contraditório, como aconteceu, no presente recurso de revisão, em defesa dos seus interesses, prevenindo um eventual exercício do direito de sub-rogação do Estado infrator contra a sua pessoa.</font>
</p><p><font> [II]</font>
</p><p><font>Alega ainda o recorrido que o reexame do caso judicial suscitado pelo recurso de revisão interposto pela recorrente “AA, S.A.”, é atentatório do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, relativamente ao réu/jornalista BB, que escreveu o artigo em questão, mas que aceitou o acórdão do TEDH, não apresentando nesta instância internacional qualquer queixa visando a ofensa do seu eventual direito infringido.</font>
</p><p><font>O acórdão revidendo negou a revista da ré “EE, Ldª”, entretanto, substituída, por ato de fusão, pela “CC, Ldª”, e do réu BB, e, em consequência, confirmou, inteiramente, o douto acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa que, por sua vez, manteve a sentença de 1ª instância, que julgara a ação, parcialmente, procedente, condenando os réus a pagar, solidariamente, ao autor DD, a quantia de €30.000,00, a título de danos morais, tendo esta última decisão transitado em jugado.</font>
</p><p><font>Porém, apenas, a ré “CC Ldª”, e não o réu BB, veio agora interpor o presente recurso extraordinário de revisão, o que convoca a questão dos limites subjetivos do caso julgado, que contende com as pessoas abrangidas pela sua imodificabilidade.</font>
</p><p><font>Deste modo, encontrando-se ambos os réus vinculados pelo caso julgado formado com base na decisão revidenda, a eventual procedência deste recurso de revisão produzirá, tão-só, efeitos quanto à ré “CC, Ldª”, e não quanto ao co-réu BB, protegido que está pelo princípio da eficácia relativa do caso julgado, que tem por finalidade evitar que terceiros sejam prejudicados na consistência jurídica ou no conteúdo do seu direito, sem terem oportunidade de se defender.</font>
</p><p><font>Contudo, no âmbito dos terceiros, juridicamente, interessados, destaca-se a situação daqueles que são titulares de situações jurídicas concorrentes, ou seja, de relações de conteúdo único, isto é, o mesmo daquela que foi objeto da ação, que não podendo cindir-se, nem subsistir senão entre todos os interessados, ou a lei exige a presença de todos eles, em termos de litisconsórcio necessário, em que a falta de qualquer um é motivo de ilegitimidade, ou, então, se a lei não exige a participação de todos, a sentença entre as partes tem de vincular os outros interessados, em razão da inexistência a da incompatibilidade pratica da situação, embora podendo haver contradição teórica</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Nestas situações, o caso julgado formado na ação em que não intervêm todas as partes aproveita a todas elas, mesmo às que não estão na lide, mas não lhes é oponível, tratando-se do caso julgado «secundum eventum litis»</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, em que se conjugam os institutos da legitimidade processual com o do caso julgado e a oponibilidade deste em relação a terceiros</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Deste modo, o reexame do caso judicial suscitado pelo recurso de revisão interposto pela recorrente “AA, S.A.”, não é atentatório do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, relativamente ao co-réu Filipe Luís.</font><br>
<font> [III]</font>
</p><p><font>O DL nº 303/2007, de 24 de agosto, introduziu um novo fundamento de admissibilidade de recurso extraordinário de revisão, hoje, inserto na alínea f), do artigo 696.º, do Código de Processo Civil (CPC), nos termos da qual uma decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”, que o preâmbulo daquele diploma justifica como forma de permitir que «a decisão interna transitada em julgado possa ser revista quando viole a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte», isto é, por forma a possibilitar a execução jurisdicional da decisão do TEDH, através do instituto da revisão da decisão nacional, transitada em julgado, visando, fundamentalmente, dar resposta à falta de meios internos de execução das decisões do TEDH.</font>
</p><p><font>A solução passa pelo mecanismo do recurso de revisão que transponha a decisão proferida, a nível internacional, para a ordem interna, para assegurar o respeito devido ao primado do Direito Internacional, sendo que este instrumento de recurso é, desde logo, permitido pelo artigo 29º, nº 6, da Constituição da República Portuguesa, que prevê que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos”, de modo a que todo o regime esteja mais ajustado, quer à CEDH, quer às decisões e normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais em que Portugal se integra.</font>
</p><p><font>Importa, assim, definir a amplitude dos três requisitos em que se desdobra o texto legal deste novo fundamento de admissibilidade de recurso extraordinário de revisão, ou seja, a natureza do que se considera uma decisão definitiva [1], a sua proveniência de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português [2] e o caráter inconciliável do conteúdo que tem de assumir a decisão proferida pela instância internacional vinculativa para o Estado Português com a decisão nacional revidenda [3].</font>
</p><p><font>O conceito de decisão definitiva promovido pelo TEDH não contende com uma eventual omissão da defesa, pelo Estado português, ao conformar-se com a decisão proferida pela mesma entidade jurisdicional, não requerendo a devolução do caso ao Tribunal Pleno, inexistindo, assim, uma situação de paralelismo com o conhecimento pelo Tribunal Europeu do mecanismo de queixa acionado pelos particulares ofendidos, que depende do esgotamento de todas as vias de recurso internas, de acordo com o disposto pelo artigo 35º, nº 1, da CEDH. </font>
</p><p><font>Relativamente à questão da proveniência da decisão de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, que contende com o âmbito das decisões suscetíveis de fundamentar um recurso de revisão, a nova previsão legal constante da alínea f), do artigo 696.º, do CPC, abrange, desde logo, as decisões emanadas do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo-se os Estados signatários da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)] obrigado a respeitar e executar as sentenças definitivas do TEDH, nos litígios em que forem partes, em conformidade com o preceituado pelo artigo 46.º, nº 1, da CEDH, reparando as consequências da violação constatada.</font>
</p><p><font>Ora, não sendo o TEDH uma instância internacional de recurso, entendida como um tribunal, hierarquicamente, superior aos tribunais nacionais, com a finalidade de anular, modificar ou revogar atos jurídicos de direito interno, com base em erro de julgamento ou de procedimento, é, porém, uma entidade internacional vinculativa para o Estado Português, que tem obrigação de cumprir os acórdãos proferidos pelo mesmo, embora faculte ao Estado a escolha dos meios a utilizar para cumprir a obrigação que decorre do artigo 46º, nº 1, da CEDH, ou seja, de respeitar e executar as sentenças definitivas do TEDH, nos litígios em que forem partes os Estados signatários, reparando as consequências da violação constatada.</font>
</p><p><font>No que respeita, por fim, à questão da incompatibilidade ou inconciliabilidade, esta só se produz quando a decisão a rever se opuser a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário da decisão internacional, pois que o TEDH não é competente para anular as decisões ou legislações nacionais, mas, apenas, para declarar que foi cometida uma violação e conceder uma reparação razoável, podendo a reparação do direito violado exigir, para além da eventual reparação financeira, a reapreciação do caso judicial.</font>
</p><p><font>Com efeito, as decisões do TEDH não são constitutivas do direito, visando antes por fim a uma situação de incerteza na ordem jurídica, tratando-se de um contencioso de legalidade e não de anulação.</font>
</p><p><font>Na verdade, são os Estados que se encontram obrigados a executar as decisões do TEDH, indemnizando as vítimas de violação da CEDH, e não os tribunais portugueses, que não se encontram vinculados pelas decisões daquele órgão, que não é um tribunal de recurso que profira decisões revogatórias das decisões nacionais</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Com efeito, sendo competente para executar as decisões do TEDH o Comité de Ministros do Conselho da Europa, sobretudo para assegurar o pagamento das eventuais compensações financeiras, impostas como forma de reparação dos prejuízos sofridos pelos particulares, pela violação dos seus direitos, existem situações em que a reposição integral do “status quo ante” não se basta com a mera compensação financeira determinada pelo TEDH, reclamando ainda a adoção de medidas complementares com vista à sustação do direito violado.</font>
</p><p><font>Da responsabilidade imputável ao Estado de executar as decisões proferidas pelo TEDH que declarem a violação da Convenção resultam três consequências, ou seja, a obrigação de cessação do ilícito, a obrigação de reparação dos efeitos do facto ilícito e a obrigação de evitar a repetição do ilícito</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>A obrigação de reparação é o sistema primário, de acordo com o princípio da «restitutio in integrum», destinado a restaurar a situação que existia antes da violação, pois só em caso de impossibilidade jurídica ou material se deve recorrer à indemnização, sem prejuízo de o Tribunal admitir que a simples constatação de uma violação constitui, só por si, uma satisfação equitativa para o requerente.</font>
</p><p><font>A propósito da «reparação razoável», dispõe o artigo 41º, da CEDH, que “se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se necessário”.</font>
</p><p><font>Este normativo legal assenta no princípio primário da restauração natural, pressupondo, como é óbvio, o princípio da subsidiariedade da restauração por equivalente, tendo o TEDH considerado a reabertura do processo como uma medida próxima das exigências da «restitutio in integrum», apontando para uma solução alternativa entre a reabertura do processo ou o pagamento de uma satisfação equitativa</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Efetivamente, a reabertura do processo só se revela indispensável, perante a verificação de duas condições cumulativas, ou seja, a constatação pelo TEDH que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à CEDH, violadora do fundo, ou que nela existem erros ou falhas processuais que infringem a Convenção e as garantias processuais, e cuja gravidade seja manifesta, suscitando dúvidas sobre a condução e entendimento seguidos no processo nacional, e, simultaneamente, que a parte lesada continue a sofrer consequências negativas, particularmente, graves, na sequência da decisão nacional, que não possam ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, mas que, apenas, sejam suscetíveis de ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a «restitutio in integrum»</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>O Governo, na contestação ao direito de queixa da ora recorrente a uma reparação por danos materiais, reiterando a sua tese da não violação do artigo 10.º, da CEDH, defendeu, a título subsidiário, que sendo reconhecida pelo Tribunal a aludida violação, o citado normativo estabelece que a recorrente terá possibilidade de interpor um recurso de revisão, de forma a retificar a violação do seu direito, através de um acórdão transitado em julgado.</font>
</p><p><font>Porém, o acórdão do TEDH condenou o Estado Português a pagar à ora recorrente a quantia de €30 000,00, acrescidos do montante que seja devido, a título de imposto, por danos materiais, e a quantia de €8919,00, acrescidos do montante que seja devido, a título de imposto, pela mesma, por custas e despesas, rejeitando o pedido de reparação razoável relativamente ao restante.</font>
</p><p><font>Assim sendo, a reabertura ou reexame do processo interno, mediante a interposição de um recurso extraordinário de revisão de sentença, como princípio da restauração natural e fonte primária da cessação da ilicitude, cumpre as exigências de uma adequada reparação da violação do direito</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font> quando, cumulativamente, a decisão interna é contrária aos princípios fundamentais da CEDH ou violadora do «iter» procedimental e das respetivas garantias processuais, apresentando estas violações gravidade manifesta, e a parte lesada continua a sofrer, por efeito da mesma, consequências negativas, particularmente, graves, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH.</font>
</p><p><font>Nas hipóteses em que a decisão do TEDH funciona como justiça substitutiva, resolvendo a questão, em termos finais, como sucedeu, no caso «sub judice», não se está perante duas decisões inconciliáveis, mesmo quando a decisão nacional tenha julgado que não houve violação dos direitos consagrados pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a decisão do TEDH haja declarado o contrário. </font>
</p><p><font>Efetivamente, para a afirmação da natureza inconciliável da decisão proferida pela instância internacional com a decisão nacional revidenda, importa que “o teor material da decisão jurisdicional interna seja desconforme, por acção ou omissão, com uma decisão jurisdicional de uma instância jurisdicional internacional … e que deixe sem tutela o direito ou situação jurídica regulada por aquela decisão jurisdicional internacional”</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Sendo o teor material da presente decisão revidenda violadora, por ação, de decisão jurisdicional definitiva de uma instância jurisdicional internacional vinculativa para o Estado Português, a recorrente “AA, S.A.”, enquanto parte lesada, não continua a sofrer, em consequência da mesma, consequências negativas, particularmente, graves, porquanto as mesmas já foram compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, em termos de danos patrimoniais, a qual funcionou, igualmente, como justiça substitutiva, resolvendo a questão, em termos finais, porquanto alterando a decisão interna, por a reputar violadora do artigo 10º, da CEDH, ele próprio a substituiu por uma outra.</font>
</p><p><font>Face a todo o exposto, não se mostram verificados, nesta fase rescindente, os requisitos formais para a abertura do processo de revisão, designadamente, com vista a determinar se a sentença nacional se opõe a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário, na decisão internacional visada, hipótese em que, em caso afirmativo, e, em fase rescisória, se deveria proferir uma nova sentença, em execução da decisão do TEDH.</font>
</p><p><font>É que só perante uma decisão inconciliável do TEDH, o tribunal nacional reexamina a sua anterior decisão, podendo vir a revogá-la</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Pelo exposto, não se conhece, por falta de fundamento legal, do objeto do recurso extraordinário de revisão interposto pela recorrente “AA, S.A.”.</font>
</p><p><font>CONCLUSÕES:</font>
</p><p><font>I – Sendo titulares dos interesses contrapostos, o particular ou entidade nacionais interessados de um Estado-membro da CEDH, parte vencida num processo que correu termos pelos seus tribunais, por um lado, e o Estado, alegadamente, violador da Convenção, por outro, não importa, de acordo com a tramitação própria do mecanismo do direito de queixa, fazer intervir a outra parte na ação onde foi proferida a decisão revidenda, sem prejuízo de a mesma poder atuar, exercendo o direito ao contraditório, no recurso de revisão, em defesa dos seus interesses, prevenindo um eventual exercício do direito de sub-rogação do Estado infrator contra a mesma.</font>
</p><p><font>II - O reexame do caso judicial suscitado no recurso de revisão, interposto, tão-só, por um dos réus, não é atentatório do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, relativamente ao outro, a quem não é oponível, por se tratar do caso julgado «secundum eventum litis», em que se conjugam os institutos da legitimidade processual com o do caso julgado e a oponibilidade deste em relação a terceiros.</font>
</p><p><font>III - O conceito de decisão definitiva promovido pelo TEDH não contende com uma eventual omissão da defesa, pelo Estado português, ao conformar-se com a decisão proferida pela mesma entidade jurisdicional, não requerendo a devolução do caso ao Tribunal Pleno, inexistindo, assim, uma situação de paralelismo com o conhecimento pelo TEDH do mecanismo de queixa acionado pelos particulares ofendidos, que depende do esgotamento de todas as vias de recurso internas.</font>
</p><p><font>IV - Não sendo o TEDH uma instância internacional de recurso, entendida como um tribunal, hierarquicamente, superior aos tribunais nacionais, com a finalidade de anular, modificar ou revogar atos jurídicos de direito interno, com base em erro de julgamento ou de procedimento, é, porém, uma entidade internacional vinculativa para o Estado Português, que tem obrigação de cumprir os acórdãos proferidos pelo mesmo, embora faculte ao Estado a escolha dos meios a utilizar para cumprir a obrigação que decorre do artigo 46º, nº 1, da CEDH, ou seja, de respeitar e executar as sentenças definitivas do TEDH, nos litígios em que forem partes os Estados signatários, reparando as consequências da violação constatada.</font>
</p><p><font>V – O caráter inconciliável do conteúdo que tem de assumir a decisão proferida pela instância internacional vinculativa para o Estado Português com a decisão nacional revidenda verifica-se quando esta última se opuser, em virtude de desconformidade, por ação ou omissão, a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário, na decisão internacional, e que deixe sem tutela o direito ou situação jurídica regulada por aquela decisão jurisdicional internacional.</font>
</p><p><font>VI - A reabertura ou reexame do processo interno, mediante a interposição de um recurso extraordinário de revisão de sentença, como princípio da restauração natural e fonte primária da cessação da ilicitude, cumpre as exigências de uma adequada reparação da violação do direito, mas só se revela indispensável, perante a verificação de duas condições cumulativas, ou seja, a constatação pelo TEDH que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária aos princípios fundamentais da CEDH, ou violadora do «iter» procedimental e das respetivas garantias processuais, e cuja gravidade seja manifesta, e, simultaneamente, que a parte lesada continue a sofrer, na sequência da decisão nacional, consequências negativas, particularmente, graves, que não possam ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, mas que, apenas, sejam suscetíveis de ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a «restitutio in integrum».</font>
</p><p><font>VII – O TEDH tem entendido a reabertura do processo como uma medida próxima das exigências da «restitutio in integrum», de acordo com o princípio primário da restauração natural, mas, no âmbito da solução alternativa entre a reabertura do processo ou o pagamento de uma satisfação equitativa, em conformidade com o princípio da subsidiariedade da restauração por equivalente.</font>
</p><p><font>VIII – Sempre que a decisão do TEDH funciona como justiça substitutiva, resolvendo a questão, em termos finais, como acontece quando condena o Estado Português a pagar ao recorrente uma determinada quantia, acrescida dos montantes que sejam devidos, a tít | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TjKku4YBgYBz1XKvpiaO | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font>
</p><p><font> </font><b><font>I.</font></b>
</p><p><font>AA, S.R.L</font><b><font>.</font></b><font>, sociedade registada em Itália, intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB - Importação e Representações, S.A..</font>
</p><p><font> Pede, a final, em primeiro lugar, a reversão total, a seu favor, da marca “Foinox”, concedida à ré em 05-02-2001, sob o n.º ......, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 226.° e 34.°, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial (CPI); caso assim se não entenda, que seja anulada a referida marca, concedida à ré, com base nas disposições conjugadas dos arts. 226.° e 34.°, n.º 1, al. b), 266.°, n.º 1, al. a), e 239.°, al. f), 317.°, als. a) e c), e 266.°, n.º 1, al. b), todos do CPI, e, ainda, art. 8.° da Convenção da União de Paris; por último, deve a ré ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença, acrescida dos juros de mora, desde a citação até integral pagamento e, em qualquer caso, deve ser condenada a abster-se de utilizar o sinal distintivo ”marca” nos seus produtos, papel timbrado, facturação ou em quaisquer outros elementos utilizados na sua actividade comercial, bem como a abster-se de proceder ao pedido de registo como marca de sinal distintivo de qualquer outra forma semelhante ou confundível com o sinal distintivo “marca”.</font>
</p><p><font>Alegou, para tanto e em síntese, que tal registo visou o aproveitamento do prestígio e fama da autora e contribuiu para a diminuição da sua credibilidade comercial ao instalar no consumidor a confusão relativamente à origem dos produtos por aquela marca denominados dado que a marca “marca” se encontra registada em Itália a seu favor.</font>
</p><p><font>A ré contestou, invocando, no essencial, que a autora não beneficiava, aquando do registo da marca (pela ré), de qualquer direito ou prioridade de registo sobre aquela, sustentando, igualmente, que o uso de um sinal não registado não pode consubstanciar facto gerador de concorrência desleal já que a lei a qualifica como marca livre.</font>
</p><p><font>Concluiu pedindo que a acção seja julgada improcedente.</font>
</p><p><font>No despacho saneador foi conhecido o mérito da causa, tendo a acção sido julgada improcedente.</font>
</p><p><font>Inconformada, a autora apelou, tendo o Tribunal da Relação do Porto confirmado a decisão recorrida.</font>
</p><p><font>Subsequentemente, a autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o qual anulou o acórdão recorrido e determinou a ampliação da matéria de facto.</font>
</p><p><font>Remetidos os autos à 1.ª Instância, foi estabelecida a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória, efectuando-se audiência de discussão e julgamento, tendo o tribunal respondido à base instrutória através do despacho de fls. 1136-1138, que não teve qualquer reclamação.</font>
</p><p><font>Seguidamente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos.</font>
</p><p><font>Após apelação da autora, a Relação do Porto, por acórdão que faz fls. 1485 a 1511, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença.</font>
</p><p><font>Novamente inconformada, a autora recorre de revista para este tribunal, concluindo o recurso com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>“1. O registo da marca nacional n.º 000000, “Foinox”, é inválido, por a Recorrida o ter obtido, sem autorização da Recorrente, da qual foi distribuidora e vendedora durante vários anos, desde 1994 - facto provado 5; cf. art.º 169.° do CPI/95 e art.º 6.°- </font><i><font>septies</font></i><font> da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20/03/1883.</font>
</p><p><font>2. Sem tal autorização, o registo de marca é anulável, nos termos do art.º 214.°, n.º 1, b) do CPI/95.</font>
</p><p><font>3. O 33.°, n.º 2 do CPI/95 prevê que, se reunir as condições legais, pode o interessado pedir, em vez da anulação, a reversão total ou parcial do título em seu favor.</font>
</p><p><font>4. À data em que a Recorrida apresentou o pedido de registo da marca “marca” em Portugal (12/10/2000) já a Recorrente havia pedido o registo da mesma marca em Itália (19/04/1999).</font>
</p><p><font>5. Sendo aplicáveis, mesmo que por mera analogia, as regras de prioridade portuguesas (art.º 11.°, n.º 1 do CPI/95), não se suscita qualquer dúvida de que o registo de marca da Recorrente goza de prioridade em face do registo de marca da Recorrida.</font>
</p><p><font>6. O legislador utiliza no art.º 169.° do CPI/95 a expressão «titular de uma marca num dos países da União», quando é óbvio que o objecto da titularidade incide sobre um registo e não sobre uma marca.</font>
</p><p><font>7. O art.º 6.º </font><i><font>- septies</font></i><font> da Convenção da União de Paris e do art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95 não exclui a protecção dos «titulares de marcas» de todos os países em que esse direito não se adquire pelo registo, mas pela simples prioridade do uso (internacionalmente designada por “first to use”) ou pela notoriedade que a marca haja alcançado.</font>
</p><p><font>8. A (co)existência, a nível mundial, de diversos sistemas de aquisição de direitos de marca - inclusivamente através do uso -, não admite a interpretação do art.º 6.º </font><i><font>- septies</font></i><font> da Convenção da União de Paris e do art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95 que faz depender a protecção aí consagrada da existência prévia de um registo de marca.</font>
</p><p><font>9. A interpretação que subjaz ao acórdão recorrido afasta-se do sentido razoável que o legislador pretendeu conferir ao art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95, e que não foi, decerto, o de excluir a protecção dos «titulares de marcas» dos (muitos) países-membros da União de Paris que não têm um sistema de aquisição de direitos de marca igual ao Português.</font>
</p><p><font>10. A invocação da relevância de um direito de marca adquirido à luz da lei de Propriedade Industrial da Itália não constitui uma questão nova, mas argumento de direito, cuja invocação se tornou indispensável com a decisão da 1.ª Instância - e se mantém, em face da decisão recorrida -, por as Instâncias terem interpretado e aplicado o art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95 e o art.º 6.º - </font><i><font>septies</font></i><font> da Convenção da União de Paris, sem conhecer, como deviam, da lei que regula a aquisição do direito de marca no país de origem de quem a reclama - </font><i><font>in casu</font></i><font>, a lei italiana - e se ter(em) circunscrito à lei portuguesa, desvirtuando o seu alcance e, desse modo, fazendo uma errada interpretação e aplicação desta ao caso dos autos.</font>
</p><p><font>11. Conclui-se que o acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 11.°, 170.° 196.°, n.º 1 e 214.°, n.º 1, b) do CPI/95, devendo por isso ser revogado, sendo a acção julgada totalmente procedente por provada.</font>
</p><p><font>12. O registo da marca “Foinix”, pela Ré, infringe o direito ao nome comercial “Foinix, S.R.L”, previamente constituído em Itália.</font>
</p><p><font>13. Os factos provados 1, 5 e 8 são suficientes para provocar a invalidade do registo da marca nacional n.º 000000, "marca”, nos termos do art.º 33.°, n.° 1, al. b) do CPI/95 - referido ao art.º 189.° n.º 1, al. f) -, e no art.º 8.° da já referida CUP.</font>
</p><p><font>14. No acórdão recorrido faz-se uma interpretação do disposto no art.º 8.° da CUP, que colide com o próprio texto da norma, reduzindo a quase nada o seu efeito útil.</font>
</p><p><font>15. Por via do art.º 8.° da CUP, todos os países-membros da União de Paris obrigaram-se a dar um tratamento mais favorável aos nomes comerciais dos outros países-membros, que beneficiam de uma isenção de registo ou de depósito em todos os restantes países da União.</font>
</p><p><font>16. Uma denominação social portuguesa será protegida na Itália, independentemente de registo nesse país (mesmo que esse registo for exigido às sociedade italianas), e, segundo a referida regra de reciprocidade, uma denominação social italiana gozará de protecção em Portugal, independentemente de registo no nosso país.</font>
</p><p><font>17. É por força desse espírito “unionista” que os países-membros (incluindo Portugal e a Itália) decidiram perfilhar a regra de protecção nacional dos nomes comerciais estrangeiros, que serão protegidos num dado país - membro sem terem de cumprir as exigências de registo do mesmo.</font>
</p><p><font>18. Para além de errada interpretação da lei, no acórdão recorrido faz-se, até, uma deficiente leitura do acórdão da Relação de Lisboa de 15/01/2007 (Apelação n.º 00000) que foi invocado, pois neste concluiu-se que «A protecção do nome comercial ao abrigo do art.º 8, da Convenção da União de Paris, impõe o uso ou o facto do referido nome ser notoriamente conhecido no país onde se pretenda a referida protecção» - e não apenas este último caso.</font>
</p><p><font>19. A matéria de facto dada como provada permite concluir que a denominação social “AA, S.R.L.”, da Recorrente, é usada e conhecida em Portugal - desde logo, pela Recorrida... - vd. facto 5.</font>
</p><p><font>20. A documentação que está junta aos autos sobre o relacionamento comercial entre as partes e as próprias regras da experiência conduzem a concluir que os produtos “Foinox” da Recorrente que foram vendidos em Portugal pela Recorrida continham a indicação do nome da fabricante, para além da marca “Foinox”.</font>
</p><p><font>21. O quadro factual provado não permite qualquer dúvida do uso em Portugal da denominação social da Recorrente, pelas formas usuais no comércio, isto é, na facturação, em referências na rotulagem de produtos, em catálogos, na correspondência comercial, documentos oficiais de importação e circulação de bens, etc.</font>
</p><p><font>22. Mas... o art.º 8.° da CUP nem sequer exige que o nome comercial seja usado ou notoriamente conhecido no país em que é reclamada a sua protecção...</font>
</p><p><font>23. Desde há muito que existe jurisprudência em sentido oposto a esse, sendo disso exemplo, o douto acórdão da Relação de Lisboa, de 06/10/88 (sumário publicado no B.M.J, n.º 380, p. 527), no qual se concluiu que a legislação interna sobre firmas ou denominações sociais «(...) por força dos princípios constitucionais, não pode contradizer ou limitar a Convenção da União de Paris, publicada no Diário do Governo de 6 de Fevereiro de 1950».</font>
</p><p><font>24. Nesse douto acórdão acrescenta-se que «O nome comercial que goza de protecção no país de origem, não carece de estar registado nos outros países da União para aí beneficiar do princípio da exclusividade ou novidade».</font>
</p><p><font>25. E também o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou no mesmo sentido em várias ocasiões, por exemplo, no acórdão de 11/07/61 (Proc.º n.º 58568), onde concluiu que «A firma, ou a denominação social, e o nome de estabelecimento de empresa de país membro da União de Paris gozam de protecção em Portugal, sem obrigação de registo, por força do art. 8.° da respectiva Convenção, para o efeito de ser impedida a sua imitação por empresas portuguesas, mormente se na firma ou nome imitado se contém designação de uma marca protegida pelo registo.» - in B.M.J. n.º 109-1961, pp. 676-683.</font>
</p><p><font>26. Tendo sido dado como provado que a denominação social “AA, S.RL.” está protegida na Itália (desde 19/01/1989), e que é conhecida em Portugal (por ter sido utilizada nas suas relações comerciais com vários distribuidores dos seus produtos em Portugal, nomeadamente, a Recorrida), desde 1994 (data muito anterior à do pedido de registo em Portugal da marca “Foinox”, apresentado pela Recorrida em 12/10/2000), deve aquela denominação social beneficiar da protecção consagrada artigo 8.° da CUP, para o efeito de impedir o registo da marca “</font><font>Foinox</font><font>”, pela Recorrida.</font>
</p><p><font>27. Conclui-se que o acórdão recorrido viola o art.º 33.°, n.º 1, al. b) do CPI/95 - referido ao art.º 189.°, n.º 1, al. f) -, e o art.º 8.° da CUP, devendo ser revogado, e julgada a acção procedente por provada.</font>
</p><p><font>28. A conduta da Ré - de registar em nome próprio uma marca igual à denominação social e marca da empresa que representava, ora Recorrente - consubstancia um comportamento de concorrência desleal e, por consequência, que o registo daquela marca deve ser revertido para a Recorrente ou, subsidiariamente, invalidado.</font>
</p><p><font>29. E o art.°25.º, n.º 1, al. d) do CPI/95 estabelecia como fundamento geral de recusa da patente, modelo, desenho ou registo «O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou de que esta é possível independentemente da sua intenção».</font>
</p><p><font>30. O registo da marca Foinox pela Recorrida (distribuidora de produtos com a marca “marca” da Recorrente) possibilita a prática de actos de confusão sobre a origem dos produtos com marca igual à que anteriormente distribuía, mas de origem empresarial diversa.</font>
</p><p><font>31. A aquisição de tal registo pela Recorrida é de considerar, no mínimo, como possibilitando a concorrência desleal independentemente da intenção da recorrida, pois as marcas são iguais, mas os produtos são de origem diversa.</font>
</p><p><font>32. E o uso da marca Foinox, pela Recorrida, também possibilita a prática de actos de confusão com a pessoa da Recorrente, tendo em conta que a marca registada pela Recorrida e a denominação social da Recorrente caracterizam-se pela mesma expressão Foinox.</font>
</p><p><font>33. No acórdão recorrido, considera-se que não ficou provado que a Recorrida tenha praticado algum acto de concorrência desleal, mas o art.º 25.°, n.º 1, al. d) do CPI/95 também previa como fundamento de recusa ou invalidação do registo de marca que a concorrência desleal é possível, em abstracto, isto é, independentemente da intenção do requerente.</font>
</p><p><font>34. Enquanto fundamento de invalidação do registo de marca, a concorrência desleal pode ser enquadrada no art.º 33, n.º 1, al. a) do CPI/95, por o seu objecto ser insusceptível de protecção.</font>
</p><p><font>35. E, em sentido semelhante, o art.º 133.°, n.º 1, alínea c) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) fulmina com a nulidade o acto cujo objecto constitua um crime.</font>
</p><p><font>36. Na vigência do CPI/95 a concorrência desleal é um ilícito criminal custando por isso admitir que não possa ser invalidado o registo de uma marca que serve ou pode servir para praticar esse crime!</font>
</p><p><font>37. Na interpretação da lei não deve perder-se de vista que, no domínio do CPI/2005, a concorrência desleal era uma das infracções contra a propriedade industrial (art.º 257.º), tipificada como ilícito criminal (art.º 260.º).</font>
</p><p><font>38. Se um registo de marca deveria ser recusado quando o INPI reconhecesse que poderia servir para fazer concorrência desleal (isto é, para praticar um crime), também não pode ser mantido em vigor, nas mesmas circunstâncias, se o uso da marca pode servir ou serve para praticar esse mesmo crime.</font>
</p><p><font>39. Para o caso de não ser julgado procedente o pedido de reversão do título a favor da Recorrente, ou, subsidiariamente, o pedido de anulação do mesmo, deverá, então, ainda subsidiariamente, ser declarada a nulidade do registo e a proibição do uso da marca “Fonix”, nos termos do art.º 32.°, n.º 1, a) do CPI/95 e do art.º 133.°, n. ° 1, c) do CPA - aplicável subsidiariamente ao procedimento especial previsto no CPI/95, nos termos do n.º 1 do art.º 2.°do CPA</font>
</p><p><font>Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedida a revista, revogar-se o acórdão recorrido e, por consequência, julgar-se a acção totalmente procedente, por provada, assim se fazendo JUSTIÇA!” (</font><i><font>sic</font></i><font>).</font>
</p><p><font> A ré contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação da decisão tomada no acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> II.</font>
</p><p><font>A.</font><b><font> </font></b><font>Previamente à apreciação do recurso, vejamos a matéria de facto apurada nas instâncias:</font>
</p><p><font>1. A autora “AA, S.R.L.” foi constituída em 19 de Janeiro de 1989 com a denominação social “AA, S.R.L.” denominação social esta que usa, até à presente data na sua actividade comercial tendo por objecto: projecto-produção-comércio de equipamentos de electricidade e gás para uso doméstico, profissional, industrial, além de abatedores de temperatura, instalação e aparelhos para refrigeração (alínea A) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>2. A ré “BB, Importação e Representações, S.A.” foi constituída em 30 de Janeiro de 1990 e tem por objecto a importação e representação de máquinas e comércio por grosso e a indústria de construção civil, a compra, venda e revenda de propriedades e revenda de adquiridos (alínea B) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>3. No decurso da sua actividade, a autora requereu o registo da marca “marca” em Itália, em 19 de Abril de 1999, para assinalar os seguintes produtos: fornos (com excepção de fornos utilizados em experiências), sistemas de arrefecimento para fornos, congeladores, equipamento de produção de calor, de vapor, de cozedura e congelação, bem como equipamento de ventilação, de distribuição de água e para instalações sanitárias, tendo a mesma sido concedida sob o n.º 000000, em 23 de Maio de 2002 (alíneas C) e D) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>4. A autora é titular dos seguintes sinais distintivos: denominação social “AA, S.R.L.” desde 19 de Janeiro de 1989: marca italiana n.º 000000 Foinox requerida em 19 de Abril de 1999 e concedida em 23 de Maio de 2002 e nomes de domínio “.it” e “.com” desde 31 de Julho de 1997 e 7 de Novembro de 2000, respectivamente (alínea D’) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>5. Em Portugal, a autora recorreu, entre outras sociedades, à ré como distribuidora e vendedora dos produtos no mercado Português, desde 1994 (alínea E) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>6. A autora requereu em Julho de 1997 e Novembro de 2000, respectivamente, os nomes de domínio de Internet .it e .com (alínea F) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>7. A autora requereu o registo da marca comunitária n.º 000000 Foinox – nominativa – em 11 de Fevereiro de 2003 para assinalar fornos, aparelhos, instrumentos, dispositivos e recipientes de refrigeração e de congelação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, de produção de calor, de cozedura e de congelação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, de produção de vapor, de cozedura, de refrigeração, de secagem, de ventilação, de distribuição de água (alínea G) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>8. A ré, sem que em momento algum informasse a autora, requereu, para si, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial o registo da marca nacional Foinox em 12 de Outubro de 2000, destinando-se a assinalar os seguintes produtos: fornos eléctricos e a gás, incluindo fornos mistos, fornos de padaria e pastelaria, fornos de convecção e abatedores de temperatura (aparelhos de arrefecimento), tendo-lhe o mesmo sido concedido em 5 de Fevereiro de 2001, sob o n.º ...... (alínea H) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>9. Com base no pedido de registo português, a ré apresentou igualmente pedido de registo de marca internacional em Espanha, França e Inglaterra, indicando a data do pedido português como data de prioridade e fundamento para a marca internacional, que veio a ser concedida em 5 de Março de 2001, sob o n.º 000000 (alínea I) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>10. A autora foi contactada por alguns distribuidores (resposta ao n.º 4 da base instrutória).</font>
</p><p><b><font> </font></b><font>B</font><b><font>.</font></b><font> O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões constantes das alegações da recorrente – cf. arts. 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), no regime anterior ao introduzido pelo D.L. n.º 303/2007, de 24-08, aqui aplicável (arts. 11.º e 12.º deste diploma)</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> – cujo cerne, repetindo substancialmente as conclusões já inseridas na apelação, se aglutina em torno de três questões:</font>
</p><p><font>violação do disposto no art. 169.º do CPI, por a ré ter registado a marca Foinox, em Portugal, sem autorização da autora;</font>
</p><p><font>violação da protecção concedida à denominação social da autora, nos termos do estatuído no art. 8.º da Convenção da União de Paris (CUP);</font>
</p><p><font>concorrência desleal, por violação do determinado no art. 260.º, n.º 1, do CPI.</font>
</p><p><font>Antes, porém, analisar-se-á a questão prévia consistente em saber se a circunstância da autora (apenas) nas alegações da sua apelação ter aludido à legislação italiana sobre marca constituirá questão nova.</font>
</p><p><font> B1</font><b><font> –</font></b><font> Questão prévia: </font>
</p><p><font>Pacificado que, em termos de lei aplicável a estes autos, é o CPI de 1995, aprovado pelo DL n.º 16/95, de 24-01 (entretanto revogado pelo DL n.º 36/2003, de 05-03) que haverá que ponderar na decisão do litígio, importará, todavia, iniciar por dirimir a questão prévia, implícita nos alegações e contra-alegações, que se </font><i><font>prende</font></i><font> com a existência ou não de uma questão nova, no que concerne ao chamamento do direito de propriedade industrial italiano, pela autora/recorrente, apenas em sede de apelação.</font>
</p><p><font>Os recursos constituem o meio próprio para a reapreciação das decisões proferidas pelos tribunais recorridos, daí decorrendo que o tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> não se pode pronunciar sobre matéria não submetida previamente à apreciação do tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>. </font>
</p><p><font>Em suma, os recursos visam modificar a decisão de que se recorre, e não conhecer de questões novas, não submetidas à apreciação do tribunal recorrido.</font>
</p><p><font>Harmonicamente, decorre do estatuído nos arts. 676.º, n.º 1, e 684.º, n.º 3, do CPC, que os recursos não podem versar questões que as partes não tenham consignado à apreciação dos tribunais de instância, nos articulados da causa, e que não foram apreciadas anteriormente, comportando esta regra duas excepções: a) situações em que a lei determina expressamente o contrário; b) situações em que está em causa matéria de conhecimento oficioso.</font>
</p><p><font>Isto dito, e contrariamente ao entendido no acórdão da Relação, considera-se que a referência efectuada pela autora ao direito italiano e ao regime de protecção da marca aí vigente, conquanto sujeito ao disposto no art. 348.º do Código Civil (CC), não constitui, de </font><i><font>per si</font></i><font>, questão nova que coíba o tribunal de recurso de a apreciar, antes se enquadrando no patamar da qualificação jurídica dos factos, a que o tribunal sempre poderá oficiosamente recorrer, nos termos do art. 664.º do CPC (dado, aliás, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito).</font>
</p><p><font>Destarte, considera-se que a argumentação jurídica carreada em sede de recurso, pela autora, não constitui, nem se confunde, com qualquer questão nova, sendo o respectivo regime jurídico, a que a autora alude, atendido (se necessário se revelar) no âmbito da presente revista.</font>
</p><p><b><font> </font></b><font>B2</font><b><font> –</font></b><font> Violação do disposto no art. 169.º do CPI, por a ré ter registado a marca Foinox, em Portugal, sem autorização da autora.</font>
</p><p><font>A autora, como se disse, peticiona a reversão a seu favor da marca “marca”, concedida à ré, sua distribuidora em Portugal, a qual fora atribuída pelo INPI sob o n.º ......, tendo subsidiariamente pedido a anulação da marca respectiva (caso não lhe seja concedida a reversão), bem como a condenação da ré no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, em valor a liquidar em execução de sentença.</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Contestou a ré, sustentando que a autora não beneficiava, aquando do registo da marca Foinox, de qualquer direito ou prioridade e que o uso de um sinal não registado não pode consubstanciar facto gerador de concorrência desleal já que a lei o qualifica como marca livre.</font>
</p><p><font>São estes, sumariamente, os parâmetros em que nos movemos, sem olvidar que o pleito opõe uma sociedade comercial de direito italiano e uma sociedade comercial de direito português.</font><sup><font> </font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Do art. 1.º do CPI de 1995 (versão a que nos referiremos ao longo deste acórdão) deflui que a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos, bem como pela repressão da concorrência desleal.</font>
</p><p><font>Face ao CPI, o título de registo de uma marca obtém-se após um procedimento administrativo formalizado, regulado pelas normas especiais dos arts. 181.º a 187.º e pelas normas gerais dos arts. 10.º a 28.º.</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a>
</p><p><font>A marca, de acordo com o estatuído na parte final do n.º 1 do art. 165.º do CPI serve para “distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas” – trata-se da denominada função distintiva da marca.</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> </font>
</p><p><font>É um sinal sensível aposto em (ou acompanhando) produtos ou serviços para os distinguir dos produtos ou serviços idênticos ou similares dos concorrentes.</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Constitui o paradigma dos sinais distintivos do comércio</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> tendo como função primacial identificar a proveniência de um produto ou serviço relacionando-o, perante os seus destinatários, a uma determinada empresa</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>, servindo para identificar esse produto ou serviço, distinguindo-os dos produzidos ou prestados por uma outra empresa.</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Resumindo, é o sinal que serve para diferenciar a origem empresarial do produto ou serviço proposto ao consumidor, e, por isso, se integra nos sinais distintivos do comércio, destinando-se a individualizar produtos, mercadorias ou serviços, e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie.</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Em diversos sistemas jurídicos europeus, o direito à marca adquire-se, em princípio, através do registo, o qual reveste eficácia constitutiva. Tais sistemas são ditos de </font><i><font>registration based</font></i><font>: esta solução funda-se essencialmente em considerações de certeza e segurança jurídica.</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a>
</p><p><font>A lei portuguesa consagra o sistema de registo constitutivo ou atributivo da propriedade das marcas: a propriedade de uma marca adquire-se através do respectivo registo no INPI. O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que ela se destina, conforme resulta do art. 167.º, n.º 1, do CPI.</font>
</p><p><font>Analogamente, o art. 207.º preceitua que “o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos, ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca”.</font>
</p><p><font>O direito à marca é, consequentemente, em face do ordenamento jurídico português, um direito que decorre do registo de um dado sinal distintivo, inexistindo direito exclusivo sobre um determinado sinal se este não estiver registado.</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Como bem se enfatiza no acórdão recorrido (socorrendo-se dos ensinamentos de Carlos Olavo): o bem imaterial que é objecto desse direito [à marca] apenas se reconduz, em termos directos e imediatos, ao seu titular desde que tal conste do registo, o que se trata de aplicação do princípio geral segundo o qual os direitos privativos da propriedade industrial estão sujeitos a um sistema de registo constitutivo ou atributivo.</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a>
</p><p><font>De acordo com o já mencionado art. 167.º, n.º 1, do CPI: “Aquele que adopta certa marca para distinguir os produtos ou serviços de uma actividade económica ou profissional gozará da propriedade e do exclusivo dela desde que satisfaça as prescrições legais, designadamente a relativa ao registo” – i.e., o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e exclusividade da marca – acrescentando o art. 6.º, n.º 1, que: “A prova dos direitos de propriedade industrial referidos no presente diploma faz-se por meio dos títulos de patente, modelo, desenho e de registo correspondentes às diversas categorias nele reguladas”.</font>
</p><p><font>Não haverá, assim, qualquer direito exclusivo sobre um qualquer sinal se este não estiver devidamente registado: repete-se, o direito à marca (tal como outros direitos privativos da propriedade industrial) está sujeito a um sistema de registo constitutivo ou atributivo.</font>
</p><p><font>Todavia, embora, em termos de direito positivo português, a utilização da marca, sem que a mesma tenha sido registada, não confira qualquer direito, a lei atendeu a tal utilização, mitigando, em certas situações o princípio do carácter constitutivo do registo.</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Com efeito, o art. 171.º, n.º 1, estabelece que: “Aquele que usar marca livre ou não registada por prazo não superior a seis meses terá, durante esse prazo, direito de prioridade para efectuar o registo, podendo reclamar contra o requerido por outrem durante o mesmo prazo” – ou seja, o </font><i><font>pré-uso</font></i><font> da marca não é título, só fundamenta a prioridade prevista no referido preceito.</font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a>
</p><p><font>Concluindo, no sistema português, a propriedade da marca não resulta do seu uso, mas sim do seu registo, de tal forma que prevalecerá o direito de quem primeiro a registou e não daquele que primeiro a usou: a utilização de um sinal distintivo/marca sem que haja sido efectuado o competente registo não confere qualquer direito à marca, mas apenas um simples direito de prioridade para requerer o registo.</font><a><u><sup><font>[16]</font></sup></u></a>
</p><p><font>No caso dos autos, perante a matéria de facto assente, verifica-se que, aquando do registo da marca “marca” por parte da ré, a autora não era titular do registo dessa marca, visando esta, com a acção em apreço, impugnar o registo da marca – requerido junto do INPI e por ele concedido –, tendo o mesmo sido apresentado em 12-10-2000 e concedido em 05-02-2001 (sendo certo que a ré requereu, igualmente, o registo da marca internacional em Espanha, França e Inglaterra, que lhe foi concedido em 05-03-2001).</font>
</p><p><font>Indo à questão em concreto, e ao preceito legal indicado pela autora/recorrente, emerge do art. 169.º do CPI que: “O agente ou representante do titular de uma marca num dos países da União pode pedir o seu registo mediante autorização do mesmo titular” – refere-se a norma à União Internacional para a Protecção da Propriedade Industrial, criada pela já mencionada Convenção de Paris de 20-03-1883 e suas revisões (CUP) – art. 3.º, n.º 1.</font><a><u><sup><font>[17]</font></sup></u></a>
</p><p><font>A aplicação do regime estabelecido no CPI, pressupõe a existência de um direito sobre uma marca validamente adquirido, num dos países da União para a Protecção da Propriedade Industrial ou da Organização Mundial do Comércio (OMC). </font>
</p><p><font>Assim, se um sinal não se encontra registado como uma marca em Portugal ou em qualquer outro país da União ou da OMC, trata-se de uma marca livre.</font>
</p><p><font>Alcança | [0 0 0 ... 0 0 0] |
4jKKu4YBgYBz1XKvnBhs | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><br>
<b><font>Processo n.º 8928/11.6TBOER.L2.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a>
</p><p>
</p><p>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I – AA </font></b><font>intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra</font><b><font> BB</font></b><font>, pedindo que seja declarado que é filho do réu.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alegou, em suma, que nasceu a 15 de Novembro de 1990, na constância do casamento de sua mãe com CC; que a presumida paternidade foi impugnada por este último, tendo, por sentença transitada em julgado, sido declarado que aquele não é o seu pai biológico; que, como reconheceu nesse processo, a sua mãe admitiu que manteve relações de cópula completa com o ora Réu BB durante os 180 dias dos 300 que antecederam o nascimento do autor; que o réu tem consciência de que o A. é seu filho, pois, em diversas ocasiões e ao longo dos últimos anos, enviou dinheiro à mãe; e que o A. sofre da doença denominada "B- Thalassemia", a qual é hereditária, tendo ficado provado que a sua mãe não é portadora dessa doença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O réu contestou, alegando, em síntese, que conheceu a mãe do A., pois a mesma trabalhou para a sociedade "DD, Lda", da qual era um dos sócios; que é falso que tenha mantido relações de cópula completa com a mãe do A. e muito menos durante os 180 dias que antecederam o nascimento do A e que tinha um bom relacionamento profissional com a mãe do A, chegando a emprestar-lhe dinheiro para pagamento das prestações da casa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Autor replicou, alegando que sofre da doença "B-Thalassemia", a qual é hereditária e que tal doença tem origem nos Países do Golfo Pérsico, o que constitui mais um forte indício de que o A. é filho do R.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Conclui, requerendo que o R. se submeta à efectivação do teste de ADN.</font>
</p><p><font>Foi proferido despacho saneador, organizados os factos assentes e a base instrutória.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pelo despacho de fls. 88, foi ordenada a realização de exames de ADN ao réu para determinar se é o pai do autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ouvidas as partes sobre a forma de realização desse exame, veio o autor requerer que o mesmo seja realizado em Portugal, no INML, e, caso tal não seja possível, uma vez que não existe representação diplomática portuguesa na Síria e, sendo os assuntos deste país acompanhados pela Embaixada de Portugal em Nicósia, requer em alternativa que seja aí realizada a recolha de material biológico. Refere ainda que o réu é uma pessoa muito influente na Síria, sendo o seu irmão o actual cônsul honorário de Portugal em Alepo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por sua vez, o réu veio dizer que tem a sua residência na Síria e, por motivos profissionais, familiares e do conflito bélico em curso, não tem qualquer possibilidade de sair da Síria; que os dois consulados portugueses na Síria foram encerrados, por força do estado de guerra e que apenas aceita que a perícia seja realizada no seu país e por ordem de um tribunal judicial sírio.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Seguidamente foi proferido despacho com o seguinte teor:</font>
</p><p><font>"Fls. 103 e 107: Uma vez que o R. não aceita, ou não pode, deslocar-se a Portugal, e que a Síria não é parte na Convenção de Haia de 18 de Março de 1970 (aprovada pelo DL 764/74, de 30-XII), não se mostra possível a recolha de material biológico (quer no lNML., quer através das competentes autoridades judiciárias sírias).</font>
</p><p><font>A recolha de material biológico do R. através da Embaixada de Portugal em Nicósia não tem cabimento legal – não se mostrando viável, quer pelo estado de guerra (praticamente notório) em que se encontra a Síria, quer pela relação de parentesco alegada (a fls. 103), a sua recolha através do Cônsul Honorário de Portugal em Alepo.</font>
</p><p><font>Assim, mostra-se inviabilizada a realização do exame determinado a fls. 88. Notifique. "</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Após foi designada data para a realização do julgamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Realizado este, por despacho exarado na acta de julgamento (datado de 12107/2013), respondeu-se à matéria constante da base instrutória.</font>
</p><p><font>Posteriormente, a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho (datado de 9/10/2013) a reabrir a audiência de julgamento, a fim de ser inquirida EE (progenitora do autor).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pelo requerimento de fls. 140/143 o réu arguiu a nulidade desse despacho, o que foi indeferido pelo despacho de fls. 160/161.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Réu juntou exames clínicos a fim de tentar demonstrar não ser portador da doença "B-Thalassemia".</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Autor impugnou tais exames.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Reaberta a audiência de julgamento, o tribunal inquiriu a progenitora do autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Após foi proferida sentença, na qual se fixaram os factos provados e respectiva fundamentação, tendo-se concluído pela procedência do pedido, tendo o autor sido declarado filho do réu.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O réu interpôs recurso dessa sentença, tendo, por acórdão desta Relação sido revogada a decisão proferida dia 9/10/2013 que ordenou a reabertura da audiência de julgamento e anulado todo o processado posterior, incluindo a sentença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Baixados os autos à 1.ª instância, foi então proferida nova sentença, na qual se julgou a acção procedente e, em consequência, declarou-se que AA é filho biológico de BB, ordenando-se o correspondente averbamento no assento de nascimento do Autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, sem sucesso, já que a Relação, julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De novo inconformado, veio o R. interpor recurso de revista excepcional, tendo a Formação admitido o referido recurso, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O A. apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1.º Nos presentes autos está em causa uma questão cuja apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito; </font>
</p><p><font>2.º A questão cuja apreciação se suscita nos presentes autos consiste em saber se, numa ação de investigação de paternidade se pode estabelecer a presunção legal de filiação constante da alínea e) do nº 1 do artigo 1871º do Código Civil, assente numa inversão do ónus da prova, sem que tenha havido uma recusa culposa do investigado em deslocar-se a Portugal para realizar um teste de ADN;</font>
</p><p><font>3.º A apreciação da questão suscitada no presente recurso é absolutamente essencial para uma melhor aplicação do Direito, sob pena de se abrir um precedente, capaz de abalar de forma drástica a segurança jurídica, mormente, no que à inversão do ónus da prova e à aplicação da presunção de paternidade diz respeito;</font>
</p><p><font>4.º A interpretação e aplicação da lei constante do Douto Acórdão recorrido reveste de natureza inovadora, em termos de se justificar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para evitar dissonâncias interpretativas a por em causa a boa aplicação do Direito; </font>
</p><p><font>5.º Os contornos da apreciação da verificação de uma situação de inversão do ónus da prova para efeitos da aplicação da presunção de filiação constante da alínea e) do nº 1 do artigo 1871.º do Código Civil com base na inversão do ónus da prova fundamentada num comportamento notoriamente não culposo, nos moldes que foram efetuados no Douto Acórdão recorrido, assume particular relevância social; </font>
</p><p><font>6.º Essa relevância social existe por se tratar de uma matéria com repercussão ou, no limite, apta a causar alarme e controvérsia, por conexão com os valores socioculturais dominantes, podendo colocar em causa a eficácia do direito e/ou criar dúvidas sobre a sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística; </font>
</p><p><font>7.º Esta matéria vai muito para além dos interesses individuais dos sujeitos processuais, revestindo contornos de abrangência comunitária, em que existe um interesse da comunidade que ultrapassa a referida dimensão inter partes (cfr. art. 672.º n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil); </font>
</p><p><font>8.º A questão que integra o objeto do presente recurso é suscetível de gerar colisão com os valores sócio culturais dominantes; </font>
</p><p><font>9.º Não existindo ainda sobre a referida questão jurisprudência firmada do Supremo Tribunal de Justiça;</font>
</p><p><font>10.º A prova produzida e dada como assente pelo Tribunal de 1ª Instância nos autos é insuficiente para determinar a procedência da presente ação, impondo-se outro julgamento da matéria de direito; </font>
</p><p><font>11.º Não se logrou provar nos autos, que EE teve relações sexuais de cópula completa com o Recorrente durante o período legal de conceção; </font>
</p><p><font>12.º Não se logrou provar nos autos que o Recorrente se tenha recusado a realizar teste de ADN; </font>
</p><p><font>13.º O Recorrente apenas informou o Tribunal a quo de que, devido à guerra civil que o seu País atravessa, não lhe é possível deslocar-se a Lisboa, Portugal, para realizar um teste de ADN; </font>
</p><p><font>14.º Constitui um facto público e notório (e como tal isento de prova – nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417º do Código de Processo Civil) a circunstância de a Síria se encontrar em guerra civil e com grave crise humanitária, principalmente na cidade de Alepo (cidade onde o Recorrente tem o seu domicilio e onde foi citado para a presente ação), a qual levou ao encerramento de aeroportos e restrições à aviação civil, que implica que os refugiados Sírios só consigam movimentar-se e sair do seu País pela via terrestre e marítima, em condições desumanas e de risco para a integridade física e própria vida; </font>
</p><p><font>15.º O facto de a deslocação a Portugal não se poder fazer sem risco para a integridade física (quem sabe para a própria vida) do Recorrente, constituiria, por si só, motivo legítimo de recusa nos termos do disposto no nº 3 alínea a) do referido artigo 417º do Código de Processo Civil; </font>
</p><p><font>16.º Não é legal, sendo completamente ilusório e desproporcional impor ao Recorrente que o mesmo se desloque a Portugal para realizar o teste de ADN; </font>
</p><p><font>17.º O teste de ADN em causa nos presentes autos pode ser realizado no estrangeiro e / ou a recolha do material biológico pode ser efetuada no estrangeiro, nomeadamente no Consulado Honorário Português em Damasco, Síria e posteriormente enviado pelas entidades consulares portuguesas para Portugal. </font>
</p><p><font>18.º O Recorrente não se recusou a realizar teste de ADN; </font>
</p><p><font>19.º A impossibilidade de o Recorrente se deslocar a Lisboa para realização do teste não ê culposa; </font>
</p><p><font>20.º O Recorrente não pode ser prejudicado nos seus direitos de defesa pelo facto de o seu País estar em guerra e de não lhe ser possível deslocar-se a Portugal; </font>
</p><p><font>21.º Não estão por isso preenchidos os requisitos legais para operar uma inversão do ónus da prova constantes do nº 2 do artigo 344º do Código Civil; </font>
</p><p><font>22.º Não podendo operar, no presente caso, a presunção de paternidade constante do artigo 1871.º, nº 1, alínea e) do Código Civil uma vez que o Recorrido não logrou fazer prova de que a sua mãe teve relações sexuais com o Recorrente durante o período legal de conceção; </font>
</p><p><font>23.º Estando o Tribunal a quo obrigado a aplicar a regra constante do artigo 414° do Código de Processo Civil que estabelece que, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto, ela se terá de ser resolvida contra a parte à qual o facto aproveita (ou seja contra o Recorrido); </font>
</p><p><font>24.º A presente ação de investigação da paternidade deveria ter sido julgada pelo Douto Tribunal a quo como improcedente, por não provada e o ora Recorrente absolvido do pedido; </font>
</p><p><font>Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede e só por mera cautela de patrocínio aqui se invoca, sempre se teria ainda assim que concluir que: </font>
</p><p><font>25.º No caso de o Tribunal considerar o teste de ADN imprescindível para a decisão da presente ação judicial, o Tribunal a quo não esgotou todas as vias possíveis à sua realização; </font>
</p><p><font>26.º O Tribunal a quo – como forma de contornar a impossibilidade do ora Recorrente se deslocar a Portugal para a realização do referido teste de ADN – deveria ter solicitado a realização desse teste na Síria em instituição credenciada indicada pelo Tribunal e/ou a recolha do material biológico necessário à realização do teste de ADN tivesse lugar num dos dois Consulados Honorários de Portugal existentes na Síria, através de expedição de carta rogatória e/ou precatória consoante o caso aplicável; </font>
</p><p><font>27.º O facto de a Síria não ser parte da referida Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial concluída em Haia aos 18 de Março de 1970 (aprovada pelo DL nº 764/74, de 30/12), não obsta à expedição de carta rogatória para que a recolha de material biológico seja efetuada na Síria e o teste de ADN realizado em instituição credenciada indicada pelo próprio Tribunal Sírio, nem à expedição de carta precatória para a recolha de material biológico para a realização do teste de ADN tivesse lugar num dos dois Consulados Honorários de Portugal existentes na Síria; </font>
</p><p><font>28.º Sendo que o Recorrente disponibilizou-se a realizar testes de ADN na Síria e/ou a que a recolha do material biológico necessário à realização do teste de ADN tivesse lugar num dos dois Consulados Honorários de Portugal existentes na Síria (Pais onde tem o seu domicilio e onde foi regularmente citado para a presente ação); </font>
</p><p><font>29.º Razão pela qual o Douto tribunal a quo não deveria ter declarado, como fez, a realização do exame de ADN impossível; </font>
</p><p><font>30º. A não realização do teste de ADN não se deveu a facto ou ação culposa do ora Recorrente; </font>
</p><p><font>31.º Mas à inação do Douto Tribunal a quo que não cuidou de ordenar a emissão de carta rogatória para recolha do material biológico do Recorrente e realização do teste de ADN na Síria, em instituição credenciada a indicar pelo Tribunal Sírio; </font>
</p><p><font>32.º Não estando reunidos no presente processo os pressupostos da inversão do ónus da prova constantes do n° 2 do artigo 344° do Código Civil; </font>
</p><p><font>33.º O Douto Acórdão Recorrido viola o disposto nos artigos 1871º, nº 2, 342º e 344º, todos do Código Civil, bem como os artigos 412º, 414º e 417º do Código de Processo Civil; </font>
</p><p><font>34°. Não se aplicando no presente caso a presunção constante da alínea e) do nº 1 do artigo 1871º do Código Civil, porque o ora Recorrido não logrou fazer prova da ocorrência de relações sexuais entre a sua mãe e o ora Recorrente no período da conceção; </font>
</p><p><font>35º. Não subsistindo quaisquer dúvidas de que o Douto Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do direito, pelo urge revogar o Douto Acórdão Recorrido; </font>
</p><p><font>36.º Devendo ser proferido Acórdão a julgar a ação improcedente por não provada e a absolver o Recorrente do pedido, por força do disposto nos referidos normativos; </font>
</p><p><font>Subsidiariamente, </font>
</p><p><font>37.º Caso assim não se entenda – o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio aqui se refere V. Exas. deverão ordenar a baixa do processo ao Tribunal de 1.ª Instância para que seja emitida carta precatória a ordenar a recolha do material biológico do Recorrente no Consulado Honorário de Portugal em Damasco; </font>
</p><p><font>Ainda subsidiariamente, </font>
</p><p><font>38.º Caso essa diligência se venha a demonstrar impossível de realizar no Consulado Honorário de Portugal em Damasco (o que nunca aconteceu até à presente data), solicita-‑se que a recolha seja efetuada no Líbano, pais contíguo à Síria e alcançável pela via terrestre, uma vez que, com as limitações dos aeroportos e espaço aéreo Sírio a via aérea está afastada; </font>
</p><p><font>39.º Negar ao ora Recorrente a possibilidade de realizar o teste de ADN é uma violação dos seus mais elementares direitos de personalidade, mais precisamente o direito à sua identidade genética; </font>
</p><p><font>40.º O direito à identidade pessoal, constitucionalmente consagrado, no artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, inclui, além do mais, os vínculos de filiação, existindo um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da sua descendência, ou seja, da extensão familiar de cada um.</font>
</p><p><font>41.º Tal direito fundamental do conhecimento da descendência biológica, é um direito personalíssimo e imprescindível.</font>
</p><p><font>42.º O respeito pela verdade biológica sugere claramente a inderrogabilidade do direito de investigar.</font>
</p><p><font>43.º Razão pela qual tem que ser dada ao ora Recorrente a possibilidade de realizar teste de ADN, não podendo a presunção legal de paternidade ser efectuada com sacrifício da verdade biológica e da imposição ao ora Recorrente de um filho que não seja filho biológico.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Remata o R as suas alegações, peticionando que o recurso obtenha provimento, e, em consequência seja a acção julgada improcedente, por não provada e o recorrente absolvido do pedido, ou caso assim se não entenda, seja revogada a decisão da 1.ª instância e ordenado que o processo baixe à 1.ª instância para emissão de carta precatória para realização da recolha do material biológico do recorrente no Consulado Honorário de Portugal em Damasco, na Síria, ou tornando-se essa diligencia probatória inexequível, a referida recolha seja efectuada no Consulado Honorário de Portugal no Líbano.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não houve contralegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II – </font></b><font>Nas instâncias, com as alterações introduzidas pela Relação, foi dada como provada a seguinte factualidade:</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>1. AA nasceu em Lisboa a 15 de Novembro de 1990;</font>
</p><p><font>2. O Autor foi registado como filho de EE e de CC;</font>
</p><p><font>3. Por sentença de 07 de Julho de 2008 (processo nº 8274/04; do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras) foi declarado que o ora A. não era filho de CC.</font>
</p><p><font>4. EE manteve relações de cópula completa com o Réu BB;</font>
</p><p><font>5. O réu enviou, por diversas ocasiões, dinheiro a EE;</font>
</p><p><font>7. O Autor sofre da doença hereditária "Beta-Thalassemia", não sendo a sua mãe portadora da mesma;</font>
</p><p><font>8. O Réu conheceu a mãe do Autor quando esta trabalhou na "DD, Lda”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III –</font></b><font> Apenas está em discussão no presente recurso o entendimento subscrito nas instâncias da aplicação ao caso da regra da inversão do ónus da prova do n.º 2 do art.º 344.º do C. Civil.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>III.1</font></b><font> Cabe dizer em primeiro lugar que a presente acção é de investigação de paternidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispõe o artigo 1801.º do Código Civil:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nas acções relativas à filiação são admitidos como meios de prova, os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O exame de sangue tem sido reputado de primordial importância nas acções de investigação de paternidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No presente caso essa importância é ainda mais evidente, porquanto o A. perdeu a menção de paternidade decorrente do casamento da sua mãe e o mesmo sofre de uma doença hereditária que só pode resultar de transmissão de qualquer dos pais, sendo que a mãe dela não padece.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Residindo o réu na Síria e não sendo este país parte na Convenção de Haia de 18 de Março de 1970 (aprovada pelo DL 764/74, de 3 O-XII), pelo despacho de fls. 110, considerou-se não se mostrar possível a recolha de material biológico através das competentes autoridades judiciárias sírias, por nestas circunstâncias, qualquer exame que aí se realizasse, não garantir os parâmetros de confiabilidade exigidos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como igualmente não seria merecedor de crédito a realização desse exame, através do cônsul honorário de Portugal na Síria, irmão do R, com recurso necessário a pessoas ou instituições radicadas na Síria, e mais uma vez sem garantias de confiabilidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>É neste contexto que importa valorar a posição assumida pelo réu, ao recusar-se a deslocar-se a Portugal para a recolha de material biológico, inviabilizando assim a realização do exame de ADN.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em causa está fundamentalmente o princípio da cooperação entre os intervenientes num processo (cf. art. 266.º do CPC, na redacção precedente à actual), o qual, no âmbito da instrução da causa, tem por corolário o "dever de cooperação para a descoberta da verdade", ínsito no art. 519.º do mesmo diploma legal).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispunha esse normativo que:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1 – Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.</font>
</p><p><font>2 – Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.</font>
</p><p><font>3 – A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:</font>
</p><p><font>a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;</font>
</p><p><font>b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;</font>
</p><p><font>c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.</font>
</p><p><font>4 – (…).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A aplicação desta regra à produção de prova científica, como a ordenada nos autos, implica que as partes tenham a obrigação de se sujeitarem aos exames laboratoriais pertinentes, ou seja, devem prestar-se aos procedimentos que visem a recolha de sangue ou de outros produtos, como a saliva, cabelo ou unhas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispõe, por seu turno, o acima referido art. 344.º, n.º 2:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“1. ……………………………………………………………………………….</font>
</p><p><font>2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei do processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como salienta LEBRE DE FREITAS (in </font><i><font>Código de Processo Civil Anotado</font></i><font>, voI. 2.º, 2.ª edição, 2008, Coimbra Editora, Coimbra, p. 440), verifica-se o condicionalismo do art. 344.º, n.º 2, do C. Civil, quando a conduta do recusante impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs: art.º 313.º, n.º 1 e art.º 364.º do CC), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos. Se outra prova dos factos em causa não existir ou, existindo, for insuficiente, a recusa pode dar lugar à inversão do ónus da prova, que ficará a cargo da parte não cooperante.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Também LOPES DO REGO (</font><i><font>Comentários ao Código de Processo Civil</font></i><font>, Almedina, Coimbra, p. 361) refere que se o exame se configurar como absolutamente essencial à determinação da filiação biológica – implicando consequentemente a recusa do pretenso pai a verdadeira impossibilidade de o autor fazer prova da invocada filiação biológica – deverá aplicar-se o preceituado no n.º 2 do art.º 344.º, presumindo-se a paternidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, é notório o valor probatório, em acções de investigação de paternidade, dos exames de sangue ou outros menos invasivos, designadamente através da recolha do ADN colhido em saliva, cabelo ou unhas, cujos resultados – saliente-se – tanto podem ser favoráveis ao A. como ao R., pretenso progenitor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Presente no caso está o direito fundamental do autor ao conhecimento, e reconhecimento, da paternidade, seja por via do direito à sua integridade pessoal, ou especificamente à integridade moral, seja por via do direito à identidade pessoal (arts. 16.º; 18.º; 25.º, n.º 1 e 26.º, todos da CRP), definido este como um direito do individuo à sua “historicidade pessoal”, abrangendo o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores, que inclui o direito à identidade genética própria e, em consequência, ao conhecimento dos vínculos de filiação "no ponto em que a pessoa é condicionada na sua personalidade pelo factor genético" – cfr. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, </font><i><font>Constituição da República Anotada,</font></i><font> 4.ª edição, vol. I, p. 462 e JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, </font><i><font>Constituição da República Portuguesa Anotada</font></i><font>, 2005, I, 204-205.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Passamos a transcrever parte do Acórdão do T. C. 401/11 (acessível em </font><a><i><u><font>www.tribunalconstitucional.pt</font></u></i></a><font>):</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«O direito ao conhecimento da paternidade biológica, assim como o direito ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico (sobre a distinção entre estes dois direitos, vide João Loureiro, em “Filho(s) de um gâmeta menor? Procriação medicamente assistida heteróloga”, na Revista Lex Medicae, ano 3.º (2006), n.º 6, pág. 26 e seg., e Rafael Vale e Reis, em “O direito ao conhecimento das origens genéticas”, pág. 108 e 109), cabem no âmbito de protecção quer do direito fundamental à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), quer do direito fundamental de constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da Constituição).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A identidade pessoal consiste no conjunto de atributos e características que permitem individualizar cada pessoa na sociedade e que fazem com que cada indivíduo seja ele mesmo e não outro, diferente dos demais, isto é, “uma unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, em “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, pág. 609, da 2.ª ed., da Coimbra Editora).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Este direito fundamental pode ser visto numa perspectiva estática – onde avultam a identificação genética, a identificação física, o nome e a imagem – e numa perspectiva dinâmica – onde interessa cuidar da verdade biográfica e da relação do indivíduo com a sociedade ao longo do tempo.</font>
</p><p><font>A ascendência assume especial importância no itinerário biográfico, uma vez que ela revela a identidade daqueles que contribuíram biologicamente para a formação do novo ser. O conhecimento dos progenitores é um dado importante no processo de auto-definição individual, pois essa informação permite ao indivíduo encontrar pontos de referência seguros de natureza genética, somática, afectiva ou fisiológica, revelando-lhe as origens do seu ser. É um dado importantíssimo na sua historicidade pessoal. Como expressivamente salienta Guilherme de Oliveira, «saber quem sou exige saber de onde venho» (em “Caducidade das acções de investigação”, ob. cit., pág. 51), podendo, por isso dizer-se que essa informação é um factor conformador da identidade própria, nuclearmente constitutivo da personalidade singular de cada indivíduo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Mas o estabelecimento jurídico dos vínculos da filiação, com todos os seus efeitos, conferindo ao indivíduo o estatuto inerente à qualidade de filho de determinadas pessoas, assume igualmente um papel relevante na caracterização individualizadora duma pessoa na vida em sociedade. A ascendência funciona aqui como um dos elementos identificadores de cada pessoa como indivíduo singular. Ser filho de é algo que nos distingue e caracteriza perante os outros, pelo que o direito à identidade pessoal também compreende o direito ao estabelecimento jurídico da maternidade e da paternidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por outro lado, o direito fundamental a constituir família consagrado no artigo 36.º, n.º 1, da Constituição, abrange a família natural, resultante do facto biológico da geração, o qual compreende um vector de sentido ascendente que reclama a predisposição e a disponibilização pelo ordenamento de meios jurídicos que permitam estabelecer o vínculo da filiação, com realce para o exercitável pelo filho, com o inerente conhecimento das origens genéticas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na verdade, o direito a constituir família, se não pode garantir a inserção numa autêntica comunidade de afectos – coisa que nenhuma ordem jurídica pode assegurar – implica necessariamente a possibilidade de assunção plena de todos os direitos e deveres decorrentes de uma ligação familiar susceptível de ser juridicamente reconhecida. Pela natureza das coisas, a aquisição do estatuto jurídico inerente à relação de filiação, por parte dos filhos nascidos fora do matrimónio, processa-se de forma diferente da dos filhos de mãe casada, uma vez que só estes podem beneficiar da presunção de paternidade marital. Mas essa aquisição deve ser garantida através da previsão de meios eficazes. Aliás a peremptória proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (artigo 36.º, n.º 4, da CRP) não actua só depois de constituída a relação, projecta-se também na fase anterior, exigindo que os filhos nascidos fora do casamento possam aceder a um estatuto idêntico aos filhos nascidos do matrimónio. A infundada disparidade de tratamento, em violação daquela proibição, tanto pode resultar da atribuição de posições inigualitárias, em detrimento dos filhos provenientes de uma relação não conjugal, como, antes disso, e mais radicalmente do que isso, do estabelecimento de impedimentos desrazoáveis a que alguém que biologicamente é filho possa aceder ao estatuto jurídico correspondente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>É, pois, pacífica a previsão constitucional dos direitos ao conhecimento da paternidade biológica e do estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, como direitos fundamentais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Isso não impede, contudo, que o legislador possa modelar o exercício de tais direitos em função de outros interesses ou valores constitucionalmente tutelados. Não estamos perante direitos absolutos que não possam ser confrontados com valores conflituantes, podendo estes exigir uma tarefa de harmonização dos interesses em oposição, ou mesmo a sua restrição.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tendo em conta que os testes de ADN são como que uma prova plena do ponto de vista científico da paternidade, ou seja, do ponto de vista da realidade factual, manifesto é que aquele que culposamente impede a realização desses exames está a preencher a previsão do n.º 2 do art.º 344.º</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A questão está, pois, em saber se a recusa do réu em deslocar-se a Portugal para a colheita de material biológico t | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6TKGu4YBgYBz1XKvLhU7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b></div><br>
<font> </font>
<p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> “</font><b><font>AA, S.L.P.</font></b><font>”, com sede em Barcelona, e, “</font><b><font>AA & Associados R.L</font></b><font>.”, com sede em Lisboa, pediram (em 10/1/2013) contra </font><b><font>BB</font></b><font> o reconhecimento da sentença arbitral proferida em Barcelona, em 30/8/2012, mediante a qual o requerido foi condenado a pagar-lhes a quantia de € 4.516.536,78, com fundamento no incumprimento pelo mesmo do “</font><i><font>Convénio de Integração Profissional das Relações Sociais</font></i><font>” de ambas as requerentes, subscrito por todos os respectivos sócios, designadamente o próprio requerido, no qual se previu a cláusula penal em que se estribou tal condenação, bem como que todos os litígios que, no seu âmbito, se suscitassem seriam resolvidos definitivamente mediante arbitragem, a qual seria executada por um árbitro, em Barcelona e de acordo com a lei espanhola. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O requerido opôs-se ao pretendido reconhecimento, em suma, com os seguintes fundamentos:</font><br>
</p><p><font>1º - Nenhuma das requerentes se vinculou à convenção escrita em que se baseou a arbitragem que desencadearia a sentença a reconhecer;</font><br>
</p><p><font>2º - Considerando a lei espanhola, escolhida para regular a arbitragem, a convenção seria inválida porque a deferiu a um árbitro singular, quando essa lei exige que seja colegial a arbitragem de litígios entre membros de sociedades de advogados;</font><br>
</p><p><font>3º - A convenção arbitral é ineficaz porque, com o dito convénio, em qualquer das suas versões, se pretendeu obter um resultado material idêntico ao da fusão entre as duas sociedades e vincular os sócios da segunda requerente ao mesmo, como se este encerrasse os respectivos estatutos, sem que estes fossem apresentados a registo junto da Ordem dos Advogados de Portugal – contrariando normas de ordem pública e com vocação de aplicação imediata e necessária [arts. 4º do DL 513-Q/79 de 26/12 e 43º da LSA (DL 229/2004 de 10/12, que aprova o regime jurídico das sociedades de advogados)] – sendo que, aliás, tal organismo declarou a ineficácia do dito convénio, pelo que a cláusula arbitral nele contida é, também, ineficaz;</font><br>
</p><p><font>4º - A matéria em litígio era inarbitrável, por força do disposto no art. 204º do EOA (Lei 15/2005 de 26/1), vigente em 2009;</font><br>
</p><p><font>5º - O resultado da sentença arbitral em causa é contrário à ordem pública internacional do Estado português, pelos seguintes motivos: a) viola o princípio da segurança jurídica (art 2º da CRP), de que deve gozar o acto administrativo mediante o qual o Conselho Geral da Ordem de Advogados declarou a ineficácia do dito convénio; b) viola normas de concorrência (arts. 101º/1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia e 9º da Lei nº 19/2012, de 8/5, que aprovou a Lei da Concorrência); c) viola normas fundamentais, designadamente dos direitos de liberdade de escolha de profissão (art 47º da CRP) e da livre iniciativa económica (art. 61º da CRP); d) viola as normas dos artigos 811º/3 e 812º/1 do CC e o princípio da proporcionalidade (art. 18º da CRP). </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>As requerentes responderam, refutando tais fundamentos. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A </font><b><font>Relação</font></b><font> de Lisboa recusou o peticionado reconhecimento, por considerar que: </font><br>
</p><p><font>1º - a sentença arbitral respeita a um litígio não abrangido por convenção de arbitragem, dado inexistir convenção relativamente à segunda requerente;</font><br>
</p><p><font>2º - a convenção de arbitragem não colegial é inválida, em função da lei (espanhola) a que as partes a sujeitaram; </font><br>
</p><p><font>3º - a matéria em litígio é inarbitrável, em face do art. 204º da L 15/2005 de 26/1 (Estatuto da Ordem dos Advogados vigente em 2009); </font><br>
</p><p><font>4º - o resultado da sentença arbitral em causa nos autos – condenação do requerido na importância de € 4.516.536,78, decorrente da aplicação da lei civil espanhola – contraria o princípio integrante da ordem pública internacional do Estado português, consagrado no art. 812º do CC português.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>As requerentes interpuseram recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> desse acórdão da Relação, em que adversaram cada um dos motivos de recusa em que se estribou a decisão recorrida, tendo, quanto ao último deles (contrariedade à </font><u><font>ordem pública internacional do Estado português</font></u><font>), explanado as seguintes conclusões: </font>
</p><p><font>«63ª Uma vez que na delimitação deste fundamento de recusa o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> extravasa daquilo que comummente é aceite como sendo a ordem pública internacional, recorda-se que: </font>
</p><p><font>a) Apenas a ofensa da ordem pública internacional constitui fundamento de recusa de reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras. </font>
</p><p><font>b) O conjunto de princípios e regras que integram a ordem pública internacional tem um âmbito muito mais restrito do que a ordem pública nacional; </font>
</p><p><font>c) A ofensa da ordem pública internacional não se reconduz a todo o acervo de normas injuntivas do ordenamento jurídico e causa, </font>
</p><p><font>d) A ordem pública internacional é apta a veicular os princípios e normas fundamentais da ordem jurídica do foro que tenham aplicação a situações transnacionais e que sejam partilhados pela comunidade internacional. </font>
</p><p><font>e) A contrariedade à ordem pública internacional do Estado português é causa de recusa do reconhecimento de sentença arbitral estrangeira apenas quando o reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública do Estado português. É necessário que da aplicação da sentença resulte uma intolerável e flagrante ofensa os princípios fundamentais estruturantes da presença de Portugal no concerto das nações. </font>
</p><p><font>f) Este fundamento de recusa da não permite a revisão do mérito da causa. </font>
</p><p><font>64ª Ora, não se está perante uma sentença arbitral cujo reconhecimento ou execução conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado português. </font>
</p><p><font>65ª Em primeiro lugar, não existe em Portugal nenhum princípio de ordem pública nacional que imponha ao tribunal a redução de uma pena convencional manifestamente excessiva, quer tal redução lhe seja pedida pelo devedor quer o não seja. O único princípio de ordem pública é o de que as partes não podem retirar ao tribunal, por convenção, o poder de o fazer. É isto que é reconhecido quer pela doutrina quer pela jurisprudência nacionais. </font>
</p><p><font>66ª Mas é, pelo menos, duvidoso que um tal princípio de limitação da autonomia da vontade privada se integre naquilo a que o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 09.10.2003 apelidou de “</font><i><font>princípios fundamentais estruturantes da presença de Portugal no concerto das nações</font></i><font>” e possa ser, desse modo, integrado no conceito geralmente aceite de ordem pública internacional. De qualquer modo, essa averiguação extravasa claramente do contexto deste processo, onde uma tal limitação convencional se não verificou. </font>
</p><p><font>67ª Mesmo que existisse, em Portugal, um qualquer princípio de ordem pública internacional que impusesse aos tribunais a redução das penas convencionais excessivas, o que não ocorre, nem mesmo assim se verificaria </font><i><font>in casu</font></i><font> qualquer infração desse princípio nos termos apontados pelo Acórdão. </font>
</p><p><font>68ª Desde logo, porque o Oponente não solicitou tal redução ao tribunal arbitral, pelo que nenhum tribunal português, à luz do direito nacional, poderia, sequer, ter reduzido a cláusula estabelecida no Convénio. </font>
</p><p><font>69ª A interpretação do Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, se fosse aceite na sua substância pela jurisprudência portuguesa, resultaria na atribuição de uma </font><i><font>capitis deminutio</font></i><font> às decisões arbitrais proferidas em Espanha, recusando-lhes liminarmente o reconhecimento sempre que envolvessem condenações com base em cláusulas penais porque, sendo ou não excessivos os valores arbitrados, tendo ou não tendo sido pedida a redução pelo devedor, sempre existiria, em pano de fundo, uma norma de direito de espanhol que impediria a redução caso a pena fosse manifestamente excessiva. </font>
</p><p><font>70ª Acresce que o processo não contém elementos para se avaliar da alegada excessividade da cláusula penal pactuada, como sejam a superioridade em relação ao dano efetivo e outros que se revelem adequados, de índole objetiva e subjetiva. </font>
</p><p><font>71ª O Acórdão desconsiderou que, como reconhecido na Sentença arbitral, os interesses das Recorrentes subjacentes à cláusula penal compulsória foram prejudicados de forma vultuosa, pelo “</font><i><font>desvio</font></i><font>”, da sua organização económica comum, de um acervo patrimonial imaterial (clientela, advogados, pessoal administrativo), assim como desconsiderou a consciência do Recorrido na violação das suas obrigações, a gravidade dessa violação e, bem assim, o valor do correspondente benefício obtido pelo Recorrido com a violação da sua obrigação e que tem o seu reflexo na valorização do mesmo “</font><i><font>estabelecimento</font></i><font>” com que entrou no capital da sociedade de advogados que hoje é sócio. </font>
</p><p><font>72ª Também não se entende como é que a qualidade de uma pessoa, singular ou coletiva, possa ter qualquer influência no juízo de excessividade de uma penalidade que lhe seja aplicável. Uma pessoa singular multimilionária está em muito melhores condições de pagar uma qualquer quantia do que uma pequena sociedade que explora um pequeno quiosque de venda de jornais. </font>
</p><p><font>73ª A douta decisão recorrida omite, porque é certamente superior que à remuneração bruta do Recorrido que refere, qualquer referência ao montante que o Recorrido auferiu em virtude da transferência, que patrocinou, de clientes e da equipe – advogados e funcionários administrativos – para a sociedade de advogados de que se tomou sócio. </font>
</p><p><font>74ª De resto, as cláusulas penais dos artigos 18º e 19º do Texto Articulado foram desenhadas de modo a refletir o valor de um goodwill perdido em caso da sua violação, calculado do modo como os sócios, incluindo o Recorrido, entendiam que tal deveria ser feito. </font>
</p><p><font>75ª O valor a que chegou o Tribunal Arbitral respeitou escrupulosamente os métodos escolhidos, averiguando de forma criteriosa os valores em jogo, sujeitando-os a duas perícias, sobre as quais discreteou na Sentença, corrigindo aquilo que lhe não parecia adequado.</font>
</p><p><font>76ª Em parte alguma da Sentença </font><i><font>recognoscenda</font></i><font> considerou o Árbitro que a cláusula era excessiva e que não a poderia moderar por estar impedido pela lei espanhola. Pelo contrário, ao abordar a questão da possibilidade de “moderar” a penalidade quantificada, o árbitro declara que “</font><i><font>o incumprimento deve ser qualificado como total, sem que se possa falar de desproporção e muito menos de indeterminação</font></i><font> (...)”. </font>
</p><p><font>77ª As ora Recorrentes jamais consideraram excessiva a pena convencionada e também não sugeriram sequer que a mesma fosse reduzida pelo Árbitro. A questão que elas suscitaram foi exatamente a contrária, isto é, a de que a cláusula penal não poderia ser reduzida por não se verificar a circunstância prevista no artigo 1154º do Código Civil espanhol, o qual permite a redução da pena quando exista um cumprimento parcial ou irregular da obrigação principal. </font>
</p><p><font>78ª A questão, tal como foi colocada pelo Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, constitui, na verdade, mais uma manifestação da busca de pretextos para não rever a sentença arbitral e uma rejeição frontal do princípio do </font><i><font>favor arbitrandum</font></i><font>, em tudo contrária à Convenção de Nova Iorque, bem como da utilização do seu artigo V/2/b) da como pretexto para se imiscuir na decisão de mérito, interpretando-a a seu bel prazer e tentando corrigi-la em sede de revisão, o que manifestamente também não podia fazer. </font>
</p><p><font>79ª Ficou, assim, amplamente demonstrado que o resultado do reconhecimento ou o da execução da Sentença não contraria, muito menos manifestamente, a ordem pública internacional do Estado português.». </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O requerido apresentou contra-alegações, invocando, além do mais, o disposto no art. 671º nº 1 do CPC para defender a inadmissibilidade do recurso, e suscitou a </font><b><font>ampliação</font></b><font> do objeto do mesmo, nos termos do art. 636º nº 1 do CPC, a fim de ser aferida a incompatibilidade do resultado do reconhecimento da sentença arbitral com a ordem pública internacional do Estado português e da consequente recusa do reconhecimento da sentença arbitral, também, pelos seguintes fundamentos não acolhidos no acórdão recorrido:</font><br>
</p><p><font>- violação do princípio da segurança jurídica, na dimensão de respeito pela força de </font><u><font>caso decidido</font></u><font> de um acto administrativo;</font><br>
</p><p><font>- violação das normas fundamentais garantidoras da </font><u><font>liberdade profissional e liberdade de iniciativa económica</font></u><font>;</font><br>
</p><p><font>- violação de normas garantidoras da </font><u><font>livre concorrência</font></u><font>.</font><br>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>Cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Quanto à questão prévia da admissibilidade do recurso, dizemos, muito brevemente, que o recorrido não tem razão porque a Relação se pronunciou, em 1ª instância, sobre o pedido de reconhecimento de sentença arbitral estrangeira, ao abrigo do art. 59º nº 1 h) da LAV (Lei 63/2011). Por isso, a invocada regra geral do art. 671º nº 1 do CPC – que abarca a normalidade das situações em que a Relação se pronuncia, em apelação, sobre a sentença de 1ª instância – é arredada, no caso concreto, pelo comando especial previsto no nº 8 daquele artigo, conjugado com o do art. 629º nº 1 do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Foi pedido o reconhecimento da decisão proferida em 30 de Agosto de 2012, ao abrigo da legislação espanhola, por um tribunal arbitral composto por um único árbitro, no âmbito da arbitragem executada em Espanha (Barcelona) </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, mediante a qual foi decidido declarar que o ora requerido, incumpriu as obrigações contidas nas cláusulas 18 e 19 dos estatutos sociais da primeira requerente e no «</font><i><font>Convénio de integração profissional e regulamentação das relações sociais na Sociedade AA</font></i><font>» e condenar o mesmo a pagar solidariamente a ambas as requerentes a quantia de € 4.516.536,78.</font>
</p><p><font>Tal como se extrai da matéria considerada relevante para a decisão e fixada pela Relação e que a este Tribunal se impõe, o enquadramento fáctico em que essa decisão arbitral emergiu é o seguinte, em síntese: </font>
</p><p><font>A primeira requerente é uma sociedade de advogados espanhola, registada no Colégio de Abogados de Barcelona e com sede nessa mesma cidade, e a segunda requerente é uma sociedade de advogados portuguesa, registada na Ordem dos Advogados, com sede em Lisboa, cujos estatutos contemplam a possibilidade de os sócios estipularem, por acordo escrito, a determinação da quantia devida ao sócio excluído ou exonerado, bem como os respectivos termos e condições. </font>
</p><p><font>Por sua vez, o requerido é um advogado português, inscrito na Ordem dos Advogados, que, apesar de ter sido também sócio nominal da primeira requerente entre 2004 e 2011, nunca exerceu essa sua actividade profissional em Espanha, apenas o tendo feito no âmbito da estrutura organizativa da segunda requerente (sociedade portuguesa), de que foi sócio entre 1998 e 2011, tendo dirigido o respectivo departamento bancário e de seguros, integrado por diversos colaboradores, todos portugueses.</font>
</p><p><font>As normas que a sentença arbitral declarou terem sido incumpridas pelo requerido foram estabelecidas na assembleia geral da primeira requerente (sociedade espanhola) ocorrida em 26 e 27 de Março de 2009, que teve por objectivo aprovar a alteração aos respectivos estatutos, para os quais aquelas normas foram transpostas.</font>
</p><p><font>O mencionado convénio «</font><i><font>não é constitutivo de uma sociedade</font></i><font>», mas destinou-se a «</font><i><font>fazer a efectiva integração profissional dos sócios de ambas as sociedades e estabelecer o regime e condições que regularão as futuras relações dos sócios da Firma integrada</font></i><font>», pretendendo-se «</font><i><font>estabelecer as normas de carácter estatutário que regularão a vida das Sociedades Associadas e as relações entre os Sócios da sociedade, independentemente das normas específicas nos estatutos de cada Sociedade Associada</font></i><font>», de modo a que ambas as sociedades funcionassem, «</font><i><font>doravante, como se de uma sociedade se tratasse</font></i><font>».</font>
</p><p><font>O dito convénio continha, ainda, um pacto de não concorrência consubstanciado em várias obrigações e regras sobre o exercício pelos sócios da profissão («</font><i><font>prestação acessória de exercício profissional</font></i><font>»), incluindo a de não contratar colaboradores (cláusula 18) e a de proteger a actividade da “sociedade” (a entidade virtual aí figurada), (cláusula 19), bem como sobre as consequências do respectivo incumprimento: a obrigação de indemnizar os danos causados e, «</font><i><font>adicionalmente, a título de cláusula penal</font></i><font>»</font><i><font>, </font></i><font>«</font><i><font>uma importância igual ao triplo de todas as retribuições satisfeitas por esta aos colaboradores implicados dentro dos vinte e quatro meses anteriores à saída do sócio</font></i><font>» (cláusula 18.2) e «</font><i><font>uma importância igual ao triplo do montante facturado pela Sociedade aos clientes a que se refira o incumprimento dentro dos vinte e quatro meses anteriores à data da saída do sócio</font></i><font>» (cláusula 19.3).</font>
</p><p><font>Com a alteração estatutária aprovada na dita assembleia geral da primeira requerente (sociedade espanhola), ficou estabelecido que a lei espanhola constituiria o regime jurídico de resolução de litígios, que estes seriam decididos por arbitragem, com renúncia à jurisdição competente, a realizar por árbitro único aí designado (o Presidente do Conselho Geral da Advocacia Espanhola), e realizada no domicílio daquela (Barcelona), (cláusula 56).</font>
</p><p><font>Em 2011 o requerido comunicou a sua saída e consequente exoneração da qualidade de sócio da segunda requerente, integrando-se, de seguida, noutra sociedade de advogados.</font>
</p><p><font>Em 28 de Fevereiro de 2012, as duas requerentes impulsionaram a abertura do processo arbitral tendente à resolução de litígios relacionados com a saída do requerido da segunda requerente, peticionando que o Tribunal viesse a declarar que o requerido havia incumprido o disposto nas citadas cláusulas 18º e 19º do convénio na versão alterada em 2009 e que, consequentemente, o condenasse a pagar-lhes, solidariamente, o montante de € 4.901.352,60.</font>
</p><p><font>Após notificação do Tribunal Arbitral para o efeito, o requerido, através de carta de 19 de Março de 2012, disse, reiterando cartas anteriores de 9/3/2012 e 15/3/2012, não aceitar a designação do árbitro e a competência de “qualquer tribunal arbitral” constituído ao abrigo do acordo invocado por ambas as requerentes para resolver as questões referidas no pedido de arbitragem. O que, em 3 de Abril de 2012, o Tribunal arbitral decidiu negar e convocar as partes para comparecerem à ordenação do processo.</font>
</p><p><font>Em 31 de Julho de 2012, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados de Portugal deliberou, além do mais, que o dito convénio de 2003, na versão revista em 2009, consubstanciando, pelo menos, uma alteração ao contrato de sociedade da segunda requerente, é ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos na Ordem Jurídica Portuguesa e perante a Ordem dos Advogados Portugueses, por não ter sido apresentado a registo, o qual só seria efectuado se o Conselho Geral da Ordem dos Advogados viesse a considerar que não violava, manifestamente, as normas deontológicas constantes do E.O.A., bem como as regras previstas no Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro. </font>
</p><p><font>No ano de 2010 – último que foi decorrido integralmente com ligação à segunda requerente – a remuneração anual do requerido foi equivalente a cerca de € 180.000 líquidos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Numa primeira abordagem ao problema que nos é colocado, constatamos, desde logo, que o litígio submetido à arbitragem localizada em Espanha foi despoletado na sequência da desvinculação por parte de um advogado da sociedade constituída por ele próprio e por outros seus pares no exercício da advocacia e cuja organização empresarial, dada essa sua natureza, estava vocacionada a prestar a muito singular actividade económica consistente na prestação, mediante remuneração, de serviços de assistência jurídica consistentes na representação e na defesa em juízo e noutros serviços jurídicos, como a preparação e a elaboração de pareceres, contratos ou outros actos.</font>
</p><p><font>Ora, a dignidade do exercício da advocacia, compartilhada por todos os países que nos são culturalmente próximos, não é compatível com o tratamento dispensado a uma qualquer actividade meramente mercantil, pois trata-se de «</font><i><font>uma actividade que, pela sua própria natureza, pelas regras a que está sujeita e pelo seu objecto, é estranha à esfera das trocas económicas</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. E daí que essa dignidade seja reconhecida, entre nós, pelo menos quanto ao patrocínio forense, ao nível da própria Lei Fundamental (art. 208º), mas também seja assumida pela Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26/8), que expressa, para além da essencialidade do patrocínio forense na administração da justiça, o desígnio do legislador em que, no exercício da sua atividade, os advogados ajam «</font><i><font>com total independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão</font></i><font>» (art. 12º). Para tanto, a «</font><i><font>lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício dos atos próprios de forma isenta, independente e responsável, regulando-os como elemento indispensável à administração da justiça</font></i><font>» (art. 13º).</font>
</p><p><font>E como decorrência dessa muito relevante especificidade, o advogado, quer exerça a sua profissão isoladamente, quer o faça integrado em estruturas organizativas e na relação de colaboração com colegas ou terceiros, não pode ficar adstrito a obrigações susceptíveis de comprometerem a sua liberdade e a sua independência, bem como a relação de confiança entre o advogado e o seu cliente ou a defesa do interesse deste.</font>
</p><p><font>É também por tudo isso que não pode ser dispensado o controlo público do cumprimento dos vínculos a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão. Em Portugal, esse poder público encontra-se confiado pelo Estado a uma associação pública, a Ordem dos Advogados, organismo investido de autoridade pública ao qual incumbem as funções inerentes a tal poder, incluindo a de garantir, no interesse geral, a liberdade e independência do advogado na prestação da assistência jurídica, a par, naturalmente, da representação dos profissionais em questão.</font>
</p><p><font>Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «</font><i><font>cabe aos órgãos legislativos competentes de um Estado-Membro decidir, no quadro da soberania nacional, a forma como organizam o exercício das suas prerrogativas. O facto de se delegar num organismo democraticamente legitimado, como uma ordem profissional, o poder de adoptar regulamentações geralmente vinculantes inscreve-se nos limites desse princípio de autonomia institucional.</font></i><font> (…)</font><i><font> Relativamente aos advogados, importa recordar, a título preliminar, que, segundo uma jurisprudência constante, na falta de regras comunitárias específicas na matéria, cada Estado-Membro tem, em princípio, a liberdade de regulamentar o exercício da profissão de advogado no seu território</font></i><font>» (…) Os deveres deontológicos «</font><i><font>obrigam a que o advogado se encontre numa situação de independência relativamente aos poderes públicos, aos outros operadores e a terceiros, de quem não deve sofrer nunca qualquer influência. Deve oferecer, a esse respeito, a garantia de que todas as iniciativas que toma no processo o são no interesse exclusivo do cliente.</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font>
</p><p><font>E assim, tendo o Estado delegado na Ordem dos Advogados a sua função essencial de garantir aos cidadãos e aos demais sujeitos de direito um acesso adequado à justiça e ao direito, são razões imperiosas e de interesse geral que, relativamente ao exercício da profissão de advogado no território nacional, explicam o cometimento à referida pessoa coletiva de direito público </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font> a regulamentação de tal exercício e das respectivas condições, em conformidade com os preceitos do seu Estatuto (EOA) e, também, do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados (LSA) </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, de modo a satisfazer os objectivos ligados «</font><i><font>à necessidade de conceber regras de organização, de qualificação, de deontologia, de controlo e de responsabilidade, que dão a necessária garantia de integridade e experiência aos consumidores finais dos serviços jurídicos e à boa administração da justiça</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font>
</p><p><font>Servem estas considerações para partir para toda a análise subsequente com a ideia, bem salientada, da peculiar natureza da actividade subjacente ao litígio em apreço, que – sublinha-se de novo – «</font><i><font>pelas regras a que está sujeita e pelo seu objecto, é estranha à esfera das trocas económicas</font></i><font>». Por isso, deve ser recebido com as devidas acomodações o apelo a interpretações que apontem à facilitação do reconhecimento desta concreta decisão arbitral estrangeira, simplesmente, por estarmos «</font><i><font>no domínio dos direitos privados e no da proteção da fluidez do comércio internacional, em que seguramente os interesses ou valores essenciais ou fundamentais da ordem portuguesa dificilmente e de forma manifesta poderiam à partida estar em causa</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. </font>
</p><p><font>E é também por termos essa ideia bem vincada que não nos permitimos reputar de inócua a deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de Portugal de 31-07-2012 – que, além do mais, declarou que o dito convénio não produzia quaisquer efeitos jurídicos na Ordem Jurídica Portuguesa e perante a Ordem dos Advogados Portugueses –, sob pena de serem obnubiladas as razões imperiosas e de interesse geral que explicam o cometimento a esse organismo do poder público de regulamentação e de fiscalização do exercício da profissão de advogado e das respectivas condições, no território nacional.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Do que vem de se expor flui, necessariamente, uma segunda observação: o litígio submetido à arbitragem, apesar de localizada em Espanha, tem apenas a ver com o facto de um advogado português, inscrito na Ordem dos Advogados de Portugal, ter deixado de exercer a sua actividade profissional – que nunca praticou em Espanha –, no âmbito da estrutura organizativa da segunda requerente, uma sociedade de advogados portuguesa, em Portugal, e de, sequentemente, ter passado a integrar a estrutura de uma outra sociedade de advogados, também em Portugal.</font>
</p><p><font>Portanto, por um lado, o litígio foi submetido à arbitragem localizada num país a que não tinha qualquer ligação substancial, pois tinha a sua conexão total – não meramente intensa – apenas com o território nacional, onde é suscitado o reconhecimento da decisão arbitral e onde tudo ocorreu. Como consequência e por outro lado, ao ser submetido a uma arbitragem localizada num país sem conexão com o litígio, foi-o, também, com observância a regras, incluídas as de organização do exercício da profissão de advogado e das respectivas condições e de responsabilidade que, objectivamente – independentemente da real motivação dos contraentes –, foram subtraídas à regulamentação e à fiscalização da pessoa colectiva de direito público delas incumbida, não obstante as razões imperiosas e de interesse geral que, relativamente ao exercício da profissão de advogado no território nacional, explicam o seu cometimento à mesma.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Os termos do reconhecimento de uma sentença arbitral estrangeira, que constitui o objecto desta acção, são regulados, no nosso direito comum, pelo capítulo X da LAV, cujo art. 55º nº 1 </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, ressalva, expressamente o que é imperativamente preceituado sobre tal reconhecimento pela Convenção de Nova Iorque de 1958, de que tanto a Espanha como Portugal são partes </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font>
</p><p><font>A referida Convenção aplica-se ao reconhecimento (e à execução) «</font><i><font>das sentenças arbitrais proferidas no território de um Estado que não aquele em que são pedidos o reconhecimento</font></i><font>», nos termos do nº 1 do seu art. I, cujo nº 3 (parte final) faculta que qualquer Estado possa declarar, no momento da sua assinatura ou ratificação, que aplicará apenas a Convenção aos litígios resultantes de relações de direito, contratuais ou não contratuais, que forem consideradas comerciais pela respectiva lei nacional. Do que resulta que a Convenção não visa apenas litígios de natureza comercial, embora primacialmente vocacionada para os mesmos </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. </font>
</p><p><font>Ora, sendo clara a plena aplicabilidade ao caso dos autos da dita Convenção, anota-se que a mesma impõe que, no reconhecimento das sentenças arbitrais às quais a mesma se aplique, não sejam utilizadas quaisquer condições sensivelmente mais rigorosas do que aquelas que são aplicadas para o reconhecimento ou a execução das sentenças arbitrais nacionais (art. III). Neste ponto, pela sua pertinência, deve registar-se as indicações do “Guia do ICCA sobre a Interpretação da Convenção de Nova Iorque de 1958” </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>: «</font><i><font>O propósito da Convenção de Nova Iorque é promover o comércio internacional e a solução de disputas internacionais por meio da arbitragem. Visa a facilitar o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras e a execução de convenções de arbitragem. Consequentemente, os tribunais devem adotar um viés pró-execução ao interpretarem a Convenção.</font></i><font>».</font>
</p><p><font>O que não significa um reconhecimento incondicionado ou sem limites de tais sentenças, como resulta, para o que ora nos interessa, do seu art. V, cujo | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KTKBu4YBgYBz1XKvRBPx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font> I</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>1.</font><i><font>AA, S.A.</font></i><font> intentou contra </font><i><font>BB, S.A.</font></i><font> ação declarativa de condenação, pedindo a condenação desta ao pagamento de indemnização, no montante global de Esc. 6.708.792.022$00 (Esc. 635.583.000$00, a título de indemnização de clientela; Esc. 66.448.897$00, a título de juros vencidos desde a data em que o pagamento da indemnização de clientela foi solicitado até à data da instauração da presente ação; Esc. 5.845.763.498$00, a título de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes decorrentes dos factos ilícitos praticados pela </font><i><font>BB</font></i><font> no contexto do contrato de concessionário </font><i><font>Ford</font></i><font>, de 1 de Outubro de 1996), acrescido de juros vincendos até efetivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font>Contestou a R., por exceção e impugnação. Pediu, ainda, a condenação da A. como litigante de má-fé.</font>
</p><p><font>Proferida sentença, (i) a julgar a ação parcialmente procedente, condenando a R. ao pagamento de indemnização de clientela, no valor de €1.000.000,00, acrescida de juros de mora, desde 10 de agosto de 2000, absolvendo-a, no mais, do pedido e (ii) a absolver a A. como litigante de má-fé.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. A. e R. apelaram para a Relação.</font>
</p><p><font>O recurso da A. foi julgado improcedente.</font>
</p><p><font>O da R., parcialmente procedente, tendo o montante da indemnização de clientela, em que fora condenada, sido reduzido para €168.980.30, acrescido de juros de mora, desde a data indicada na sentença da 1ª instância, mas calculados nos termos do art. 102º, § 3.º do Código Comercial e diplomas complementares; foi dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida na ação e nos recursos, na parte excedente à calculada com base no valor da causa de € 1.000.000,00 (acórdão, a fls. 7242/7315).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Ambas as partes pedem revista.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3.1. A A., na sua alegação, conclui nos seguintes termos (fls. 7673/90):</font>
</p><p><i><font>«(…)</font></i>
</p><p><i><font>4) No que respeita ao enquadramento jurídico do Contrato de Concessionário Ford de 1996 (natureza jurídica e regime legal aplicável), estão dados como assentes (cf. decisão de 1.ª instância e Acórdão Recorrido) os seguintes pressupostos: (a) o Contrato de Concessionário Ford de 1 de outubro de 1996 é um contrato de concessão comercial; (b) ao Contrato de Concessionário Ford de 1 de outubro de 1996 são aplicáveis as regras do DL 178/86 mas também as regras gerais aplicáveis aos contratos e às relações de direito privado em geral; e (c) atendendo ao clausulado do mesmo Contrato de Concessionário Ford de 1 de outubro de 1996 aplica-se também o RCCG.</font></i>
</p><p><i><font>5) Assim, as questões jurídicas a analisar no presente recurso resumem-se às seguintes: (i) o montante de indemnização de clientela devido pela BB à AA; (ii) a ilicitude da denúncia do "Contrato de Concessionário Ford" de 1996; (iii) a atuação ilícita da BB no cumprimento do Contrato de Concessionário Ford, nomeadamente no que respeita à expetativa criada pelo FORD 2000; e (iv) os danos causados à AA pelos atos ilícitos da BB.</font></i>
</p><p><i><font>6) (i) </font></i><i><u><font>O montante de indemnização de clientela</font></u></i><i><font>: o Acórdão recorrido decidiu reduzir a indemnização de clientela ao montante de €168.890,30, redução com a qual a Autora/Recorrente não pode, naturalmente, conformar-se na medida em que é desconforme à factualidade provada e ao direito aplicável, sustentando a revogação da decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que condene a Ré/Recorrida a pagar-lhe a quantia de € 2.548.416,86 a título de indemnização de clientela.</font></i>
</p><p><i><font>7) Para sustentar tal conclusão, a Recorrente aborda as seguintes questões: (a) os rendimentos relevantes para o cálculo do limite de indemnização de clientela; (b) a contribuição da imagem e da visibilidade da marca para efeitos de angariação; e (c) o concreto montante de indemnização de clientela.</font></i>
</p><p><i><font>8) (a) No que respeita aos rendimentos relevantes para o cálculo, a limitação do limite máximo de indemnização de clientela que resulta do Acórdão recorrido (por ter decidido excluir as receitas obtidas por intermédio da atividade de assistência pós-venda, considerando-a insuscetível de beneficiar a Ré) não é conforme ao artigo 34.º do Regime da Agência, na medida em que o limite máximo de indemnização a ter em conta, segundo o referido artigo, é o da média anual das remunerações recebidas pelo agente, não se procedendo, na definição daquele limite máximo, a qualquer ponderação do benefício obtido pelo concedente.</font></i>
</p><p><i><font>9) Essa ponderação, a ser feita, deverá sê-lo apenas ao nível da definição do quantitativo da indemnização, dentro do limite máximo constituído pelo total de remunerações recebidas pelo agente.</font></i>
</p><p><i><font>10) Pelo que a Decisão recorrida, ao reduzir o limite máximo da indemnização de clientela violou o artigo 34.º do Regime da Agência, requerendo-se a revogação da decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que defina como limite máximo da indemnização de clientela o valor de € 2.548.416,86.</font></i>
</p><p><i><font>11) (b) No que respeita à contribuição da imagem e da visibilidade da marca para efeitos de angariação, resultou provado que o bom trabalho de promoção dos produtos Ford não só não foi feito pela especial valia da marca mas ocorreu, também, apesar da crescente perda de relevância e atratividade da mesma - cf., designadamente, os pontos 34, 78,93,97,104,113,178 e 179 da Matéria de Facto.</font></i>
</p><p><i><font>12) Destes factos, alegados e provados, resulta claro que as vendas da Ford vinham a decrescer generalizadamente e que os motivos para tais decréscimos parecem claros: (i) o produto era menos competitivo do que o dos restantes produtores, (ii) havia um design insatisfatório dos carros Ford e (iii) uma imagem cada vez mais degradada da marca, todas estas razões - aparentemente, colhendo a imagem global que decorre da factualidade - com origem na contenção de custos por parte da Ford.</font></i>
</p><p><i><font>13) A estes, já por si pesados óbices à atividade do negócio da Recorrente, juntava-se ainda a falta de aposta da Ford no desenvolvimento de veículos movidos a diesel -motorização que, diz-nos também a experiência comum, é imprescindível para atingir o sector comercial e das empresas - e a dificuldade de fornecimento de veículos na quantidade necessária à atividade dos concessionários, o que era particularmente severo porque ocorria primacialmente nos veículos com maior venda.</font></i>
</p><p><i><font>14) Todos estes factos sopesados, dificilmente pode ser sustentável à luz de qualquer regra da experiência que a venda de veículos Ford pela Recorrente se ficasse a dever numa razão de 80% à imagem e visibilidade da marca.</font></i>
</p><p><i><font>15) Atendendo ao critério da Decisão recorrida, a proporção a atribuir a uma marca como seja a Dacia, no segmento mais baixo do mercado, a Volkswagen, no segmento intermédio, a Bentley, no segmento de luxo, ou a Ferrari, no segmento desportivo, seria esmagadora, tendo os concessionários destas marcas, terminado o contrato de concessão, de compensar o concedente por terem tido a oportunidade de promover a venda de tais veículos, o que - naturalmente - não é aceitável.</font></i>
</p><p><i><font>16) Revertendo o pressuposto da Decisão recorrida para uma análise puramente económica da estrutura de distribuição, se o papel do concessionário é efetivamente tão residual na promoção e venda de veículos novos, então todas as marcas que se servem da figura do concessionário - e devem ser todas, atendendo à experiência comum - estão a manter uma decisão financeiramente irracional, na medida em que 80% da remuneração de que o concessionário beneficia durante a vigência do contrato de concessão não lhe seria devido porque apenas decorre da própria força da marca.</font></i>
</p><p><i><font>17) Na verdade, tendo em conta a alegadamente residual importância do papel do concessionário que decorre da Decisão recorrida, não é racional as marcas pagarem aos concessionários as comissões que lhes pagam, sendo efetiva e indiscutivelmente um mau negócio para as mesmas, que melhor fariam assumir o retalho direto, bastando, para tal, disponibilizarem um depósito de carros onde os clientes os pudessem ir comprar e recolher, sem recorrer a uma força de vendas que sempre seria inútil, atendendo a que o produto se vendia por si só.</font></i>
</p><p><i><font>18) A realidade contraria a tese vertida na Decisão recorrida, uma vez que a força de atração da marca é muito relativa quando o mercado é bastante competitivo - como é o caso do sector automóvel - e os produtos são muito semelhantes entre si - como se verifica no mercado automóvel.</font></i>
</p><p><i><font>19) Neste contexto, a relação de confiança do cliente final com os vendedores e com o concessionário é absolutamente determinante.</font></i>
</p><p><i><font>20) E se assim é no caso da venda de automóveis novos, a questão coloca-se em termos ainda mais claros no caso da venda de peças.</font></i>
</p><p><i><font>21) Com efeito, neste caso, a força de atratividade da marca é ainda mais relativa, uma vez que a existência de peças aplicáveis nas viaturas, que não são produzidas pela marca, constitui um efetivo fator concorrencial de relevo.</font></i>
</p><p><i><font>22) É perante a concorrência de oficinas não oficiais e de marcas de produtores alternativos de peças que o concessionário tem um papel especialmente relevante na angariação de clientes para peças novas e originais da marca, pela relação de confiança e proximidade estabelecida com os clientes, que não pode ser desconsiderado.</font></i>
</p><p><i><font>23) Não é também sustentável que a contribuição da Recorrente e da Recorrida sejam consideradas iguais, à razão de 10% para cada, como resulta da Decisão recorrida, uma vez que provou-se que a Recorrente realizou avultados investimentos na promoção das vendas das viaturas Ford - cf., designadamente, os pontos 41 a 51 da Matéria de Facto - e que, de modo algum, foram igualados pela Recorrida, tanto mais que os veículos demonstradores eram custeados pelos concessionários, que igualmente suportavam despesas com formação e com publicidade.</font></i>
</p><p><i><font>24) Não tem, pois, qualquer apoio na factualidade provada a conclusão segundo a qual a Recorrente e a Recorrida contribuíam em igual medida para a promoção e venda dos veículos Ford e respetivas peças.</font></i>
</p><p><i><font>25) Tendo em conta o exposto, deve ser revogada a Decisão recorrida e, em conformidade, ser substituída por outra que fixe a indemnização de clientela desconsiderando a limitação a apenas 10% do esforço de promoção e venda. Ao decidir de modo diverso a Decisão recorrida violou o artigo 33.º e 34.º do Regime da Agência.</font></i>
</p><p><i><font>26) (c) no que respeita ao concreto montante de indemnização de clientela, tem vindo a ser entendido que esta indemnização (instituto jurídico que tem vindo a ocupar um lugar central na dogmática dos contratos de distribuição), em bom rigor, não é uma indemnização, porquanto não depende da alegação e prova pelo agente dos danos por ele sofridos, antes se tratando, grosso modo, de uma compensação a favor do agente após a cessação do contrato, pelos benefícios que o principal continue a auferir com a clientela pelo primeiro angariada ou desenvolvida, benefício que durante a vigência do contrato era comum a ambos e após a sua cessação só aproveita ao principal.</font></i>
</p><p><i><font>27) Apesar de prevista no âmbito do contrato de agência, a sua aplicabilidade aos demais contratos de distribuição tem vindo a ser amplamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência.</font></i>
</p><p><i><font>28) A indemnização de clientela que foi fixada à Recorrente, para que a questão seja colocada na devida perspetiva, confere - findos 41 anos de promoção da marca e depois de avultados investimentos ao longo de toda a concessão e, também, nos últimos anos, incentivados pela Recorrida - à Recorrente o equivalente ao preço de catorze modelos Ford Fiesta, o modelo mais popular da marca, mas também o mais utilitário e barato (a preços de 2000), isto quando, só nos últimos dez anos do contrato, a Recorrente promoveu a venda de mais de doze (12) mil veículos Ford e, ao longo de toda a concessão, várias dezenas de milhares de viaturas, salientando-se ainda que no período de 1995 a 1999 a AA vendeu carros, peças e serviço autorizado Ford no valor de cerca de € 68.000.000 (sessenta e oito milhões de euros).</font></i>
</p><p><i><font>29) É certo que o valor de € 168.980,30 foi alcançado tendo em conta os pressupostos que já foram abordados e refutados supra, isto é, a percentagem da contribuição da marca nas vendas - e da divulgação do produto pela Recorrida - e a diminuição do valor máximo atribuível a título de indemnização de clientela; no entanto, sendo julgada procedente a tese da Recorrente, o valor de indemnização terá que ser naturalmente superior ao que resulta da Decisão recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>30) Nesse pressuposto, os motivos pelos quais à Recorrente deverá ser atribuída uma indemnização de clientela equivalente ao montante máximo referido supra, i.e., o já referido valor de € 2.548.416,86 resultam, desde logo, da factualidade vertida nos pontos 41 a 51,59,63,74, 77,137 a 139,190 a 206 e 218 a 232 da Matéria de Facto</font></i>
</p><p><i><font>31) Assim, dos factos provados resulta que:a) Aduração da relação contratual entre as partes foi superior a 40 anos;b)A Recorrente afetava à atividade um elevado conjunto de ativos;c) A Recorrente realizou avultados investimentos durante a concessão e a pedido da Recorrida;d)Tais investimentos ocorreram, em montantes significativos, nos últimos anos da concessão;e) Esses mesmos investimentos foram efetuados após a Recorrida ter persuadido a Recorrente a fazê-los, depois lhe apresentar um plano de revitalização da marca - o referido Ford 2000;f)A denúncia do contrato não permitiu a amortização do investimento que fora imposto pela - mas também no interesse direto da - Recorrida;g)A Recorrente dedicava-se, em exclusivo, ao negócio com a Recorrida;h) A Recorrente angariou uma quantidade muito significativa de clientes;i)A Recorrida foi a beneficiária última de toda essa clientela, angariada durante mais de 40 anos.</font></i>
</p><p><i><font>32) Pelo exposto, e sob pena de violação e de incorreta aplicação dos artigos 33.º e 34.º do Regime da Agência, deverá a Recorrida ser condenada, em sede de recurso, no pagamento do montante de € 2.548.416,86, a título de indemnização de clientela, quantia a que deverão acrescer, naturalmente e nos termos dos artigos 805.º e 806.º do Código Civil, os juros vencidos desde a data em que o pagamento da indemnização de clientela foi solicitado pela Recorrente à Recorrida (28.07.2000) até efetivo e integral pagamento, juros esses que deverão ser calculados à taxa comercial em vigor, conforme decidido - e bem - pelo Tribunal a quo, decisão que nessa parte, deverá ser mantida.</font></i>
</p><p><i><font>33) O Acórdão Recorrido deverá ainda ser revogado e substituído por outro que reconheça a ilicitude da denúncia do "Contrato de Concessionário Ford" de 1996 e os danos emergentes e lucros cessantes daí resultantes e que reconheça a atuação ilícita da BB no que respeita à execução do "Contrato de Concessionário Ford" de 1996.</font></i>
</p><p><i><font>34) (ii) </font></i><i><u><font>a ilicitude da denúncia do "Contrato de Concessionário Ford" de 1996</font></u></i><i><font>: ao não considerar como ilícita a denúncia do "Contrato de Concessionário Ford" de 1996 com apenas 1 ano de pré-aviso, o Tribunal a quo aplicou incorretamente o disposto nos artigos 15.º, 16.º e 19.º alínea f) do RCCG conjugados com os artigos 28.º n.º 3 e 29.º do Regime da Agência, bem como o Regulamento (CE) n.º 1475/95 da Comissão, de 28 de junho de 2005.</font></i>
</p><p><i><font>35) Com efeito, a respetiva cláusula 21.2 do "Contrato de Concessionário Ford" de 1996 deve ser considerada como manifestamente ilícita, atendendo ao disposto na alínea f) do artigo 19.º do RCCG e atendendo a que é patente o desequilíbrio da cláusula 21 que apenas permite à parte forte - o concedente de quem o concessionário, neste caso, depende absolutamente - beneficiar de um prazo de aviso prévio de 1 ano para terminar o contrato, tendo a parte fraca de conceder 2 anos de aviso prévio ao concedente;</font></i>
</p><p><i><font>36) Ou se considera que a cláusula 21.2 é nula por violação do disposto nos artigos 15.º e 16.º do RCCG por ser abusiva, desequilibrada e contrária à boa fé nos termos do artigo 19.º alínea f) do RCCG e, em consequência, se declara que o prazo de denúncia tem de ser igual para ambas as partes ou se impõe a quem invoca o prazo mais curto - neste caso, a BB- que demonstre o fundamento invocado para o efeito foi real.</font></i>
</p><p><i><font>37) No presente caso, o fundamento invocado para a denúncia do contrato foi a reorganização da rede de concessionários e, sobre essa matéria, apenas ficou provada a redução do número de concessionários através da concentração de estabelecimentos em determinados concessionários com alterações na dimensão da área das concessões (cf. ponto 120 da Matéria de Facto).</font></i>
</p><p><i><font>38) Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o n.º 3 do artigo 28.º do Regime da Agência, nos termos do qual o prazo de denúncia a observar pelo concedente não pode ser inferior ao do concessionário, deve considerar-se aplicável por analogia uma vez que a posição do concessionário merece uma especial tutela, ao abrigo de uma norma que se enquadra num meio de proteção do agente, atendendo ao facto de a relação jurídica estabelecida entre a AA e a BB pressupor a realização de avultados investimentos a diferentes níveis e estar naturalmente pautada por um desequilíbrio das prestações entre as partes, num negócio qualificado como "de capital intensivo" (expressão repetidamente proferida por várias testemunhas), facto considerado, também, assente pelo Tribunal a quo.</font></i>
</p><p><i><font>39) A posição da AA, decorrente dos investimentos que teve de realizar ao abrigo do contrato de concessão, justifica a aplicação analógica do artigo 28.º n.º 3 do Regime da Agência, aplicação analógica essa que aqui constitui um imperativo da boa-fé (cf. artigos 334.º (a contrario) e 762.º n.º 2 do Código Civil).</font></i>
</p><p><i><font>40) Por fim, também não é aceitável o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo quanto à existência de jurisprudência anterior no sentido da validade da cláusula 21.2 do Contrato de Concessionário Ford de 1996, na medida em que o que resulta dos acórdãos invocados na decisão recorrida é que os Tribunais em causa julgaram a dita cláusula válida à luz da alegação, por parte da BB, de que a mesma resultaria de uma imposição da legislação europeia, i.e. do n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 1475/95 da Comissão, de 28 de junho de 2005, relativo à aplicação do n.º 3 do artigo 85.º do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, sem que os sobreditos Tribunais se tenham debruçado sobre a aplicabilidade do Regulamento em causa.</font></i>
</p><p><i><font>41) Ao invés, a jurisprudência nacional dos Tribunais Superiores é unânime quanto à não aplicação das normas deste regulamento aos contratos de concessão como o "Contrato de Concessionário Ford" de 1996 (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de junho de 2013, de 24 de janeiro de 2012, de 5 de março de 2009 e 21 de abril de 2005, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de fevereiro de 2011 e 2 de fevereiro de 2006 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de setembro de 2012, todos disponíveis em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>).</font></i>
</p><p><i><font>42) O contrato sub judice projetava como território de atuação efetiva e exclusiva do concessionário uma área do território circunscrita a uma porção da cidade de Lisboa e não - como se prevê no Regulamento em causa - além fronteiras, não estando, assim, em causa, um negócio entre entidades de dois ou mais Estados-Membros ou, bem assim, a prática de atos ou negócios jurídicos com elementos de conexão objetiva de carácter transfronteiriço, porquanto os sujeitos contratuais em causa são duas sociedades de direito português</font></i>
</p><p><i><font>43) Falece, assim, o recorrido e repisado argumento da BB acerca da importância deste Regulamento como fonte habilitante da denúncia operada a 22 de junho de 1999, com efeitos a 21 de junho de 2000, concluindo-se pela nulidade da cláusula 21.2 do "Contrato de Concessionário Ford" que conferia à BB a possibilidade de denunciar o contrato com apenas um ano de aviso prévio, nos termos conjugados da alínea f) do artigo 19.º RCCG e do n.º 3 do artigo 28.º do Regime da Agência</font></i>
</p><p><i><font>44) Ainda que assim não se entenda - o que só por mera cautela de patrocínio de admite, sem todavia conceder - a considerar-se aplicável, abstratamente, a isenção prevista no Regulamento (CE) n.º 1475/95 ainda assim não se aplica a cláusula 21.2 do "Contrato de Concessionário Ford" ao presente caso porquanto não resultaram provados factos que permitam a conclusão de que a BB, sob a égide do projeto denominado CMA, procedeu a uma efetiva reorganização da sua rede de concessionários, "totalmente ou em parte substancia!" ou, de resto, factos que comprovassem as efetivas motivações subjacentes a essa alegada "reorganização".</font></i>
</p><p><i><font>45) Com efeito, comparando os pontos 105 a 110, 115 a 121 da Matéria de facto (dos quais apenas decorre a existência de um projeto ("CMA") cuja implementação era intenção da Recorrida, não tendo, porém, resultado provada a efetiva implementação) com as orientações constantes do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 7 de setembro de 2006 (Processo C-125/05, disponível em </font></i><i><font>www.curia.eu</font></i><i><font>), em que se encontrava em discussão o aludido conceito de "reorganização substancial da rede de concessionários", verifica-se (a) que não resultou demonstrada a existência de qualquer modificação significativa no plano material e geográfico, da rede de distribuição da BB, mas antes uma mera "arrumação jurídica" dos contratos de concessão e (b) que não transparecem dos autos quaisquer motivos de eficácia económica baseados em circunstâncias objetivas internas ou externas da BB que justificassem a "reorganização da rede", tendo esta assim decidido arbitrariamente.</font></i>
</p><p><i><font>46) Termos em que deverá ser declarada ilícita a denúncia do "Contrato de Concessionário Ford" operada (arbitrariamente) pela BB, nos termos conjugados da alínea f) do artigo 19.º do RCCG e do n.º 3 do artigo 28.º do Regime da Agência, recaindo sobre a BB a responsabilidade legal de indemnizar a AA pelos danos causados, aplicando-se, em consequência, o disposto no artigo 29.º do Regime da Agência.</font></i>
</p><p><i><font>47) (iii) </font></i><i><u><font>a atuacão ilícita da BB no cumprimento do Contrato de Concessionário Ford, nomeadamente no que respeita à expetativa criada pelo FORD 2000</font></u></i><i><font>: ao não considerar como ilícita a atuação da BB no que respeita à execução do "Contrato de Concessionário Ford" de 1996, a decisão recorrida violou os princípios da boa-fé, da lealdade e da tutela da confiança e aplicou incorretamente o disposto nos artigos 334.º,562.º a 566.º, 569.º e 762.º do Código Civil, devendo, em consequência, a Sentença Recorrida ser revogada nessa parte e a BB ser responsabilizada por violação dos princípios da boa-fé contratual e, bem assim, pós-contratual, decorrente da frustração das legítimas expetativas da AA.</font></i>
</p><p><i><font>48) A matéria provada nos pontos 12, 13, 14,15, 18, 20, 21, 22, 23, 32, 34, 78, 93, 94, 97, 101, 104,108, 109, 113, 127, 159, 162, 163, 178 e 179, 196 da Matéria de Facto (nos termos melhor descritos no parágrafo n.º 229 supra, para onde se remete) é mais do que suficiente para demonstrar que a BB criou expectativas legítimas na AA e que atuou com culpa grave, sendo certo que estes factos mostram um caso exemplar de atuação geradora de responsabilidade civil por comportamentos ilícitos, com culpa grave ou mesmo dolosa.</font></i>
</p><p><i><font>49) Não obstante ter solicitado e pressionado a AA para realizar investimentos avultados (quer antes quer depois do anúncio do FORD 2000), a BB denunciou o "Contrato de Concessionário Ford" apenas dois anos e meio após a respetiva assinatura.</font></i>
</p><p><i><font>50) Nessa medida, a BB defraudou dolosamente as legítimas expectativas da AA quanto à prossecução do FORD 2000, e das diretrizes que deste projeto se advinham.</font></i>
</p><p><i><font>51) Este dolo é evidente se considerarmos que: (a) ficou provado que o FORD 2000 foi formalmente anunciado em março de 1994; (b) ficou provado que o contrato de concessionário de 1996 tem referências coincidentes com o FORD 2000; (c) foi a BB que, através dos seus delegados e de instruções específicas, concretas e imperativas ordenou à AA que realizasse os investimentos sob pena de lhe retirar a concessão; (d) ficou provado que a AA fez os investimentos, tanto mais que a BB celebrou o contrato de 1996; (e) a BB é uma empresa experiente que sabe bem que os investimentos que exigia eram em instalações, pessoal, equipamento e estrutura que apenas aproveitavam a uma concessão FORD não sendo aproveitáveis para qualquer outra atividade; (f) a BB é uma empresa experiente que sabe bem que os investimentos têm de ser amortizados e que para a respetiva amortização são necessários vários anos; e (g) a BB terminou o contrato 2 anos e meio depois de o celebrar, o que fez de forma ilegal, impossibilitando a reconversão do negócio conforme resulta mais do que evidenciado pelos episódios do Grupo LL e das CMAs (cf. a este respeito, Acórdão da Relação do Porto, de 7 de junho de 2004, disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>).</font></i>
</p><p><i><font>52) Acresce ainda que, conforme foi provado e dado por assente pelo Tribunal Recorrido, a BB não garantiu a existência de produtos competitivos tendo inclusivamente resultado provado que a venda dos veículos Ford diminuiu face a outras marcas concorrentes (cf. pontos 78,93,113,178 e 179 da Matéria de Facto)</font></i>
</p><p><i><font>53) Face a tudo o exposto, a BB deverá indemnizar a AA pela quebra de confiança e pela violação do princípio da boa-fé, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 334.º, 562.º, a 566.º, 569.º e 762.º, n.º 2 do Código Civil e nos artigos 15.º, 16.º e 19.ºalínea f) do RCCG.</font></i>
</p><p><i><font>54) (iv) </font></i><i><u><font>os danos causados à AA pelos atos ilícitos da BB</font></u></i><i><font>: em primeiro lugar, importa considerar como atuação ilícita a falta de 1 ano de aviso prévio na denúncia do contrato de concessionário em virtude de não ter sido conferido à AA o prazo de dois anos de aviso prévio, perda que se cifra em € 2.548.416,86 (dois milhões quinhentos e quarenta e oito mil quatrocentos e dezasseis euros e oitenta e seis cêntimos).</font></i>
</p><p><i><font>55) Tal valor foi calculado tendo por base o montante que a AA deixou de ganhar num ano (de 24 de junho de 2000 até 24 de junho de 2001), assentando tal cálculo na média anual da remuneração obtida pela AA nos cinco anos anteriores à denúncia do "Contrato de Concessionário Ford" (quanto à forma de cálculo, o método seguido foi idêntico àquele ao utilizado para apurar o montante devido a título de indemnização de clientela), nos termos e para os efeitos do artigo 29.º do Regime da Agência.</font></i>
</p><p><i><font>56) Além do mais, foram gerados danos e frustrados possíveis retornos decorrentes da atuação ilícita da BB ao longo do contrato, em especial no momento da sua cessação, quer pela falta do ano de aviso prévio quer pela atuação ilícita dolosa (ou, no mínimo, com culpa grave) em termos gerais.</font></i>
</p><p><i><font>57) Com efeito, a AA realizou investimentos na concessão, antes e ao abrigo do próprio Contrato de Concessionário FORD de 1996, porque assim o impôs a BB que ameaçou retirar-lhe a concessão caso não o fizesse.</font></i>
</p><p><i><font>58) Por outro lado, em virtude da denúncia (ilícita) do "Contrato de Concessionário Ford", a AA não reconverteu o negócio (cf. ponto 329 da Matéria de Facto), tendo, por isso, sido produzidos danos derivados da ilicitude da denúncia que se prendem com o facto de AA ter tido pouco tempo para proceder à reconversão do negócio e, bem assim, de ter de liquidar os seus ativos afetos à concessão FORD, sob pena de entrar em colapso financeiro e risco de insolvência.</font></i>
</p><p><i><font>59) Neste sentido, importa considerar que, ao abrigo do disposto no ponto 7.2. do artigo 7.º do Contrato de Concessionário Ford de 1996, a AA realizou remodelações e a obras de beneficiação e modernização nas suas instalações, tendo, para o efeito, despendido € 383.448,74 na Rua Carlos Mardel e na Avenida Almirante Reis (cf. resposta às questões 1. a 1.2., 2. a 2.4. e 6, páginas 5/45 e 6/45 do relatório pericial) a que acrescem € 5.387,01 na Travessa do Calado (cf. resposta às questões 4. a 4.2. e 6, páginas 6/45 e 7/45 do relatório pericial) que foram pedidos e que constituem danos que devem ser indemnizados.</font></i>
</p><p><i><font>60) Por outro lado, e também no que se refere aos investimentos em instalações como decorrência de imposições da BB - que exigia, no Contrato de Concessionário Ford de 1996 9000m2 para instalações - cumpre considerar o investimento da AA para obter a disponibilidade do espaço dos estabelecimentos da sociedade RETIC, sendo que, para integrar as instalações da RETIC na concessão nos termos referidos, a AA teve de despender € 498.797,89 (quatrocentos e noventa e oito mil setecentos e noventa e sete euros e oitenta e nove cêntimos) a adquirir 70% da RETIC a q | [0 0 0 ... 0 0 0] |
cDKAu4YBgYBz1XKvHxLx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>I</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>1. AA, BB e CC intentaram a presente ação contra </font><i><font>Banco DD, S.A.</font></i><font> (DD) e </font><i><font>EE, S.A.</font></i><font> (NB), pedindo que estes sejam solidariamente condenados a restituir-lhes a totalidade do capital investido nos títulos </font><i><font>Euroaforro 10</font></i><font> e </font><i><font>Poupança Plus 5</font></i><font>, no montante de 142.590 €, acrescida a restituição do pagamento de juros remuneratórios e moratórios vencidos, nos montantes, respetivamente, de 6.544,41 € e de 5.460,73 € e, bem ainda, de indemnização por danos não patrimoniais, no montante de 20.000 €, tudo perfazendo 176.494,44, sobre que deverão incidir juros vincendos, à taxa legal de 4%. </font>
</p><p><font>Contestaram os RR., ambos por exceção e por impugnação.</font>
</p><p><font>Vieram ainda os AA., com fundamento nos arts. 39º, 316º, nº 2 e 318º, nº 1, alínea b) do CPC, deduzir incidente de intervenção principal provocada do </font><i><font>Fundo de Resolução</font></i><font>, que lhes não foi admitido, tendo desse despacho interposto recurso para a Relação (reclamaram, com êxito, da não admissão do recurso).</font>
</p><p><font>Foi proferida decisão, em sede de saneador, absolvendo do pedido o NB, por falta de legitimidade substantiva e declarando extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao DD.</font>
</p><p><font>Dessa decisão igualmente apelaram os AA.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Proferido acórdão pela Relação, a julgar ambas as apelações improcedentes, confirmando o despacho que não admitira a intervenção provocada do </font><i><font>Fundo de Resolução</font></i><font>, bem como, com idênticos fundamentos, o saneador-sentença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Interpuseram os AA. </font><u><font>revista excecional</font></u><font>, a qual vem admitida por acórdão proferido pela formação prevista no nº 3 do art. 672º do CPC.</font>
</p><p><font>Revista admitida ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do citado artigo, referenciando-se no mesmo acórdão anteriores processos, também respeitantes à situação dos </font><i><font>«chamados lesados do DD»</font></i><font>, nos quais se decidira em igual sentido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Formulam os Recorrentes, a final da alegação, as seguintes a conclusões:</font>
</p><p><i><font>«I. O presente recurso de revista excepcional deverá ser admitido, desde logo, para apreciação de três questões (…).</font></i>
</p><p><i><font>II. Em primeiro lugar, cumpre decidir se a aferição da (i) legitimidade substantiva do Réu EE poderá ser efectuada em sede de saneador-sentença, mediante convocação do artigo 595.°, n.º1, alínea b) do CPC, ainda antes de produzida toda a prova necessária para o efeito, designadamente em sede de audiência de discussão e julgamento, sabendo-se, por um lado, que é facto público e notório que estão pendentes acções judiciais de natureza administrativa que visam a declaração de nulidade, com força obrigatória geral das Deliberações do Banco de Portugal de 03.08.2014 e de 29.12.2015 e, por outro, que caso se prove que os recorrentes subscreveram os produtos financeiros em causa convencidos (erroneamente) que se tratavam de depósitos a prazo, tal passivo do DD considerar-se-ia transmitido para o EE à luz da Medida de Resolução; </font></i>
</p><p><i><font>III. Em segundo lugar, cumpre aquilatar se, à luz do artigo 287.°, alínea c), do CPC, se poderá proceder à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide face ao 1.º Réu DD, investido na condição de devedor originário, mediante convocação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 1/2014, no sentido de se determinar se tal aresto é aplicável apenas quando figura, do lado passivo, um único Réu (como propugnam os recorrentes), ou se também é convocável quando estejamos perante uma pluralidade de Réus (como sucede no caso vertente); </font></i>
</p><p><i><font>IV. Em terceiro lugar, deverá entender-se que estamos perante uma questão nova ainda insuficientemente versada no tocante à delimitação da transferência de passivos do Banco Espírito Santo, S.A. para o EE S.A., em função da resolução bancária de 03.08.2014, figura recente no direito europeu e no direito interno, pouco tratada na doutrina e na jurisprudência, e tendo gerado frequentes os litígios dela decorrentes, tudo aconselhando uma prolação reiterada de decisões judiciais, em ordem a uma melhor aplicação da justiça. </font></i>
</p><p><i><font>V. (…).</font></i>
</p><p><i><font>VI. O presente recurso de revista tem por fundamento, quer a violação da lei de processo, quer a violação de lei substantiva, por erro de interpretação e aplicação, nos termos das alínea a) e b) do n.º 1, do artigo 674.° do CPC. </font></i>
</p><p><i><font>VII. Ao conhecer da excepção peremptória inominada relacionada com a (i) legitimidade substantiva do Réu EE, o Tribunal a quo procedeu a uma violação dos artigos 595.º, n.º1, alínea b), 272.º e 412.° do CPC, porquanto: i) é facto público e notório que, quer a Deliberação reportada à Resolução do Banco Espírito Santo, S.A., de 3 de Agosto de 2014, quer a Deliberação (interpretativa da deliberação anterior) do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, foram objecto de impugnação judicial por vários interessados junto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mediante invocação da respectiva nulidade e concomitante declaração de eficácia geral, que são causas prejudiciais à presente demanda, a impor a suspensão dos presentes autos até decisão transitada em julgado; ii) apenas após a produção de prova, designadamente em sede de audiência de discussão e julgamento, seria possível aferir em que circunstâncias foram adquiridos os produtos financeiros subscritos pelos Autores, aquilatar acerca da concreta existência de vícios de comercialização e determinar se os recorrentes adquiriram tais produtos na convicção de que se tratavam de depósitos a prazo; iii) em tal hipótese, isto é, provando-se que subscreveram tais produtos financeiros na errónea pressuposição (por culpa do DD) de que se tratava de um depósito a prazo, com capital certo, acrescido de uma concreta valorização futura, sempre haveria que considerar que tal passivo (do DD) teria sido transmitido para o Réu EE à luz da Medida de Resolução (à semelhança do que sucedeu com os demais depósitos à ordem e a prazo); </font></i>
</p><p><i><font>VIII. A jurisprudência do Acórdão do STJ n.º 1/2014 versa sobre as causas em que do lado passivo está apenas um único Réu, não valendo, por conseguinte, para os casos (como o presente) em que existem dois ou mais Réus, mormente naqueles em que, além do devedor principal (DD), existem outros co-Réus, na qualidade de devedores subsidiários (EE) e cuja responsabilidade depende da prova da responsabilidade do devedor originário, sendo, por isso, inaplicável a alínea e) do artigo 287.° do CPC relacionada com a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide; </font></i>
</p><p><i><font>IX. O Tribunal a quo deveria ter declarado a nulidade da Medida de Resolução do "DD", assim como das subsequentes Deliberações Interpretativas de 29.12.2015, atentos os vícios de inconstitucionalidade de que padecem, causadores da subsequente nulidade, sendo insusceptíveis de vigorar na ordem jurídica </font></i><font>qua tale</font><i><font>; </font></i>
</p><p><i><font>X. A exclusão da transmissão para o EE dos créditos que vem prevista no Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014 é directamente inconstitucional na interpretação de que aí se integram - ou seja, ficam excluídos da transmissão para o EE, S.A. - as obrigações do DD, S.A., de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), como sucede com os recorrentes, que desconheciam os riscos dos produtos de investimento e a quem foi assegurado o compromisso assumido de entrega do capital acrescido de determinada valorização concreta futura, por violação grave de garantias de tais consumidores, dimanadas do princípio da proporcionalidade e da protecção da confiança, padecendo, assim, de nulidade e sendo insusceptível de subsistir na ordem jurídica; </font></i>
</p><p><i><font>XI. Tal exclusão da transmissão não é, por conseguinte, indispensável ao fim que se pretende atingir, mas mesmo que, por hipótese, se considerasse que tal exclusão era necessária à prossecução do fim, ter-se-ia também forçosamente que concluir que a imposição de uma perda total aos consumidores em situações análogas às dos aqui recorrentes seria absolutamente desrazoável e desproporcional; </font></i>
</p><p><i><font>XII.A norma a coberto da qual foi produzida a deliberação reportada à Medida de Resolução do DD - pretérito artigo 145.º-H, n.º5, do RGICSF - é inconstitucional na interpretação de que podem ser objecto da transferência aí prevista as obrigações do DD, S.A., de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), como sucede com os recorrentes, que desconheciam os riscos dos produtos de investimento e a quem foi assegurado o compromisso assumido de entrega do capital acrescido de determinada valorização concreta futura, por violação grave de garantias de tais consumidores dimanadas do princípio da confiança; </font></i>
</p><p><i><font>XIII. Por assim ser, serão ilegais as deliberações do Banco de Portugal posteriores a 03.08.2014 que tomaram por base tal sentido da norma na parte em que afectam os referidos consumidores, cominando-se com a sanção de nulidade por violação das garantias de emergem do princípio da confiança; </font></i>
</p><p><i><font>XIV. Pela mesma ordem de razões, as próprias deliberações posteriores a 03.08.2014 são directamente inconstitucionais, na interpretação de que podem ser objecto das mesmas as obrigações do DD, S.A. de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais) que desconheciam os riscos dos produtos de investimento e a quem foi assegurado o compromisso assumido de entrega do capital acrescido de determinada valorização concreta futura, por violação do princípio da protecção da confiança, e a própria deliberação de "contingências" de 29.12.2015, por grosseira violação do princípio da separação de poderes, pois incide sobre matéria que cabia aos Tribunais dirimir, imiscuindo-se ilegalmente na reserva de jurisdição do Tribunal- artigo 202.° da CRP), sendo, por isso, nulas; </font></i>
</p><p><i><font>XV. Ainda que assim não fosse (ou seja, mesmo que se considere serem tais deliberações conformes ao texto constitucional), sempre haverá que considerar que os créditos de que os ora recorrentes se arrogam titulares se transmitiram para a esfera jurídica do "EE"»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Contra-alegaram os RR., defendendo a confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>II</font></div><br>
<font> 6. Consideradas as transcritas conclusões da alegação dos Recorrentes (CPC, arts. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2), são questões a decidir no presente recurso: (i) extinção da instância, por superveniente inutilidade da lide, relativamente ao 1º R, o DD, face ao disposto no art. 287º, alínea e) do CPC e presente o AUJ 1/2014; (ii) suspensão da instância, relativamente ao 2º R., o NB, atento o disposto na 1ª parte do nº 1 do art. 272º do CPC e (iii) conhecimento imediato do mérito da causa, relativamente ao 2º R., nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 595º do CPC.</font>
<p><font>Examinando as questões pela ordem indicada, relativamente a cada uma delas indo convocada a matéria processualmente pertinente:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.1. </font><u><font>Extinção da instância, por superveniente inutilidade da lide, relativamente ao 1º R, o DD</font></u><font> (conclusões III e VIII da alegação dos Recorrentes).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.1.1. Encontra-se pendente na 1ª Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa processo de liquidação do DD, requerido pelo Banco de Portugal, na sequência da revogação pelo BCE, em 13 de Julho de 2016, da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito [arts. 4º, nº 1, alínea a) e 14º, nº 5 do Regulamento (EU) 1024/2013 do Conselho, de 15/10; arts. 80º e ss. do Regulamento (EU) 468/2014 do Banco Central Europeu, de 16/4; arts. 5º e 8º do DL 199/2006, de 25/10, o segundo artigo na redação do DL 31-A/2012, de 10/2].</font>
</p><p><font>A decisão de revogação da autorização produz os efeitos da declaração de insolvência, regendo-se a liquidação judicial das instituições de crédito, em tudo o que não estiver especialmente previsto no DL 199/2006, pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (nºs. 1 e 2 do art. 8º, cit.).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.1.2. Não impugnada e firmada na ordem jurídica a decisão em causa de revogação da autorização, situação normativamente equiparada, nos apontados termos, ao do </font><i><font>trânsito em julgado da sentença que declara a insolvência</font></i><font>, </font><i><font>«fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287º do CPC»</font></i><font> (acórdão de uniformização de jurisprudência 1/2014, de 15 de Maio de 2013).</font>
</p><p><font>Os Recorrentes não discutem o acerto da solução estabelecida no referido acórdão uniformizador; apenas têm este como não aplicável ao caso, dado estar-se </font><i><font>perante uma pluralidade de Réus</font></i><font>, defendendo que o co-réu NB se apresenta </font><i><font>na qualidade de devedor subsidiário</font></i><font> (citadas conclusões).</font>
</p><p><font>A causa de pedir da ação, tal como explanado no corpo da alegação dos Recorrentes (nºs. 2.1.2.7 e ss.) assentará na </font><i><font>«responsabilidade originária do 1º Réu DD pela prática de facto ilícito gerador de responsabilidade civil, de que depende a invocada responsabilidade sucessiva do Réu EE, S. A., para quem foi transmitida e transferida aquela responsabilidade originária»</font></i><font>.</font>
</p><p><i><u><font>Responsabilidade solidária</font></u></i><font> (arts. 512º e 513º do CC), portanto – o pedido formulado na ação pelos próprios (os agora Recorrentes) visa expressamente a </font><i><font>condenação solidária</font></i><font> dos RR. </font>
</p><p><font>Podendo o credor demandar qualquer dos devedores pela prestação integral, significa que, no presente processo vem configurado, não um </font><i><font>litisconsórcio necessário</font></i><font>, mas um </font><i><u><font>litisconsórcio voluntário </font></u></i><font>(art. 32º do CPC).</font>
</p><p><font>Como litisconsortes voluntários, as partes demandadas mantêm uma posição de autonomia, podendo ser, relativamente a cada uma delas, como anotado na doutrina, </font><i><font>diversas as vicissitudes da instância</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Assim sendo, </font><i><font>«é perfeitamente operante a decisão de inutilidade superveniente da lide quanto ao Réu DD, em liquidação, com o consequente prosseguimento da acção em relação aos restantes Réus, sendo por isso irrelevante que qualquer decisão tomada na sede insolvencial daquele seja inoponível em relação ao EE, pois este só responderá se se verificarem os pressupostos de transmissão aduzidos e trazidos a juízo nesta acção (…)»</font></i><font> (ASTJ de 26.9.2017, disponível, bem como os adiante citados, em </font><a><u><font>http://www.dgsi.pt/jstj</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>6.1.3. Improcedendo, deste modo, a alegada </font><i><font>causa de exclusão</font></i><font> para aplicação do AUJ 1/2014 ao caso, confirma-se, a essa luz, a declaração da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao 1º R.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.2. </font><u><font>Suspensão da instância, relativamente ao 2º R., o NB – 1ª parte do nº 1 do art. 272º do CPC</font></u><font> (conclusão VII, 1ª parte, da alegação dos Recorrentes; veja-se, ainda, conclusão II).</font>
</p><p><font>Os Recorrentes, em vista do </font><i><font>poder-dever</font></i><font> estatuído na disposição normativa em causa, alegam (i) a existência de impugnações das deliberações do Banco de Portugal que conformaram a aplicação da medida de resolução ao DD, apresentadas </font><i><font>«por vários interessados junto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mediante invocação da respectiva nulidade e concomitante declaração de eficácia geral»</font></i><font> e (ii) o estabelecimento de um nexo de prejudicialidade entre aquelas outras ações e a presente; a existência de tais impugnações constituiria </font><i><font>«facto público e notório»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>O acórdão da Relação, ao decidir pela não verificação de fundamento para a suspensão da instância, considerou </font><i><font>«que nada nos autos mostra que os AA sejam partes em tais acções administrativas, quais as respectivas causas de pedir e pedidos. E logo isso impede que se possa falar de causa prejudicial enquanto aquela </font></i><font>“que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada”</font><i><font>(…) Não é notório que existam acções nos tribunais administrativos cujos pedidos envolvam o pressuposto da pretensão formulada nos presentes autos»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>As ações administrativas referenciadas pelos Recorrentes quadrar-se-ão, hipoteticamente, no processo de impugnação de normas, regulado nos arts. 72º e ss. do CPTA, impugnação que </font><i><font>«tem por objeto a declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de atos praticados no âmbito do respetivo procedimento de aprovação»</font></i><font> (nº 1 do art. 72º).</font>
</p><p><font>Ilegalidade – e inconstitucionalidade – dessas mesmas deliberações normativas do Banco de Portugal que os Recorrentes igualmente pedem nesta ação que sejam declaradas (conclusões IX, XII e XIV) e adiante consideradas.</font>
</p><p><font>Desconhecendo-se, como se observa no acórdão da Relação, quais as causas de pedir indicadas naquelas outras ações, nelas como nesta, discutir-se-á – e discutir-se-á a </font><i><font>título principal</font></i><font> – a mesma questão, relativa à invalidade das referidas deliberações do Banco de Portugal; não se verificará uma relação de prejudicialidade (no sentido de que a questão que estará a ser apreciada naquelas ações constituirá nesta, como </font><i><font>questão incidental</font></i><font>, um </font><i><font>pressuposto necessário</font></i><font>, cuja pronúncia é essencial para o conhecimento e decisão da causa – v. art. 92º do CPC), antes, ao menos parcialmente, de </font><i><font>identidade de objeto </font></i><font>ou de </font><i><font>consumpção</font></i><font>, a dirimir em sede de competência do tribunal (</font><i><font>infra</font></i><font>, 6.3).</font>
</p><p><font>Em suma: não se verifica, no caso, fundamento para a suspensão da instância, com fundamento na apontada disposição legal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.3. </font><u><font>Conhecimento imediato do mérito da causa, relativamente ao 2º R., nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 595º do CPC</font></u><font> (restantes conclusões da alegação dos Recorrentes).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.3.1. Importa, finalmente, apreciar se, diversamente do decidido pelas instâncias, os autos deveriam ter prosseguido em relação ao 2º R., o NB, para apurar da eventual responsabilidade deste, vistos os termos em que os AA,, ora Recorrentes, haviam configurado o seu pedido e causa de pedir, para tanto se examinando, com mais detalhe, como vem estruturada a petição inicial.</font>
</p><p><font>Alegam os AA. ter subscrito junto do 1º R. os valores mobiliários em causa (títulos </font><i><font>Euroaforro 10</font></i><font> e </font><i><font>Poupança Plus 5</font></i><font>), na convicção de estar a constituir depósitos a prazo, não lhes tendo sido transferido para a sua conta à ordem, após a data de vencimento, nem o capital, nem os respetivos juros.</font>
</p><p><font>Fundamentam o pedido, relativamente ao 1º R., arguindo, em primeira linha, a anulabilidade do negócio e alegando subsidiariamente, por três diferentes vias, a responsabilidade daquele pelo pagamento; </font><b><font>quanto ao 2º R., afirmando a transmissibilidade da obrigação</font></b><font>.</font>
</p><p><font>A arguição da anulabilidade assenta na alegada existência de dolo (</font><i><font>dolus malus</font></i><font>) do 1º R. e, subsidiariamente, em erro-vício sobre o objeto.</font>
</p><p><font>A responsabilidade do 1º R. vem sustentada por via (i) da </font><i><font>assunção da obrigação de pagamento</font></i><font>, em vista da constituição naquele de provisões determinadas pelo Banco de Portugal para assegurar o reembolso de dívidas junto de clientes a retalho, sendo requisito necessário da provisão o reconhecimento de uma </font><i><font>obrigação construtiva</font></i><font> (Regulamento do Parlamento Europeu e Conselho 1606/2002/EU), (ii) da responsabilidade, seja obrigacional, seja delitual, por violação de princípios e deveres de conduta, enquanto intermediário financeiro e (iii) subsidiariamente, pela </font><i><font>terceira via</font></i><font> de responsabilidade, a responsabilidade quase obrigacional (por </font><i><font>violação do princípio da confiança</font></i><font>), a título de </font><i><font>culpa in contrahendo</font></i><font>.</font>
</p><p><b><font>Relativamente à responsabilidade do 2º R.</font></b><font>, tem-se como primeiro objeto a questão (apresentada como </font><i><font>questão prévia</font></i><font>) da invalidade da medida de resolução aplicada pela deliberação do Banco de Portugal, de 3 de Agosto de 2014 e da inconstitucionalidade do art. 145º-H do RGICSF (redação, à data vigente), norma que àquela serviu de fundamento: quanto à primeira, invalidade por ação, por ter discriminado entre credores, </font><i><font>«propiciando que alguns deles assumam prejuízos maiores do que assumiriam caso o DD tivesse entrado em liquidação»</font></i><font> e, simultaneamente, por omissão, por falta de </font><i><font>«diferenciação entre os titulares de depósitos garantidos e os titulares de depósitos não garantidos»</font></i><font>; quanto à segunda, inconstitucionalidade por violação dos princípios da equidade e da igualdade, da certeza jurídica e da segurança do sistema financeiro (arts. 13º e 101º da Constituição).</font>
</p><p><font>No quadro da invocada anulabilidade do negócio, atento o desencadeado efeito retroativo (art. 289º do CC) e tratando-se de um crédito comum, verificar-se-ia a transmissão da obrigação para o 2º R., nos termos da medida de resolução, não constituindo </font><i><font>passivo excluído</font></i><font> pela alínea b) do Anexo 2.</font>
</p><p><font>A não proceder a anulabilidade do negócio, a responsabilidade do 1º R., atentos os fundamentos anteriormente alegados, transmitir-se-ia para o 2º R., nos termos da parte final do ponto vii da alínea b) do ponto 1 do mesmo Anexo 2, versão consolidada; prevendo essa alínea a transmissão de todas as responsabilidades pelo reembolso das obrigações não subordinadas emitidas pelo 1º R. e demais créditos comuns, a discriminarem-se os títulos de dívida emitidos por entidades do GES, incorrer-se-ia em violação dos princípios da igualdade e equidade, previstos na alínea b) do nº 1 do art. 145º-B do RGCSF; reporta-se a </font><i><font>«provisão já constituída»</font></i><font>, mencionada no ponto 3 da deliberação do Banco de Portugal, de 14 de Agosto de 2014, a </font><i><font>«títulos de dívida emitidos por entidades do GES e às obrigações de reembolso que o DD tinha assumido relativamente aos montantes aplicados por clientes de retalho não qualificados, nesses títulos»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>6.3.2. As conclusões da alegação, agora formuladas pelos Recorrentes, são consequentes com a narração constante da petição, acima sumariada.</font>
</p><p><font>A validar-se a tese dos AA., ora Recorrentes, importaria revogar a decisão da Relação e remeter-se o processo à 1ª instância, em vista a aí ser proferido despacho, para os efeitos previstos no art. 596º, nº 1 do CPC.</font>
</p><p><font>Na tese dos Recorrentes, quer se decrete a anulação do negócio, como pedem, em primeira linha, quer se afirme a responsabilidade do DD pelo pagamento, como subsidiariamente alegam, </font><b><font>sempre se verificaria a transmissão da obrigação para o NB, </font></b><b><i><font>nos termos das próprias deliberações do Banco de Portugal que conformaram a aplicação da medida de resolução</font></i></b><font> [conforme se precisa na petição, não constituindo </font><i><font>passivo excluído</font></i><font> pela alínea b) do Anexo 2, no primeiro caso; nos termos da parte final do ponto vii da alínea b) do ponto 1 do mesmo Anexo 2, versão consolidada, no segundo caso]: </font><u><font>conclusões II, 2ª parte, VII, 2ª e 3ª partes e XV</font></u><font>.</font>
</p><p><font>A ter-se por excluída a transmissão para o NB da obrigação de pagamento relativa aos títulos de dívida emitidos por entidades do GES subscritos por </font><i><font>consumidores particulares</font></i><font>, tais deliberações do Banco de Portugal, bem como o art. 145º-H do RGICSF (norma que serviu de fundamento à aplicação da medida de resolução, na redação à data vigente), mostrar-se-ão inconstitucionais, por violação dos princípios da proporcionalidade e da confiança, da equidade e da igualdade, da certeza jurídica e da segurança do sistema financeiro, da separação de poderes: </font><u><font>conclusões IX, X, XI, XII, XIII e XIV</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Cumpre decidir se deve validar-se a tese dos recorrentes e determinar-se o prosseguimento dos trâmites da ação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.3.3. Vem pelas instâncias desde já assente que:</font>
</p><p><i><font>«1) No decurso dos anos de 2012 os AA. adquiriram junto do "Banco DD, S.A." o produto financeiro denominado "Euroaforro 10". </font></i>
</p><p><i><font>2) No decurso do ano de 2013, os AA. adquiriram junto do "Banco DD, S.A." os produtos financeiros denominados "Euroaforro l0" e "Poupança Plus 5". </font></i>
</p><p><i><font>3) O produto denominado "Euroaforro 10" é composto por acções preferenciais do "Banco DD, S.A. Queen (Londres), JP Morgan Chase Bank (Londres) e JP Morgan Bank Luxembourg, S.A. (Luxemburgo). </font></i>
</p><p><i><font>4) O produto "Poupança Plus 5 " é composto por acções preferenciais da "JP Morgan Limited" (Londres) e "The Bank of New York Mellon" (Londres)»</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.3.4. </font><u><font>Os termos da atuação normativa e administrativa do Banco de Portugal</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.3.4.1. A deliberação do Banco de Portugal, de 3 de Agosto de 2014, que aplicou a medida de resolução ao Banco DD, SA (DD) e procedeu à constituição da instituição de transição, o EE, SA (NB), </font><i><font>teve em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes, da estabilidade do sistema financeiro</font></i><font>, nos termos regulados nos arts. 139º, 140º, 145º-A e ss. do RGICSF (à altura, conforme alterações e aditamentos produzidos no diploma pelo DL 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, assim justificados no respetivo preâmbulo: </font><i><font>«(…) o Estado Português assumiu o compromisso de reforçar os regimes de intervenção em situações de potencial ou efectivo desequilíbrio financeiro de instituições de crédito, antecipando-se mesmo, na linha do efectuado por outros Estados-Membros da União Europeia, tais como o Reino Unido, Alemanha, Holanda, Irlanda, Bélgica e Grécia, ao futuro enquadramento comunitário em questões chave consideradas como de especial relevância para a promoção da confiança no sistema financeiro nacional»</font></i><font>; arts. 145º-C e ss., na redação operada pela Lei 23-A/2015, de 26 de Março, com a ulterior transposição das Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho, 2014/49/UE e 2014/59/UE).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.3.4.2. No que ora interessa e no que respeita aos poderes funcionais do Banco de Portugal quanto à seleção de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição (arts. 145º-G e 145º-H do RGICSF, na redação vigente à data; arts. 145º-O e 145º-Q, após a Lei 23-A/2015), nos termos das subalíneas (v) e (vii) da alínea (b) do (nº 1 do) Anexo 2 da mesma deliberação, já na redação emergente da deliberação, do dia 11 seguinte, que </font><i><font>clarificou</font></i><font> e </font><i><font>ajustou</font></i><font> o perímetro das transferências para o NB, </font><b><font>mantiveram-se no DD </font></b><b><i><font>quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de dolo, fraude, violação de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais</font></i></b><font>, bem como </font><b><i><font>quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida emitidos por entidades que integram o Grupo Espirito Santo, (…)</font></i></b><i><font>.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.3.4.3. Prosseguindo na produção de </font><i><font>clarificações</font></i><font> e </font><i><font>ajustamentos</font></i><font>, a deliberação de 29 de Dezembro de 2015 – “</font><i><font>Perímetro”</font></i><font> introduziu novas alterações às referidas subalíneas, republicando o Anexo 2; tais subalíneas deverão ser </font><i><font>interpretadas à luz das clarificações constantes do Anexo 2C</font></i><font>, anexo esse por aquela resolução aditado à deliberação de 3 de Agosto, </font><i><font>com a redação constante da deliberação relativa à “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>No então aditado Anexo 2C, decidiu-se, na generalidade, na alínea A), </font><i><font>«Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do DD para o EE quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do DD que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do DD»</font></i><font> e </font><i><font>«</font></i><b><i><font>Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do DD para o EE os seguintes passivos do DD</font></i></b><i><font>: </font></i><b><i><font>Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo DD e vendidas pelo DD</font></i></b><i><font>; (…) </font></i><b><i><font>Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo DD enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I</font></i></b><i><font>» </font></i><font>– alínea B), subalíneas (i), (vi) e (vii).</font>
</p><p><font>Por outro lado, na alínea C), dispôs-se: </font><i><font>«Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o EE quaisquer passivos do DD que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, </font></i><b><i><font>serão os referidos passivos retransmitidos do EE para o DD, com efeitos às 20 | [0 0 0 ... 0 0 0] |
czKeu4YBgYBz1XKvvyMx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. - AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL intentaram acção declarativa contra MM e “NN & Associados - Sociedade Profissional de Advogados”, pedindo a condenação destes a pagarem-lhes a quantia de 1 313 702,46€, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento.</font>
</p><p><font>Para tanto alegaram, em síntese, que:</font>
</p><p><font> - os AA., ou seus antecessores, eram, à data da respectiva nacionalização, titulares do capital social da sociedade “Empresa OO, Lda.”, que detinha a participação e controlava 99,9% do capital social da sociedade “Companhia PP, SARL” e que, com esta última sociedade, controlava 100% do capital da sociedade “Empresa de QQ, Lda.”, tendo o valor do capital social dessas sociedades fixado sido objecto de impugnações judiciais (recursos dos AA. e do Estado), sendo que, em todos os procedimentos, os AA. foram patrocinados, numa fase inicial, pelo Dr. RR e, numa fase posterior, pelo 1.° Réu, Dr. MM, sendo ambos sócios da sociedade profissional de advogados 2.ª Ré que, por sua vez, e para efeitos de notificações, substabeleceram num solicitador;</font>
</p><p><font> - em 24.10.95, relativamente à “Companhia PP, SARL”, foi proferido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que, na sequência de acórdão do Tribunal Constitucional, negou provimento ao recurso contencioso de anulação, decisão que foi notificada aos AA., exclusivamente na pessoa do seu mandatário, o solicitador SS, em 30.10.95, o mesmo sucedendo, mas com o acórdão de 17.10.96, relativamente à “Empresa OO, Lda.”;</font>
</p><p><font> - em face da ausência de notícias por parte do 1º Réu e pretendendo os AA. apurar o estado dos três processos judiciais pendentes, designadamente de forma a confirmar se já se encontravam esgotadas as instâncias jurisdicionais de âmbito nacional, os AA. solicitaram várias e insistentes vezes ao 1º Réu a marcação de uma reunião a fim de ajuizar da viabilidade do recurso às instâncias judiciais supra-nacionais e qual o respectivo prazo mas, apesar da reiterada insistência dos AA., e não obstante o 1º Réu ter sido alertado da urgência da matéria, apenas no mês de Abril de 1997 se disponibilizou a celebrar a reunião solicitada, tendo manifestado que não estaria interessado em prosseguir com o patrocínio quanto aos processos a mover em sede da Comissão Europeia dos Direitos do Homem; </font>
</p><p><font> - os AA. sempre manifestaram interesse no sentido de serem utilizadas todas as vias legalmente admissíveis para exposição e julgamento da sua pretensão. Apesar disso, relativamente à “Companhia PP, SARL”, o 1º Réu, apesar de ter sido notificado da reforma do acórdão do STA, nunca alertou os AA. da viabilidade da apresentação de queixa para a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, sequer do trânsito em julgado do acórdão, o que determinou que, quanto a tal empresa e à data em que os AA. insistiram com o 1º Réu para análise da situação, há muito já se tivesse esgotado a possibilidade de diligenciar naquele sentido;</font>
</p><p><font> - perante a posição assumida pelo 1º Réu no sentido de não querer assumir o patrocínio dos processos a mover na CEDH, a fim de possibilitar a instrução dos mesmos, os AA. solicitaram a consulta aos respectivos dossiers;</font>
</p><p><font> - em 17.04.97, o 1º Réu remeteu o dossier contendo as principais peças processuais, tendo-o feito acompanhar de um relatório em que escreveu «</font><i><font>Parece-me existir fundamento para recurso à Comissão Europeia dos Direitos do Homem com fundamento no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no prazo de seis meses a partir da data da decisão interna definitiva (art. 26° da citada Convenção), pelo que, relativamente à Empresa OO, Lda., a queixa pode ser apresentada até 06 de Maio p.f..</font></i><font>», sendo que, atenta tal informação e não pondo em causa a sua exactidão, relativamente à “Empresa OO, Lda.”, em 6 de Maio de 1997, os AA. apresentaram junto da Comissão Europeia dos Direitos do Homem uma queixa contra o Estado Português;</font>
</p><p><font> - porém, em 22.12.97 os AA. foram notificados da decisão da CEDH a negar a admissibilidade da queixa com fundamento em extemporaneidade, esclarecendo que, uma vez que a decisão interna definitiva ocorreu em 17.10.96 e foi notificada ao mandatário dos AA. em 22.10.96, a queixa apenas poderia ter sido apresentada até 22 de Abril de 1997, e não, conforme o informado, até 06 de Maio de 1997;</font>
</p><p><font> - a orientação técnica preconizada pelo 1º Réu comprometeu irremediavelmente os interesses morais e materiais dos AA., dado que, quer a omissão de informação quanto à possibilidade legal da apresentação de queixa junto da CEDH quanto à empresa “Companhia PP, SARL”, quer a incorrecta informação quanto ao momento até ao qual poderia ser apresentada a queixa quanto à empresa “Empresa OO, Lda.”, impediram que a pretensão dos AA. de serem justamente indemnizados pelo Estado Português fosse, sequer, apreciada por uma instância jurisdicional supra nacional;</font>
</p><p><font> - a frustração dos AA. é agora ainda maior dado que, relativamente à “Empresa de QQ, Lda.”, os AA. apresentaram, em 1999, junto da CEDH uma outra queixa contra o Estado Português e obtiveram decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nos termos da qual se entendeu que o Estado Português violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tendo-o, em consequência, condenado a pagar aos AA. a quantia de 100.000,00€ a título de danos patrimoniais e morais, acrescida do montante de 8.000,00€ a título de custas e despesas;</font>
</p><p><font> - no âmbito e pleno exercício das suas funções de mandatário, o 1.° Réu omitiu total e absolutamente informação relevante relativamente à “Companhia PP, SARL”, designadamente que o STA tinha proferido acórdão e que, assim sendo, no prazo de 6 meses era viável e processualmente admissível o recurso para a CEDH e prestou informação errada de que a queixa quanto à “Empresa OO, Lda.” podia ser apresentada na Comissão até ao dia 6 de Maio de 1997, pelo que, o 1º Réu e, solidariamente, a sociedade profissional de advogados 2ª Ré, são responsáveis pelos prejuízos causados aos AA.;</font>
</p><p><font> - tendo em consideração que relativamente à “Empresa de QQ, Lda.” o Tribunal Europeu entendeu que a justa indemnização a atribuir aos AA. era de 108.000,00€, tendo sido peticionada a quantia de 1.065.004,60€, os prejuízos sofridos pelos AA. e causados pelos RR., quanto à “Companhia PP, SARL” e à “Empresa OO, Lda.” haverão de corresponder à mesma proporção, o que dá o montante de 1.160.066,49€ para a “Empresa OO”, Lda., e de 153.725,97€ para a “Companhia PP, Lda.”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os Réus contestaram.</font>
</p><p><font>Arguiram a excepção da legitimidade activa, por preterição de litisconsórcio e impugnaram.</font>
</p><p><font>Em síntese, articularam que:</font>
</p><p><font>- é falso que o 1º Réu tenha omitido informação aos AA., representados então pelo último A., também advogado, sobre o acórdão do STA de 24.10.95, no caso PP, pois que, pouco depois de ter recebido este acórdão, o 1º Réu dele deu nota ao representante dos AA., Dr. LL, e remeteu-lho logo a seguir;</font>
</p><p><font> - os Réus estavam mandatados pelos AA. para patrocinarem os interesses destes relacionados com as nacionalizações/indemnizações tão só nas instâncias administrativas e judiciais internas;</font>
</p><p><font> - em 5 de Fevereiro de 1997, o A. Dr. LL remeteu ao 1º Réu carta em que se reconhece estarem todos informados do esgotamento dos meios internos e, até essa data, nunca os AA. mostraram intenção de recurso às instâncias internacionais;</font>
</p><p><font> - o 1º Réu não omitiu qualquer dever de informação decorrente do mandato, já que a informação da viabilidade de recurso para a Comissão Europeia não se enquadrava no mandato e os AA. sabiam que os RR. nunca estiveram mandatados para os representar nas instâncias internacionais;</font>
</p><p><font> - o 1º Réu informou o 10º A., como representante dos AA., de que a queixa à Comissão devia ser apresentada até ao dia 6 de Maio de 1997. Porém, tal informação não foi prestada no âmbito do mandato do 1º Réu, embora o tivesse sido como advogado e em resposta a pedido de esclarecimento daquele A., nem envolveu aceitação do mandato para representar os AA, nas instâncias internacionais;</font>
</p><p><font> - a responsabilidade assacada pelos AA. aos RR., excepto quanto à alegada omissão de informação da notificação do acórdão "PP", é toda ela de natureza delitual, de acordo com os factos narrados na petição inicial, e respectivo enquadramento jurídico;</font>
</p><p><font> - os AA. conheceram o acórdão definitivo do STA, no caso PP, logo após ter sido proferido em 24.10.9 e nunca questionaram os RR. sobre uma possível queixa à Comissão Europeia a propósito desse caso;</font>
</p><p><font> - se alguma conduta fosse imputável ao 1º Réu, a propósito do caso "PP", o direito de acção estaria prescrito desde finais de 1998;</font>
</p><p><font> - no que diz respeito à "Empresa OO, Lda.", os AA. souberam, por intermédio do 10º A., Dr. LL, logo após ter sido notificado ao 1º Réu o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.10.96 e revelam, na carta do referido A., de Fevereiro de 1997, o conhecimento de que estavam esgotados os meios judiciais internos;</font>
</p><p><font> - a informação prestada pelo 1º Réu, de que o prazo de eventual queixa à Comissão neste caso terminava em 6 de Maio de 1997, não se integrava em mandato dos AA., e respondeu apenas a uma pergunta feita ao 1º Réu pelo A. Dr. LL, em 5.2.97, data em que os AA. sabiam que os RR. não tinham qualquer compromisso que os levasse a aceitar mandato para os representar nas instâncias judiciais internacionais;</font>
</p><p><font> - a informação do 1º Réu, de que o prazo para apresentar a queixa à Comissão terminava em 6 de Maio de 1997, não era errada, mas correcta, em face da lei (art. 26º da C.E.), da doutrina e da jurisprudência das instâncias internacionais, ao tempo vigente e conhecida, informação que foi prestada ao advogado que patrocinou os interesses de alguns dos AA., também ele aqui A., que tinha o dever de estudar a Convenção e o direito de queixa antes de assumir o patrocínio e teve tempo para proceder a esse estudo e até para pôr em dúvida a informação prestada pelo 1º Réu, prevenindo interpretação diversa, se fosse o caso, do artigo 26° da CE;</font>
</p><p><font> - os AA. partem de valores simulados de pedidos virtuais às instâncias internacionais – 11 440 497,88€ quanto à "Empresa OO, Lda." e 1 516 035,32€ quanto à "Companhia PP SARL", para fundamentarem o pedido de 1 313 792,46€ formulado contra os RR. não fundamentando de facto e de direito os valores referidos em lesões reais e efectivamente sofridas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Foi admitida a intervenção principal acessória de “TT - Companhia de Seguros, SA", que apresentou contestação.</font>
</p><p><font>Aderiu à posição dos RR. sobre a ilegitimidade e a prescrição e indicou os limites da respectiva responsabilidade indemnizatória.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A excepção da ilegitimidade improcedeu no despacho saneador.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Realizada a audiência final, a acção foi julgada improcedente e os RR. absolvidos do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os AA. LL, II e KK apelaram, com parcial êxito, pois que a Relação julgou parcialmente procedente a Apelação condenou “</font><i><font>os Apelados a pagarem aos ora Apelantes a indemnização de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos morais e a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) a título de danos patrimoniais, montantes estes acrescidos de juros de mora legais, devidos desde 19 de Dezembro de 2000 e até integral pagamento</font></i><font>”. </font>
</p><p><font> Agora são os Réus MM e a Interveniente seguradora, hoje “UU – Companhia de Seguros, S.A.”, a pedir revista, pugnando pela revogação do acórdão e consequente improcedência da acção.</font>
</p><p><font> Para tanto, o Recorrente MM argumenta nas “conclusões” da alegação que, apesar da sua extensão, por comodidade e para melhor compreensão, se transcrevem parcialmente:</font>
</p><p><font>“1. Confirmado o segmento da decisão de 1ª instância relativo à Companhia PP, SARL, o objeto do presente recurso cinge-se, apenas, à questão da Empresa OO, Lda..</font>
</p><p><font>(…)</font>
</p><p><font>4. (…) em nenhum passo, e no que respeita à Empresa OO, Lda, invocaram os AA. informação tardia ou entrega tardia de dossiers como causa de pedir da indemnização a que se entendiam com direito; fundamento do seu pedido foi tão só e exclusivamente (sic) prestação de informação errada quanto ao termo do prazo de queixa perante a CEDH. Daí que </font>
</p><p><font>5. Fosse defeso ao julgador ocupar-se da questão "informação/entrega tardia", como decorre do art. 660°, nº 2, do CPC, e tem consagração uniforme na jurisprudência. Pelo que, </font>
</p><p><font>6. Nessa parte, é nulo o acórdão a quo, por aplicação da disciplina do art. 668°, nº 1, alínea d), do cpc.</font>
</p><p><font>7. Posto isto, fica o tema da informação errada, qualificativo que a decisão a quo amaciou apelidando-a de incompleta. Mas sem razão. </font>
</p><p><font>(…);</font>
</p><p><font>10. Tal informação, assinale-se, consistiu na interpretação que o R. fez do art. 26° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sendo certo que para o intérprete nacional decisão definitiva, quando se trata de decisões judiciais, é aquela que já não pode ser alterada, seja por recurso ordinário, seja por reforma ou reclamação, seja por deferimento de nulidades, i.e., que tenha transitado em julgado. </font>
</p><p><font>(…);</font>
</p><p><font>13. A Comissão decidiu-se pela inadmissibilidade da queixa, por tardia apresentação, na tese de que, tendo o Acórdão do STA sido notificado aos recorrentes em 22/10/96, nesta data se iniciara o prazo de 6 meses a que se refere o art. 26° da CEDH. </font>
</p><p><font>(…);</font>
</p><p><font>25. Sintomático de que [na fundamentação da decisão] não estava a tratar da questão sob o ponto de vista do trânsito em julgado, é o facto de a Comissão, no seu Acórdão, ter omitido, de entre as decisões que recenseia, a proferida em 9 de Dezembro de 1991, no caso VV c/Itália (queixa nº 12077/86), em que entendeu: </font><i><font>"( ... ) tratando-se de uma decisão susceptível de recurso, que só transitou em julgado em 21 de Outubro de 1986, a Comissão admite que o prazo de seis meses, previsto no art. 26° da Convenção, só começou a contar a partir desta última data</font></i><font>" (fls. 555) (a queixa fora apresentada em 24/3/86). </font>
</p><p><font>26. Na referida queixa nº 12077/86, tratava-se de um caso, decidido pelo Tribunal de Catania, que admitia recurso, mas em que o mesmo, como se vê da leitura da decisão, não foi interposto. </font>
</p><p><font>27. Certo é que, sem fazer referência a esta nuance, Ireneu Cabral Barreto, na 1" edição d' «A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada», com a autoridade que se lhe reconhece (…), na profusa anotação ao cito art. 26°, sublinha (pág. 193, nota 397) - f1s. 414: " </font><i><font>Se se trata de uma decisão judicial, (o prazo conta-se) a partir da data em que transita em julgado</font></i><font> - Decisão de 9 de Dezembro de 1991. Queixa nº 12077/86, DR, 71, p.12". </font>
</p><p><font>28. Esta anotação coexiste, nesta edição anotada, com duas outras, ilustrativas do dissídio referido em 24. supra: a de que, (i) tomada a decisão em audiência pública, na presença do requerente ou do seu advogado, é a partir da data da audiência que o prazo começa a correr; (ii) a de que, caso o direito interno exija notificação para o "conhecimento" da decisão, será a partir daquela que o prazo se inicia. Perante tais referências, </font>
</p><p><font>29. O intérprete nacional, como nos presentes autos, que se fundasse nesta edição, concluiria que o trânsito em julgado importa no caso de decisões judiciais e a notificação, escrita ou oral, na hipótese de decisões não judiciais (v.g., de natureza administrativa não contenciosa). </font>
</p><p><font>30. Quando o R. preparou para os AA. o Relatório referido na alínea N) dos Factos Assentes, não havia, entre nós, como continua a não haver, anotação à Convenção mais completa e mais credível do que a de Ireneu Cabral Barreto. </font>
</p><p><font>31. Não surpreende, por isso, que ao fornecer a indicação que prestou sobre o termo do prazo para apresentação da queixa tenha feito fé no conteúdo da anotação, em que, aliás, se baseou. </font>
</p><p><font>32. E nem se diga, como pretenderam os Apelantes., que, tratando-se de uma nota de pé de página, mandava a prudência que não fosse tomada como inquestionável, quando a referida nota 397, como se vê do texto, era feita exatamente sobre referência a jurisprudência segundo a qual o prazo começava a contar-se não a partir da data da decisão, mas do momento em que o requerente ou o seu advogado teve dela conhecimento. </font>
</p><p><font>33. A interpretação da anotação é óbvia: o prazo começava a contar-se não a partir da data da decisão, mas do momento em que o requerente ou o seu advogado teve dela conhecimento; mas se se tratar de decisão judicial, do respetivo trânsito em julgado. </font>
</p><p><font>(…);</font>
</p><p><font>38. Se o R. não se tivesse contentado com a edição anotada de Ireneu Cabral Barreto e fosse indagar dos acórdãos proferidos sobre a matéria, entre a data da edição - 1995 - e a data da informação aos Recorridos - 17 de abril de 97-, de novo, para aquele período de tempo, encontraria apenas, como se vê da 2ª edição Ireneu Cabral Barreto (f1s. 428 e 429), ... o primeiro acórdão Worm c/Áustria - 27/11/95, já que o segundo, o do Tribunal Europeu, aí referido, é de 20 de outubro de 97. E a informação que teria prestado era, obviamente, a mesma. </font>
</p><p><font>39. É isso que explica que todas as testemunhas dos RR., profissionais experientes e juristas de mérito, (…), foram unânimes em afirmar que, até ao caso Empresa OO, o prazo do art. 26°, quando se tratasse de decisões judiciais, se devia contar do trânsito em julgado. Mais: (…) que a decisão Empresa OO foi proferida ao arrepio da jurisprudência da Comissão. Ora, </font>
</p><p><font>40. É precisamente o Acórdão proferido no caso Empresa OO que demonstra a exatidão quer da interpretação que, à luz da jurisprudência do tempo, foi feita pelo R., quer do entendimento das referidas testemunhas. </font>
</p><p><font>41. Lê-se, com efeito, na referida decisão, parte final: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>No presente caso, o momento em que os requerentes constataram que não obtiveram provimento na situação contestada é o da notificação da decisão do Supremo Tribunal Administrativo. Os requerentes não dispunham, de facto, de qualquer outro </font></i><b><i><font>recurso eficaz</font></i></b><i><font> que pudesse dar satisfação às suas queixas. </font></i><b><i><font>Deste modo, a data em que esta decisão adquiriu força de caso julgado não poderá constituir</font></i></b><i><font> o dies a quo do prazo de seis meses previsto no artigo 26° da Convenção</font></i><font>." (fls. 632 e 633) - realce meu. </font>
</p><p><font>42. </font><b><font>Na transcrita decisão está inequívoca e inquestionavelmente subentendido</font></b><font>: o prazo poder-se-ia contar do trânsito em julgado se os AA., ali requerentes, </font><b><font>dispusessem de um recurso eficaz</font></b><font>, recurso de que, </font><b><font>no entendimento da Comissão, não dispunham</font></b><font>. </font>
</p><p><font>43. Tal orientação representa, ainda aqui inequívoca e inquestionavelmente, uma restrição à jurisprudência do Acórdão VV c/Itália. Com efeito, </font>
</p><p><font>44. Da leitura deste último Acórdão, verifica-se que não há qualquer referência à eventual </font><i><font>eficácia</font></i><font> ou </font><i><font>ineficácia</font></i><font> do recurso que podia ter sido interposto, e </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font>, da decisão do Tribunal de Catania, como emerge da mera leitura desta. </font>
</p><p><font>45. </font><i><font>Ergo</font></i><font>, a jurisprudência do caso </font><b><font>não estava modulada ou restringida pelo mérito do recurso a interpor</font></b><font>. </font>
</p><p><font>46. Mas </font><b><font>tal</font></b><font> </font><b><font>restrição</font></b><font> aparece, </font><b><font>agora</font></b><font>, no Acórdão Empresa OO - o prazo conta-se do trânsito em julgado se da decisão judicial puder ser interposto um recurso eficaz. Ora, é no </font><b><font>requisito "eficaz' que surge a novidade e faz do Acórdão Empresa OO uma decisão surpresa</font></b><font>. Na verdade, </font>
</p><p><font>47. O Acórdão Empresa OO foi proferido pela 1ª Secção, 1ª Subsecção, do STA, e </font><i><font>dele</font></i><font> </font><i><font>cabia</font></i><font> </font><i><font>recurso</font></i><font> para o Pleno da Secção, nos termos do art. 24° do ETAF, com o âmbito do art. 110° do CPTA, ao tempo vigentes. </font>
</p><p><font>48. E atenta a latitude dos fundamentos de recurso estabelecidos no referido art. 110°, é pura temeridade pronunciar-se a Comissão pela ineficácia do recurso. </font>
</p><p><font>49. Certo é que o R. entendeu que não obteria provimento no Pleno, e, por isso, não recorreu. </font>
</p><p><font>50. Daí não pode é concluir-se, objetivamente, que não haveria procedência do recurso. </font>
</p><p><font>51. Do exposto, emerge que, </font><b><font>até à decisão Empresa OO</font></b><font>, a CEDH tinha como jurisprudência, face ao requisito decisão interna definitiva, contar o prazo do art. 26° da Convenção </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>partir do trânsito em julgado, quando se tratasse de decisões judiciais passíveis de recurso</font></b><font>; nas </font><b><font>restantes</font></b><font>, </font><b><font>e até ao caso Worm</font></b><font>, ora da notificação escrita, ora da notificação oral; e, </font><b><font>a partir deste caso</font></b><font>, apenas da notificação escrita. </font>
</p><p><font>52. Com o caso Empresa OO </font><b><font>passa a entender</font></b><font> que o trânsito em julgado só releva para efeito de contagem de prazo </font><b><font>se da decisão couber recurso eficaz</font></b><font>. </font>
</p><p><font>53</font><b><font>. É contra esta mudança de opinião jurisprudencial, ocorrida precisamente no caso aconselhando, que o mais diligente advogado não tem possibilidades de segurar o cliente</font></b><font>. </font>
</p><p><font>54. E por aqui se vê que a informação do ora Recorrente não foi incompleta. </font>
</p><p><font>Correspondeu sim a uma correta indicação da jurisprudência da Comissão, tal como entendida por um declaratário normal. </font>
</p><p><font>55. Mais: o que evidencia sem margem a dúvidas que a informação do Recorrente não era nem errada, nem incompleta, é que a queixa da Empresa OO, </font><b><font>nos termos do Acórdão da CEDH que a rejeita, teria sido aceite, porque o prazo se contaria do trânsito em julgado, se, embora não tendo sido interposto recurso para o Pleno da decisão do STA, como não foi, tal recurso pudesse ser eficaz. </font></b>
</p><p><font>56</font><b><font>. É a jurisprudência do caso VV c/Itália, mas com um requisito NOVO - eficácia do recurso que caiba no caso</font></b><font>. Por essa </font><b><font>SURPRESA</font></b><font> não pode censurar-se o ora Recorrente. </font>
</p><p><font>57. A responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações postula, além do dever jurídico de os dar, que se tenha "procedido com negligência" (ut, art. 485°, nº 2, do CCivil), a qual "é apreciada ... pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso”(ut, art. 487°, nº 2, idem). </font>
</p><p><font>58. A "diligência de um bom pai de família" está implícita na formulação do alto 1161° do CCivil, sobre as obrigações do mandatário, resultando dos princípios gerais, motivo por que o nosso legislador reputou inútil dizê-lo expressamente, como sucede no art. 1710° do Código italiano. </font>
</p><p><font>59. Com efeito, se o princípio da confiança está na base das relações entre mandante e mandatário, ele não deixa de estar presente, mediatamente, nas relações entre o mandatário e a ou as fontes onde procura resposta para as questões que lhe são colocadas. </font>
</p><p><font>60. </font><b><font>Condição necessária, mas suficiente, é a de que a investigação e a pesquisa se volvam para autores credenciados, pelas suas peculiares habilitações</font></b><font>. </font>
</p><p><font>61. </font><b><font>Foi o que aconteceu no caso concreto. Tanto, que a pesquisa efetuada no acervo jurisprudencial da Comissão só veio confirmar o acerto da referida anotação de Ireneu Cabral Barreto</font></b><font>. </font>
</p><p><font>62. A não se entender assim - questão que só por mera hipótese se levanta -, então é imperioso considerar a responsabilidade do novo Advogado dos Apelantes, que, acriticamente, tomou como boa a informação prestada aos clientes pelo seu Colega. </font>
</p><p><font>63. Aceita ele que não pôs "sequer em causa a sua exatidão" - o que é sufragado, agora, no acórdão </font><i><font>a quo</font></i><font> -, mas, contraditoriamente, qual lei do funil, perdoe-se o plebeísmo, recusa ao seu Colega o ter aceite como boa a informação recolhida na obra que consultou (há que admitir que Ireneu Cabral Barreto é um </font><i><font>expert</font></i><font> na matéria, o que não acontece com o R., ora Recorrente). </font>
</p><p><font>64. Daí que ala instância, fazendo impender sobre novo mandatário a responsabilidade de fazer juízo próprio, tenha concluído pela inexistência de nexo de causalidade entre a informação do ora Recorrente e os prejuízos invocados pelos AA. - estes decorreriam da atuação, com critério próprio, do novo mandatário e aqui Recorrido, não da informação do signatário, com que o Dr. LL não tinha de, nem devia, conformar-se. </font>
</p><p><font>65. Do exposto, resulta que aos RR. nenhuma responsabilidade possa ser imputada, seja por omissão causal de informação, seja por erro negligente de interpretação, e, consequentemente, não haja lugar a qualquer indemnização. </font>
</p><p><font>66. Admitindo, por mera cautela, que assim não fosse, e a alegada perda de chance nunca poderia ascender aos valores pedidos”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Por sua vez, a Recorrente “UU”, verteu nas conclusões:</font>
</p><p><font>“1ª. (…).</font>
</p><p><font>2ª. Se bem se interpreta o Acórdão recorrido este assenta a decisão condenatória em dois pressupostos: informação parcial e deficiente quanto à data limite para a apresentação da Queixa na Comissão Europeia dos Direitos do Homem e tardia informação sobre os processos que havia patrocinado. </font>
</p><p><font>3ª. Nem um, nem outro destes pressupostos, se verifica. </font>
</p><p><font>4ª Começando pelo primeiro constata-se que a informação prestada pelo Dr. MM era a correcta pois, à data, encontrava-se em vigor o artigo 26° da Comissão Europeia dos Direitos do Homem que fixava o início do prazo para a apresentação da Queixa na data da decisão interna definitiva, ou seja, após o trânsito em julgado desta e à luz deste preceito o prazo só terminava, como referido foi aos AA, em 06.05.1997. </font>
</p><p><font>5ª. Ou seja, o artigo 26° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem fixava um prazo de seis meses a partir da "decisão interna definitiva". </font>
</p><p><font>6ª. E só a partir de 1 de Novembro de 1998 se consignou, agora no artigo 35° da mesma Convenção, que a queixa deveria ser presente num prazo de seis meses a contar da "data da prolacão da decisão definitiva interna" o que é substancialmente diverso. </font>
</p><p><font>7ª. O regime de contagem do prazo sofreu pois uma alteração de "substância" e não de "forma" pelo que carece de fundamento o entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido de que " ... trata-se apenas de estilo de redacção, não de conteúdo". </font>
</p><p><font>8ª. Acresce que o decidido, no que concerne à Queixa apresentada pelos ora AA, traduziu uma inovadora interpretação do disposto no artigo 26° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem já que o fundamento para a considerar como extemporânea assentou em se ter entendido que os Requerentes não dispunham de qualquer outro recurso eficaz que pudesse dar satisfação às suas exigências o que, implicitamente, significa que o prazo poderia ser contado do trânsito em julgado, fosse, no entender da Comissão, possível um recurso eficaz. </font>
</p><p><font>9ª. Tal entendimento da Comissão era, à data, inteiramente novo e surgiu, pela primeira vez, precisamente na Decisão sobre o "Caso Empresa OO", como os autos documentam. </font>
</p><p><font>10ª. Assim, e ao invés do que se sustenta no Acórdão recorrido, o mandatário dos A.A. não poderia transmitir esse entendimento à luz da jurisprudência das cautelas. </font>
</p><p><font>11ª. Na verdade, a conduta de um advogado no âmbito da sua responsabilidade civil profissional terá de aferir-se pela conduta de um "advogado normal" o qual não pode ser responsabilizado ao ser surpreendido por uma mutação jurisprudencial ocorrida posteriormente à data em que expressou uma opinião sobre o decurso de um prazo. </font>
</p><p><font>12ª. Isto mesmo se reconheceu no Voto de Vencido onde o Ilustre Desembargador que o subscreveu sublinha que a alteração da redacção nos preceitos em causa a “… é perfeitamente sintomática no sentido de afastar, agora sim, a referência ao trânsito em julgado". </font>
</p><p><font>13ª. Aliás, e como ficou decidido em 1a Instância, nem sequer se provou que a informação prestada o tenha sido no âmbito do contrato de mandato pelo que, à luz do nº 2 do artigo 485º do Código Civil, não existia o dever de dar o conselho o que exonera o Sr. Dr. MM de responder pelo teor da informação prestada mesmo que se entenda qualificar tal informação como um conselho. </font>
</p><p><font>14ª. Passando ao segundo dos pressupostos considerados como fundamento para responsabilizar o Sr. Dr. MM e, consequentemente, os demais R.R., pela indemnização que foi determinada, dir-se-á que a informação prestada não foi nem incompleta, nem tardia. </font>
</p><p><font>15ª. É o que se extrai da matéria de facto constante da alínea AE) dos FACTOS ASSENTES e das respostas aos Quesitos 2°, 4° e 5° que seria ocioso estar a transcrever, mas onde avulta que em data anterior a 17 de Abril de 1997 o 1 ° R se reuniu com representantes dos AA informando que não estava disponível para prosseguir com o patrocínio quanto aos processos a mover em sede da Comissão Europeia dos Direitos do Homem. </font>
</p><p><font>16ª. Por outro lado, os AA não lograram provar, como se extrai da matéria de facto constante dos nºs 1°, 2°, 5° e 35° da Base Instrutória, que houve uma prolongada ausência de noticias por parte do 1 ° R e a necessidade de solicitarem várias e insistentes vezes informações sobre a evolução dos processos e que só em 17 de Abril de 1997 o 1 ° R se reuniu com representantes seus e os informou de que não estaria disponível para prosseguir com o patrocínio quanto aos processos a mover em sede de Comissão Europeia dos Direitos do Homem. </font>
</p><p><font>17ª. É, portanto, ininvocável a presunção de culpa consagrada no nº 1 do artigo 799° do Código Civil pois, a montante, impõe-se que o credor prove a concretização do facto ilícito do não cumprimento, o que não fez. </font>
</p><p><font>18ª. E como, igualmente, não vem provado qualquer facto negligente por parte do Dr. MM não podem os RR responder por qualquer indemnização por violação do contrato de mandato. </font>
</p><p><font>19ª. De resto, o Advogado dos A.A., à data da apresentação da Queixa, era o Dr. LL o qual não podia deixar de analisar o teor da informação que lhe fora prestada a pretexto de que não dominava a matéria em causa pois face à alínea d) do artigo 83° do Estatuto da Ordem dos Advogados, ao tempo em vigor, só poderia aceitar o patrocínio se para tal estivesse habilitado com os necessários conhecimentos e estava obrigado a desempenhar tal patrocínio com zel | [0 0 0 ... 0 0 0] |
dzKFu4YBgYBz1XKvHxWX | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1 – Relatório.</font></b>
</p><p><font>No ....º Juízo do Tribunal Judicial de ..., AA, S.A., intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros BB, S.A., pedindo, a final, a condenação da ré nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>A) A título de indemnização pelo sinistro ocorrido a 26.01.2010, a quantia de € 115.302,59, acrescida dos juros de mora vincendos e da quantia de € 235,49 por cada dia de paralisação da cisterna;</font>
</p><p><font>B) A título de indemnização pelo sinistro ocorrido a 28.07.2010, a quantia de € 57.417,46, acrescida dos juros de mora vincendos e da quantia de € 235,49, por cada dia de paralisação da cisterna;</font>
</p><p><font>C) A título de indemnização pelo sinistro ocorrido a 15.12.2010, a quantia de € 49.559,14, acrescida dos juros de mora vincendos e da quantia de € 235,49, por cada dia de paralisação da cisterna, bem como o valor a liquidar em sede de execução de sentença pela descarga e armazenamento dos produtos contaminados.</font>
</p><p><font>A ré contestou, concluindo pela improcedência da acção e requerendo a intervenção acessória de CC, Ld.ª, e de DD, SA.</font>
</p><p><font>Admitida a requerida intervenção e citadas as intervenientes, contestou a interveniente CC, S.L., concluindo pela sua absolvição dos pedidos formulados.</font>
</p><p><font>Proferido despacho saneador, bem como o destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>1. </font><u><font>Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência.</font></u>
</p><p><font>2. </font><u><font>Condeno a Ré COMPANHIA DE SEGUROS BB, S.A., a pagar à Autora AA, S.A. a quantia de € 88.761,44 (oitenta e um mil, setecentos e sessenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à laxa legal, desde a notificação da sentença até efectivo pagamento.</font></u>
</p><p><font>3. </font><u><font>Condeno a Ré COMPANHIA DE SEGUROS BB, S.A., a pagar à Autora AA, S.A., a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença correspondente a metade do montante despendido com as despesas com a descarga do produto contaminado do 2.º transporte/sinistro (encaminhamento como resíduo ou outro destino), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento.</font></u>
</p><p><font>4. </font><u><font>Absolvo a Ré dos restantes pedidos.</font></u>
</p><p><font>Inconformadas, autora e ré interpuseram recursos de apelação daquela sentença.</font>
</p><p><font>Foi, então, proferido o acórdão da Relação de Coimbra de fls.593 e segs., que julgou improcedente a apelação da autora e que, na parcial procedência da apelação da ré, condenou esta a pagar à autora a quantia de € 51.584,93, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da sentença até efectivo pagamento.</font>
</p><p><font>De novo inconformadas, autora e ré interpuseram recursos de revista daquele acórdão, a 1ª a título principal e a 2ª a título subordinado.</font>
</p><p><font>Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><b><font>2 – Fundamentos.</font></b>
</p><p><b><font>2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><font>1. A Autora dedica-se aos transportes rodoviários ocasionais de mercadorias, nacionais e internacionais e à compra e venda de materiais de construção e produtos conexos.</font>
</p><p><font>2. A Ré dedica-se, à actividade seguradora.</font>
</p><p><font>3. Autora e Ré celebraram um “contrato de seguro” de «Responsabilidade Civil do Transportador que se regula pelas Condições Particulares, Condições Especiais, Condições Gerais desta apólice e pela Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR)», titulado pela apólice ..., de acordo com o qual, «…garante a responsabilidade civil do Segurado, que, nos termos da Convenção, lhe seja imputável na qualidade de Transportador Rodoviário Internacional de Mercadorias», «…abrange, até ao limite do valor seguro constante das Condições Particulares, o pagamento de indemnizações que, nos termos da Convenção, sejam devidas pelo Segurado na qualidade de transportador, em consequência de perdas ou danos causados às mercadorias transportadas no veículo transportador, exclusivamente durante o respectivo transporte» e «Esta garantia inicia-se, sem prejuízo do disposto no artigo 6.º, no momento em que as mercadorias são carregadas no veículo transportador no local de início da viagem, vigora durante o percurso normal desta…».</font>
</p><p><font>4. De acordo com aquelas condições gerais, “TERCEIRO” é «Aquele que, em consequência de um sinistro sofra uma lesão material que origine danos susceptíveis de, nos termos da lei civil e desta apólice, serem reparados e indemnizados» e “SINISTRO” é «O acontecimento de carácter fortuito, súbito e independente da vontade do Tomador do Seguro ou do Segurado, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato».</font>
</p><p><font>5. Entre outras exclusões, o contrato de seguro em causa «nunca garante os danos, perdas ou despesas que decorram, directa ou indirectamente, de (...) acto ou omissões dolosos do tomador do seguro, do segurado ou de pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis».</font>
</p><p><font>6. E «nunca garante os danos, perdas ou despesas, directa ou indirectamente de (...) remoção de destroços das mercadorias transportadas (ou de) perdas de mercado, demora na entrega ou quaisquer outras perdas consequenciais».</font>
</p><p><font>7. Nos termos do referido contrato são obrigações da ora Autora «fornecer ao segurador todas as provas solicitadas, bem como os relatórios e documentos que possua ou venha a obter», «não abonar extrajudicialmente a indemnização reclamada sem autorização escrita do segurador, bem como não formular ofertas, tomar compromissos ou praticar algum acto tendente a reconhecer a responsabilidade do segurador, a fixar a natureza e o valor da indemnização ou que, de qualquer forma, estabeleça ou signifique a sua responsabilidade».</font>
</p><p><font>8. Mais ficou a ora Autora obrigada «a enviar ao segurador, o mais rapidamente possível, (...) cópia da factura comercial».</font>
</p><p><font>9. O segurador obriga-se, entre outras, a “Efectuar com prontidão e diligência as averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos, sob pena de responder por perdas e danos” e a “Pagar a indemnização devida logo que concluídas as averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento da responsabilidade do segurado e ao estabelecimento do acordo quanto ao valor a indemnizar. Se decorridos 30 dias, o segurador, de posse de todos os elementos indispensáveis à reparação dos danos ou ao pagamento da indemnização acordada, não tiver realizado essa obrigação, por causa não justificada ou que lhe seja imputável, incorrerá em mora, vencendo a indemnização juros à taxa legal em vigor”.</font>
</p><p><font>1.º Transporte/sinistro [26 de Janeiro de 2010]:</font>
</p><p><font>10. O semi-reboque com a matrícula ... ficou abrangido pelo contrato de seguro dos autos como aderente n.º ....</font>
</p><p><font>11. Tendo sido estabelecido para aquele um capital seguro de €25.000,00 e uma franquia, ou parte primeira de qualquer indemnização sempre a cargo da ora Autora, de «10,00% dos prejuízos indemnizáveis, mínimo de 500,00 €».</font>
</p><p><font>12. No dia 21 de Janeiro de 2010, o conjunto de veículos tractor com a matrícula ... e cisterna com a matrícula ..., carregou em França um produto designado por EMULWAX SW 330 – parafina.</font>
</p><p><font>13. Daí foi transportado e descarregado em Espanha no dia 25 de Janeiro de 2010.</font>
</p><p><font>14. No mesmo dia, 25 de Janeiro de 2010, após a dita descarga, procedeu-se à limpeza da já identificada cisterna no DD em Tarragona, Espanha.</font>
</p><p><font>15. Naquele lavadero foram lavados e vaporizados todos os tanques da cisterna.</font>
</p><p><font>16. Além disso, foram também lavados os circuitos e ar, porta mangueiras e todos os outros acessórios, tendo-se procedido à respectiva operação de purificação.</font>
</p><p><font>17. O conjunto destas operações de limpeza deu origem à emissão por parte do CC do certificado de lavagem n.º ... datado de 25 de Janeiro de 2010. </font>
</p><p><font>18. No dia 26 de Janeiro de 2010, o mesmo conjunto de veículos, carregou em Tarragona, Espanha, na Sociedade EE S.L., o seguinte:</font>
</p><p><font>a) 11.980 kg de uma mercadoria designada por Acetato de Metilo;</font>
</p><p><font>b) 6.660 Kg de uma mercadoria designada Monoetilenoglicol.</font>
</p><p><font>19. Apesar de constar da declaração de expedição (CMR) como destinatário GG, S.A., os produtos melhor identificados no artigo anterior tiveram com destino final a sociedade FF, Lda., em Alcanena, Portugal.</font>
</p><p><font>20. No dia 28 de Janeiro de 2010 quando se ia proceder à descarga dos produtos na FF Lda. verificou-se que, com excepção de 5.260 KG de acetato de Metilo, os produtos encontravam-se contaminados com resíduos de parafina, ou seja, resíduos do anterior produto transportado.</font>
</p><p><font>21. Mediante tal constatação, o produto contaminado não foi aceite pela cliente FF, que procedeu à sua devolução.</font>
</p><p><font>22. Tendo aqueles produtos permanecido nos tanques dos veículos da Autora, que assim ficou imobilizado naquelas instalações, o que impediu a A. de retirar os rendimentos da sua utilização até que fosse dado o destino final àquele produto contaminado.</font>
</p><p><font>23. (Alterado) Os produtos contaminados valiam sem IVA a quantia de € 12.541,20”.</font>
</p><p><font>24. Toda a factualidade sobre o sinistro foi comunicada, por fax, no dia 1 de Fevereiro à sociedade HH S.A., corretora de seguros da Autora que, por sua vez, o comunicou à Ré.</font>
</p><p><font>25. (Alterado) A 20 de Abril de 2010, a HH enviou à Autora a mensagem de correio electrónico documentada a fls. 62 dos autos, na qual informa que a Ré assumia a responsabilidade no sinistro mas fazia depender a indemnização da apresentação prévia de uma factura comercial dos produtos contaminados.</font>
</p><p><font>25-A (Aditado) “Em 20.10.2010, a Ré solicitou à Autora as facturas comerciais do transporte efectuado, conforme o teor de fls. 69. </font>
</p><p><font>26. (Alterado) A solicitação da Autora, a sociedade FF, Lda., informou não possuir uma factura de aquisição daqueles produtos, por alegadamente fazer as compras em quantidades globais e que o fornecimento em causa era apenas parcial. (Porém, a faturação da expedidora corresponde aos documentos de fls.73 e 74.)</font>
</p><p><font>27. (Alterado) Em 17 de Janeiro de 2011, uma factura de €18.084,48 (com IVA) foi apresentada à seguradora.</font>
</p><p><font>28. A Ré não procedeu ao pagamento daquele valor debitado pela cliente FF,Lda., no valor de €18.084,48 (dezoito mil e oitenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos). </font>
</p><p><font>29. (Alterado) Por alegadas (pela Autora) razões de segurança, os produtos contaminados permaneceram acondicionados nos tanques dos veículos pertença da Autora, desde 28 de Janeiro de 2010.</font>
</p><p><font>30. Neste período a Autora solicitou à Ré instruções e autorizações para proceder à descarga dos produtos contaminados, bem como do destino final a dar aos mesmos.</font>
</p><p><font>31. (Alterado) A Autora apresentou proposta para venda daqueles produtos à sociedade espanhola “II”. A HH informou que a Autora não deveria vender os produtos à dita empresa.</font>
</p><p><font>32. (Alterado) Aquele veículo cisterna ficou imobilizado nas instalações da Autora até 31 de Outubro de 2011.</font>
</p><p><font>33. De acordo com a tabela de paralisações inserida no acordo Antram-APS de 2009, em relação aos serviços internacionais, a paralisação corresponde a um valor diário de €235,49.</font>
</p><p><font>34. No dia 31 de Outubro de 2011 aquele produto foi encaminhado para a empresa devidamente licenciada para o efeito JJ, S.A., com sede em Pombal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>35. A referida empresa JJ cobrou à Autora a quantia de €974,14 pela recepção e encaminhamento (valorização) daqueles resíduos.</font>
</p><p><font>36. Factura essa que foi efectivamente liquidada pela Autora.</font>
</p><p><font>2.º Transporte/sinistro [28 de Julho de 2010]:</font>
</p><p><font>37. O semi-reboque com a matrícula ... ficou abrangido pelo contrato de seguro dos autos como aderente n.º ....</font>
</p><p><font>38. Tendo sido estabelecido para o mesmo um capital seguro de € 25.000,00 e uma franquia, ou parte primeira de qualquer indemnização sempre a cargo da ora A., de «10,00% dos prejuízos indemnizáveis, mínimo de 500,00 €».</font>
</p><p><font>39. No dia 28 de Julho de 2010, o conjunto de veículos tractor matrícula ... e cisterna matrícula ..., carregou na C.E.P.S.A. em San Roque, Cadiz, Espanha, os seguintes produtos e nas seguintes quantidades:</font>
</p><p><font>a) Granel PETROSOL 15A 15/20 – White Spirit – 10.860 kg;</font>
</p><p><font>b) Granel PETROSOL TOLUENO – Tolueno – 13.000 kg.</font>
</p><p><font>40. Os produtos melhor identificados no artigo anterior tiveram com destino final a sociedade FF Lda. em Alcanena, Portugal. </font>
</p><p><font>41. No dia 29 de Julho de 2010, o conjunto de veículos tractor matrícula ... e cisterna matrícula ... foi recebido nas instalações da FF Lda., onde os funcionários desta verificaram que os já identificados produtos apresentavam cor amarelada, cheiro a amónia e libertação de fumos.</font>
</p><p><font>42. Perante a inconformidade das características verificadas e as características normais que os produtos deveriam apresentar e que não se apuraram, a FF Lda., não procedeu à descarga e aceitação dos mesmos.</font>
</p><p><font>43. Em consequência disso, o conjunto de veículos tractor com a matrícula ... e cisterna com a matrícula ... está até ao dia de hoje imobilizado e carregado com a mercadoria, nas instalações da FF, Lda..</font>
</p><p><font>44. Toda a factualidade sobre este 2.º sinistro foi comunicada, por fax, datado de 29 de Setembro de 2010, à sociedade HH S.A. corretora de seguros da Autora que por sua vez, o comunicou à companhia de seguros BB S.A..</font>
</p><p><font>45. A LL na qualidade de Peritos Reguladores nomeados pela BB, S.A., solicitou amostras do produto contaminado, documentos relativos à contaminação do produto transportado, documentos do conjunto de veículos tractor matrícula ... e cisterna matrícula ..., a comparência de representante da empresa de limpeza da cisterna e cópia do tacógrafo para certificar quilómetros e percursos.</font>
</p><p><font>45-A (Aditado) Em 11.1.2011, a Ré solicitou à Autora documentos, conforme o teor de fls. 147 e 148.</font>
</p><p><font>46. Relativamente às amostras de produtos, por Fax, datado de 18 de Novembro de 2010, a Autora comunicou à LL que tais amostras, por normas de segurança no manuseamento de produtos perigosos, são obtidas pelo expedidor e pelo destinatário das mercadorias e por isso, na qualidade de transportador, não gozava do direito a obter tais amostras.</font>
</p><p><font>47. No mesmo fax, foi reiterado que a Autora estava na posse de certificado de lavagem confirmativo da realização dos serviços conforme os procedimentos normais, razão pela qual não foi efectuada qualquer reclamação contra a entidade que procedeu à lavagem do veículo já identificado.</font>
</p><p><font>48. A Autora não entregou cópia do tacógrafo.</font>
</p><p><font>49. Após a referida explicação e entrega de parte da referida documentação, e após várias interpelações para que a Ré assumisse a sua responsabilidade pelo sinistro, após a Autora ter fornecido à Ré a factura com o valor da mercadoria sinistrada – €19.775,391(dezanove mil setecentos e setenta e cinco euros e trinta e nove cêntimos), até à presente data esta não assumiu a responsabilidade pelo pagamento da dita mercadoria. </font>
</p><p><font>50. Quantia, esta, que a sociedade FF reteve, não pagando à aqui Autora, créditos de igual montante, tendo já informado verbalmente que face ao arrastamento da regularização deste processo, irá brevemente debitar aquele valor à Autora.</font>
</p><p><font>51. (Alterado) Por alegadas razões (pela Autora) de segurança, os produtos contaminados permaneceram acondicionados nos tanques da cisterna pertença da Autora, desde 29.07.2010, nas instalações da sociedade FF, Lda..</font>
</p><p><font>52. (Alterado) Neste período, a Autora e a FF solicitaram uma à outra instruções para proceder à destruição dos produtos contaminados.</font>
</p><p><font>53. (Alterado) Aquela cisterna ficou imobilizada nas instalações da dita sociedade FF, até à presente data.</font>
</p><p><font>54. De acordo com a tabela de paralisações inserida no acordo Antram-APS de 2009, em relação aos serviços internacionais, a paralisação corresponde a um valor diário de €235,49.</font>
</p><p><font>3.º Transporte/sinistro [15 de Dezembro de 2010]:</font>
</p><p><font>55. O semi-reboque com a matrícula ... ficou abrangido pelo contrato de seguro dos autos como aderente n.º ...</font>
</p><p><font>56. Tendo sido estabelecido para o mesmo um capital seguro de €25.000,00 e uma franquia, ou parte primeira de qualquer indemnização sempre a cargo da Autora, de «10,00% dos prejuízos indemnizáveis, mínimo de 500,00 €».</font>
</p><p><font>57. No dia 14 de Dezembro de 2010 o conjunto de veículos tractor matrícula ... e cisterna matrícula ..., depois de ter descarregado a carga de emulsão de parafina no cliente MM em Solsona, Espanha foi lavado nos Lavadeiros de Cisternas DD no porto de Barcelona.</font>
</p><p><font>58. Por essa lavagem foi emitido um certificado europeu de lavado.</font>
</p><p><font>59. No dia 15 de Dezembro de 2010 foram carregados na cisterna com a matrícula ... dois produtos, com destino às instalações da sociedade FF, Lda., em Portugal, conforme CMR 01/2610 e CMR 28412, que se juntam:</font>
</p><p><font>a) Na NN, no Porto de Barcelona 40.180 Kg (37.320 + 2.860) de Acetato de Isopropilo;</font>
</p><p><font>b) Na GG S.A., em Saint Vincenz de Castellet, Barcelona, 13.760,00 kg de Dimetil Formamida.</font>
</p><p><font>60. Em conjunto os ditos produtos têm um valor de €28.481,80 (12.521,60 + 9.039,00 + 6921,20). </font>
</p><p><font>61. Aquando do segundo carregamento de “Isopropilo”, nas instalações da GG, S.A., foi verificado pelas pessoas que procediam a tal operação, que os ditos tanques estavam contaminados, apresentando-se o colector todo branco de parafina e o produto tinha partículas em suspensão.</font>
</p><p><font>62. De imediato a Autora deu conhecimento aos “DD”, desse incidente, solicitando com carácter de urgência a deslocação de uma perito indicado por aquela sociedade para apurar o sucedido, bem como comprovar a alegada contaminação, conforme cópia de correio electrónico que se junta.</font>
</p><p><font>63. Sendo que a seguradora daqueles “DD” declinaram qualquer responsabilidade na indemnização dos danos causados por aquela contaminação.</font>
</p><p><font>64. A Autora participou este sinistro à Ré Seguradora, por correio electrónico de 16.12.2010.</font>
</p><p><font>65. A Autora sempre manifestou a vontade que o produto contaminado fosse descarregado, por forma a que os ditos veículos pudessem ser utilizados na sua actividade económica, uma vez que se encontravam “retidos” no parque da “GG”, em “S. Vincenz de Castellet.</font>
</p><p><font>66. Por correio electrónico de 28 de Dezembro de 2010, a sociedade correctora de seguros HH, confirma à Autora que a Ré seguradora já havia indicado um perito em Espanha para apurar o sucedido e, que este nada tinha a opor à descarga da cisterna.</font>
</p><p><font>67. Todavia, advertia que os custos de tal armazenamento e descarga não seriam suportados pela Ré seguradora, caso se viesse a concluir pela responsabilidade da contaminação viesse a ser imputada à “DD”.</font>
</p><p><font>68. Daí que a 29 de Dezembro, a sociedade FF não autorizou a descarga da cisterna sem qualquer informação por parte da seguradora ou das seguradoras.</font>
</p><p><font>69. Face ao impasse, estando o motorista e veículos impedidos em Espanha, pelas razões já expostas, a 30 de Janeiro de 2011 a Autora enviou à Correctora de Seguros HH, correio electrónico onde informa que a GG só procederia à descarga dos produtos contaminados, com a autorização da Ré seguradora.</font>
</p><p><font>70. A Autora assumiu perante aquela “GG” o custo da descarga e armazenamento dos produtos contaminados, tendo para o efeito solicitado orçamentos.</font>
</p><p><font>71. Aquela sociedade comunicou por correio electrónico de 28 de Março de 2011 que os custos da operação seriam:</font>
</p><p><font>a) €77,00 por unidade de contentores a utilizar;</font>
</p><p><font>b) €18,00/tonelada pela descarga para tais contentores;</font>
</p><p><font>c) €18,00/tonelada/mês para armazenamento de tais produtos.</font>
</p><p><font>72. Preços que a Autora se viu obrigada a aceitar, por forma a liberar quer os seus veículos, quer o seu motorista que ali se encontrava desde a data do sinistro.</font>
</p><p><font>73. A 30 de Março de 2011, foi aquela operação de descarga concluída, tendo os veículos pertença da Autora regressado a Portugal.</font>
</p><p><font>74. Salienta-se que tal assunção teve por objectivo libertar o veículo e cisterna que ali se encontravam “retidos”, pois o prazo para a realização de nova inspecção estava a terminar, sendo certo que aqueles veículos, expirado o dito prazo de validade da inspecção, não teria condições para circular na via pública, o que acarretaria ainda maiores prejuízos à Ré.</font>
</p><p><font>75. Daí a urgência em libertar os veículos e motorista, conforme foi explicado no correio electrónico de 23 de Março de 2011.</font>
</p><p><font>76. O valor da mercadoria sinistrada ascende a €28.481,80 (vinte e oito mil quatrocentos e oitenta e um euros e oitenta cêntimos).</font>
</p><p><font>77. Quantia esta que a sociedade FF tem retido, não pagando à aqui Autora créditos de igual montante, tendo já informado verbalmente que face ao arrastamento da regularização deste processo, irá brevemente debitar aquele valor à Autora.</font>
</p><p><font>78. Por razões de segurança e por forma a permitir as diligências periciais, os produtos contaminados permaneceram acondicionados nos tanques da cisterna pertença da Autora, desde 15/01/2011, nas instalações da sociedade GG, em S. Vincent de Castellet, em Espanha, até 30 de Março de 2011.</font>
</p><p><font>79. Neste período a Autora solicitou à Ré instruções e autorizações para proceder à descarga dos produtos contaminados, bem como do destino final a dar aos mesmos.</font>
</p><p><font>80. (Eliminado).</font>
</p><p><font>81. (Alterado) Em 28/03/2011, através de corrector de seguros da autora, foram entregues à Ré cópias da factura comercial relativa aos produtos contaminados.</font>
</p><p><font>82. De acordo com a tabela de paralisações inserida no acordo Antram-APS de 2009, em relação aos serviços internacionais, a paralisação corresponde a um valor diário de €235,49.</font>
</p><p><font>83. Durante o período em que os veículos estiveram imobilizados nas instalações da GG, os ditos veículos, durante a noite, foram por diversas vezes vandalizados, tendo sido furtados farolins traseiros e o pisca frontal do lado esquerdo do tractor e os extintores e dois pneus do 3.º eixo que foram furados.</font>
</p><p><font>84. Para a reparação de tais danos, a Autora despendeu a quantia de €740,25.</font>
</p><p><font>85. Tais danos, que foram causados por desconhecidos nos veículos da Autora, ocorreram durante aquele período de imobilização e estando aparcados nas instalações daquela sociedade GG. </font>
</p><p><font>86. Inicialmente o produto contaminado esteve armazenado na cisterna que serviu de transporte até 30 de Março de 2011, data em que os mesmos foram transvasados para contentores, a fim de libertar a cisterna.</font>
</p><p><font>87. E só em Outubro de 2011 foram encaminhados para a empresa QUIMIJUNO, sita na Zona Industrial da Formiga, em Pombal, para reutilização, após devida valorização.</font>
</p><p><font>88. A sociedade OO recebeu aquele produto em troca das despesas com o transporte e valorização do produto a partir de S. Vicent de Castellet, Barcelona, onde o mesmo estava armazenado, nada liquidando à Autora ou à sua cliente FF.</font>
</p><p><font>89. Entre Abril e Setembro de 2011, os produtos contaminados, depois de descarregados da cisterna pertença da Autora, ficaram armazenados em tanques, em S. Vicent de Castellet, Barcelona.</font>
</p><p><font>90. A sociedade FF, Lda., debitou à Autora a quantia de €3.436,87 a título de despesas pelo enchimento para os ditos tanques.</font>
</p><p><font>91. E debitou ainda a título de despesas de armazenamento dos produtos contaminados, a quantia de €3.573,77.</font>
</p><p><font>92. Despesas que totalizam a quantia de €7.010,64, que foram efectivamente liquidadas àquela sociedade por encontro de contas.</font>
</p><p><b><font>2.2. A autora, recorrente principal, remata as suas alegações com as seguintes conclusões, depois de sintetizadas, na sequência de despacho proferido nesse sentido:</font></b>
</p><p><font>a) Quanto à responsabilização da seguradora pelos prejuízos causados à aqui recorrente com a paralisação concreta das cisternas com o produto contaminado no seu interior, despesas com transbordo e encaminhamento dos salvados, entendeu-se no douto acórdão ora recorrido que a recorrida seguradora, por força do artigo 129° do decreto-lei 72/2008, não tinha o domínio da coisa - produto sinistrado - e que, por isso, não tinha competência para determinar o destino do produto sinistrado, indo mais além: sustentando que a recorrente não dependia da colaboração da recorrida para dar destino ao salvado;</font>
</p><p><font>b) Este entendimento, que não nos convence e a nosso ver faz "tábua rasa" do estipulado na alínea e) do n.</font><sup><font>º</font></sup><font> l do artigo 15° do contrato em crise nos presentes autos, que impede a recorrente de dar qualquer destino à mercadoria sob pena da recorrida seguradora se eximir, ou tentar eximir, da sua responsabilidade por força da violação daquela cláusula;</font>
</p><p><font>c) Além disso, como resulta dos artigos 36° a 40°, 119° a 123º da sempre douta contestação da recorrida, dos factos dados como não provados na decisão de primeira instância sob a alínea f) e m), e do documento de fls. 69 a posição daquela sempre foi a de que a mercadoria transportada nem sequer se constituía em perda total;</font>
</p><p><font>d) Acresce que conforme resulta dos pontos 30 e 31 da matéria de facto dada como provada a recorrente solicitou à recorrida instruções e autorizações para proceder à descarga dos produtos contaminados bem como o destino final a dar aos mesmos e apresentou uma proposta para venda dos produtos à sociedade espanhola "II" tendo a recorrida informado a recorrente que não deveria vender os produtos;</font>
</p><p><font>e) E, ainda do ponto 52 da matéria de facto dada como provada resulta, novamente, que a recorrente solicitou à recorrida instruções para proceder à destruição dos produtos contaminados;</font>
</p><p><font>f) Bem se vê que a recorrente tentou dar um destino aos produtos contaminado diligenciado junto da recorrida por forma a salvaguardar a sua posição de segurada;</font>
</p><p><font>g) Pelo contrário, numa atitude de completa falta de colaboração, a recorrida para além de não assumir a perda integral do produto contaminado, não autorizou a sua a venda, pelo que a recorrente não pode dispor daquele produto sob pena de, também por esta via, a recorrida se eximir ou tentar eximir das suas responsabilidades sob argumento que não havia perda total do produto;</font>
</p><p><font>h) Não é possível a interpretação singular do artigo l29º do decreto-lei 72/2008 sem a conjugação da al. e) do n.° l do artigo 15° do contrato dos autos sob pena de estarmos a permitir que por uma via ou por outra a seguradora se possa eximir das suas responsabilidades;</font>
</p><p><font>i) Pois, se a segurada, aqui recorrente, determinasse o que fazer ao salvado a seguradora não assumiria a responsabilidade por violação da e) do n.° l do artigo 15° do contrato dos autos e porque sustentava não haver perda total;</font>
</p><p><font>j) Se pelo contrário a segurada não determinasse, como não determinou, o que fazer ao salvado em obediência à alínea e) do n.° l do artigo 15° do contrato dos autos, a seguradora também não assumiria a responsabilidade por privação do uso das cisternas, despesas de transbordo e encaminhamento dos salvados, desta feita ao abrigo do disposto no artigo 129º do decreto-lei 72/2008;</font>
</p><p><font>k) Destarte, como se entendeu na douta sentença proferida pela Primeira Instância, quanto a este aspecto, em face da conduta omissiva por parte da Recorrida Seguradora deve a mesma ser responsabilizada pela indemnização pelos danos causados à aqui recorrente com a privação de uso das cisternas (que ficaram imobilizadas com o produto contaminado no seu interior), bem como pelas despesas de transbordo e encaminhamento dos salvados (produtos contaminados).</font>
</p><p><font>l) Quanto à questão da recorrida estar em condições de quantificar o valor indemnizatório a pagar à recorrente, diz a alínea d) do artigo 14° do contrato dos autos que </font><i><font>«o segurador obriga-se a: pagar a indemnização devida logo que concluídas as averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento da responsabilidade do Segurado e ao estabelecimento do acordo quanto ao valor a indemnizar. Se </font></i><i><u><font>decorridos 30 dias.</font></u></i><i><font> o Segurador, de posse todos os elementos indispensáveis à reparação dos danos ou ao pagamento da indemnização acordada, não tiver realizado essa obrigação, por causa não justificada ou que lhe seja imputável, incorrerá em mora, vencendo a indemnização juros à taxa legal em vigor.»</font></i>
</p><p><font>m) Além disso, o artigo 104° do decreto-lei 72/2008 prescreve que</font><i><font>: “A obrigação do segurador vence-se decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos a que se refere o artigo 102.º”.</font></i>
</p><p><font>n) Por sua vez, o artigo 102° do decreto-lei 72/2008 estabelece que: </font><i><font>"1 - </font></i><b><i><u><font>O segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências.</font></u></i></b><i><font> 2 - Para efeito do disposto no número anterior, dependendo das circunstâncias, pode ser necessária a prévia quantificação das consequências do sinistro. 3 - A prestação devida pelo segurador pode ser pecuniária ou não pecuniária."</font></i>
</p><p><font>o) Ora a recorrida, independentemente de estar munida de cópia da factura comercial dos produtos contaminados, estava em condições de quantificar as consequências do sinistro, porque no artigo 23° da Convenção CMR estabelece-se que: </font><i><font>"1. Quando for debitada ao transportador uma indemnização por perda total ou parcial da mercadoria, em virtude das disposições da presente Convenção, essa </font></i><b><i><font>indemnização será calculada segundo o valor da mercadoria no lugar e época em que for aceite para transporte</font></i></b><i><font>. 2. O valor da mercadoria será determinado pela cotação na bolsa, ou, </font></i><b><i><font>na falta desta, pelo preço corrente no mercado</font></i></b><i><font>, ou, na falta de ambas, pelo valor usual das mercadorias da mesmo natureza e qualidade.";</font></i>
</p><p><font>p) Resulta, pois, à saciedade que a recorrida estava habilitada a quantificar as consequências do sinistro por força dos critérios estabelecidos na sobredita clausula 23º da Convenção CMR, dentro daquele prazo de 30 dias, mesmo sem estar munida da factura comercial do produto contaminado;</font>
</p><p><font>q) Não colhendo, por isso, </font><b><font>por existência de outros critérios objectivos, para a quantificação do valor de mercado dos produtos contaminados</font></b><font>, o "falso" argumento de que por a recorrente não ter entregue a cópia da factura do produto sinistrado, por si só justificou a impossibilidade por parte da Recorrida seguradora de quantificar o valor indemnizatório devido;</font>
</p><p><font>r) Alias, coisa que não se p | [0 0 0 ... 0 0 0] |
dzKku4YBgYBz1XKv3SaM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. - AA intentou acção declarativa contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe quantia de 150.000,00€, acrescida de juros legais desde a data da citação, como reparação por danos não patrimoniais por ele sofridos com a conduta do Réu.</font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que exerce funções como Juiz de Direito no Círculo Judicial de ... desde 20/09/03, tendo, no exercício dessa actividade, presidido à audiência de julgamento em que o R. patrocinava a CC; a audiência de julgamento findou em 06/02/06 e, proferida sentença, ambas as partes recorreram; em 01/03/07, o R. entregou no C.S.M. uma participação, na qual escreveu ter existido evidente conluio do A. com uma Ré do processo, assumindo o participante que existiam fortes indícios de corrupção do A. e requerendo que se investigassem os seus meios de fortuna e com que meios adquiriu o prédio de ... em que reside. A participação abalou a imagem do A. junto dos seus colegas e advogados que, por via dos factos nela vertidos, se sentiu atingido na sua dignidade e honra, ficou preocupado, deprimido e ansioso. </font>
</p><p><font>O Réu contestou, alegando, em resumo, que sempre pautou a sua conduta pela defesa da dignidade da magistratura e o maior respeito e colaboração com os profissionais dos tribunais, sendo que as expressões que constam da participação, resultaram da conjugação de várias circunstâncias, nomeadamente o estado de espírito do R., perturbado por grave doença oncológica, pelo facto de o legal representante de uma Ré se gabar de ter todas as garantias de um julgamento favorável por parte do A., por ter entendido que o A. praticou erros grosseiros na avaliação da prova e subsequente sentença e pela forma como lidou com ele, R., em contraponto à forma como lidou com o Advogado da parte contrária. Acrescentou ter agido apenas enquanto Advogado, no âmbito do patrocínio que lhe fora cometido, embora o pudesse ter feito de forma excessiva. </font>
</p><p><font>Foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o R. a pagar ao A. a quantia de 50.000,00 euros. </font>
</p><p><font>O R. recorreu, requerendo, além do mais, a ampliação da matéria de facto, tendo o Tribunal da Relação anulado a decisão recorrida e todos os actos processuais a esta subsequentes, "...para se apurar toda a factualidade controvertida relevante para a decisão, nomeadamente a que se referenciou (a relacionada com os arts. que não foram levados à BI art. 34, 35 e 40 e segs. e matéria de facto que seja possível apurar, não sendo conclusiva nem de direito) …". </font>
</p><p><font>Em cumprimento do ordenado, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> proferiu despacho, aditando à B.I. mais cinco quesitos.</font>
</p><p><font>Dessa decisão reclamou o R., por entender que não havia sido aditada outra matéria de facto relevante para a decisão da causa, relativa aos arts. 40.° e ss. e 14.° e 15.° da contestação, reclamação atendida, quanto à matéria do art. 40º (novo quesito 6º), mas indeferida na parte restante. </font>
</p><p><font>Desse indeferimento, o Réu interpôs recurso de agravo, visando a inserção na B. I. da factualidade constante do art. 14º da contestação. </font>
</p><p><font>Após a reabertura do julgamento, foi proferiu nova sentença que repôs a condenação do R. a pagar ao A. a quantia de € 50.000,00, atribuiu os juros moratórios a partir da data da sentença e isentou o A. das custas. </font>
</p><p><font>Ambas as Partes interpuseram recurso de apelação, sendo o do Réu subordinado</font><font>.</font>
</p><p><font> Apreciando os recursos, no acórdão impugnado decidiu-se: </font>
</p><p><font> “</font><i><font>a) Negar provimento ao agravo, confirmando-se, consequentemente, o<br>
despacho recorrido;</font></i>
</p><p><i><font> b) Negar provimento à apelação principal interposta pelo R. e, consequentemente, confirmar, neste particular, a decisão recorrida;</font></i>
</p><p><i><font> c) Conceder parcial provimento à apelação interposta pelo A. e, consequentemente, revogar parcialmente a decisão recorrida, condenando-se agora o R. a pagar ao A. a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescido de juros a contar da sentença (fls. 484);</font></i>
</p><p><i><font> d)No mais, confirma-se a decisão recorrida.</font></i>
</p><p><i><font> Custas pelo agravante/apelante principal/R. e pelo apelante /A., na proporção dos respectivos decaimentos, estando, no entanto, o A. isento de custas</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Réu interpõe agora recurso de revista em que formula, a final, a pretensão de ser absolvido do pedido ou, no limite não ultrapassar a indemnização a quantia de 2.500,00€, sem prejuízo da ponderação das questões processuais alegadas (ampliação da base instrutória, como pedido no agravo não provido, e alteração da matéria de facto, quanto à resposta ao quesito 6º).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Para tanto, nas conclusões que se transcrevem, argumenta como segue.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A - O presente recurso tem o seguinte objecto: </font>
</p><p><font> a) a matéria do agravo referente ao despacho que não admitiu o aditamento à BI da factualidade constante do artigo 14° da contestação do Recorrente: violação do art. 511°, n.º 1 do CPC; </font>
</p><p><font> b) o erro processual relativo aos termos em que a Relação apreciou a impugnação da matéria de facto referente à resposta ao quesito 6° da primitiva BI: violação dos arts. 653°, n.º 2 e 712°, n.º 2 do CPC; </font>
</p><p><font> c) a questão da ilicitude dos actos imputados ao Recorrente; </font>
</p><p><font> d) o montante indemnizatório arbitrado; </font>
</p><p><font> e) a condenação em custas. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B - Está em causa o facto de o Tribunal de 1.ª instância não ter levado à base instrutória um quesito do seguinte teor: "A motivação que presidiu à utilização (na participação ao CSM) pelo R. das expressões em apreço foi o resultado da conjugação das circunstâncias referidas no art. 14° da contestação, tal como por ele foram avaliadas?" </font>
</p><p><font>C - No acórdão ora recorrido, não se acolhe a argumentação do agravante, uma vez que a factualidade relevante teria sido acolhida no aditamento à BI subsequente ao acórdão da Relação de 16/04/09, restando apenas matéria de carácter conclusivo, que não caberia quesitar, dado que - como esse acórdão da Relação também refere - não cabe levar à BI nem matéria conclusiva, nem matéria de direito. </font>
</p><p><font>D - Porém, a tese do acórdão recorrido não colhe. </font>
</p><p><font>É que a matéria do art. 14° da contestação tem a ver com aquilo que determinou o estado de espírito que levou o Recorrente a praticar a denúncia ao CSM nos termos em que o fez. E a ponderação da relação entre esse conjunto de circunstâncias e o comportamento do Recorrente é decisiva para avaliar da boa fé da sua atitude ou, pelo contrário, da natureza gratuita da sua motivação. </font>
</p><p><font>É certo que algumas das circunstâncias constantes das alíneas de tal art. 14° da contestação acabaram por ser objecto de quesitação autónoma, continuando, contudo, a faltar a referência à matéria da alínea b), que tem a ver com a percepção do R. quanto à natureza dos alegados "erros grosseiros" pelo Sr. Juiz, ora Recorrido, o que, conjugado com os outros elementos, o determinou a fazer a denúncia em apreço. </font>
</p><p><font>Naturalmente que não cabe nestes autos proceder à análise daquilo que o R., ora Recorrente, entende que foram os "erros grosseiros" do A., ora Recorrido, mas tão somente ponderar se a percepção que o R. teve desses alegados "erros grosseiros", devidamente conjugada com as outras circunstâncias invocadas, justifica a boa fé - ou, pelo menos, a ausência de um propósito malévolo - por parte do ora Recorrente. </font>
</p><p><font>E - Pelo exposto, uma aplicação adequada do art. 511°, n.º1 do CPC - que estipula que deve ser levada à BI a matéria de facto relevante para as várias soluções de direito plausíveis - levaria a que a matéria do art. 14° da contestação fosse levada à BI, razão pela qual, não o tendo sido, se mostra violado aquele preceito legal. </font>
</p><p><font>F - Em qualquer caso, o entendimento do art. 511 ° n.º 1 do CPC - no sentido de que não são relevantes para a causa as várias circunstâncias concretas que levaram alguém, ainda por cima advogado, a participar ao CSM determinada conduta de um magistrado, numa acção de responsabilidade civil em que se discute a ilicitude e a culpa do réu da acção - é inconstitucional, por violação do princípio de um processo equitativo (cfr. art. 20° n.º 4 CRP e art. 6° da CEDH).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>G - Na 1 ª instância, o Tribunal deu como "provado" a matéria do quesito 6° da primitiva BI, onde se perguntava: "em consequência, o A. anda deprimido, nervoso, ansioso e com perturbações de sono?" </font>
</p><p><font>H - Na apelação, o Recorrente alegou que a prova produzida em audiência de julgamento não permitiria sustentar a resposta de "provado" relativamente a todas essas alegadas sequelas da denúncia efectuada, o que se mantém, muito embora a sua argumentação, nessa sede, não possa agora ser apreciada, uma vez que o STJ não aprecia matéria de facto. </font>
</p><p><font>I - Porém, num segmento, é manifesto que a Relação cometeu um erro processual na forma como apreciou a questão, já que o acórdão recorrido reconheceu, afinal, que os depoimentos em que se funda a resposta de "provado" se reportaram às sequelas causadas ao A., ora Recorrido, em data anterior à da propositura da acção.</font>
</p><p><font>J - Assim sendo, a resposta ao quesito nunca pode ser a de "provado", mas, no limite, terá de ser ''provado à data da propositura da acção". </font>
</p><p><font>E essa distinção faz toda a diferença, porque uma coisa são os incómodos sofridos pelo A. quando teve conhecimento da participação ao CSM, outra coisa é a manutenção de tais danos em termos que quase corresponderiam a uma incapacidade permanente, o que manifestamente não ficou provado. </font>
</p><p><font>K - Pelo exposto, o acórdão recorrido aplicou erroneamente o art. 653°, n.º 2 do CPC, devidamente conjugado com o art. 712°, n.º 2 do mesmo código, uma vez que considerando os termos da sua própria fundamentação - deveria ter alterado a resposta ao quesito em apreço nos termos acima enunciados. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>L - Por outro lado, o comportamento do Recorrente não é ilícito, uma vez que não se demonstrou que ele agiu de forma gratuita ou malévola. </font>
</p><p><font>Pode até ter avaliado mal as circunstâncias do caso, mas isso não o pode inibir no exercício do direito e do dever que praticou. </font>
</p><p><font>M - Estamos num quadro de conflito de interesses, em que o inquestionável direito à honra do A. não tem um valor superior ao direito do R. a apresentar queixa a quem de direito, a menos que se tivesse provado que a sua acção fora puramente gratuita ou malévola, o que não aconteceu. </font>
</p><p><font>N - De resto, como é jurisprudência do TEDH, o exercício livre do direito de queixa tal como o R. o exerceu - é ainda uma manifestação da liberdade de expressão, que a CEDH, bem como a CRP, consagra, pelo que qualquer restrição - a não ser que fundada na aludida actuação gratuita ou malévola - sempre afrontaria tal princípio.</font>
</p><p><font> O - Assim sendo, falece um dos requisitos da responsabilidade civil, o que as instâncias erroneamente não consideraram: a falta de ilicitude do acto do R., que se limitou a exercer um direito de denúncia, sem que tivesse sido provado que a sua acção foi motivada por um intuito gratuito ou malévolo. </font>
</p><p><font>P - Em qualquer caso, mesmo que assim não fosse, a indemnização arbitrada a favor do A. no valor de 100.000 € - subindo para o dobro o valor já excessivo fixado na 1ª instância - é manifestamente desproporcionada e até arbitrária, sendo, de resto, completamente divergente dos critérios que a jurisprudência vem fixando. </font>
</p><p><font>Q - A Relação devia ter ponderado e não ponderou o seguinte: </font>
</p><p><font> - Que o Recorrente efectuou a participação em causa no exercício de um direito que entendeu que era relevante exercer; </font>
</p><p><font> - Que o Recorrente não deu qualquer publicidade - de nenhuma espécie - à participação em causa, que foi apresentada na sede própria (o CSM); </font>
</p><p><font> - Que o Recorrente se encontrava à época perturbado do ponto de vista psíquico e debilitado por via de complexas intervenções cirúrgicas e prolongados internamentos hospitalares (cfr. factos assentes sob os nº s. 18 a 20 do acórdão recorrido), tendo-se considerado desrespeitado pela forma descortês como o Sr. Juiz, ora Recorrido, o tratou na audiência de julgamento (cfr. factos assentes sob os nº s. 21 e 22 do acórdão recorrido); </font>
</p><p><font> - Que o Recorrente exerce a profissão de advogado há 50 anos, sendo reconhecido como combativo e exigente na defesa dos direitos que patrocina e respeitador de todos os profissionais dos tribunais (cfr. factos assentes sob os nº s 16 e 17 do acórdão recorrido), encontrando-se presentemente reformado, com uma pensão ilíquida de 1.335,19 € e com um grau de incapacidade de 80% (cfr. Docs. de fls. 212 e 213 não impugnados e utilizados pelo Tribunal na fundamentação da resposta sob quesito 10 a 12 da primitiva base instrutória); </font>
</p><p><font> - Que não foi provada uma intenção gratuita ou um propósito malévolo por parte do Recorrente. </font>
</p><p><font>R - Acresce que o acórdão recorrido considerou segmentos fácticos que não constam da matéria de facto dada como assente, dando voz a puros "falatórios" que não se reportam a matéria provada. </font>
</p><p><font>S - Assim sendo, a adequada ponderação dos critérios previstos nos arts. 494º e 496º do CC - aplicados à matéria de facto assente - nunca permitiria a fixação de uma indemnização no montante arbitrado, que seria sempre excessivo. </font>
</p><p><font>Mesmo que os requisitos da responsabilidade civil se tivessem por verificados, tal indemnização nunca deveria ir além de 2.500 €, assumindo a natureza simbólica que as circunstâncias em causa sempre justificariam. </font>
</p><p><font>T - A indemnização fixada no montante de 100.000 € afasta-se - em termos manifestos - daquilo que é a prática jurisprudencial dos tribunais portugueses e europeus, não havendo, </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font>, qualquer circunstância especial que justifique a "punição" desmesurada de que as instâncias lançaram mão. </font>
</p><p><font>Bem sabemos que é a honra de um juiz - de resto, a ser julgado por outros juízes - que está em causa, mas o seu incómodo - que se admite - não é substancialmente diferente do incómodo de qualquer pessoa a quem se reportassem factos equivalentes. </font>
</p><p><font>U - O acórdão recorrido condenou o ora Recorrente em custas e delas isentou o A., na parte em que este decaiu, nos termos do art. 17º, n.º 1 - g) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o que é discriminatório e afronta o princípio da igualdade, já que a distinção não se funda em razão objectiva bastante que o justifique, arguindo-se, em conformidade, a inconstitucionalidade daquela norma legal em que se sustenta a desarmonia de tratamento. </font>
</p><p><font> O Recorrido ofereceu o merecimento dos autos.</font>
</p><p><font> 2. - Balizadas pelo conteúdo das conclusões da alegação do Recorrente, as </font><b><font>questões </font></b><font>a conhecer, como, aliás nelas proposto, podem enunciar-se como sendo as de: </font>
</p><p><font> - Ampliação da base instrutória, mediante o aditamento da factualidade constante do artigo 14° da contestação; </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Modificação da decisão sobre a matéria de facto, mediante alteração resposta ao quesito 6° da base instrutória; </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Ilicitude dos actos imputados ao Recorrente, como pressuposto da obrigação de indemnizar;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Redução do montante indemnizatório arbitrado; e, </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Isenção de custas do Autor. </font>
</p><p>
</p><p><font> 3. - Objecto do recurso. - Questões prévias.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 3. 1. - Inadmissibilidade do recurso sobre a ampliação da base instrutória.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Recorrente pretende, neste segmento do recurso, ver incluída na base instrutória a parte da matéria que verteu no art. 14º da contestação (als. c), d) e e)), matéria que as Instâncias consideraram “de carácter conclusivo, a extrair, ou não, dos demais factos levados à BI”, e, por isso, insusceptível de ser aditada ao despacho de condensação.</font>
</p><p><font> Argumenta que, tendo a matéria em causa “a ver com o estado de espírito que levou o Recorrente a praticar a denúncia ao CSM nos termos em que o fez … é relevante para as várias soluções de direito plausíveis”, nos termos previstos no art. 511º-1 CPC </font>
</p><p><font> A decisão da Relação foi proferida sobre recurso de agravo interposto de despacho que, apreciando reclamação sobre a exactidão do cumprimento do acórdão da Relação que determinou ampliação, a indeferiu.</font>
</p><p><font> Está-se, pois, quanto à matéria sob impugnação, perante uma situação de agravo continuado, incorporada no recurso de revista, como prevê o n.º 1 do art. 722º CPC.</font>
</p><p><font> Mais estabelece esta norma que o recorrente pode invocar a violação da lei de processo, «quando desta for admissível o recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754º». </font>
</p><p><font> O regime do recurso de agravo em 2ª instância encontra-se fixado no dito art. 754º CPC, dele resultando, ao que aqui importa convocar, não ser admissível recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância (agravo continuado), ressalvados os casos de oposição de acórdãos ou tratando-se de decisão final, hipóteses que não ocorrem no caso sob apreciação (n.ºs 2 e 3 do preceito). </font>
</p><p><font> Consequentemente, o recurso interposto, na parte em que tem por objecto a alegação de violação da norma do art. 511º-1 CPC, está directamente vedado pela mesma lei processual, vedado estando, por isso, o respectivo conhecimento. </font>
</p><p><font> Acresce que o recurso está ainda proibido pela norma do n.º 6 do art. 712º CPC., ao menos em razão do fundamento invocado pelo Recorrente. </font>
</p><p><font> Com efeito, o Recorrente argumenta, com a relevância da referida matéria - que entende constituir “matéria de facto” -, para as várias soluções de direito plausíveis (apesar de o fundamento da decisão que impugna ter sido a de o articulado reclamado conter apenas “matéria conclusiva”, de quesitação não permitida, por equiparável a matéria de direito). </font>
</p><p><font> Ora, desse ponto de vista, seja por tomada iniciativa da parte, seja oficiosamente, a Relação move-se no exercício das competências e poderes consignados no último segmento do n.º 4 do citado art. 712º, ou seja, decide emitindo um juízo de necessidade de ampliação sobre a matéria de facto, tendo em conta, designadamente, o critério fornecido pelo dito art. 511º-1. </font>
</p><p><font> Porque a selecção e fixação dos factos materiais da causa constitui matéria reservada à exclusiva competência das Instâncias, na qual o STJ não pode imiscuir-se, salvo os casos excepcionais expressamente admitidos no n.º 2 art. 729º CPC, bem se compreende que, em sintonia com a regra aí consagrada – a proibir ao Supremo alterações à matéria de facto -, se vede o recurso sobre decisões que tenham por objecto a sua fixação, salvaguardada que fica, em qualquer caso, a possibilidade de ampliação quando ao Tribunal de revista se depare falta de base suficiente para a solução jurídica do pleito (n.º 3 do mesmo art. 729º). </font>
</p><p><font> Concluindo este ponto, reafirma-se a inadmissibilidade do recurso quanto à matéria do agravo continuado, e, consequentemente, não se conhece da pretendida ampliação da matéria de facto, integrante do respectivo objecto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Resta deixar dito que a questão da inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 511º CPC carece, a nosso ver de objecto, pois que, nem a decisão ora recorrida, nem as anteriormente proferidas no processo, sobre a inclusão na base instrutória do alegado nas als. c) e ss. do art. 14º da contestação assentaram em juízo e decisão sobre a relevância ou irrelevância de tal matéria, mas, antes, insiste-se, na sua qualificação como matéria conclusiva.</font>
</p><p><font>Com efeito, não está aqui em causa a questão de saber se era possível proferir decisão sobre o mérito da causa no despacho saneador, correspondendo a matéria de facto seleccionada para essa decisão ao critério legal vertido no art. 511º-1 CPC, ou seja, a consideração, na fundamentação de facto da decisão, da matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, formulando um juízo de suficiência a implicar a utilização de critérios jurídicos tendentes a averiguar se os factos, ou determinados factos, integram a previsão de certas normas jurídicas, à luz da relação entre a causa de pedir e o pedido.</font>
</p><p><font> 3. 2. - Inadmissibilidade do recurso sobre a modificação da decisão de facto. </font>
</p><p><font> O Recorrente sustenta que deve ser alterada a resposta ao quesito 6º, restringindo-se-lhe o conteúdo, a reportar temporalmente apenas “à data da propositura da acção”, pretensão que apoia nos depoimentos de duas das testemunhas inquiridas, tendo em conta a ocasião em que, conforme aceite na própria fundamentação do acórdão, terão tido contactos com o Autor. </font>
</p><p><font>Embora socorrendo-se de apoio numa passagem da fundamentação do acórdão, o Recorrente repõe o problema de reapreciação de provas e do não uso pela Relação dos poderes de alteração da matéria e facto concedidos pelo art. 712º CPC, nomeadamente ao abrigo dos seus n.º 2, preceito que expressamente invoca como violado.</font>
</p><p><font>Na verdade, tudo se reconduz a que o Recorrente considera incorrectamente fixada e julgada pelas instâncias a matéria de facto, fundando a revista, nessa parte, em erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, a revelar-se por erro na resposta àquele ponto da base instrutória. </font>
</p><p><font>Não invoca violação de disposição legal impositiva de certo meio específico de prova para a existência de qualquer dos ditos factos ou com especial força probatória, nem insuficiência ou contradição entre concretos pontos da matéria de facto fixada, susceptíveis de inviabilizarem a solução jurídica da causa, condições sempre exigidas nos arts. 722º-2 e 729º-2 e 3 e sem o concurso das quais o erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto não pode ser objecto de recurso de revista. </font>
</p><p><font> É jurisprudência uniforme e constante desde STJ só caber nos seus poderes de apreciação o uso feito pela Relação dos poderes concedidos pelo art. 712º CPC, designadamente saber se a modificação operada assentou em fundamento previsto na lei, por ser matéria de direito averiguar se houve violação da lei do processo, mas estar-lhe já vedado censurar o não uso desses mesmos poderes quando se entra no campo da apreciação dos meios de prova e fixação dos factos materiais da causa, perante o qual se erguem os apertados limites constantes das ditas normas dos arts. 722º-2 e 729º-2 e 3. </font>
</p><p><font>Consequentemente, não se verificando nenhum dos casos excepcionais que o autorizem, está, no caso, vedada ao Supremo a intromissão na fixação dos factos, constituindo matéria da exclusiva competência das instâncias (art. 722º-2, 2ª parte). </font>
</p><p><font> Está, por isso, este Tribunal vinculado à matéria de facto fixada pelas instâncias, carecendo de fundamento legal o pedido de reapreciação formulado. </font>
</p><p><font>Concordantemente, e uma vez mais, prevê a lei que das decisões da Relação previstas no art. 712º, onde se contém a do n.º 2, que a pretensão do Recorrente ora convoca, não caiba recurso – n.º 6 do preceito. </font>
</p><p><font>Em conclusão, não admite o regime legal que se conheça, também nesta parte, do objecto do recurso de revista interposto, o qual, por inadmissibilidade, tem de ser rejeitado.</font><font> </font>
</p><p><font> </font><font>4. – A </font><b><font>matéria de facto</font></b><font> – como dito aqui intocável - vem fixada pela Relação nos termos que seguem. </font>
</p><p><font>1. O A. exerce funções como juiz no Círculo Judicial de ... desde 20 de Setembro de 2003.</font>
</p><p><font>2. O A. presidiu ao julgamento do Proc. n.° ... do 3.° juízo cível do Tribunal da Comarca de ..., no qual era A. a CC e RR. DD, EE Lda., FF e Incertos.</font>
</p><p><font>3. Por óbito da R. FF, foram habilitados para prosseguir na causa em seu lugar, GG, HH, II e JJ.</font>
</p><p><font>4. O R. era Mandatário da A. nesse processo, CC.</font>
</p><p><font>5. A audiência de julgamento teve início em 28/11/05 e termo em 06/02/06, com fixação da matéria de facto, tendo a sentença sido proferida em 12/05/06.</font>
</p><p><font>6. No dia 01/03/07, o R. apresentou junto do Conselho Superior de Magistratura, uma participação contra o A., do seguinte teor: "</font><i><font>...No entender do advogado signatário, foi evidente o conluio do referido magistrado com a R. EE e com o seu sócio-gerente KK para favorecer um outro, com prejuízo da A.. Com efeito,</font></i>
</p><p><i><font> a) Logo na manhã do julgamento (1.ª audiência) o juiz manifestou telefonicamente ao participante o interesse em afastar a intervenção do colectivo do julgamento da matéria de facto e;</font></i>
</p><p><i><font> b) Salientou o juiz arguido que a confissão extrajudicial dos factos feita através do mandatário do gerente da EE (KK), enquanto arguido em processo-crime, não tinha relevo, "por não haver caso julgado" (sic), ignorando o valor da confissão como meio de prova, sendo certo que KK confirmou os factos relatados pelo advogado e confirmou que foi o Procurador da mãe (DD) e da Sociedade EE em tudo o que teve a ver com as diligências destinadas a registar o prédio em causa em nome da mãe;</font></i>
</p><p><i><font> c) O participado conheceu no processo cível que na escritura de justificação de posse duas das três testemunhas eram casadas entre si, facto conhecido da EE e de KK, sendo certo que essas testemunhas - eram pais da gestora de negócios de DD - LL - com domicílio laboral na sede da EE;</font></i>
</p><p><i><font> d) Ao longo do processo o juiz participado tomou Conhecimento que a escritura de venda do prédio em questão da DD à EE e o registo em nome desta sociedade não tem qualquer valor; Com efeito:</font></i>
</p><p><i><font> a)Nenhuma prova foi feita no processo de que a EE pagou preço pela compra do terreno à DD, ora exibindo um documento interno de balanço sem valor probatório, ora invocando os RR. que o preço se traduziu em suprimentos da DD à EE, sociedade de que nunca foi sócia;</font></i>
</p><p><i><font> b)Na escritura de compra da EE à DD aparece como único outorgante o KK, filho da vendedora e sócio-gerente da compradora;</font></i>
</p><p><i><font> c)A DD não tinha registo válido do prédio a seu favor por via da nulidade da escritura de justificação de posse, pelo que nada podia transmitir validamente.</font></i>
</p><p><i><font> 5. Daí que só podia concluir-se que o registo em nome da EE era nulo, como nulo era o registo em nome de DD e nula a transacção entre estas duas entidades por a compra e venda ser simulada por falta de preço.</font></i>
</p><p><i><font> 6. Ao não se pronunciar sobre a questão do preço da alegada venda de DD à EE, ao desvalorizar a confissão do Sr. KK no processo-crime e ao concluir pela boa fé da EE na aquisição do prédio à Sra. DD, o juiz participado revelou grosseiro conluio com a R. EE e com o sócio KK, com o claro propósito de os favorecer, com lesão da A. A conduta do juiz é tanto mais grosseira e parcial quando é certo que considerou provados factos de posse aquisitiva da Autarquia em relação a todo o prédio em discussão, havendo mesmo prova pericial que revela ter a Autarquia adquirido parte do prédio em discussão, ter exercido posse pública e pacífica por mais de 40 anos sobre todo o prédio, e reconhecida por todos os munícipes como única dona de todo o prédio, o que contradiz a sentença. Independentemente do que vier a concluir-se no recurso interposto, requer a abertura de Inquérito e Processo Disciplinar contra o Juiz participado assumindo o participante que há fortes indícios de corrupção do magistrado acima identificado... </font></i><font>".</font>
</p><p><font>7. Em sessão do Conselho Permanente do Conselho Superior de Magistratura, realizado em 20/03/07, "</font><i><font>Foi deliberado notificar o Exm.° Juiz de Direito do Círculo Judicial de ..., Dr. AA, para em 10 dias, se pronunciar sobre o teor do expediente remetido pelo Exm. ° Advogado Dr. BB, em que é visada a sua actuação no âmbito doproc. n. ° ... do ... Juízo Cível</font></i><font>."</font>
</p><p><font>8. Com data de 17/04/07, o A. apresentou a sua resposta à participação elaborada pelo R.</font>
</p><p><font>9. Em sessão do Conselho Permanente do C.S.M., realizada em 22/05/07, foi tomada a seguinte deliberação: "</font><i><font>Foi deliberado arquivar o expediente remetido pelo Exm.° Advogado Dr. BB, bem como a resposta do Exm.° Juiz de direito do Círculo Judicial de ... visado, Dr. AA, no âmbito do proc. n.° ..., do 3.° Juízo Cível, uma vez que não há qualquer fundamento para que, dos elementos referidos pelo expoente como objecto da sua discordância, se conclua por qualquer actuação interessada ou parcial do Exm.° Juiz. Mais foi deliberado não comunicar à Ordem dos Advogados uma vez que o Exmo. Juiz comunicou que irá actuar pela forma tida por conveniente</font></i><font>.."</font>
</p><p><font>10. O A. sempre pautou a sua conduta profissional pela discrição, sensatez e humildade.</font>
</p><p><font>11. Sempre foi considerado pelos seus colegas e no C.S.M., pela generalidade dos vogais que o foram sucessivamente constituindo, um magistrado de mérito e idónea conduta profissional.</font>
</p><p><font>12. O A. com esta partic | [0 0 0 ... 0 0 0] |
IjKXu4YBgYBz1XKvsSCl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> Recurso de revista nº1630/06.2YRCBR.C2.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
<font> </font>
<p><font> </font></p></div><br>
<b><font> I - RELATÓRIO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> AA - ..., S.A., </font></b><font>com sede na Av. ..., ..., ….º, Lisboa,</font><b><font> </font></b><font>intentou, ao abrigo do estatuído nos arts. 1094.º e segs. do Código de Processo Civil (CPC), acção de revisão de sentença estrangeira contra </font><b><font>BB - ..., Lda, </font></b><font>com sede na Rua ..., ..., ..., ..., Leiria, pedindo a revisão e confirmação de duas decisões arbitrais, proferidas pelo Tribunal Arbitral da CC – …., sediado em Londres</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>, em 14/01/05 e em 22/04/05, respectivamente, que condenam a requerida a pagar os montantes referidos nos respectivos textos, de modo a que as mesmas sejam plenamente eficazes e exequíveis em Portugal.</font>
</p><p><font>Deduzida oposição, foi alegado pela requerida, em síntese, que os contratos celebrados remetem, quanto ao regime aplicável, para a DD 22</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>, estando em causa cláusulas contratuais gerais que se limitou a subscrever sem conhecimento efectivo do seu teor e alcance, que igualmente não lhe foram comunicados; a invalidade das convenções de arbitragem é um facto que obsta, por interpretação dos arts. 1096.º, al. c), e 1097.º do CPC, e do art. V, n.º 1, al. a), da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (celebrada a 10/06/1958), à possibilidade de confirmação das respectivas decisões; da aplicação do direito português, e por diversos fundamentos, decorreriam para a requerida resultados mais favoráveis do que os apurados nas decisões arbitrais (art. 1100.º, n.º 2, do CPC), cujos pedidos de revisão impugna, pelo que deve a presente acção ser julgada improcedente.</font>
</p><p><font>Respondeu a requerente pugnando pela improcedência da oposição, pela condenação da requerida como litigante de má-fé, e pela confirmação das decisões em causa, tendo junto documentos.</font>
</p><p><font>A BB ofereceu novo requerimento pretendendo contraditar alguns aspectos focados na resposta à sua oposição e apresentar elementos de prova documental e testemunhal, o que, com ressalva da admissão dos documentos, foi indeferido por despacho de fls. 271, do qual agravou, após o que o Tribunal da Relação se considerou incompetente em razão da hierarquia sendo os autos remetidos ao Tribunal da comarca de Leiria onde foi proferida sentença, de fls. 552 a 558, que julgou procedente a pretensão formulada, confirmando as decisões arbitrais em causa.</font>
</p><p><font>Inconformada a requerida interpôs recurso, com junção de parecer, ao abrigo do art. 706.º, n.º 2, do CPC, subscrito pelo Professor Dr. Menezes Cordeiro e pelo Mestre Lacerda Barata (cf. fls. 644 a 755), e por acórdão de 24/11/09 proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por unanimidade, foi decidido “</font><i><font>anular o despacho que sustentou a decisão de desentranhar o requerimento da ré e de indeferir a produção de prova e que determinou a subida do agravo, bem como todo o processado posterior, incluindo a sentença final e remeter os autos à 1.ª instância para proferir despacho sobre tal requerimento com a subsequente tramitação do processo</font></i><font>” (fls. 779 a 797).</font>
</p><p><font>Efectuadas as pertinentes diligências probatórias, foi, a final, proferida a seguinte decisão: “</font><i><font>Pelo exposto, mostrando-se verificados os requisitos legais para o efeito, nomeadamente os previstos na aludida Convenção de Nova Iorque de 1958, julgo procedente a pretensão formulada pela requerente, pelo que revejo e confirmo as decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral da CC – …, respectivamente em 14 de Janeiro de 2005 e 22 de Abril de 2005, melhor descritas nos factos provados 1 e 4 e juntas aos presentes autos a fls. 7 a 68, passando as mesmas a ser plenamente eficazes e exequíveis em Portugal</font></i><font>”, tendo as partes sido absolvidas, reciprocamente, dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé (fls. 947 a 966).</font>
</p><p><font>Mantendo-se inconformada, a requerida BB interpôs novo recurso de apelação, tendo a Relação de Coimbra, por Acórdão do pretérito dia 19/06/13, uma vez mais por unanimidade, decidido julgar o recurso procedente, revogando a decisão da 1.ª Instância e, consequentemente, negar o reconhecimento das duas sentenças arbitrais (cf. fls. 1095 a 1123).</font>
</p><p><font>Manifestando a sua discordância, vem agora a requerente apresentar recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo, assim, as suas alegações (cf. fls. 1133 a 1169):</font>
</p><p><font>“1. Pese embora a Requerente, AA, ora recorrente, tenha lançado mão do reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras, proferidas pela CC, formulando pedido no sentido de as mesmas serem “</font><i><font>plenamente eficazes e exequíveis em Portugal</font></i><font>”, o que é certo é que, ulteriormente, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, nomeadamente através de douto Acórdão de </font><i><font>19/03/2009 (in CJSTJ, Ano XVII, Tomo 1/2009, páginas 147 a 149)</font></i><font>, no sentido de este processo de reconhecimento ser desnecessário nos casos em que as sentenças arbitrais hajam sido proferidas em Estado aderente à Convenção de Nova Iorque de 10/06/58 sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras; </font>
</p><p><font>2. No caso vertente, as sentenças cujo reconhecimento foi requerido foram proferidas no Reino Unido, país aderente àquela Convenção de Nova Iorque, pelo que, de acordo com a mais recente e moderna Jurisprudência, deverá entender-se que os reconhecimentos daquelas decisões arbitrais são desnecessários, sendo as mesmas automática e directamente exequíveis em Portugal (que é, igualmente, aderente à mencionada Convenção internacional); </font>
</p><p><font>3. A sujeição das decisões arbitrais em apreço ao presente processo de reconhecimento de sentença estrangeira, com vista à respectiva exequibilidade, consubstancia a violação de lei substantiva, designadamente do art. III da referida Convenção de Nova Iorque, sendo, portanto, fundamento válido para o presente recurso de revista, nos termos do disposto no art. 722.°, n.º 1, alínea a) e n.º 2 (actual art. 764.°, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPC na redacção da Lei n.º 41/2013), e constituindo a sua violação inconstitucionalidade material, por violação do disposto no art. 8.° da Constituição da República Portuguesa; </font>
</p><p><font>4. Assim não se entendendo, considerando que se verificam, in casu, todos os requisitos formais previstos na Lei para o reconhecimento das decisões arbitrais estrangeiras, mal decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, ao revogar a douta decisão da 1.ª Instância, e, assim, recusar o reconhecimento das decisões revidendas; </font>
</p><p><font>5. Ao invés do entendimento adoptado pelo Venerando Tribunal “a quo”, aliás sem qualquer fundamento na </font><i><font>“Matéria de facto provada”, </font></i><font>a proposta de contrato que viria a ser</font><i><font> </font></i><font>objecto de assinatura pelas partes não foi apresentada pela AA, mas antes pela requerida BB; </font>
</p><p><font>6. Nos termos do disposto art. 233.° do Código Civil</font><i><font> “A aceitação </font></i><font>[de declaração negocial] </font><i><font>com aditamentos, limitações ou outras modificações importa a rejeição da proposta; mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova proposta, contanto que outro sentido não resulte da declaração.” </font></i>
</p><p><font>7. De acordo com a factualidade considerada provada nos Factos n.ºs 7, 10 e 13, da</font><i><font> “Matéria de facto provada”, </font></i><font>terá de concluir-se que a requerente AA limitou-se a apresentar à requerida BB a proposta do</font><i><font> “texto inicial dos acordos referidos em 7 e 10”; </font></i>
</p><p><font>8. E que recebida a proposta pela requerida BB (tornando-se, assim, a mesma, eficaz nos termos do disposto no art. 224.° do C.C.), aquela (BB) introduziu-lhe aditamentos e alterações, o que nos termos do disposto no supra transcrito art. 233.° do Código Civil tem por significado a rejeição da proposta. </font>
</p><p><font>9. Porém, considerando que as modificações introduzidas – pela requerida BB ao</font><i><font> “texto inicial dos contratos” </font></i><font>apresentado pela requerente AA – foram suficientemente precisas, esta manifestação de vontade da requerida BB (pela qual transmitiu as modificações, equivale a nova proposta (conforme disposto no referido art. 233.° do Código Civil). </font>
</p><p><font>10. Tal nova proposta (ou contraproposta) de texto contratual apresentada pela requerida BB, no seu próprio papel timbrado, à requerente AA, foi por esta recebida e expressamente aceite, tendo aposto, em cada um dos contratos, as respectivas assinaturas; </font>
</p><p><font>11. É absolutamente incontornável e inquestionável, à luz das normas jurídicas supra referidas (nomeadamente, arts. 224.°, 230.º e 233.° do Código Civil) que a nova proposta (que viria a ser a proposta final) de texto dos contratos celebrados entre as partes foi apresentada pela BB;</font><b><u><font> </font></u></b>
</p><p><font>12. Mal decidiu, portanto, o Venerando Tribunal “a quo”, porquanto partiu de factualidade diversa da que se encontra provada, pois manifestamente considerou (erradamente) que o texto contratual subscrito pelas partes havia sido proposto pela AA, imputando-lhe toda uma série de ónus e obrigações que lhe não cabem; </font>
</p><p><font>13. E, igualmente, não poderá a BB vir alegar que não conhecia – já que as conhecia perfeitamente – cláusulas contratuais que fez incluir na sua nova proposta (contraproposta) que apresentou à AA, em papel timbrado da BB e que mereceu o acordo daquela, atingindo, deste modo, a perfeição dos contratos em apreço; </font>
</p><p><font>14. Este erro do Venerando Tribunal “a quo” – sobre a parte que efectivamente apresentou a proposta de contrato que viria a alcançar perfeição – viria a determinar novo erro de julgamento, de qualificação jurídica dos factos, respeitante à qualificação da cláusula de convenção arbitral constante dos contratos, como cláusula contratual geral. </font>
</p><p><font>15. A cláusula de compromisso arbitral, em apreço, não pode ser considerada cláusula contratual geral porquanto foi negociada entre as partes, sendo que tal negociação se encontra provada nos factos assentes (sustentada abundantemente na fundamentação da resposta à matéria de facto); </font>
</p><p><font>16. Conforme se encontra devidamente evidenciado na matéria de facto provada (nomeadamente no Ponto 13), os contratos celebrados entre a requerida (BB) e a requerente (AA), referidos nos pontos 7 e 10 da factualidade provada, foram objecto de negociação prévia, sendo que, reitera-se, foi a própria BB quem propôs a versão definitiva do texto dos contratos que as palies viriam a assinar; </font>
</p><p><font>17. O próprio Venerando Tribunal “a quo” refere, no douto Acórdão aqui em crise, que</font><i><font> “Com efeito, como resulta do facto provado n.º 13 o texto inicial dos acordos referido em 7 e 10 foi proposto e enviado pela Requerente à Requerida BB para esta o analisar e propor alterações.”;</font></i>
</p><p><font>18. Se, como ocorreu (e o douto Acórdão o reconhece), o texto inicial do contrato foi apresentado pela AA à BB</font><i><font> para esta o analisar e propor alterações, </font></i><font>é evidente que àquela destinatária da proposta foi concedida a possibilidade de introduzir modificações sobre todo o texto da proposta; </font>
</p><p><font>19. No uso dessa faculdade, e no pleno exercício da autonomia da vontade, a BB viria a apresentar alterações ao texto do contrato (alterações de que deu conhecimento à AA por e-mail de 29/08/2003, que é referido a fIs. 28 do douto Acórdão sub judice, pelo qual a BB comunicou à AA o seguinte:</font><i><font> “Junto envio o contrato com as alterações sugeridas pela BB, conforme já comentado.”); </font></i>
</p><p><font>20. Termos em que qualquer ónus da prova sobre a negociação daquela cláusula deveria – caso fosse necessário – caber à BB, que a propôs (e que portanto não pode alegar conhecimento sobre a mesma, nem pode argumentar - sob pena de incorrer em abuso de direito - que a mesma não foi negociada); </font>
</p><p><font>21. Os contratos em apreço (referidos nos Factos 7. e 10.) não são contratos de adesão, nem a requerida BB (que, recorde-se, é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio, nacional e internacional, de matérias primas) se limitou a subscrevê-los ou a aceitá-los; </font>
</p><p><font>22. Em todo o caso, de acordo com a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (nomeadamente Acórdão de 25 de Março de 1999, deverá considerar-se que</font><i><font> “É eficaz uma cláusula com promissória arbitral aposta num contrato por mera adesão de um dos contraentes, quando se possa afirmar que o aderente não podia ignorar a referida cláusula em face das circunstâncias em que aderiu.” </font></i>
</p><p><font>23. O Venerando Tribunal “a quo” efectua um silogismo inadmissível que o levou a, erradamente (salvo o devido respeito) considerar que a cláusula contratual que constitui a convenção arbitral não teria sido objecto de negociação prévia (pela simples razão de a BB não ter apresentado modificações a essa cláusula, quando o fez relativamente a outras, conforme Facto n.° 13); </font>
</p><p><font>24. O douto Acórdão, na parte em que, após referir, referindo-se à cláusula de convenção arbitral, que</font><i><font> “tal cláusula (reproduzida em ambos os contratos) (…) não foi objecto de quaisquer alterações por parte da BB, o que significa que a aceitou, em ambos os contratos, tal qual lhe foi proposta pela AA”, </font></i><font>concluindo, de seguida, que</font><i><font> “o mesmo é dizer, não resultou, em ambos os contratos de negociação prévia entre BB e AA” </font></i><font>é totalmente ininteligível, contraditório e sem qualquer fundamento fáctico; </font>
</p><p><font>25. Ao considerar que só as cláusulas alteradas é que foram objecto de negociação prévia, o Venerando Tribunal “a quo” efectua interpretação e retira conclusões totalmente desconforme com a factualidade assente, bem assim completamente adversa às regras da experiência comum e às normas de interpretação das declarações negociais. </font>
</p><p><font>26. Tendo a AA colocado à consideração da BB o texto inicial dos contratos, para esta</font><i><font> “analisar e propor alterações” (Facto n.º 13</font></i><font>), e tendo esta apresentado modificações relativamente a umas cláusulas e não o tendo feito relativamente a outras (nomeadamente a convenção arbitral), terá de concluir-se que a negociação que existiu relativamente a umas e outras (as aceites e as alteradas) foi rigorosamente a mesma; </font>
</p><p><font>27. A cláusula em apreço (convenção arbitral) também não pode ser considerada cláusula contratual geral porquanto não tem uma das suas características fundamentais, consubstanciada na rigidez, ou seja, a inalterabilidade ou mera possibilidade de aceitação ou de recusa das cláusulas em bloco </font>
</p><p><font>28. Estando provado que a BB introduziu no texto inicial do contrato (proposto pela AA) as alterações que lhe aprouve, e apresentou as mesmas, na forma de nova proposta (art. 233.° do CC) de texto integral do contrato, erradamente decidiu, igualmente, o Venerando Tribunal “a quo” ao imputar à AA o ónus da prova de que a cláusula em apreço tinha sido negociada previamente. </font>
</p><p><font>29. Tendo a proposta final do contrato sido apresentada pela BB (e contendo esta diversas alterações e modificações ao texto que havia sido proposto pela AA e rejeitado pela BB) seria a esta e não à AA que caberia aquele ónus da prova. </font>
</p><p><font>30. Também não estamos, in casu, no âmbito de uma cláusula contratual geral porquanto não se verifica a habitual necessidade de protecção do contraente em posição negocial mais fraca, pois no caso sub judice há uma efectiva igualdade das partes, plasmada na liberdade contratual que se verificou, em exercício da autonomia da vontade, entre duas empresas que se dedicam à mesma área de negócio, e que se dispuseram a celebrar contratos de fornecimento internacional de cereais; </font>
</p><p><font>31. Deverá, pois, esse Supremo Tribunal de Justiça, necessariamente, de concluir que a cláusula contendo a convenção arbitral, inserta em ambos os contratos (propostos pela BB e aceites pela AA) não consubstanciam cláusula contratual geral, sendo as mesmas absolutamente válidas e eficazes entre as partes contratantes, aqui recorrente e recorrida; </font>
</p><p><font>32. Mesmo que se entenda (sem conceder) estarmos perante uma cláusula contratual geral e que (o que não se concebe) a proposta de contrato que viria a ser assinada tivesse sido apresentada pela AA (já que, ao invés, o foi pela BB), teríamos de concluir, em face da matéria assente e das regras da experiência comum, que a BB tinha pleno conhecimento do conteúdo daquela cláusula e a aceitou, pelo que terá de ter-se por devidamente cumprido o dever de comunicação e informação; </font>
</p><p><font>33. Em qualquer caso, e ao invés do decidido pelo Venerando Tribunal “a quo”, a norma contratual em apreço não poderá ser considerada inválida e/ou excluída nos termos do artigo 8.° da LCCG; </font>
</p><p><font>34. Tendo sido, como foi, a BB quem, havendo rejeitado a proposta de texto contratual apresentado pela AA, apresentou uma nova proposta, nos termos do disposto no art. 233.° do C.C., contendo modificações relativamente ao texto inicialmente proposto pela</font><i><font> </font></i><font>AA, e tendo esta nova proposta sido aceite pela AA terá de presumir-se, inilidivelmente, que a BB conhecia o teor e o alcance das suas propostas negociais. </font>
</p><p><font>35. Ao invés do erradamente decidido pelo Venerando Tribunal “a quo”, a convenção das partes acerca do foro e forma de resolução de litígios, é plenamente lícita, válida e eficaz; </font>
</p><p><font>36. Ainda que se entendesse (sem conceder) que teriam sido as propostas de contrato da AA a serem subscritas (que, como vimos, não foi o que ocorreu) e que aquelas normas contratuais (que consubstanciam compromisso arbitral) pudessem ser classificadas como cláusulas contratuais gerais, teríamos de considerar, desde logo, que a BB aceitou aquela cláusula, expressamente, e após análise, em ambos os contratos; </font>
</p><p><font>37. O dever de informação, tal como estipulado no artigo 6.° da LCCG, apenas diz respeito a informações de que, com toda a probabilidade, a outra parte não dispõe, nem têm meios de obter. </font>
</p><p><font>38. A BB não solicitou quaisquer esclarecimentos sobre o conteúdo da cláusula de compromisso arbitral – em boa verdade a mesma daqueles não necessitava –, o que, juntamente com os factos de a BB não ter proposto qualquer alteração à mesma e de a ter incluído nos textos contratuais que, no seu próprio papel timbrado, fez imprimir e submeter à assinatura, leva a concluir o seu pleno conhecimento e aceitação; </font>
</p><p><font>39. A questão do</font><i><font> “declaratário normal” </font></i><font>não se coloca, pois a BB é uma sociedade comercial experimentada no negócio internacional de cereais, dedicando-se a esse negócio como seu objecto principal, estando habituada a celebrar negócios semelhantes aos que aqui estão em causa. </font>
</p><p><font>40, A apreciação acerca do cumprimento do dever de informação - sem que se conceda que tal dever incumbia à AA - terá de ser efectuada tomando em consideração o caso concreto e atendendo ao grau de informação do contratante, bem assim como a extensão da informação deverá depender das circunstâncias, a analisar caso a caso; </font>
</p><p><font>41. Ao invés do erradamente concluído – aliás, sem qualquer fundamento fáctico – pelo Venerando Tribunal “a quo”, a BB sempre esteve plenamente ciente do compromisso arbitral e quis convencioná-lo; </font>
</p><p><font>42. A BB sabia perfeitamente o que era a CC e como funcionavam os processos de arbitragem junto daquela entidade, daí que tenha exortado a AA a instaurar o processo quando se verificou a eventualidade de incumprimento do primeiro contrato por parte daquela; </font>
</p><p><font>43. O Tribunal “a quo” desprezou ainda o facto de o segundo contrato – o referido no Ponto 10. da Matéria de facto provada – ter sido celebrado em 2 de Janeiro de 2004, quando já em 22 de Outubro de 2003 a BB havia exortado a AA a avançar com o processo de arbitragem na CC, o que constitui mais do que confirmação que conhecia perfeitamente aquela forma de resolução de conflitos; </font>
</p><p><font>44. As sentenças arbitrais</font><i><font> sub judice </font></i><font>[que mais não fazem senão reconhecer e aplicar o princípio de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos</font><i><font> (pacta sunt servanda)] </font></i><font>estão perfeitamente de acordo e são totalmente compatíveis com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, pelo que preenchem todos os requisitos legais para serem reconhecidas; </font>
</p><p><font>45. Ao decidir conforme decidiu, o Venerando Tribunal</font><i><font> "a quo" </font></i><font>violou, entre outras do</font><i><font> </font></i><font>Mui Douto suprimento desse Venerando Tribunal, as normas do Artigo III da Convenção de</font><i><font> </font></i><font>Nova Iorque de 10/06/58 sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, do Artigo 2° da Constituição da República Portuguesa, dos arts. 224.°, 230.° e</font><i><font> </font></i><font>234.° do Código Civil, dos arts. 1.°, 6.° e 8.° da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 220/95 de 31-08 e pelo Decreto-Lei n.º 249/99 de 7-07) e dos arts. 1094.° e 1096.° do Código de Processo Civil.</font><i><font> </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A requerida/recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido (fls. 1219 a 1246).</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>As conclusões insertas no final das alegações da autora/recorrente, constituindo as balizas definidoras do objecto do recurso - cf. arts. 684.°, n.° 3, e 690.°, n.°s 1 e 3, do CPC-, suscitam as seguintes questões, por ordem de precedência lógica:</font>
<p><font>A) Necessidade do reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras, ao abrigo da Convenção de Nova Iorque, de 10/06/1958;</font>
</p><p><font>B) Se ocorreu processo negocial prévio à assinatura da convenção de arbitragem e erro na qualificação jurídica daquela convenção como cláusula contratual geral;</font>
</p><p><font>C) Na eventualidade de se considerar que se está perante cláusula contratual geral, cumprimento do estatuído nos arts. 6.º e 8.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A matéria de facto dada como assente nas instâncias, ponderando, já, as alterações que a Relação aí introduziu (cf. fls. 1115 a 1117), é a seguinte: </font>
</p><p><font>1 – Por sentença de 14/01/2005, proferida pelo Tribunal Arbitral da </font><i><font>CC –…</font></i><font>, com sede em Londres, foi a requerida BB - ..., Lda. condenada a pagar à requerente AA - ..., S.A.:</font>
</p><p><font>- a quantia de 9.620.000,00 USD (nove milhões e seiscentos e vinte mil dólares americanos), correspondente na data da propositura da acção (05/04/2006) a € 7.888.400,00 (sete milhões, oitocentos e oitenta e oito mil e quatrocentos euros);</font>
</p><p><font>- juros sobre este montante à taxa de 5,5% (cinco e meio por cento) por ano, composto de três em três meses, a partir de 03/12/2003 até recepção integral do pagamento;</font>
</p><p><font>- as despesas legais razoáveis, incorridas com a apresentação do presente pedido de indemnização;</font>
</p><p><font>- os encargos e as despesas inerentes à arbitragem, mais 100 GBP de preparo para designação de árbitro.</font>
</p><p><font>2 - A requerida BB foi devida e regularmente citada para esta arbitragem, na qual viria a ser proferida a Sentença arbitral n.º 13-283B, de 14/01/2005, supra referida, mas não interveio na mesma nem nomeou árbitro próprio.</font>
</p><p><font>3 - Da sentença arbitral referida em «1» não foi interposto recurso e transitou em julgado.</font>
</p><p><font>4 - A requerida BB – ..., Lda., foi igualmente condenada, por sentença proferida pelo referido Tribunal Arbitral da </font><i><font>CC – …</font></i><font>, proferida em 22/04/2005, a pagar à requerente AA – ..., S.A.:</font>
</p><p><font>- a quantia de 3.156.700,00 USD (três milhões e cento e cinquenta e seis mil e setecentos dólares americanos), correspondente na data da propositura da acção (05/04/2006) a € 2.588,494,00 (dois milhões, quinhentos e oitenta e oito mil, quatrocentos e noventa e quatro euros);</font>
</p><p><font>- juros sobre o montante de 3.156.700,00 USD à taxa de 5,5% (cinco e meio por cento) por ano, a partir de 14/04/2004 até à data do recebimento pela AA do pagamento da indemnização especificada;</font>
</p><p><font>- os encargos e as despesas inerentes a esta arbitragem, incluindo o preparo de 100,00 GBP pago pela AA quando pediram a designação de um árbitro em nome da BB. </font>
</p><p><font>5 - A requerida BB foi devida e regularmente citada para esta arbitragem referida em «4», na qual viria a ser proferida a Sentença arbitral n.º 13-315, de 22/04/2005, mas não interveio na mesma nem nomeou árbitro próprio.</font>
</p><p><font>6 - Da sentença arbitral referida em «4» não foi interposto recurso e transitou em julgado.</font>
</p><p><font>7 – Com data de 01/09/2003 foi celebrado entre a requerente e a requerida um acordo escrito, em papel com o timbre da BB, na língua inglesa, através do qual a requerida vendia à requerente 100.000 toneladas métricas de feijão de soja amarelo brasileiro, ao preço de USD $ 240,00 por tonelada métrica.</font>
</p><p><font>8 – No referido acordo consta, para além do mais, uma última cláusula com o seguinte teor, de acordo com a tradução para a língua portuguesa:</font>
</p><p><font>«</font><i><font>CONTRATO Todos os outros termos e condições que não estejam contraditórios ao acima estipulado, serão de acordo com DD 22, com arbitragem em Londres, nos termos do Regulamento 125 da CC</font></i><font>».</font>
</p><p><font>9 – O acordo referido em «7» foi objecto da referida sentença arbitral de 14/01/2005.</font>
</p><p><font>10 - Com data de 02/01/2004 foi celebrado entre a requerente e a requerida um outro acordo escrito, em papel com o timbre da BB, na língua inglesa, através do qual a requerida vendia à requerente 25.000 toneladas métricas de feijão de soja amarelo brasileiro, ao preço de USD $ 240,00 por tonelada métrica.</font>
</p><p><font>11 – No acordo referido no facto anterior consta, para além do mais, uma última cláusula com o seguinte teor, de acordo com a tradução para a língua portuguesa:</font>
</p><p><font>«</font><i><font>CONTRATO. Todos os outros termos e condições que não estejam contraditórios ao acima estipulado, serão de acordo com DD 22, com arbitragem em Londres, nos termos do Regulamento 125 da CC</font></i><font>».</font>
</p><p><font>12 – O acordo referido em «10» foi objecto da referida sentença arbitral de 22/04/2005.</font>
</p><p><font>13 – O texto inicial dos acordos referidos em 7 e 10 foi proposto e enviado pela requerente AA à requerida BB, para esta o analisar e propor alterações, tendo a BB remetido à Requerente este texto contratual assinado por si, o qual foi depois também assinado pela Requerente, apenas amputado ou acrescentado em relação ao texto remetido pela Requerente, das seguintes palavras ou segmentos de texto:</font>
</p><p><font>a) No que respeita ao contrato de 01/09/2003:</font>
</p><p><font>Amputado de «</font><i><font>Insurance Policy Certificate» e «FGIS Certificate(s)</font></i><font>» que constavam da cláusula intitulada «DOCUMENTS»;</font>
</p><p><font>Amputado de «</font><i><font>Final at discharge or…», «All final at discharge or…» e «Final at discharge or…</font></i><font>» que figuravam nas cláusulas intituladas, respectivamente, «</font><i><font>WEIGHT», «QUALITY» </font></i><font>e</font><i><font> «SAMPLING AND ANALYSIS</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Amputado da segunda alternativa iniciada pelas palavras «</font><i><font>USD 243.00 per Mt…</font></i><font>» mencionada na cláusula intitulada «</font><i><font>PRICE</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Amputado da sigla «</font><i><font>C.I.F</font></i><font>» mencionada na cláusula intitulada «</font><i><font>PARITY</font></i><font>», designação substituída no contrato por «</font><i><font>C&F</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Amputado de «</font><i><font>Insurance Policy Certificate» e «FGIS Certificate(s)</font></i><font>» que constavam da cláusula intitulada «</font><i><font>DOCUMENTS</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>b) No que respeita ao contrato de 02/01/2004:</font>
</p><p><font>Acrescentado de «</font><i><font>2004</font></i><font>» na cláusula intitulada «</font><i><font>COMMODITY SPECIFICATIONS</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Alterado na sua totalidade quanto à cláusula «</font><i><font>CUANTITY</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Substituição na cláusula intitulada «</font><i><font>WEIGHT</font></i><font>» do texto proposto «</font><i><font>Final at discharge or at loading from vessel/barges as per certificate issued by first class control entity, at buyer´s option and account » </font></i><font>pelo texto</font><i><font> « Final at loading as per certificate issued by first class control entity, at Buyers option and account</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Amputado de «</font><i><font>All… at discharge or</font></i><font>…» e «…</font><i><font>discharge or…» </font></i><font>e acrescentado de</font><i><font> «…on the vessel…</font></i><font>», na cláusula intitulada «</font><i><font>QUALITY</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Amputado de «…</font><i><font>at discharge or…</font></i><font>» na cláusula intitulada «</font><i><font>SAMPLING AND ANALYSIS</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Amputado da cláusula intitulada «</font><i><font>SURVEYING AT LOADING</font></i><font>» na sua totalidade;</font>
</p><p><font>Acrescentado de «</font><i><font>C&F LISBON</font></i><font>» na cláusula intitulada «</font><i><font>PRICE</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Amputado da segunda alternativa iniciada pelas palavras «</font><i><font>USD 243.00 per Mt…</font></i><font>» mencionada na cláusula intitulada «</font><i><font>PRICE</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Substituição do primeiro e segundo parágrafos da cláusula intitulada «</font><i><font>PARITY</font></i><font>» em que o texto proposto foi «</font><i><font>C.I.F. Free Out Lisbon, Portugal</font></i><font>;</font>
</p><p><i><font>Discharge port can be Setubal by agreement between sellers and buyers if carrying vessel is suitable to (L.O.A. max. 205 metres and draught max 10 metres</font></i><font>)» pelo texto</font><i><font> «C&F free out, Lisbon or Setubal ports (Portugal) to be declared by buyer till five days before ETA Portugal</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Substituição da parte final do texto da cláusula intitulada «</font><i><font>INSURANCE</font></i><font>» em que o texto proposto foi «…a</font><i><font> first class E.U. or Switzerland Insurence Company previous accepted by buyers</font></i><font>», por «</font><i><font>Companhia de Seguros Fidelidade</font></i><font>».</font>
</p><p><font>Acrescentado de «…</font><i><font>and to be accepted by buyer» </font></i><font>na parte final da cláusula proposta denominada</font><i><font> «TYPE OF VESSEL</font></i><font>»;</font>
</p><p><font>Substituição no primeiro parágrafo do texto da cláusula intitulada «</font><i><font>PAYMENT</font></i><font>» das palavras «…</font><i><font>in Portugal, to be declared by AA…» </font></i><font>pelas palavras</font><i><font> «…to | [0 0 0 ... 0 0 0] |
IjKCu4YBgYBz1XKvyxQy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font>
<p><font>Revista nº 1008/14.4YRLSB.L1.S1 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> “AA SA e BB SA instauraram a presente acção contra CC SA (adiante abreviadamente denominada sociedade concessionária), BANCO DD SA, BANCO EE SA, BANCO FF, BANCO GG SA (anteriormente denominada por “BANCO HH”), BANCO II (anteriormente denominada BANCO JJ SA), BANCO KK (anteriormente denominado BANCO LL), BANCO MM e BANCO NN, visando a anulação do acórdão proferido no âmbito da arbitragem realizada em Lisboa e requerida pelas aqui AA e outros (entre os quais a OO SA) contra a R sociedade concessionária e outros, com o objectivo de dirimir o litígio resultante da divergência de interpretação das partes sobre o conteúdo e alcance da obrigação de aportação de fundos próprios, através da realização de prestações acessórias, no contexto da concessão do Túnel do …. </font>
</p><p><font>Mediante tal acórdão, fora decidido (com um voto de vencido) condenar as AA a pagar à R CC, a título de prestações acessórias, as quantias correspondentes à diferença entre o valor que já haviam pago a tal título e o valor máximo que estavam obrigadas a pagar, acrescidas de juros sobre os valores em causa desde 17-05-2012 até à data de pagamento, com os seguintes montantes: € 25.319.314,41 (a A AA) e € 468.876,19 (a A BB).</font>
</p><p><font>Para alicerçar a respectiva pretensão, as AA invocaram, em síntese, a falta de fundamentação da decisão arbitral bem como a sua violação da ordem pública do Estado português, por constituir um grave desequilíbrio na regulação dos interesses das partes e uma intolerável violação dos princípios da boa-fé, da liberdade de estabelecimento e de iniciativa económica, do abuso de direito e da autonomia da vontade, ao impor soluções desproporcionais e desequilibradas atentatórias do princípio da justiça material e implicar a atribuição integral do risco de frustração de uma actividade a uma das partes, uma responsabilidade insuportável dos accionistas que estes jamais assumiram expressamente e a desconsideração ilegítima da personalidade da sociedade concessionária.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As RR BANCO DD, BANCO NN e BANCO EE, adiante conjuntamente identificadas como “bancos”, deduziram oposição, defendendo, em suma, que a fundamentação da acção não é apta a consubstanciar qualquer ofensa dos princípios de ordem pública internacional do Estado português ou falta de fundamentação, esgotando-se na discordância relativamente à decisão arbitral. A essa oposição aderiram as RR BANCO FF, BANCO II, BANCO KK e BANCO MM. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Relação de …, julgando a acção improcedente, absolveu as RR do pedido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As AA interpuseram recurso desse acórdão da Relação, que designaram de apelação mas que foi recebido neste Tribunal como sendo de revista, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões: </font>
</p><p><font>«A. O presente recurso deve ser admitido como de apelação, em razão de o Tribunal a quo ter julgado a ação de anulação em primeira instância. </font>
</p><p><font>B. Caso assim não se entenda, por aplicação do princípio da equiparação das decisões arbitrais às decisões judiciais, sempre deve o presente recurso ser admitido como de revista, não se aplicando, nesta hipótese, a limitação decorrente da chamada “dupla, conforme”; </font>
</p><p><font>C. A decisão arbitral objeto de impugnação no âmbito da ação de anulação viola o princípio da boa-fé ao impor uma solução desequilibrada e injusta ao exigir aos promotores que, não obstante a frustração do projeto, realizem os seus fundos próprios com o único objetivo de minorar as perdas dos bancos financiadores, eximindo-os, assim, em certa medida, do risco que assumiram e que não acautelaram; </font>
</p><p><font>D. O princípio da boa-fé impõe que se alcance uma solução justa, sobretudo quando a mesma é imposta pelo tribunal face à ausência de regulamentação expressa das partes contratantes. A boa-fé exige que as soluções impostas sejam efetivamente avaliadas de acordo com as consequências que as mesmas acarretam; </font>
</p><p><font>E. A decisão arbitral objeto de impugnação no âmbito da ação de anulação viola o princípio da autonomia privada ou da autonomia da vontade; </font>
</p><p><font>F. A decisão arbitral, ao sujeitar as Autoras ao cumprimento de uma obrigação que não declararam, quando essa declaração expressa se revelaria essencial, restringe a sua liberdade contratual. </font>
</p><p><font>G. Trata-se de uma obrigação imposta ou ditada sem correspondência na vontade expressa, declarada, do contraente. A decisão arbitral modela o conteúdo da obrigação sem correspondência com a vontade expressa do contraente, quando a mesma é, ou devia ser, fundamental à sua existência. Nesta medida, a decisão arbitral viola o princípio da autonomia privada ou da autonomia da vontade; </font>
</p><p><font>H. Ao contrário do que é afirmado no acórdão recorrido, as Recorrentes não pugnam por uma solução em que todos perdem muito, menos elas, que perdem pouco ou nada. </font>
</p><p><font>I. A decisão arbitral conduziu a um resultado manifestamente desequilibrado, ao condenar os promotores no cumprimento da obrigação de realizar as prestações acessórias, apesar de o projeto se ter impossibilitado; </font>
</p><p><font>J. Uma vez concluído que o quadro contratual não previa uma resolução para o problema, não se poderia ter chegado ao desequilíbrio manifesto pela via da integração de lacunas. </font>
</p><p><font>K. A sentença arbitral violou, assim, princípios da ordem pública internacional do Estado Português, como o princípio da boa-fé e o princípio da autonomia da vontade, sendo, por essa razão, anulável em face do disposto no artigo 46.°, n." 3, al. b), ii) da LAV; </font>
</p><p><font>L. Os princípios da boa-fé e da proporcionalidade, assim como o princípio da autonomia da vontade, integram a ordem pública internacional do Estado Português, e que, uma vez violados, acarretam a anulabilidade da decisão proferida. </font>
</p><p><font>M. A sentença arbitral constitui entende-se, pelas razões expostas, uma violação inadmissível da liberdade de iniciativa económica, expressa no artigo 61º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, entendida como a liberdade de reger livremente a organização em que assenta a empresa constituída para a prossecução de uma atividade.». </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As RR recorridas (donas de bancos) apresentaram contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>A este Tribunal impõe-se o enquadramento fáctico considerado fixado e relevante pela Relação na apreciação da decisão arbitral, entre o qual emergem os seguintes elementos: </font>
</p><p><font>1. - O Caso Base integrado no Contrato de Concessão contempla o «Equity Bridge Facility» do «Facility Agreement» e a «Part D Loan» do «EIB Facility Agreement»;</font>
</p><p><font>- O Caso Base integrado no Contrato de Concessão considera o «Equity Bridge Facility» do «Facility Agreement» e a «Part D Loan» do «EIB Facility Agreement» como Fundos Próprios, para efeitos da relação entre Fundos Próprios e Fundos Alheios.</font>
</p><p><font>2. Do Caso Base integrado no Contrato de Concessão resulta que o reembolso da «Equity Bridge Facility» seria feito com dinheiros pagos a título de Prestações Acessórias (nele designadas como «Prestações Suplementares»).</font>
</p><p><font>3. Do Caso Base integrado no Contrato de Concessão resulta que o reembolso da «Part D Loan» do «EIB Facility Agreement» seria feito com dinheiros pagos a título de Prestações Acessórias.</font>
</p><p><font>4. Do Caso Base resulta que, no final de cada um dos semestres do período de construção, as percentagens de Fundos Próprios e de Fundos Alheios seriam as seguintes:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><font> </font></td><td><font>Fundos Próprios</font>
<p><font> </font></p></td><td><font>Fundos Alheios</font></td></tr>
<tr><td><font>30-06-2008</font></td><td><font>18,80%</font></td><td><font>81,20%</font></td></tr>
<tr><td><font>31-12-2008</font></td><td><font>17,56%</font></td><td><font>82,44%</font></td></tr>
<tr><td><font>30-06-2009</font></td><td><font>20,55%</font></td><td><font>79,45%</font></td></tr>
<tr><td><font>31-12-2009</font></td><td><font>17,66%</font></td><td><font>82,34%</font></td></tr>
<tr><td><font>30-06-2010</font></td><td><font>16,61%</font></td><td><font>83,39%</font></td></tr>
<tr><td><font>31-12-2010</font></td><td><font>16,14%</font></td><td><font>83,86%</font></td></tr>
<tr><td><font>30-06-2011</font></td><td><font>15,89%</font></td><td><font>84,11%</font></td></tr>
<tr><td><font>31-12-2011</font></td><td><font>15,73%</font></td><td><font>84,27%</font></td></tr>
<tr><td><font>30-06-2012</font></td><td><font>15,52%</font></td><td><font>84,48%</font></td></tr>
</tbody></table>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. O Caso Base integrado no Contrato de Concessão é uma previsão do desenvolvimento financeiro do projecto em causa, pressupondo a execução desse projecto.</font>
</p><p><font>6. Os valores dos Fundos Próprios e os Fundos Alheios da CC (tal como definidos no Caso Base integrado no Contrato de Concessão) e a relação entre os mesmos, desde 31 de maio de 2008 até 31 de maio de 2012, foram os seguintes (valores em €):</font>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><font> </font></td><td><font>Próprios</font></td><td><font>Alheios</font></td><td><font>Próprios</font></td><td><font>Alheios</font></td></tr>
<tr><td><font>27-05-2008</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>100%</font></td><td><font>0,0%</font></td></tr>
<tr><td><font>17-06-2008</font></td><td><font>4.500 000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>100%</font></td><td><font>0,0%</font></td></tr>
<tr><td><font>30-06-2008</font></td><td><font>6.251.888,32</font></td><td><font>4.260.700,42</font></td><td><font>59,5%</font></td><td><font>40,5%</font></td></tr>
<tr><td><font>31-10-2008</font></td><td><font>10.101.888,33</font></td><td><font>8.510.700,42</font></td><td><font>54,3%</font></td><td><font>45,7%</font></td></tr>
<tr><td><font>04-02-2009</font></td><td><font>13.601.888,33</font></td><td><font>8.510.700,42</font></td><td><font>61,5%</font></td><td><font>38,5%</font></td></tr>
<tr><td><font>31-03-2009</font></td><td><font>14.882.914,81</font></td><td><font>19.069.850,42</font></td><td><font>43,8%</font></td><td><font>56,2%</font></td></tr>
<tr><td><font>31-07-2009</font></td><td><font>15.829.036,39</font></td><td><font>28.331.205,99</font></td><td><font>35,8%</font></td><td><font>64,2%</font></td></tr>
<tr><td><font>21-12-2009</font></td><td><font>18.112.380,72</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>30,5%</font></td><td><font>69,5%</font></td></tr>
<tr><td><font>30-12-2009</font></td><td><font>18.382.380,72</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>30,8%</font></td><td><font>69,2%</font></td></tr>
<tr><td><font>31-12-2009</font></td><td><font>18.612.380,72</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>31,1%</font></td><td><font>68,9%</font></td></tr>
<tr><td><font>30-11-2010</font></td><td><font>20.637.380,72</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>33,3%</font></td><td><font>66,7%</font></td></tr>
<tr><td><font>02-12-2010</font></td><td><font>23.112.380,72</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>35,9%</font></td><td><font>64,1%</font></td></tr>
<tr><td><font>18-02-2011</font></td><td><font>23.337.380,72</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>36,1%</font></td><td><font>63,9%</font></td></tr>
<tr><td><font>25-02-2012</font></td><td><font>23.612.380,72</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>36,4%</font></td><td><font>63,6%</font></td></tr>
<tr><td><font>31-05-2011</font></td><td><font>26.912.380,72</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>39,5%</font></td><td><font>60,5%</font></td></tr>
<tr><td><font>01-06-2011</font></td><td><font>29.612 380,72</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>41,8%</font></td><td><font>58,2%</font></td></tr>
<tr><td><font>21-05-2012</font></td><td><font>40.899.761,44</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>49,8%</font></td><td><font>50,2%</font></td></tr>
<tr><td><font>31-05-2012</font></td><td><font>40.899.761,44</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td><td><font>49,8%</font></td><td><font>50,2%</font></td></tr>
</tbody></table>
</p><p><font>7. Nesse período os fundos próprios dividiram-se do seguinte modo (valores em €):</font>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><font> </font></td><td><font>Equity Bridge</font>
<p><font>Facility</font>
</p><p><font> </font></p></td><td><font>Parte D</font>
<p><font>Loan</font></p></td><td><font>Capital</font>
<p><font>Social</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font></p></td><td><font>Prestações</font>
<p><font>Acessórias</font>
</p><p><font> </font></p></td><td><font>Total</font></td></tr>
<tr><td><font>31-05-2008</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>500.000</font></td></tr>
<tr><td><font>17-06-2008</font></td><td><font>4.000.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>4.500.000</font></td></tr>
<tr><td><font>30-06-2008</font></td><td><font>5.000.000</font></td><td><font>751.888,32</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>6.251.888,32</font></td></tr>
<tr><td><font>31-10-2008</font></td><td><font>8.100.000</font></td><td><font>1.501.888,33</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>10.101.888,33</font></td></tr>
<tr><td><font>04-02-2009</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>1.501.888,33</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>13.601.888,33</font></td></tr>
<tr><td><font>31-03-2009</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>2.782.914,81</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>14.882.914,81</font></td></tr>
<tr><td><font>31-07-2009</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>3.729.036,39</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>15.829.036,39</font></td></tr>
<tr><td><font>21-12-2009</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>6.012.380,72</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>18.112.380,72</font></td></tr>
<tr><td><font>30-12-2009</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>6,012.380,72</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>270.000</font></td><td><font>18.382.380,72</font></td></tr>
<tr><td><font>31-12-2009</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>6.012.380,72</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>18.612.380,72</font></td></tr>
<tr><td><font>30-11-2010</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>6.012.380,72</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>2.525.000</font></td><td><font>20.637.380,72</font></td></tr>
<tr><td><font>02-12-2010</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>6.012.380,72</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>5.000.000</font></td><td><font>23.112.380,72</font></td></tr>
<tr><td><font>18-02-2011</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>6.012.380,72</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>5.225.000</font></td><td><font>23.337.380,72</font></td></tr>
<tr><td><font>25-02-2012</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>6.012.380,72</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>5.500.000</font></td><td><font>23.612.380,72</font></td></tr>
<tr><td><font>31-05-2011</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>6.012.380,72</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>8.800.000</font></td><td><font>26.912.380,72</font></td></tr>
<tr><td><font>01-06-2011</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>6.012.380,72</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>11.500.000</font></td><td><font>29.612.380,72</font></td></tr>
<tr><td><font>21-05-2012</font></td><td><font>11.600.000</font></td><td><font>6.012.380,72</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>22.787.380,72</font></td><td><font>40.899.761,44</font></td></tr>
<tr><td><font>31-05-2012</font></td><td><font>1.111.731,80</font></td><td><font>576.220,24</font></td><td><font>500.000</font></td><td><font>38.711.809,40</font></td><td><font>40.899.761,44</font></td></tr>
</tbody></table>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8. Os fundos alheios (não incluindo neles a Equity Bridge Facility e a Part D Loan) dividiram-se do seguinte modo (valores em €):</font>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><font> </font></td><td><font>Long Term</font>
<p><font>Facility A </font></p></td><td><font>Long Term</font>
<p><font> Facility B</font></p></td><td><font> Part A</font>
<p><font> Loan </font></p></td><td><font> Part A</font>
<p><font> Loan </font></p></td><td><font>Total</font></td></tr>
</tbody></table>
</p><p><font> </font>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><font>31-05-2008</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td></tr>
<tr><td><font>17-06-2008</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td></tr>
<tr><td><font>30-06-2008</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>1.746.887,17</font></td><td><font>2.513.813,25</font></td><td><font>4.260.700,42</font></td></tr>
<tr><td><font>31-10-2008</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>3.489.387,17</font></td><td><font>5.021.313,25</font></td><td><font>8.510.700,42</font></td></tr>
<tr><td><font>04-02-2009</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>3.489.387,17</font></td><td><font>5.021.313.25</font></td><td><font>8.510.700,42</font></td></tr>
<tr><td><font>31-03-2009</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>0,00</font></td><td><font>6.465.638,67</font></td><td><font>9.304.211,75</font></td><td><font>19.069.850,42</font></td></tr>
<tr><td><font>31-07-2009</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>8.663.794,45</font></td><td><font>12.467.411,54</font></td><td><font>28.331.205,99</font></td></tr>
<tr><td><font>21-12-2009</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
<tr><td><font>30-12-2009</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
<tr><td><font>31-12-2009</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
<tr><td><font>30-11-2010</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
<tr><td><font>02-12-2010</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
<tr><td><font>18-02-2011</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
<tr><td><font>25-02-2012</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
<tr><td><font>31-05-2011</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
<tr><td><font>01-06-2011</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
<tr><td><font>21-05-2012</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
<tr><td><font>31-05-2012</font></td><td><font>3.300.000</font></td><td><font>3.900.000</font></td><td><font>13.968.764,37</font></td><td><font>20.101.392,65</font></td><td><font>41.270.157,02</font></td></tr>
</tbody></table>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9. As Demandantes OO contrataram com o BANCO PP os dois financiamentos referidos nos n.°s 102 a 106 dos «Factos não Controversos» (</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>), que vencem juros nos termos aí referidos;</font>
</p><p><font>- Nos termos desses contratos, as Demandantes OO estão obrigadas ainda a pagar ao banco financiador comissões de gestão, à taxa anual de 0,5% sobre o capital financiado;</font>
</p><p><font>- Sobre o valor dos financiamentos, o dos respectivos juros e o da comissão de gestão incide imposto de selo, às taxas legais;</font>
</p><p><font>- A execução das garantias bancárias, nomeadamente por ter levado a um aumento do endividamento, numa óptica consolidada, do grupo societário que as Demandantes OO integram, contribuiu tendencialmente para o agravamento do custo do financiamento do mesmo grupo societário;</font>
</p><p><font>- As Demandantes OO partilham os custos dos financiamentos obtidos por uma das sociedades holding do grupo que integram de que beneficiam.</font>
</p><p><font>10. Por carta datada de 11 de julho de 2012, a Demandada CC desencadeou arbitragem contra o Concedente com o objectivo de, além do mais, ver declarado (i) o incumprimento definitivo pelo Concedente da obrigação de proceder à reposição do equilíbrio financeiro do Contrato de Concessão e, subsidiariamente, (ii) a impossibilidade definitiva de cumprimento das obrigações emergentes do Contrato de Concessão, por motivos não imputáveis à Concessionária e (iii) a resolução do Contrato de Concessão;</font>
</p><p><font>11. Por despacho do Secretário de Estado das Finanças e do Secretário de Estado das Obras Públicas de 17 de junho de 2013, com o n.° 7841-C/2013, o Estado decidiu rescindir o Contrato de Concessão";</font>
</p><p><font>12. Em 31.12.2011, os contratos de cobertura de cobertura de risco de taxa de juro celebrados pela Demandada CC tinham um valor negativo potencial de 79.042.179,007';</font>
</p><p><font>13. Os valores reclamados à Demandada CC pelos Hedging Banks em agosto de 2012 com base na «early termination» dos contratos de cobertura de risco de taxa de juro somavam € 98.159.731,12.</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>Cumpre decidir.</font>
</p><p><font>A decisão objecto de impugnação por via da presente ação foi proferida no âmbito de arbitragem que, embora realizada em Lisboa, deve considerar-se internacional, por ter posto em jogo interesses do comércio internacional, atendendo à localização dos interesses de uma parte das empresas (bancos financiadores) nela envolvidas. Por isso, nos termos do art. 49º da LAV (Lei 63/2011), são-lhe aplicáveis as disposições desta lei relativas à arbitragem interna.</font>
</p><p><font>Não obstante essa natureza (internacional) da arbitragem, flui, necessariamente, do antecedentemente relatado que o litígio que lhe foi submetido tinha uma conexão substancial quase total – não meramente intensa – com o território nacional, onde a mesma foi localizada. As recorrentes visaram a anulação do acórdão proferido no âmbito dessa arbitragem, invocando, para estribar essa sua pretensão: i) a falta de fundamentação da decisão; ii) e a violação pela mesma da ordem pública do Estado Português, por ofender os diversos princípios arrolados.</font>
</p><p><font>Como se verifica pela leitura das conclusões delimitadoras do objecto do recurso, a pretensão das recorrentes circunscreve-se, agora, apenas ao segundo desses fundamentos cujo preenchimento as mesmas se propuseram demonstrar com o putativo atropelo dos princípios da boa-fé, da proporcionalidade, da autonomia da vontade e da liberdade de iniciativa económica e de estabelecimento. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Perante os termos da pretensão anulatória, que constitui o objecto deste recurso de revista, constata-se que, realmente, o art. 46º, nº 3, b), ii), da LAV, estatui que a sentença arbitral pode ser anulada se o tribunal estadual competente verificar que o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português. </font>
</p><p><font>O princípio da autonomia privada reconduz-se a uma permissão genérica de conduta a todos os sujeitos da ordem jurídica, possibilitando-lhes estabelecer os efeitos jurídicos que se irão repercutir na sua esfera jurídica, através da liberdade de celebração do contrato e de fixação de conteúdo do mesmo. Porém, a constatação de ter havido um abuso ou um aproveitamento excessivo da autonomia privada implica o reconhecimento de que o contrato não assentou numa igualdade jurídico-económica, ou seja, afinal, em tal autonomia, o que conduz à contenção da liberdade contratual, mediante a intervenção do Estado, no interesse colectivo, munido dos comandos resultantes, tanto da falada cláusula da “ordem pública”, como dos da boa-fé e dos “bons costumes”.</font>
</p><p><font>Ora, a constatação de a arbitragem, em si mesma, ter como corolário o princípio da autonomia privada – que rege as relações dos particulares entre si, fundadas na sua igualdade jurídica e na sua autodeterminação – não colide com a aplicação de tal cláusula ao resultado de uma decisão arbitral com que se tenha pretendido solucionar um litígio emergente de uma situação da vida real, porquanto a reserva por ela imposta visa, precisamente, estabelecer limites a essa autonomia face a outros princípios ou valores que o ordenamento quer preservar. Com efeito, a ordem pública é um elemento limitador da liberdade das partes em contratar.</font>
</p><p><font>Deparamos, pois, com uma cláusula geral cuja actuação, à partida, não pode ser arredada apenas por estar em causa a “confirmação” de uma decisão com origem na autonomia privada, tanto quanto ao seu desencadeamento como ao mecanismo nela usado para solucionar o litígio que lhe foi submetido.</font>
</p><p><font>Com efeito, uma interpretação que fosse ao ponto de, quaisquer que fossem os particulares contornos dum caso em apreciação, considerar vedada a intervenção da reserva da ordem pública internacional em relação ao resultado da aplicação do contratualmente estipulado pelas partes no âmbito da respectiva autonomia conduzir-nos-ia, na prática, não apenas à proscrição da citada norma – porque a mesma, evidentemente, só se justifica para limitar, precisamente, a autonomia privada diante de outros princípios ou valores que o ordenamento jurídico quer preservar (</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>) – como à eventual afronta de princípios e valores fundamentais plasmados na nossa Constituição, de cujo primado já decorre a informação e a conformação de tal reserva (</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Trata-se, portanto, de um conceito indeterminado, que, como os demais, em qualquer ordem jurídica, terá de ser concretizado pelo juiz no momento da sua aplicação, tomando em conta as circunstâncias particulares do caso concreto (</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>Estão profusamente exibidos nestes autos, nomeadamente na decisão recorrida, os múltiplos contributos, abstractamente, oferecidos pela jurisprudência (</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>) e pela doutrina na difícil tentativa de atenuar a vaguidade e a fluidez do conceito da “ordem pública internacional”. Não se justificando a inútil reprodução desses contributos, salientaremos apenas alguns dos pontos desse tema com mais estreita pertinência ao caso concreto, com a consciência de que se procura, não uma definição mas, sim, o estabelecimento, com valor aproximativo, de critérios de orientação.</font>
</p><p><font>Contudo, pensamos não poder ser dispensada a referência às recomendações da Associação de Direito Internacional (ILA) (</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>), para a atenção dos tribunais estaduais, a fim de facilitar a consistência e previsibilidade na interpretação e aplicação da ordem pública, por reconhecer a importância da finalidade na arbitragem, mas também o papel da ordem pública na defesa de princípios fundamentais. De entre tais recomendações, destacamos as seguintes:</font>
</p><p><font>- A finalidade das decisões obtidas no âmbito da arbitragem comercial internacional deve ser respeitada excepto em circunstâncias excepcionais, que podem advir, em particular, de o reconhecimento ou a execução da sentença arbitral internacional ser contra a ordem pública internacional (1, a e b). </font>
</p><p><font>- A expressão “ordem pública internacional” é usada nas recomendações para designar o conjunto de princípios e regras reconhecidas por um estado, que, pela sua natureza, pode impedir o reconhecimento ou a execução de uma sentença arbitral proferida no âmbito da arbitragem comercial internacional, quando o reconhecimento ou a execução da referida sentença implique a sua violação por conta do procedimento nos termos do qual ele foi processado (ordem pública processual internacional) ou de seu conteúdo (ordem pública substancial internacional) (1, c). </font>
</p><p><font>- A ordem pública internacional de qualquer estado inclui: (i) os princípios fundamentais, relativos à justiça ou moral, que o estado deseja proteger mesmo quando ele não está directamente em causa (ii) regras concebidas para servir os interesses políticos, sociais ou económicos essenciais do estado, sendo estas conhecidas como “lois de police” ou “regras de ordem pública” (1, d).</font>
</p><p><font>- Um exemplo de um princípio fundamental substantivo é a proibição de abuso de direito (1, e).</font>
</p><p><font>- A fim de determinar se um princípio que faça parte do seu sistema jurídico deve ser considerado suficientemente fundamental para justificar a recusa do reconhecimento de uma sentença, o tribunal deve levar em conta, por um lado, o carácter internacional do caso e sua conexão com o sistema jurídico do foro e, por outro lado, a existência ou não de um consenso entre a comunidade internacional no que se refere o princípio em questão (convenções internacionais podem evidenciar a existência de tal consenso) 2(b).</font>
</p><p><font>- O tribunal só deve recusar o reconhecimento de uma sentença que poria em prática uma solução proibida por uma regra de ordem pública, formando parte do seu próprio sistema jurídico quando: (i) o escopo da referida regra se destina a abranger a situação em apreço; e (ii) o reconhecimento da sentença manifestamente perturbaria essenciais interesses políticos, sociais ou económicos, protegidos pela regra (3, b).</font>
</p><p><font>- Quando a violação de uma regra de ordem pública do foro não poder ser verificada através da mera revisão da sentença, só se tornando aparente após um exame minucioso dos factos do caso, o tribunal deve ser autorizado a realizar tal reavaliação dos factos (3, c).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em termos muito genéricos, o conceito da ordem pública internacional caracteriza-se pela sua já referida imprecisão, pelo cariz nacional das suas exigências – que variam de estado para estado, segundo os conceitos dominantes em cada um deles –, pela excepcionalidade – por ser um limite a uma decisão arbitral putativamente estribada no princípio da autonomia privada –, pela flutuação e pela actualidade – intervém em função das concepções dominantes no tempo do julgamento, no país onde a questão se põe – e pela relatividade – intervém em função das circunstâncias do caso concreto e, particularmente | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JDKUu4YBgYBz1XKvXx59 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><b><font> Revista nº</font></b><font> </font><b><font>941/09.0TVLSB.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a></p><div><br>
<b><font> </font></b></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> I – RELATÓRIO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA, </font></b><font>residente no Caminho …, nº …, …, intentou a presente acção declarativa, com processo comum ordinário, demandando </font><b><font>BB, </font></b><font>director do semanário “CC”, </font><b><font>DD</font></b><font>, director-adjunto, </font><b><font>EE </font></b><font>e </font><b><font>FF</font></b><font>, sub-directores,</font><b><font> GG</font></b><font>, jornalista, e </font><b><font>HH, S.A., </font></b><font>todos com residência profissional e sede na Rua …, nº …, Lisboa, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia global de 50.000,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais vencidos, desde a data da prática dos ilícitos, e juros vincendos até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Para o efeito, alega que na edição de 08/12/2006, do semanário </font><i><font>II</font></i><font>, foi publicado um artigo intitulado “</font><i><font>...</font></i><font>”, no qual se dá conta da pendência de uma investigação criminal à gestão do porto do Funchal, que já estaria concluída, devendo o MP tomar uma decisão de acusação.</font>
</p><p><font>A notícia em causa revela a existência de vários arguidos, entre os quais o autor, imputando-lhe a prática de diversos crimes e a inclusão numa rede de esquemas fraudulentos, referenciando-o como um dos principais visados e elemento-chave do alegado “esquema”, sendo-lhe atribuídos factos que são falsos e revestem natureza caluniosa.</font>
</p><p><font> Na edição de 13/10/2007 do mesmo semanário, foi publicada nova notícia sob o título “</font><i><font>… </font></i><font>”, em que se insinua que o autor, </font><i><font>ex </font></i><font>arguido no processo denominado “</font><i><font>…</font></i><font>”, está envolvido num esquema de corrupção dos Magistrados do Ministério Público, motivo pelo qual o aludido processo teria sido arquivado.</font>
</p><p><font>As insinuações feitas sobre o autor são falsas e ofensivas do seu bom-nome e honra.</font>
</p><p><font>A 5.ª ré elaborou as notícias divulgando factos sujeitos a segredo de justiça, e por isso violou os mais elementares deveres da profissão de jornalista, além de que reproduziu informações falsas sobre factos alegadamente praticados pelo autor, revelando incúria e displicência, e os demais réus, devido ao seu estatuto de dirigentes do semanário, tinham a obrigação de analisar o conteúdo das notícias e impedir a respectiva divulgação.</font>
</p><p><font>Nunca o contactaram dando-lhe a possibilidade de contraditório, o autor que goza de um reconhecimento generalizado no sector, assente na competência, credibilidade e confiança, sentiu uma enorme revolta e sofreu angústia, depressão e ansiedade, bem como problemas de saúde, devido à publicação das notícias, danos de natureza extra-patrimonial que devem ser indemnizados.</font>
</p><p><font>Citados, os réus contestaram alegando, em síntese, que as notícias em causa são um relato objectivo de factos verdadeiros e já amplamente divulgados na comunicação social, como sucede com artigos publicados no “</font><i><font>…</font></i><font>” de 26/06, 29/06 e 05/07/2001.</font>
</p><p><font>A 5.ª ré é uma jornalista com diversos anos de experiência, redigiu os artigos após uma investigação feita com rigor e isenção, estando convencida da verdade das afirmações reproduzidas, e os factos foram apurados no seguimento de investigação jornalística sem violação de segredo de justiça, sendo que na notícia de 13/10/2007 o autor nem sequer é referido.</font>
</p><p><font>O 1.º, 2.º, 3.º e 4.º réus não tiveram conhecimento do teor das notícias antes da sua publicação, nem o autor sofreu danos por causa de factos praticados pelos réus, que pugnam consequentemente pela sua absolvição.</font>
</p><p><font>O autor apresentou réplica, admitida por se considerar que traduzia resposta às excepções peremptórias invocadas na contestação, em sede de audiência preliminar foi lavrado tabelar despacho saneador e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, que não foi objecto de reclamações.</font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, fixada, sem reparos, a matéria de facto, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente assim decidiu:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>A) Condenar a 5.ª ré, JJ, a pagar ao autor uma indemnização de € 25 000 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da sentença até integral pagamento, à taxa legal, por ora de 4%.</font></i>
</p><p><i><font>B) Absolver os demais réus do peticionado</font></i><font>” (fls. 864 a 885).</font>
</p><p><font>Inconformados, apelaram autor e ré JJ, sem êxito, uma vez que por acórdão de 20/06/13, a Relação de Lisboa, por unanimidade, negou provimento ao recurso, confirmando aquela decisão.</font>
</p><p><font>Manifestando o seu inconformismo com esta decisão, a ré JJ interpôs recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 721.º-A do CPC, na versão emergente do DL n.º 303/2007, de 24/08 (cf. actual 672.º, n.º 1, al. a) do NCPC), arguindo, outrossim, a nulidade daquele aresto.</font>
</p><p><font>A Relação dirimiu as nulidades assacadas ao acórdão recorrido mediante deliberação constante de fls. 1319 a 1328, e neste Supremo Tribunal, apreciados os pressupostos específicos de admissibilidade de revista excepcional pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 daquele art. 721.º-A, a mesma foi admitida ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1. </font>
</p><p><font>No final das alegações recursivas, a recorrente JJ alinhou, além do mais e no que aqui releva</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>, as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>“Q. Estamos num Estado de Direito Democrático, baseado no pluralismo de expressão, que assegura a liberdade de pensamento e a sua livre divulgação e os órgãos de comunicação social desempenham um papel de primordial importância, pois são titulares do dever de informar e, em último lugar, garantem o direito que todos os cidadãos são detentores: o direito de serem informados;</font>
</p><p><font>R. Pelo que, os direitos de informação, de imprensa e de expressão do pensamento, traduzem-se, entre outras manifestações, na existência de uma imprensa livre, plural e responsável, o que está consagrado nos artigos 1.º e 2.º da Lei de Imprensa e nos artigos 37.º e 38.º da CRP e artigo 10.º da CEDH; </font>
</p><p><font>S. No caso concreto, estamos perante um pedido de condenação por responsabilidade civil por facto ilícito, sujeita aos requisitos previstos no artigo 483.º do CC, sendo que a causa de pedir é uma notícia que relata factos relacionados com um Processo 711/01.3 TAFUN, que correu termos na Procuradoria da República do Funchal, aberto por causa de notícias publicadas em 2001, por um jornal regional com mais leitores na Madeira do que o jornal II; </font>
</p><p><font>T. Da notícia em causa e dos autos resulta que a jornalista não foi determinada por qualquer intuito persecutório, conluio, campanha malévola com intuitus persona ou intenção de ofender, mas antes foi, sim, determinada pelo animus narrandi, necessariamente presente no exercício da sua profissão; </font>
</p><p><font>U. Ora, como é defendido na jurisprudência - Ac. ReI. Lx. (José Manuel Simões Ribeiro), 18/2/97, BMJ 464, pg. 606: </font>
</p><p><font>“I. Tendo o arguido a intenção de relatar as informações que recolheu e investigou, não tendo ultrapassado a fidelidade do que apurou, agiu com animus narrandi, o que exclui o propósito difamatório; </font>
</p><p><font>II. Quando o conteúdo de uma notícia for verdadeiro ou justificadamente acreditado como tal e respeitar a factos socialmente relevantes, tal notícia é desprovida de censura jurídico-criminal, ainda que dela advenha qualquer desprestígio para os envolvidos”; </font>
</p><p><font>V. Sendo que o animus narrandi, ocorrido nas circunstâncias supra-descritas, não só justifica o facto, como isenta de culpa o seu autor, até porque só se deve responsabilizar quem actua com desprezo pela verdade, porque só isso verdadeiramente defrauda o direito dos outros à informação; </font>
</p><p><font>W. A nível de doutrina, refere Iolanda A. S. Rodrigues de Brito: “Em matéria de liberdade de expressão, o Estado português tem sido condenado pelo TEDH, por violação do artigo 10.º da CEDH, com base na falta de verificação do requisito da necessidade de restrição numa sociedade democrática. Com efeito, como salientou no caso KK e LL c. Portugal (2007), as instâncias judiciais nacionais não encontraram um justo equilíbrio entre a necessidade de proteger os direitos dos jornalistas à liberdade de expressão e a necessidade de proteger os direitos e a reputação do visado. Sustentou, ainda, que a motivação avançada pelos</font><i><font> </font></i><font>tribunais portugueses para justificar a condenação, embora pertinente, não era suficiente, nem correspondia a qualquer necessidade imperiosa. Concluindo, assim, que a condenação não representou um meio razoavelmente proporcional à prossecução do interesse legitimo em causa, tomando em consideração o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de imprensa, pelo que tinha ocorrido uma violação do artigo 10.º da CEDH." </font>
</p><p><font>“ ... como foi realçado pelo TEDH no caso Thorgeir Thorgeirson v. Iceland (1992), ... Além disso, não se pode exigir à imprensa que publique apenas factos provados ou prováveis, porque, se assim fosse, estaria impedida de publicar praticamente tudo.” </font>
</p><p><font>“A liberdade de expressão é válida não apenas para as informações ou ideias admitidas favoravelmente ou consideradas como inofensivas e indiferentes, mas também para as que ferem, chocam ou incomodam. Estas são as exigências do pluralismo, da tolerância e do espírito de abertura, sem os quais não há sociedades democráticas." – in Liberdade de Expressão e honra das figuras públicas, Coimbra Editora; </font>
</p><p><font>X. Com base nesta linha doutrinária, o Estado Português foi recentemente condenado por violação do artigo 10.º da CEDH, nos casos MM, SA e outros c. Portugal, Processo 39324/07 por decisão proferida a 7/12/2010 e NN, Processo 28439/08 por decisão proferida a 28/06/2011, em que havendo o confronto entre o direito à honra e a liberdade de informação e de expressão, estes devem prevalecer; </font>
</p><p><font>Y. Prevê o artigo 484.º do CC, é necessário a imputação de um facto, assim, o mero relato do que está em investigação judicial, onde não se menciona o Recorrido, não é susceptível de ser qualificado juridicamente, como imputação de um facto a este; </font>
</p><p><font>Z. No entanto, o acórdão recorrido afirma que “No mais, para fundamentar a responsabilidade civil nos termos do art. 483.º do CC, é necessário que o facto do agente seja ilícito. O facto deverá, pois, revestir um carácter de contrariedade por parte do lesante com os comandos que lhe são impostos pela ordem jurídica, ou seja, de infracção de deveres jurídicos, quer de abstenção, quer, em determinados casos, de acção. No caso de o agente violar o seu dever de abstenção face à personalidade física ou moral de outrem, o lesante pratica uma acção ilícita.”, pretendendo com isto justificar os requisitos do artigo 483.º do CC; </font>
</p><p><font>AA. Acontece porém que, a responsabilidade civil no que à imprensa diz respeito, de acordo com o artigo 29.º n.º 1 da Lei 2/99 de 13/01, é determinada de acordo com os princípios gerais, ou seja, artigo 483.º do CC; </font>
</p><p><font>BB. Defende Faria Costa: “exigir para a publicação de uma notícia que o jornalista tivesse um grau de certeza equiparável, por exemplo, ao grau de certeza necessário para proferir uma condenação, seria inviabilizar de todo, mas de todo, o direito de informação.” </font>
</p><p><font>CC. Quanto à ilicitude, o acórdão proferido considera-a verificada por suposta violação do direito de presunção de inocência, violação do segredo de justiça e de regras deontológicas; </font>
</p><p><font>DO. Ora, o certo é que o processo por alegada violação do segredo de justiça intentado pelo Recorrido contra a Recorrente foi arquivado e este crime tutela interesses gerais da aplicação da justiça e não direitos pessoais; </font>
</p><p><font>EE. A presunção de inocência decorre de processo judicial, não cabendo a um jornalista tecer considerações sobre a mesma, por ser óbvia, nem a Recorrente afirma que o Recorrido é culpado; </font>
</p><p><font>FF. No caso concreto, as denúncias foram feitas em 2001 por órgãos de comunicação regional, o que deu origem a um processo judicial, de que a Recorrente escreveu a notícia legitimamente, no exercício do dever de informar; </font>
</p><p><font>GG. Não estamos perante um facto ilícito, pois como defende a Exma. Senhora Dra. Juiz Conselheira, Maria Lúcia Amaral, no seu voto de vencida exarado no Acórdão 292/2008 do Tribunal Constitucional: “A diferença entre o exercício de expressar o pensamento e o exercício do direito de informar corresponde à diferença que vai entre a divulgação da opinião e a divulgação notícia. Seguramente que a segunda, que se reporta a factos e não a juízos de valor, deve ser verdadeira. Contudo, a questão é a de saber qual o standard de comprovação da verdade que razoavelmente se requer, tendo em conta a dimensão objectiva do direito (liberdade de expressão) e o consequente 'tipo' alargado do seu âmbito de protecção constitucional. É para mim claro que tal standard terá que pressupor a boa-fé e a diligência razoável de quem informa. Exigir para além disso – como se as notícias só pudessem ser transmitidas após uma verificação e comprovação exaustiva da veracidade – parece-me que é exigir mais do que é permitido pelo âmbito de protecção da norma constitucional, justamente pelo efeito inibitório, que daí decorrerá, para o exercício do direito de informar.” </font>
</p><p><font>HH. Os requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito, devem ser analisados com a salvaguarda dos direito de informação e liberdade de expressão, vigentes no nosso ordenamento jurídico de acordo com os artigos 18.º, 37.º e 38.º da CRP e artigo 10.º da CEDH, segundo as regras defendidas e aplicadas pelo TEDH, o que pela sua relevância jurídica, importa analisar à luz desses princípios, para se evitar dissonâncias interpretativas e porem em causa a boa</font><i><font> </font></i><font>aplicação do direito, nas instâncias nacionais e assim evitar condenações no TEDH, assegurando-se assim a tranquilidade e paz social, com a credibilização das instituições e a aplicação correcta do direito; </font>
</p><p><font>II. O acórdão recorrido omitiu a pronúncia sobre o facto de a notícia se reportar a factos de relevante interesse público; </font>
</p><p><font>JJ. E, por outro lado, não consta do acórdão, a necessária análise dos elementos para a fixação dos danos não patrimoniais enumerados no n.º 1 do artigo 496.º do CC, nem fundamentou de facto e de direito a fixação do valor indemnizatório: </font>
</p><p><font>KK. A não especificação dos fundamentos de facto e de direito, constituem também nulidades nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º, agora 615.º do CPC; </font>
</p><p><font>LL. E, por não ter sido alegado pelo Recorrido, que a Recorrente sabia que os factos relatados eram falsos, o que impedia de tecer considerações sobre tal matéria, sob pena de violar o disposto no artigo 264.º do CPC, em vigor à data da prolação da decisão; </font>
</p><p><font>MM. Assim, o acórdão proferido é nulo, nos termos das alíneas d) do n.º 1 do artigo 668.º, agora 615.º do CPC, por se ter pronunciado e conhecido de questões de que não podia conhecer e por ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia; </font>
</p><p><font>NN. Para além do supra exposto, os danos dados como provados, foram angústia e ansiedade, o que na sociedade de hoje e alegadamente sofridos por um gestor de diversas sociedades e administrador de uma empresa de trabalho portuário, não merece a tutela jurídica; </font>
</p><p><font>00. Na fixação de indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, e não todos e quaisquer meros inconvenientes – n.º 1 do artigo 496.º do CC; </font>
</p><p><font>PP. Não devia, por isso, ser fixada uma indemnização no valor de 25.000 euros, pois o montante deve ser fixado equitativamente, analisando as capacidades económicas do lesado e do lesante, para além das demais circunstâncias dos factos, como prevê o n.º 3 do artigo 496.º do CC;</font>
</p><p><font>QQ. Para além de que, na actual conjuntura económica, por causa de angustias e ansiedades, a indemnização não deve ser fixada em valor que ponha em causa a vida financeira e subsistência de alguém; </font>
</p><p><font>RR. Nestes termos, deve ser admitido e considerado procedente o presente recurso de revista excepcional e, em consequência, ser o acórdão proferido revogado; decretando-se a</font><i><font> </font></i><font>absolvição da Recorrente, ou se assim se não entender, a fixação de um valor indemnizatório simbólico, face ao supra exposto; </font>
</p><p><font>SS. Sob pena de violação, nomeadamente dos artigos: 70.º, 335.º; 483.º, 484.º e 496.º do CC; 668.º, 721.º e 721.º-A, agora correspondente aos 615.º; 666.º e 672.º do CPC, 18.º, 37.º e 38.º da CRP; 10.º CEDH.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O autor contra – alegou pugnando pela improcedência recursiva da ré.</font>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> ªª</font>
</p><p><font>As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684.º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font> – doravante CPC) – consubstanciam as seguintes questões: </font>
</p><p><font>a) Nulidades do Acórdão;</font>
</p><p><font>b) Se, ao publicar a notícia de 08/12/2006</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>, a ré/recorrente exorbitou o âmbito do seu direito e liberdade de informar, tendo, por essa via, violado o direito à honra e ao bom-nome e reputação do autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> DE FACTO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>1. No dia 8 de Dezembro de 2006, o jornal semanário </font><i><font>Sol </font></i><font>publicou um artigo intitulado “</font><i><font>...</font></i><font>”, da autoria da 5.ª ré, com o seguinte teor: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>Os gestores do porto são arguidos num caso em que foram desviados € 15 Milhões. </font></i>
</p><p><i><font>A investigação criminal à gestão do porto do Funchal – iniciada há mais de cinco anos, após várias denúncias públicas de gestão danosa – já está concluída. Segundo o II apurou, em breve o Ministério o Público tomará uma decisão sobre os termos da acusação.</font></i>
</p><p><i><font>Sete arguidos. </font></i>
</p><p><i><font>Sete pessoas foram constituídas arguidas ao longo do inquérito, entre as quais os administradores da empresa que gere em regime de exclusividade (há quase 20 anos) as operações portuárias no Funchal: a OO. O principal responsável da empresa é PP, primo do antigo vice-presidente do Governo Regional da Madeira, PP, dono de um dos maiores grupos económicos da Região.</font></i>
</p><p><i><font>Os responsáveis pela antiga empresa pública QQ – que gere a mão-de-obra portuária e onde tinha assento um representante do Governo Regional, um representante dos sindicatos dos estivadores e PP, enquanto representante da referida OO – estão também entre os arguidos.</font></i>
</p><p><i><font>Segundo soube o II, a investigação criminal, que abrangeu um período de cerca de três anos a partir de 2001, concluiu que foram criadas 20 empresas, apenas para prestar serviços fictícios à QQ, emitir facturas por esses serviços e receber o respectivo pagamento. Isto com o objectivo de, alegadamente, desviar parte dos lucros da referida empresa. No total, os investigadores apuraram um valor da ordem dos 15 milhões de euros pagos a estas “empresas – fantasmas”.</font></i>
</p><p><i><font>Um dos principais visados na investigação é o antigo sindicalista AA - representante dos sindicatos na administração da QQ e que, entretanto, se descobriu ser sócio da OO (a empresa de PP). Na investigação, AA é considerado um dos elementos-chave do alegado esquema, uma vez que se descobriu que o ex-sindicalista tinha uma participação em quase todas as empresas que prestaram os falsos serviços.</font></i>
</p><p><i><font>AA foi já ouvido no âmbito, deste inquérito, assim como os outros administradores da OO e da QQ e PP.</font></i>
</p><p><i><font>O inquérito foi aberto em Junho de 2001, na sequência de denúncias feitas por estivadores do Porto do Funchal, que alegavam estar a trabalhar na casa particular de AA (na altura administrador da QQ) e a receber pela empresa. Os estivadores denunciaram ainda que trabalharam também em armazéns da OO, mas que foram igualmente pagos pela QQ.</font></i>
</p><p><i><font>Rede de empresas.</font></i>
</p><p><i><font>Os investigadores detectaram a existência de uma rede de empresas, em nome de AA e de elementos da sua família, mas sem quaisquer funcionários, que prestavam serviços</font></i><i><u><font> </font></u></i><i><font>de consultadoria e de informática à QQ. Uma delas, só num ano, terá facturado a esta empresa cerca de meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório.</font></i>
</p><p><i><font>A empresa da família RR tem desde os anos 80 o controlo das operações portuárias no Funchal, depois de uma concessão feita nesse sentido pelo Governo Regional da Madeira.</font></i>
</p><p><i><font>Trata-se de um negócio altamente rentável, pois o Porto do Funchal, com uma posição estratégica no Atlântico, é desde há vários anos um dos mais caros do Mundo.</font></i>
</p><p><i><font>Uma das vertentes do negócio portuário é a mão-de-obra, cuja gestão no Funchal, passou, na sequência daquela concessão, a ser feita por uma empresa pública criada para o efeito (a QQ), mas onde o Grupo RR sempre teve uma posição de destaque. </font></i>
</p><p><i><font>O actual vice-presidente do Governo Regional da Madeira, SS, foi, durante cinco anos, o representante do Governo Regional na administração da QQ. Abandonou estas funções em 2000, antes da investigação criminal ter sido iniciada.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>2. O autor é gerente da empresa TT.</font>
</p><p><font>3. Em 2 de Novembro de 1994, foram alterados os Estatutos da UU — …. que passou a ter a denominação de “….– QQ”, nos termos de fls. 100 a 115, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>4. Em 7 de Maio de 2003 foi efectuada alteração parcial dos estatutos da “… – QQ”, nos termos de fls. 117 a 131, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>5. Em 22 de Novembro de 1999 foi efectuada alteração parcial dos estatutos da “… — QQ”, nos termos de fls. 133 a 135, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>6. A “… — QQ”, após a sua criação não requereu nem obteve a declaração do estatuto de utilidade pública.</font>
</p><p><font>7. Em 13 de Outubro de 2007, o jornal </font><i><font>II</font></i><font>, publicou na página 10, uma notícia, intitulada “</font><i><font>…</font></i><font>”, da autoria da 5.ª Ré com o seguinte teor: </font>
</p><p><i><font>“Pelo menos um dos casos que consta do dossier de denúncias de corrupção na Madeira – que o PS regional levou, anteontem, ao Procurador-geral da República para que fosse investigado – já foi alvo de despacho de arquivamento do Ministério Público (MP) do Funchal.</font></i>
</p><p><i><font>Trata-se do caso conhecido como “Porto do Funchal”, no qual a investigação policial descobriu que cerca de 20 empresas fictícias facturaram àquele organismo milhões de milhões de euros em serviços inexistentes. Segundo uma informação prestada ao II, nesta semana, pelo gabinete de Pinto Monteiro, o inquérito foi arquivado pelo MP a 31 de Julho passado, apesar de o relatório final da investigação apontar para a acusação. Um dos investigados no caso do Porto do Funchal foi o vice-presidente do Governo Regional, SS, que durante vários anos integrou a administração do Porto.</font></i>
</p><p><i><font>A gestão deste organismo foi entregue pelo Governo Regional a uma empresa da família RR, RR, primo de um dos líderes do PSD Regional e presidente do Conselho de Administração do Porto, foi um dos principais alvos deste inquérito - crime, tendo chegado a ser constituído arguido.</font></i>
</p><p><i><font>Entretanto, a iniciativa socialista de denunciar alegados casos de violação da lei envolvendo dirigentes do PSD que exercem cargos políticos, não se ficou pela ida do secretário - geral do partido a Lisboa. Ontem mesmo, VV - deputado independente, eleito pelas listas do PS nas últimas eleições regionais — entregou no junto do Ministério Publico uma queixa-crime contra o presidente da Câmara do Funchal, XX, por alegada “prática do crime de tráfico de influências”, disse o deputado ao II.</font></i>
</p><p><i><font>A queixa aponta para a existência de indícios criminais no processo de licenciamento de um hotel, que ainda está em construção pertencente ao empresário ZZ. Este caso, em relação ao qual os vereadores do PS também levantaram dúvidas em diversas sessões na Câmara do Funchal, é um dos cerca 20 relatados no dossier entregue a Pinto Monteiro, esta semana.</font></i>
</p><p><i><font>Numa operação mediática inédita, os socialistas decidiram denunciar publicamente a falta de respostas do MP da Madeira, dizendo que tinham de entregar o dossier directamente ao PGR por não adiantar de nada fazê-lo aos magistrados da região. «Nós conhecemos casos em que o profissionalismo de alguns agentes do MP deixa muito a desejar e isso é consubstanciado em arquivamentos inexplicáveis e na prescrição de processos, que ficaram esquecidos na gaveta de um qualquer procurador», disse AAA, o secretário - geral do PS - M, à saída do encontro com o PGR.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>8. Os réus BB, DD, EE e FF, são Director, Director Adjunto e Subdirectores do jornal semanário </font><i><font>II,</font></i><font> respectivamente.</font>
</p><p><font>9. O autor é administrador da </font><i><font>QQ</font></i><font>, indicado pelos sindicatos.</font>
</p><p><font>10. Correu termos na Procuradoria da República do Funchal, um inquérito, com o n.° 711/01.3TAFUN, no qual foram constituídos arguidos diversos indivíduos, entre os quais o autor, em 30 de Maio de 2006.</font>
</p><p><font>11. No processo acima referido foi proferido despacho de arquivamento com o seguinte teor:</font>
</p><p><font>“ (…)</font><i><font> Os presentes autos tiveram origem numa notícia publicada no … de 26/6/2001 dando conta que trabalhadores eventuais da QQ/RAM, associação responsável pela gestão de mão-de-obra portuária dos portos da RAM, teriam sido utilizados para diversos trabalhos nas residências particulares de um dos seus Administradores, AA, bem como na casa de sua filha, BBB, também profissionalmente ligada à empresa.</font></i>
</p><p><i><font>Os trabalhadores eventuais teriam igualmente executado trabalhos para o genro do Administrador AA, CCC, (casado com a arguida BBB) na pintura de uma igreja situada em … e ainda em obras num armazém da OO situada no Porto do Funchal e ainda em casa do presidente de um sindicato. </font></i>
</p><p><i><font>Para além dos factos que deram origem ao presente inquérito, a investigação, teve também em consideração, a notícia veiculada pelo …, nomeadamente artigos publicados nos dias 29 de Junho e 5 de Julho de 2001, dando conta da existência de pagamentos de montantes muito elevados efectuados pela QQ a diversas sociedades, algumas das quais criadas para o efeito, pertencentes a administradores ou seus familiares, bem como presidentes dos sindicatos de trabalhadores portuários, relativos a consultorias, assessorias que alegadamente não teriam sido prestadas.</font></i>
</p><p><i><font>Foi deste modo efectuada uma perícia contabilista e financeira levada a cabo pelo Departamento de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária tendo por base o período compreendido entre 1998 e 2001 visando a QQ e as outras empresas que alegadamente teriam sido constituídas para celebrar negócios jurídicos de molde a absorver, sem fundamento, os lucros provenientes da QQ.</font></i>
</p><p><i><font>A QQ é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, (cujo objecto é o exercício da actividade de cedência temporária de trabalhadores portuários nos Portos da Região Autónoma da Madeira) cujos sócios fundadores foram os dois Sindicatos Portuários, o Governo da RAM e a OO (constituída em 18/3/1988 de que é sócia única a DDD Ida, sendo por seu turno sócios da DDD, EEE, FFF Lda, GGG Lda, HHH, Lda, III, JJJ Lda, KKK, JJJ Lda, LLL Lda, MMM Lda.) que recruta trabalhadores à QQ e os coloca onde entende necessário.</font></i>
</p><p><i><font>Foram constituídos arguidos nos presentes autos:</font></i>
</p><p><i><font>1 - NNN, Presidente do Conselho de Administração da QQ, nomeado em representação do Governo pela Resolução n.° 1205/99 de 5/8 e nomeado Presidente do Conselho de Administração por Acta Perícia volume I A doc. 1 a 302).</font></i>
</p><p><i><font>2 - AA, Presidente do Conselho de Administração da QQ nomeado em representação dos Sindicatos em 2/1/99 e 2/1/2002 (Acta n° 98 e Acta n° 117 – Relatório pericial volume 1 A doc. A1 a 302).</font></i>
</p><p><i><font>3 - BBB - Directora Financeira e Directora Técnica da QQ,</font></i>
</p><p><i><font>4 - OOO, Administrador da QQ em representação da OO até 1998.</font></i>
</p><p><i><font>5 - PP, Administrador da QQ em representação da OO, da qual era Presidente, desde finais de 1998, nomeado Presidente do Conselho de Administração por Acta n.° 108 de 2/1/2001 - relatório pericial volume I A doc. n.° 1 a 302)</font></i>
</p><p><i><font>6 - AAAA, trabalhador portuário que desempenha funções administrativas nos escritórios da QQ e efectuava a contabilidade do SLCD.</font></i>
</p><p><i><font>7 - SSS, Presidente do Sindicato do SLCD, trabalhador portuário com a categoria de Superintendente.</font></i>
</p><p><font>ª</font>
</p><p><i><font>Das diligências investigatórias realizadas nos autos veio a confirmar-se que vários trabalhadores eventuais da QQ prestaram trabalho para os arguidos AA e BBB na construção de duas moradias, bem como no arranjo de dois apartamentos pertencentes aos mesmos arguidos, bem como na igreja de Santo Amaro e ainda nas instalações da OO.</font></i>
</p><p><i><font>Apurou-se ainda que o arguido AA procedeu a pagamento de mão-de-obra recebida da QQ, em 26 de Junho de 2001, desconhecendo-se se o pagamento correspondeu ao total da dívida até então ou se ficaram parcelas por pagar.</font></i>
</p><p><i><font>É certo que a prestação de trabalho por parte de funcionários da QQ para AA e BBB se prolongou até meados de Agosto de 2002, conforme escutas operadas, data posterior ao do pagamento acima referido e depois de a comunicação social ter veiculado a situação descrita nos autos, seja a utilização de mão-de-obra da QQ em proveito dos arguidos.</font></i>
</p><p><i><font>Também na casa de SSS f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_zIMvIYBgYBz1XKvOIFm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Na comarca de Lisboa, A, que também usa ..., propôs contra Edipress - Imprensa Independente, S.A., Dr. B e Doutor C, que também usa ..., a presente acção como processo ordinário na qual pediu que estes réus fossem condenados a pagar-lhes a quantia de 10000000 escudos como indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos com a publicação no jornal "Semanário", propriedade da ré, de que é director o 2. réu, de três artigos da autoria do<br>
3. réu, relacionados com a conduta do autor no cargo de Secretário-Adjunto para a Economia, Finanças e Turismo, do território de Macau e gravemente lesivos da sua auto-estima, reputação e bom nome público.<br>
Na sua contestação, os réu dizem que o autor dos escritos focados actuou licitamente, no exercício do direito de informação, sem culpa, com diligência até superior à de um bom pai de família, e não fêz imputações objectivamente ofensivas do autor da acção, e, além disto, este não sofreu quaisquer danos, e terminaram pedindo a absolvição do pedido e a condenação do autor em multa e indemnização como litigante de má fé.<br>
Realizada, sem êxito porém, uma tentativa de conciliação, foi proferido o despacho saneador e organizados a especificação e o questionário.<br>
Prosseguiu o processo a sua tramitação até que, feito o julgamento, foi proferida sentença que absolveu os réus do pedido.<br>
Desta sentença recorreu o autor, mas a Relação negou provimento ao recurso.<br>
Deste acórdão voltou o autor a recorrer e, na sua alegação, concluiu assim:<br>
I - os escritos de folhas 224/verso, 220/verso e 218/verso contêm expressões e imputações objectivamente ofensivas da honra e reputação do autor, ainda que sob a forma de dúvidas e perguntas, imputações que se resolvem em crimes de peculato, participação económica em negócio e abuso de poderes;<br>
II - o recorrido Doutor C não cumpriu o dever de informação para os efeitos do artigo<br>
164 n. 3 do Código Penal, maxime quanto à imputação do recorrente de estar a actuar, servindo-se do exercício de funções públicas e com dinheiro ilicitamente emergente de tal actividade, para pagar as despesas de campanha eleitoral de 1986 do Dr. D e a amealhar para a cobertura das despesas com a campanha de 1991;<br>
III - para efeitos de conclusão pela sua boa fé, alegou factos, levados ao n. 14 do questionário, que seriam sucedâneos do cumprimento do dever de informação, mas não logrou prová-los;<br>
IV - ficou provado que a honra e reputação do recorrente foi lesada;<br>
V - a medida de tal lesão é ampliada pela difusão que o jornal "Semanário" proporciona, já que é público e notório que este periódico tem tiragens de milhares de exemplares e é comprado e lido por milhares de pessoas<br>
- tudo factos públicos e notórios de que o julgador sempre se pode servir e para cuja relevância é indiferente a resposta negativa ao quesito 4., nos precisos termos em que está formulado;<br>
VI - a ofensa deliberada da honra e reputação do autor, valores que são tutelados pela lei penal (artigo 164 do<br>
Código Penal) e civil (artigo 70 do Código Civil) constitui ilícito culposo que gera a obrigação de indemnizar, in casu, pelo dano moral daí emergente (ut artigos 483 e seguintes, 562 e seguintes, todos do<br>
Código Civil), pelo que deve ser atribuída ao recorrente indemnização condigna em valor não inferior ao peticionado, revogando-se o acórdão a quo por erro de interpretação e aplicação do direito, maxime as disposições enunciadas nestas conclusões.<br>
Na sua contra-alegação, os recorridos concluíram deste modo:<br>
I' - a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa têm dignidade e tutela constitucionais equivalentes ao direito ao bom nome e à honra de qualquer pessoa;<br>
II' - à imprensa cabe a função pública e, portanto, o direito - dever de formar a opinião pública nas diversas vertentes da cidadania: política, económica, social e cultural;<br>
III' - a possível ofensa ao bom nome e reputação de uma figura pública ou de um titular, ainda que fugaz, de um cargo político, como o recorrente, desde que indispensável àquela função pública da imprensa e feita em termos críticos não abusivos, não é ilícita, porque efectuada no exercício de um direito;<br>
IV' - os escritos assinados pelos réus reportam-se exclusivamente à vida política de Macau e à actuação do recorrente no exercício do cargo de Secretário-Adjunto do respectivo Governo, foram escritos depois da generalidade da imprensa ter questionado e formulado as mesmas dúvidas e as mesmas críticas e limitam-se a colocar dúvidas, suscitar questões e exigir esclarecimentos sobre factos e acusações que outros já haviam dado à estampa pública;<br>
V' - provou-se ser verdade que, em 1986, o recorrente, sem concurso público, prorrogou, em negociação directa com E, a concessão de jogo de Macau, passando o seu termo natural, que era em 1991, para o longínquo ano de 2001, provou-se também que uma das maiores, senão a maior, das contrapartidas dessa prorrogação foram contribuições para a Fundação do Oriente de que o autor pretendeu ser Presidente, como de facto veio a ser e ainda é, e provou-se ainda que o autor transferiu dinheiro público do Fundo de Pensões de Macau para<br>
Sociedade Bancária a que anteriormente estivera ligado na sua vida privada;<br>
VI' - é assim evidente a veracidade do que os réus respeitaram e o interesse público do que questionaram, pelo que foi lícito o seu comportamento, pelo que tiveram razão ambas as instâncias quando, em emissores, reconheceram que não era exigível os réus C, como comentador político desde há 12 anos, que calasse as dúvidas e interrogações que outros haviam já suscitado e não actuasse, como actuou, com adequação, no cumprimento da função pública da<br>
Imprensa;<br>
VII' - por outro lado, incumbia ao recorrente provar a culpa dos recorridos, o que não conseguiu, e não a estes provar a inexistência de culpa, pelo que improcede o sentido aliás abusivo que o recorrente pretende retirar da resposta de não provado ao quesito<br>
14, o qual nada tinha aliás a ver com a diligência e a veracidade usadas pelos recorridos; aliás, se se seguisse o critério quanto a ele pretendido pelo recorrente, também da resposta ao quesito 6. se imporia concluir que "o recorrente tem e sempre teve uma conduta repreensível, seja em público seja em privado";<br>
VIII' - provou-se aliás que a intenção dos réus foi a de questionar os responsáveis sobre a veracidade do que outros órgãos de comunicação social haviam dito<br>
(resposta ao quesito 7.) e também a de demonstrar a legitimidade e o interesse público das perguntas que formularam nos seus artigos, a necessidade das respostas que aqueles responsáveis deviam ter fornecido e o dever de informação do público neste domínio<br>
(respostas aos quesitos 11, 12 e 13);<br>
IX' - acresce que o autor não fez prova de qualquer dano à sua honra nem ao seu bom nome e reputação<br>
(respostas aos quesitos 3. e 4.);<br>
X' - decidir o contrário do que se deixa exposto seria fazer aplicação dos artigos 484 do Código Civil e 24 da<br>
Lei da Imprensa em interpretação desconforme com o disposto nos artigos 37 ns. 1 e 2 e 38 ns. 1 e 2 da<br>
C.R.P., pelo que o recurso deve ser julgado improcedente.<br>
Colhidos os vistos legais, cabe decidir.<br>
Vêm provados os factos seguintes:<br>
1 - entre 21 de Maio de 1986 e 27 de Agosto de 1987, o autor desempenhou o cargo de Secretário-Adjunto para a<br>
Economia, Finanças e Turismo do Território de Macau e, no cumprimento das atribuições próprias deste cargo, participou no processo de revisão do contrato para a concessão do exclusivo da exploração de jogo de fortuna ou azar no dito território de Macau, ultimado em 31 de<br>
Dezembro de 1986, e interveio no processo de transferência para instituições bancárias estrangeiras, operada a partir de 17 de Dezembro de 1986, de reservas monetárias afectas, as quais foram inicialmente transferidas para uma instituição bancária estrangeira, a S.B.P., a que o autor estivera anteriormente ligado;<br>
2 - o contrato para a concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna ou azar no território de Macau, celebrado entre o Governo de Macau e a<br>
S.T.D.M., S.A.R.L., termina em 31 de Dezembro de 1991;<br>
3 - a ré Edipress - Imprensa Independente, S.A. é proprietária do periódico "Semanário", do qual é director o réu Dr. B;<br>
4 - Na sua edição de 21 de Março de 1987, o dito<br>
"Semanário" publicou um artigo da autoria do réu Doutor C com o título "Macau: a rapina no Oriente?", incerto no documento de folhas 224/verso, aqui dado como reproduzido, do qual se destacam as seguintes passagens:<br>
"Ultrapassado, em qualquer caso, que se encontra o principal obstáculo a que reflictamos sobre o modo como está a ser gerida a administração portuguesa em Macau, é caso para elencarmos muitas perguntas que têm sido colocadas e ficado sistematicamente sem resposta.<br>
Ora, o silêncio não é, nestas circunstâncias um sinal propício para as instituições democráticas.<br>
E o silêncio sepulcral que caiu sobre notícias publicadas no Semanário e noutros órgãos de informação que se faziam elo de questões graves vividas em Macau foi estranho já que elas não mereceram nem desmentido conveniente, nem esclarecimento adequado".<br>
"Escreveram os jornais portugueses e comentaram e comentam os observadores políticos comuns em Macau que, ao contrário do que acontecera noutras zonas de jogo em Portugal, naquele território a concessão correspondente não foi objecto de qualquer concurso público.<br>
A administração portuguesa limitar-se-ia a negociar bilateralmente os termos da concessão com o Senhor E. Mais concretamente, o Dr. A, secretário adjunto com o pelouro financeiro, teria ajustado, a sós, durante umas semanas, com o Senhor E, as condições do contrato de concessão, tal como ele viria a ser subscrito pelas duas partes envolvidas. Esse contrato incluiria expressamente uma cláusula afectando uma percentagem determinada dos lucros do jogo de Macau... a uma Fundação".<br>
"Por outro lado, notícias complementares aludiriam<br>
à aquisição pela Fundação de uma percentagem da sociedade concessionária do jogo do Estoril, percentagem essa decisiva para determinar a maioria no capital social".<br>
"É tempo de formular as interrogações que nos ocorrem e que podem ocorrer a muito português que se pretende cidadão consciente e consciencioso", segundo-se 6 interrogações.<br>
"Reunidas as questões mais directas... ainda fica de pé um conjunto de outras aventáveis implicações políticas.<br>
Foi noticiado que o Dr. A transferira, sem conhecimento do Governador de Macau... 8,5 milhões de contos para a Suíça. Mais se adiantou que essa avultada verba estivera no banco pertencente a um determinado grupo económico português, para o qual o Dr. A trabalhava, antes de enveredar pelas funções públicas que ainda desempenha".<br>
Tendo o Governador tomado conhecimento da inesperada transferência para a Suíça e ameaçado com a eclosão de um escândalo, o dinheiro teria regressado, embora não na totalidade, de imediato, a Macau".<br>
"Acontece que várias vezes, quer em Macau quer em<br>
Lisboa, têm afirmado que o Dr. A é pessoa de confiança estrita do Presidente da República, Dr. D, cujas disponibilidades patrimoniais teria gerido no passado. E, com ou sem ligação a esta afirmação, insinuações surgiram de que a criação da Fundação e o complexo de factos descritos poderiam ter que ver com o pagamento do remanescente das despesas de companha eleitoral de 1986 do Dr. D e com o amealhar para a cobertura das despesas com a campanha de 1991".<br>
Assim, perguntamos mais o seguinte e seguem-se 6 interrogações,<br>
5 - Na sua edição de 28 de Março de 1987, o "Semanário" publicou novo artigo da autoria do Doutor C com o título "Ainda Macau - uma carta que define quem a escreve" (doc. de folhas 220/verso), aqui dado como reproduzido, do qual se destacam as seguintes passagens:<br>
"O Dr. A não responde a nenhuma das principais questões por nós suscitadas".<br>
Perante esta carta do Dr. A, e salvo de se tratar de uma infelicidade deplorável, de uma distracção inexplicável, de uma ignorância inesperada, uma coisa temos a certeza: de que o<br>
Governo de Macau não está, ao menos num caso, entregue a quem deveria preencher os requisitos mínimos para o efeito.<br>
Até porque pior do que os cegos que são acusados de não querer mesmo ver são aqueles que de cegos não têm nada. E para um observador atento aparecem com omissões que podem levar a concluir que tem visto, estão a ver e tudo indica que verão cada vez mais para além do que aconselharia a dignidade do Estado que deveriam servir, sendo que tal carta, da autoria do autor, Dr. A, foi publicada naquele semanário, na mesma edição de 28 de Março de 1987 (doc. de folhas 221, aqui dado como reproduzido);<br>
6 - Na sua edição de 11 de Abril de 1987, o "Semanário" publicou uma carta do então Governador de Macau, Doutor F, e outra do Dr. A, bem como a resposta do Doutor C, sob o título "onze questões fundamentais - todas elas por responder" (doc. de folhas 218/verso, aqui dado como reproduzido), documento do qual se destacam as seguintes passagens:<br>
"Nenhuma das duas cartas recebidas simultaneamente... responde no essencial, a qualquer das 11 questões colocadas ao nono artigo da há quinze dias.<br>
Repetimos - todas as dúvidas indiscutivelmente fundamentais então levantadas continuam sem resposta clara, transparente, convincente".<br>
"Todas estas perguntas continuam à espera de resposta específica, evidente, conclusiva".<br>
"Quanto ao Dr. A, uma única novidade nos traz a sua confrangedora carta: a da propositura de uma acção judicial.<br>
Até que enfim! Poderá ser que em Tribunal o Dr. A esclareça as 11 questões que não quis ou não pode esclarecer fora deles"";<br>
7 - como consequência directa dos artigos publicados pelo doutor C, o Dr. A sentiu-se ferido na sua auto-estima;<br>
8 - depois da publicação dos artigos, o Dr. A foi nomeado senador da Fundação do Oriente e eleito seu presidente;<br>
9 - o doutor C escreveu o artigo de 21 de Março de 1987 após haverem sido publicados os artigos surgidos nos órgãos de comunicação social de folhas 107 a 122;<br>
10 - o doutor C pretendia também demonstrar a legitimidade e o interesse público das perguntas que formulou em tais artigos e também demonstrar a necessidade das respostas que os responsáveis deveriam ter fornecido e o dever de informação do público neste domínio;<br>
11 - ainda o mesmo réu doutor C, ao publicar os artigos, interveio no "Semanário" como comentador político, como o fizera regularmente durante<br>
12 anos, primeiro no "Expresso" e, depois, no "Semanário", com críticas veementes a muitos políticos.<br>
Como decorre dos artigos 659 n. 3 e 646 n. 4, ambos do<br>
Código de Processo Civil, a sentença pode basear-se nos factos admitidos por acordo ou provados por documento, ainda que não especificados (acórdão do Supremo<br>
Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1975, B.M.J. 245, página 477, e de 29 de Novembro de 1989, B.M.J. 391, página 622; Vaz Serra, R.L.J. 111, página 276).<br>
Nesta conformidade, e porque tem interesse para a decisão do recurso, acrescentaremos mais os seguintes factos em que as partes acordaram ou que estão provados por documento:<br>
12 - o 3. réu é Doutor em Ciências Jurídico-Políticas reputado constitucionalista e admnistrativista, observador permanente da vida pública portuguesa, com larga experiência administrativa, incluindo o exercício de funções ministeriais;<br>
13 - o mesmo 3. réu esteve em Macau em Fevereiro de<br>
1987, pelo menos durante cerca de 8 horas, e encontrou-se lá com o Dr. G,<br>
Secretário-Adjunto para a Administração do Território;<br>
14 - num artigo publicado no Diário de Lisboa, de 14 de<br>
Janeiro de 1987 (doc. n. 8 a folha 107), além do mais, escreveu-se:<br>
"O responsável da Fundação (que canaliza avultados fundos de E) é A, antigo quadro do grupo Espírito Santo em Paris (antes de<br>
25 de Abril) e em Nova Iorque e que voltou a<br>
Lisboa com a reconstituição do grupo. A, que esteve ligado ao MASP - o que, aparentemente, lhe facilitou a nomeação para o Executivo macaense<br>
- seria agora um dos homens da confiança de D com um importante papel na preparação, em matéria de fundos, da recandidatura do actual<br>
Presidente da República. Admite-se por isso em<br>
Macau que, dado o "isolamento" do actual<br>
Governador, Apoderia vir a ocupar o cargo de F";<br>
15 - O 3. réu, no seu artigo do Semanário de 21 de<br>
Março de 1987, além do mais, escreveu;<br>
"Acontece ainda que várias vezes, quer em Macau quer em Lisboa, têm afirmado que o Dr. A é pessoa da confiança estrita do Presidente da<br>
República, Dr. D, cujas disponibilidades patrimoniais teria gerido no passado. E, com ou sem ligação a esta afirmação, insinuações surgiram de que a criação da Fundação e o complexo de factos descritos poderiam ter que ver com o pagamento do remanescente das despesas de campanha eleitoral de 1986 do Dr. D e com o amealhar para a cobertura das despesas com a campanha de 1991.<br>
Em nosso entender, é insustentável que dúvidas, interrogações, insinuações deste teor possam formar-se e avolumar-se sem que um esclarecimento cabal ponha termo, peremptoriamente, a tais situações".<br>
E, a seguir, formulou a seguinte 6. pergunta:<br>
"Como reage Belém tão silenciosamente a factos que, a ser verdadeira a confiança política e pessoal depositada pelo Presidente da República no<br>
Dr. A, só podem vir a afectar o prestígio e a imagem do próprio Presidente?";<br>
16. - Na sua edição de 25 de Janeiro de 1987, o Jornal de Notícias inseriu o seguinte:<br>
"A Presidência da República desmentiu ontem<br>
"falsas informações e notícias especulativas" sobre "qualquer crise existente no Governo de<br>
Macau ou entre o Governador e o Presidente da<br>
República".<br>
Nesse comunicado da acessoria para a Comunicação<br>
Social da Presidência acrescenta que "o Governador de Macau tem toda a confiança do Presidente da<br>
República que o nomeou e do qual constitucionalmente depende, o que reafirma tão só para cortar de vez as especulações que a tal respeito têm sido feitas".<br>
"A estabilidade, o desenvolvimento e o progresso do território - último objectivo do<br>
Governo de Macau - são afectados com a proliferação de artigos ou de notícias especulativas" - afirma o documento.<br>
O comunicado esclarece ainda que o Governador de Macau esteve em Portugal para assistir ao<br>
Conselho de Estado, de que é membro e em virtude de uma operação cirúrgica a que foi submetida sua esposa";<br>
17 - o Diário de Notícias, na sua edição de 20 de<br>
Janeiro de 1987, inseriu uma notícia intitulada (doc. n. 14, a folha 115):<br>
Governo do território desmente desvios de verbas,<br>
F afirma controlar situação financeira de Macau" vindo, a seguir, o texto do teor que se segue:<br>
"O Conselho de Governo de Macau afirmou ontem em comunicado que "tem total controlo sobre a situação financeira do território", desmentindo notícias publicadas em Lisboa, segundo as quais F se mostrava preocupado quanto ao<br>
"paradeiro incerto de 400 milhões de dólares de<br>
Hong-Kong".<br>
O Governador desmente categoricamente ter alguma vez proferido semelhante afirmação, lê-se no comunicado que denuncia a existência de "uma escalada crescente de boatos e calúnias em relação a Macau, por parte de órgãos de comunicação social com sede em Portugal".<br>
Na origem da posição do executivo macaense está uma nota divulgada no passado sábado pelo "Diário de Lisboa segundo o qual F teria manifestado em confidência a amigos a sua preocupação face ao "paradeiro incerto" de cerca de oito milhões de contos transferidos para a<br>
Europa depois de negociações do contrato de jogo em Dezembro passado.<br>
Para os responsáveis de Macau o Conselho de<br>
Governo actua sempre de acordo com a lei, encontrando-se, como é óbvio, as verbas orçamentadas devidamente inseridas no Orçamento<br>
Geral do Território".<br>
18 - Na sua edição de 20 de Janeiro de 1987, "Diário de<br>
Lisboa inseriu uma notícia intitulada (doc. n. 15, a folha 116):<br>
"Governo de Macau desmente "boatos e calúnias" e garante controlo sobre as finanças", vindo, a seguir, o texto de teor idêntico ao da notícia referida no anterior n. 17, que se dá como reproduzida mas se não transcreve por estar em parte truncado e poder haver infidelidade na sua transcrição;<br>
19 - dá-se por reproduzido o doc. n. 4 junto com a petição (folha 28), constituído por um "Comunicado do<br>
Conselho de Governo de Macau", cuja emissão o Governo deliberou em 6 de Fevereiro de 1987, o qual contém esclarecimentos atinentes à transferência para o exterior, em Dezembro 1986, de 183616802,40 patacas, para aplicação da dotação do Fundo de Pensões.<br>
A - Posto isto, entremos na apreciação das conclusões do recurso, começando pela questão de saber se é facto notório que o periódico Semanário tem tiragem de milhares de exemplares e é comprado e lido por milhares de pessoas e se estes factos, sendo notórios, podem ser considerados por este Supremo Tribunal, não obstante a resposta negativa ao quesito 4. e mau grado a Relação ter afastado a sua notoriedade.<br>
Como todos concordam, face ao preceituado no n. 2 do artigo 722, do Código de Processo Civil, a fixação, dos factos materiais da causa, mesmo que notórios, cabe às instâncias, salvo se tiver havido ofensa duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.<br>
E, por sua vez, o artigo 514 n. 1 do mesmo Código de<br>
Processo Civil preceitua que não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.<br>
O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que o decidir se certo facto é ou não notório é matéria de facto, da competência das instâncias (acórdãos do<br>
S.T.J. de 24 de Abril de 1986, 28 de Janeiro de 1988,<br>
29 de Novembro de 1988, 24 de Maio de 1989, 10 de<br>
Dezembro de 1991, 14 de Dezembro de 1995, in, respectivamente, B.M.J. 356, página 295, 373, página<br>
520, 381, página 624, 387, página 531, 412, página 459,<br>
C.J. do Sup. 1995, Tomo I, 82); mas, enquanto o primeiro destes acórdãos diz que a decisão das instâncias é incensurável pelo Supremo, já os restantes são mais flexíveis, na medida em que ou permitem que o<br>
Supremo verifique se a decisão se conteve dentro dos limites legais (os do B.M.J. 381, 624 e da C.J. do Sup.<br>
1995, Tomo 1, 82) ou referem que o Supremo pode apoiar-se em factos que considere notórios apesar de não fixados pelas instâncias (os do B.M.J. 373, página<br>
520 e 412, página 459) ou admitem que o Supremo pode basear-se em factos que considere notórios, mau grado ter havido respostas negativas a esses factos negativos quesitados (o do B.M.J. 387, página 531).<br>
Da nossa parte, não sem alguma hesitação, propendemos para a orientação que se segue: é indiscutível que compete às instâncias dizer se um facto é ou não notório, isto é, do conhecimento geral no país pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informação, que o mesmo é dizer, facto conhecido pelo cidadão comum, regularmente informado<br>
(Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado,<br>
Volume III, página 261; acórdão do Supremo Tribunal de<br>
Justiça de 12 de Novembro de 1991, B.M.J. 411, página<br>
569) mas parece-nos que o Supremo Tribunal, tal como acontece em relação a outros factos não notórios, pode verificar se as instâncias agiram dentro dos limites legais aludidos no n. 2 do artigo 722 citado, ou seja, pode apreciar se as instâncias deram, ou não, como provados factos em contraste com disposição de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.<br>
No caso, o referido artigo 514 n. 1 fixa a força de determinado meio de prova, pois que considere provado o facto notório, sendo, pois, a notoriedade o meio de provar o facto. Acresce que há um conceito de facto notório definido no artigo 514 n. 1, que é o facto do conhecimento geral, pelo que o jurista terá algo a dizer sobre se a qualificação do facto como notório corresponde ou não ao conceito legal, sendo, assim, uma questão de direito, censurável pelo Supremo.<br>
De resto, não se esqueça que o Juiz tem de decidir em conformidade com a verdade e não pode fundar a decisão em facto impossível, o que aconteceria se a decisão se apoiasse em facto manifestamente contrário a facto notório (Alberto dos Reis, Obra Cit., página 263).<br>
Mas seria o que aconteceria se, por exemplo, o Supremo não pudesse censurar as decisões das instâncias quando elas considerassem notório um facto só conhecido por uma, duas ou três pessoas, ou não considerassem notório um facto conhecido de todo o país (por exemplo, um terramoto que tivesse arrasado por completo Lisboa).<br>
Pela mesma razão entendemos que o Supremo pode levar em conta os factos notórios, mesmo que tenham sido quesitados e obtido resposta negativa ou quando as instâncias se não tenham apoiado neles. É até a consequência de tais factos não carecerem de alegação.<br>
Nesta conformidade, cabe agora dizer o que, no tocante<br>
à matéria quesitada no quesito 4., se considera facto notório.<br>
Pois, atento o periódico de que se trata e o país e gente que temos, afigura-se-nos dever considerar-se notório que o Semanário atinguiu, no sentido de chegar e ser lido, milhares de pessoas.<br>
E onde já se adianta que este facto se irá repercutir na gravidade da lesão (cfr. artigo 167 n. 2 do Código<br>
Penal de 1982).<br>
B - Na esteira de alguns autores, pensamos que a auto-estima, o sentimento individual da própria honra<br>
(a honra interna) se não distingue, enquanto objecto de protecção jurídica, da honra entendida como um conjunto de qualidades necessárias a uma pessoa para ser respeitada no meio social (a honra externa) (Beleza dos<br>
Santos, R.L.J. 92, páginas 165 e seguintes; Figueiredo<br>
Dias, R.L.J. 115, página 105).<br>
E também se nos afigura que o conceito de honra, tendo embora ingredientes de facto, constituídos pelos factos ou imputações feitas e as suas circunstâncias, envolve também um juízo de valor através do qual se apura se aqueles factos ou imputações violam o valor jurídico da honra tal como a lei no-lo apresenta e por isso, nesta parte, a formulação de tal juízo de valor é matéria de direito, já que, ao formulá-lo, se tem de tomar em conta a noção de honra para a lei e se faz apelo à intenção, à sensibilidade, às reacções instintivas do jurista, do homem de leis e não do homem comum, do bom pai de família (Antunes Varela, C.J. 1995, Tomo IV, 13;<br>
Assento do S.T.J. de 3 de Abril de 1963, B.M.J. 126, página 311; e, as que nos parece, também Beleza dos<br>
Santos e Figueiredo Dias, locais citados).<br>
Ora o artigo 646 n. 4 do Código de Processo Civil manda ter por não escritas as respostas do Tribunal Colectivo sobre questões de direito, e daí que a resposta ao quesito 1. se tenha por não escrita, o que, de resto, também aconteceria com as respostas aos quesitos 2. e<br>
3., se tivessem sido positivas.<br>
Assim, o saber se houve ou não ofensa da honra é questão a resolver pelo julgador de direito, ao menos em parte, e não pelo julgado de facto.<br>
C - Segundo a Declaração Universal dos Direitos do<br>
Homem, de 10 de Dezembro de 1940, "Ninguém sofrerá... ataques à sua honra e reputação", preceito este automaticamente recebido no direito português pelo artigo 8 n. 1 da Constituição. E esta, no seu artigo 25 n. 1, estabelece a inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas, e, no seu artigo 26 n. 1, afirma que a todos é reconhecido o direito ao bom nome e reputação, além do mais.<br>
O direito à honra ou ao bom nome e reputação é, portanto, um direito fundamental, integrado como está no Cap. I, Tit. II, Parte I, consagrado aos direitos, liberdades e garantias pessoais.<br>
E o mesmo direito é tutelado pelo artigo 70 n. 1 do<br>
Código Civil, segundo o qual a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, sendo o direito ao bom nome um dos direitos de personalidade aqui reconhecidos (acórdão do Supremo Tribunal de<br>
Justiça de 13 de Março de 1986, B.M.J. 355, página 356) bem como é ainda tutelado pelos artigos 483 n. 1 e 484 do mesmo Código Civil e pelos artigos 164 n. 1 do<br>
Código Penal, 25 n. 1 da Lei de Imprensa (Decreto-Lei<br>
85-C/85, de 26 de Fevereiro, com posteriores alterações), textos estes que aqui damos como reproduzidos.<br>
D - Decorre dos textos acabados de referir, especialmente dos artigos 483 n. 1 e 484 do Código<br>
Civil, que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito à honra de outrem fica obrigado a indemnizá-lo pelos danos resultantes da violação.<br>
Estamos no campo da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, a qual pressupõe, na lição dos civilistas, o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (v. por todos, Pires de Lima e Antunes<br>
Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4. edição, página<br>
471).<br>
No caso sub-judice, porque os outros pressupostos manifestamente não levantam problemas, só apreciamos a ilicitude e a culpa.<br>
E - Como já decorre do exposto atrás, em B (cabe ao julgador de direito dizer se houve ou não ofensa à honra de outrem), a questão de saber se há ou não ilicitude há-de ser decidida oficiosamente pelo tribunal em face dos factos provados relativos à imputação, não necessitando assim de ser provada através de um juízo de valor a fazer pelo julgador de facto (Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., página<br>
474).<br>
Mas antes de avançar mais, importa dizer algo sobre a liberdade de expressão e informação.<br>
Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações (artigo 37 n. 1 da Constituição da<br>
República Portuguesa). E o mesmo direito de expressão e informação é também estabelecido pela Declaração<br>
Universal dos Direitos do Homem (artigo 19), pela<br>
Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10) e pelo Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e<br>
Políticos (artigo 19).<br>
Trata-se, portanto, de um direito fundamental, consagrado, tal como o direito à integridade moral e o direito ao bom nome e reputação, no Cap. I, Tit. II,<br>
Parte I da Constituição, do que se depreende que todos, ao menos em sede de sistematização, têm igual importância.<br>
Mas o direito de expressão e informação não é um direito absoluto e ilimitado.<br>
Na verdade, não só este direito como os outros direitos fundamentais estão sujeitos às restrições do n. 2 do artigo 18 da Constituição, segundo o qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.<br>
E, respeitando apenas ao direito de expressão e informação, o n. 3 do artigo 37 da Constituição preceitua que as infracções cometidas no exercício deste direito ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal (havendo, assim, que contar como o artigo 164 do Código Penal de 1882, vigente ao tempo da publicação dos escritos, de que infra nos ocuparemos) e também a referida Convenção Europeia dos Direitos do<br>
Homem, no seu artigo 10 n. 2, dispõe que o exercício do direito à liberdade de expressão, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituem providências necessárias, numa sociedade democrática, para a protecção da honra ou dos direitos de outrém.<br>
Como se vê, o direito de expressão e informação - como, em maior ou menor grau, outros direitos fundamentais - sofre restrições e limites logo impostos pelas normas constitucionais e pelas normas de direito internacional, com vista a salvaguardar o direito à honra ou ao bom nome e reputação de outrem.<br>
Mas o problema, deveras delicado, que surge é o da harmonização deste dos direitos entre si conflituantes.<br>
Ora, se bem apreendemos as tomadas de posição da<br>
Doutrina e da jurisprudência, parece-nos predominar, em sede constitucional, a orientação seguinte: muito embora não exista um modelo de solução, um critério geral e abstracto para resolução do conflito de direitos (com base, por exemplo, | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_DJ8u4YBgYBz1XKvKw9C | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> I</font>
</p><p><font> 1. AA intentou ação contra </font><i><font>BB, SA</font></i><font>, pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe uma indemnização no montante total de € 210.641,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos juros legais, a contar da citação. Alegou, em síntese, que no dia 26 de Abril de 2009, o seu veículo de matrícula VG-... foi furtado; o Autor, que havia transferido a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo referido veículo para a Ré, foi intencionalmente atropelado pela pessoa que o conduzia, tendo sofrido os danos que estão na base do pedido. </font>
</p><p><font>Contestou a Ré, excecionando a prescrição e a exclusão de cobertura e impugnando alguns dos factos alegados pelo Autor.</font>
</p><p><font>Replicou o Autor.</font>
</p><p><font>Proferido saneador, julgando improcedente a exceção de prescrição e fixando o objeto do litígio, bem como os temas da prova.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Emitida, a final, sentença a julgar a ação improcedente e a absolver a Ré do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Interpôs o Autor recurso </font><i><font>per saltum</font></i><font> para o STJ, mandado baixar à Relação.</font>
</p><p><font>Decidiu aquele tribunal suscitar perante o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJ) o reenvio prejudicial relativamente à questão assim enunciada: «</font><i><font>Em caso de acidente de viação do qual resultaram danos corporais e materiais para um peão que foi intencionalmente atropelado pelo veículo automóvel de que era proprietário, que se encontrava a ser conduzido pelo autor do respectivo furto, o direito comunitário, designadamente os artigos 12.º, n.º 3, e 13.º, n.º 1, da Directiva 2009/103/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, opõe-se à exclusão pelo direito nacional de qualquer indemnização ao referido peão em virtude de o mesmo ter a qualidade de proprietário do veículo e tomador do seguro?</font></i><font>».</font>
</p><p><font>O TJ, por acórdão de 14 de Setembro de 2017, declarou que: «</font><i><font>O artigo 3.º, n° 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, o artigo 1.°, n° 1, e o artigo 2.°, n° 1, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, bem como o artigo 1.°‑A da Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, conforme alterada pela Diretiva 2005/14, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que exclui da cobertura e, por conseguinte, da indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis os danos corporais e materiais sofridos por um peão vítima de um acidente de viação, apenas pelo facto de esse peão ser o tomador do seguro e o proprietário do veículo que causou esses danos</font></i><font>».</font>
</p><p><font>A Relação, à luz da decisão proferida pelo TJ, considerou que, «</font><i><font>prevalecendo a legislação comunitária sobre as normas de direito ordinário nacional, opondo-se aquelas a estas, a não aplicação das disposições internas contrárias às comunitárias é a natural consequência jurídica do primado do Direito Comunitário (…) afastada a aplicação ao caso vertente da exclusão da responsabilidade da seguradora prevista nos citados artigos do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto </font></i><font>[arts. 14º, nº 2, alíneas b) e c), 15º, nºs. 1 e 3]</font><i><font> , quando o lesado é o proprietário ou tomador do seguro, aplicam-se de pleno as demais regras da responsabilidade civil decorrentes da legislação portuguesa sobre o regime de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, mormente no artigo 11.º, n.º 2, do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, de acordo com a qual o seguro de responsabilidade civil abrange os danos sofridos por peões, quando e na medida em que a lei aplicável à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel determine o ressarcimento desses danos, como é naturalmente o caso porquanto a responsabilidade civil por factos ilícitos prevê a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação dos seus direitos por parte daquele que, de forma ilícita, e actuando com dolo ou mera culpa, os tenha atingido (artigo 483.º do Código Civil), conforme já vimos ter acontecido no caso em apreço</font></i><font>».</font>
</p><p><font>Decidiu, em consequência, julgar parcialmente procedente o recurso e condenar a Ré a pagar ao Autor: </font><i><font>«a) A quantia de 11.404,00€, (onze mil, quatrocentos e quatro euros) pelos prejuízos patrimoniais sofridos; b) A quantia de 25 000,00€ (vinte e mil euros), a título de indemnização pelo dano biológico; c) A quantia de 35 000,00€ (trinta e cinco mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos; d) Os juros de mora à taxa legal, contados desde a citação sobre a quantia referida em a), e a partir deste acórdão, sobre as quantias referidas indemnizatórias referidas em b) e c), actualizadas a esta data; absolvendo a Ré do demais peticionado»</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Pede revista a Ré, na alegação formulando as seguintes conclusões:</font>
</p><p><i><font>«I. Nos termos do art. 288.° do Tratado de Funcionamento da União Europeia, as diretivas não são de aplicação direta na ordem jurídica nacional. Elas vinculam apenas o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado e objetivos a alcançar, mas deixam às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios a utilizar (medidas nacionais de execução: lei, decreto-lei, etc.), ou seja, apenas vigoram nas ordens jurídicas nacionais após a respetiva transposição. </font></i>
</p><p><i><font>II. Entre particulares, não têm aplicação direta na ordem jurídica nacional, designadamente no caso dos presentes autos, as normas das diretivas de direito comunitário relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, mas sim o art.° 15.°, n.º 1, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, que transpôs tais diretivas, mesmo que não tenham sido transpostas corretam ente. </font></i>
</p><p><i><font>III. Mesmo nos casos em que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem estabelecido que as diretivas podem ser aplicadas diretamente, tem sido excluído o chamado efeito horizontal das diretivas, ou seja a produção de efeitos das diretivas nas relações entre particulares (por oposição ao efeito vertical, relativo aos efeitos das diretivas entre os particulares e o Estado), o que significa, portanto, que as diretivas não podem ser invocadas no âmbito de litígios judiciais em que as partes sejam duas pessoas que agem completamente fora do âmbito do direito público - como sucede no caso dos presentes autos -, mas apenas no âmbito da relação entre um particular e o Estado. </font></i>
</p><p><i><font>IV. O Princípio da interpretação conforme, reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, segundo o qual os tribunais nacionais devem interpretar a lei nacional de transposição de uma diretiva à luz do seu texto e finalidade está sujeito aos limites dos princípios gerais de direito. </font></i>
</p><p><i><font>V. Uma interpretação - como a que está em causa nos presentes autos - segundo a qual o art.° 15.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, simplesmente não tem aplicação, afastando uma norma perfeitamente clara que o legislador pretendeu aplicar no ordenamento jurídico português, configura uma violação dos princípios da separação de poderes e da segurança jurídica, previstos, designadamente, no artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa e no Tratado da União Europeia e, para além do mais, impede a aplicação do Princípio da interpretação conforme. </font></i>
</p><p><i><font>VI. O douto Tribunal a quo violou o disposto no artigo 496.°, n.º 3, do Código Civil, pois, ao fixar ao Recorrido o montante de €.35.000,OO a título de indemnização por danos não patrimoniais (únicos em causa no presente recurso), desconsiderou o Princípio da Equidade previsto no referido artigo, fixando a respetiva indemnização em montante exageradamente elevado e desajustado da realidade. </font></i>
</p><p><i><font>VII. Ao contrapor-se a decisão ora em crise com a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de fixação de indemnizações por danos não patrimoniais, é possível - salvo melhor entendimento - encontrar casos mais gravosos do que o dos presentes autos nos quais foi fixada uma indemnização igualou inferior. </font></i>
</p><p><i><font>VIII. Sendo que, apenas uma decisão que fixasse uma indemnização por danos não patrimoniais em montante não superior a €.15.000,OO seria conforme o Princípio de Equidade.»</font></i>
</p><p><font>Contra-alegou o Autor, pugnando pela manutenção do decidido no acórdão da Relação.</font>
</p><p><font> 4. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II</font>
</p><p><font> 5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação da Ré, ora Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2), são </font><b><font>questões a decidir no presente recurso: (i) não aplicação, no caso, do art. 15º, nº 1 (e nº 3) do DL 291/2007</font></b><font> – conclusões I a V e </font><b><font>(ii) montante da compensação arbitrada por danos não patrimoniais</font></b><font> – conclusões VI a VIII.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):</font>
</p><p><i><font>«1. No dia 26 de Abril de 2009, o Autor e a sua mulher, CC encontravam-se numa herdade que possuem no lugar da ....</font></i>
</p><p><i><font>2. Num pátio dessa herdade encontravam-se dois automóveis: uma carrinha pertencente ao Autor de matrícula VG-..., e o auto ligeiro ----SD pertencente à sua mulher.</font></i>
</p><p><i><font>3. Cerca das 18:00h o Autor e sua mulher aperceberam-se que o motor da referida carrinha começara a trabalhar.</font></i>
</p><p><i><font>4. O Autor, a sua mulher e um amigo do casal que estava junto deles dirigiram-se para o local em que estavam os veículos referidos.</font></i>
</p><p><i><font>5. Quando se aproximaram, viram que ao volante da carrinha estava um homem que não conheciam e que pôs a carrinha em marcha.</font></i>
</p><p><i><font>6. O Autor e sua mulher entraram imediatamente no SD e puseram-no em andamento e em perseguição do condutor da carrinha.</font></i>
</p><p><i><font>7. Chegado à zona do cruzamento da E.M nº 576 com a EN 243, o condutor da carrinha VG parou, tendo o SD parado cerca de 20 metros atrás. </font></i>
</p><p><i><font>8. E o Autor saiu do SD para se dirigir ao condutor da carrinha.</font></i>
</p><p><i><font>9. Mas o condutor da carrinha fez marcha atrás e a carrinha embateu no lado direito do SD e no Autor, atirando-o ao chão.</font></i>
</p><p><i><font>10. De seguida, a carrinha andou para a frente e tornou a fazer marcha atrás repentinamente e depressa e tornou a atropelar o Autor, que acabara de se levantar do chão, passando por cima dele.</font></i>
</p><p><i><font>11. O Autor foi arrastado pela carrinha, de rojo, na extensão de cerca de 8 metros e ficou com a roupa toda rasgada e suja de óleo.</font></i>
</p><p><i><font>12. À data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pela carrinha VG-... encontrava-se transferida para a Ré, através da apólice nº 00658362.</font></i>
</p><p><i><font>13. Como consequência directa do acidente, o Autor sofreu: traumatismo torácico e raqui-medular, abdominal e da bacia, com fractura complexa do acetábulo direito; fractura dos ramos ílio e isquipúbico à esquerda; fractura da tíbia direita; luxação de grau 2 acrómio clavicular à esquerda; e ferida do joelho direito.</font></i>
</p><p><i><font>14. Depois do acidente, o Autor foi assistido no Hospital de ..., sendo depois, transferido, no dia 1 de Maio de 2009, para o Hospital ....</font></i>
</p><p><i><font>15. Nesse Hospital, no dia 06.05.2009 foi sujeito a tratamento cirúrgico para osteossíntese do acetábulo e ficou internado no Hospital ... até 11 de Maio de 2009.</font></i>
</p><p><i><font>16. Data em que foi transferido para o Hospital ..., onde esteve internado até ao dia 1 de Junho seguinte, data em que teve alta.</font></i>
</p><p><i><font>17. Foi depois seguido por conta da Ré, no Centro Hospitalar de..., tendo tido alta no dia 8 de Fevereiro de 2011.</font></i>
</p><p><i><font>18. O Autor sofreu 654 dias de doença e ficou com as seguintes sequelas:</font></i>
</p><p><i><font>• Claudicação na marcha à custa do membro inferior direito;</font></i>
</p><p><i><font>• Consolidação da fractura do acetábulo direito com calcificações periarticulares;</font></i>
</p><p><i><font>• Sinais de evolução para a necrose da cabeça do fémur direito;</font></i>
</p><p><i><font>• Luxação não reduzida da articulação acrómio-clavicular esquerda;</font></i>
</p><p><i><font>• Limitação da mobilidade do ombro esquerdo; </font></i>
</p><p><i><font>• Limitação da mobilidade da anca direita, com flexão até aos 45º;</font></i>
</p><p><i><font>• Encurtamento de 2 centímetros do membro inferior direito.</font></i>
</p><p><i><font>19. As referidas sequelas conferem-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 15 pontos.</font></i>
</p><p><i><font>19-A. As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares .</font></i>
</p><p><i><font>20. Ficou com um dano estético permanente fixável no grau 4/7.</font></i>
</p><p><i><font>21. O Autor era agricultor, amanhando e explorando uma herdade sua.</font></i>
</p><p><i><font>22. Os trabalhos agrícolas dessa herdade eram feitos directamente pelo Autor ou sob sua orientação.</font></i>
</p><p><i><font>23. No ano de 2008, os rendimentos líquidos do Autor tinham somado € 10.563,34</font></i>
</p><p><i><font>24. Em 2009, com os seus internamentos hospitalares, longa doença e incapacidade para trabalhar, o Autor não pôde executar nem orientar os trabalhos agrícolas.</font></i>
</p><p><i><font>25. Teve prejuízos de € 11.404,44.</font></i>
</p><p><i><font>26. O Autor nasceu no dia ... de 1955.</font></i>
</p><p><i><font>27. Antes do acidente, o Autor era saudável e trabalhador activo.</font></i>
</p><p><i><font>28. O Autor ao ser atropelado teve grandes sofrimentos físicos e psíquicos, dores, perturbações e angústia e ficou com limitações físicas, nomeadamente de locomoção e movimentação.</font></i>
</p><p><i><font>Em virtude dos documentos juntos aos autos com a contestação, mostra-se ainda provado que:</font></i>
</p><p><i><font>29. O direito de propriedade sobre o veículo com a matrícula VG-... mostra-se registado a favor do autor desde 8-8-1990.</font></i>
</p><p><i><font>30. Na apólice referida no ponto 12. o autor consta como Tomador do Seguro e Condutor habitual do veículo.</font></i>
</p><p><i><font>31. Na mesma apólice na PARTE I intitulada DO SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL, no CAPÍTULO I referente às DEFINIÇÕES, OBJECTO E GARANTIAS DO CONTRATO, constam as seguintes cláusulas:</font></i>
</p><p><i><font>CLÁUSULA 1.ª – DEFINIÇÕES Para efeitos do presente contrato entende-se por: a) Apólice, conjunto de Condições identificado na cláusula anterior e na qual é formalizado o contrato de seguro celebrado; b) Segurador, a entidade legalmente autorizada para a exploração do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que subscreve o presente contrato; c) Tomador do Seguro, a pessoa ou entidade que contrata com o Segurador, sendo responsável pelo pagamento do prémio. (…) e) Terceiro, aquele que, em consequência de um sinistro coberto por este contrato, sofra um dano susceptível de, nos termos da lei civil e desta Apólice, ser reparado ou indemnizado; f) Sinistro, a verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato, considerando-se como um único sinistro o evento ou série de eventos resultante de uma mesma causa; (…).</font></i>
</p><p><i><font>CLÁUSULA 2.ª - OBJECTO DO CONTRATO 1 - O presente contrato destina-se a cumprir a obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, fixada no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. 2 - O presente contrato garante, até aos limites e nas condições legalmente estabelecidas: a) A responsabilidade civil do Tomador do Seguro, proprietário do veículo, usufrutuário, adquirente com reserva de propriedade ou locatário em regime de locação financeira, bem como dos seus legítimos detentores e condutores, pelos danos, corporais e materiais, causados a Terceiros; b) A satisfação da reparação devida pelos autores de furto, roubo, furto de uso de veículos ou de acidentes de viação dolosamente provocados.</font></i>
</p><p><i><font>CLÁUSULA 4.ª - ÂMBITO MATERIAL 1 - O presente contrato abrange: a) Relativamente aos acidentes ocorridos no território de Portugal a obrigação de indemnizar estabelecida na lei civil; </font></i>
</p><p><i><font>CLÁUSULA 5.ª - EXCLUSÕES DA GARANTIA OBRIGATÓRIA 1 - Excluem-se da garantia obrigatória do seguro os danos corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro responsável pelo acidente, assim como os danos decorrentes daqueles. 2 - Excluem-se igualmente da garantia obrigatória do seguro quaisquer danos materiais causados às seguintes pessoas: a) Condutor do veículo responsável pelo acidente; b) Tomador do Seguro; 4 - Excluem-se igualmente da garantia obrigatória do seguro: a) Os danos causados no próprio veículo seguro; 5 - Nos casos de roubo, furto ou furto de uso de veículos e acidentes de viação dolosamente provocados, o seguro não garante a satisfação das indemnizações devidas pelos respectivos autores e cúmplices para com o proprietário, usufrutuário, adquirente com reserva de propriedade ou locatário em regime de locação financeira, nem para com os autores ou cúmplices ou para com os passageiros transportados que tivessem conhecimento da posse ilegítima do veículo e de livre vontade nele fossem transportados.</font></i>
</p><p><i><font>CLÁUSULA 31.ª - DIREITO DE REGRESSO DO SEGURADOR Satisfeita a indemnização, o Segurador apenas tem direito de regresso: a) Contra o causador do acidente que o tenha provocado dolosamente; b) Contra os autores e cúmplices de roubo, furto ou furto de uso do veículo causador do acidente, bem como, subsidiariamente, o condutor do veículo objecto de tais crimes que os devesse conhecer e causador do acidente.»</font></i>
</p><p><font> 7. </font><u><font>Do Direito</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1. </font><u><font>Da não aplicação, no caso, do art. 15º, nº 1 (e nº 3) do DL 291/2007</font></u><font> – conclusões I a V da alegação da Recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.1. Em resposta ao </font><b><font>pedido de reenvio prejudicial</font></b><font> formulado pela Relação [art. 19º, nº 3, alínea b), do TUE; arts. 256º, nº 3 e 267º do TFUE], o TJ, por acórdão de 14 de Setembro de 2017, proferiu decisão no sentido de que os preceitos de direito comunitário convocados </font><i><font>«</font></i><b><i><font>devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que exclui da cobertura e, por conseguinte, da indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis os danos corporais e materiais sofridos por um peão vítima de um acidente de viação, apenas pelo facto de esse peão ser o tomador do seguro e o proprietário do veículo que causou esses danos</font></i></b><font>».</font>
</p><p><font>Consequente com essa decisão, e a ela vinculada, a decisão proferida pela Relação. </font>
</p><p><font>Contrariamente ao suposto no entendimento expresso pela Recorrente, em vista do primado do direito comunitário, </font><i><u><font>as decisões do Tribunal de Justiça, em casos de reenvio prejudicial para efeitos de interpretação, vinculam os tribunais internos dos Estados-membros</font></u></i><font> (entre outros, com indicação de doutrina, ASTJ de 20.1.2009, disponível em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.2. O TJ, com início no acórdão de 15 de Julho de 1964, Costa v. ENEL – precisamente no quadro do reenvio prejudicial [atual art. 19º, nº 3, alínea b), do TUE] – e, reiteradamente, em sucessivos acórdãos, veio estabelecer </font><b><font>o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional, enquanto princípio estruturante do próprio ordenamento comunitário</font></b><font>.</font>
</p><p><font>No quadro da assinatura do Tratado de Lisboa, na declaração nº 17 anexa à ata final, </font><i><u><font>sobre o primado do direito comunitário</font></u></i><font>, «</font><i><font>A Conferência lembra que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, os Tratados e o direito adotado pela União com base nos Tratados primam sobre o direito dos Estados-Membros, nas condições estabelecidas pela referida jurisprudência</font></i><font>».</font>
</p><p><font>Primado do direito comunitário sobre o direito nacional reconhecido no nº 4 do art. 8º da Constituição: uma das dimensões de tal primado consiste, precisamente, em </font><i><font>«afastar as normas de direito ordinário internas preexistentes e em tornar inválidas, ou pelo menos ineficazes e inaplicáveis, as normas subsequentes que o contrariem. </font></i><b><i><font>Em caso de conflito, os tribunais nacionais devem considerar inaplicáveis as normas anteriores incompatíveis com as normas de direito da UE e devem desaplicar as normas posteriores, por violação da regra da primazia</font></i></b><i><font>»</font></i><font> (Gomes Canotilho e Vital Moreira, </font><i><font>Constituição da República Portuguesa Anotada</font></i><font>, vol. I, 4.ª ed., 2014, anotação XXIII ao art. 8º, pág. 271; realce acresc.).</font>
</p><p><font>Os tratados, ao conformarem o sistema judicial da União, à luz do </font><i><u><font>princípio da subsidiariedade</font></u></i><font> (art. 5º, nºs. 1 e 3 do TUE), não instituíram um sistema autónomo com tribunais próprios; deixando apenas reservadas ao Tribunal de Justiça as competências insuscetíveis de serem atribuídas aos tribunais dos Estados-Membros, convocaram estes como </font><i><u><font>tribunais comuns da União</font></u></i><font> e, nesta qualidade, encontram-se aqueles investidos, designadamente, com </font><b><font>competência para desaplicarem o direito nacional contrário ao direito da União</font></b><font> (acórdãos do TJ, de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106 e de 19 de maio de 1990, Factortame, C-213/89).</font>
</p><p><font>Do mesmo modo, relativamente ao ordenamento jurídico interno, no caso de Portugal, nos termos do art. 204º da Constituição, no quadro de </font><i><font>divisão de poderes</font></i><font>, incumbe aos tribunais assegurar a </font><i><font>prevalência ou primazia</font></i><font> da Constituição (não interessando, no âmbito do presente recurso, cuidar da questão do eventual primado do direito da União, relativamente aos próprios preceitos constitucionais). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.3. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, </font><b><font>o </font></b><b><i><font>princípio da interpretação conforme</font></i></b><b><font> mostra-se particularmente relevante em matéria de diretivas</font></b><font>, já que tal princípio determina que </font><i><font>«ao aplicar o direito nacional, quer se trate de disposições anteriores ou posteriores à diretiva, o órgão jurisdicional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o artigo 288.º do TFUE»</font></i><font> (ATJ, de 10 de abril de 1984, Von Colson e Kamann, 14/83; veja-se, ainda, acórdão de 26 de setembro de 1996, Arcaro, C-168/95), desse modo se alcançando, como assinalado na doutrina, um </font><i><u><font>efeito direto indireto</font></u></i><font>, suprindo, em grau variável, a ausência de efeito direto horizontal da diretiva.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.4. A desaplicação, no caso, das normas contidas nos nºs. 1 e 3 do art. 15º do DL 291/2007, determinada pela Relação, à luz da decisão pelo TJ proferida no processo, em incidente de reenvio prejudicial, mostra-se conforme ao direito da União e à ordem constitucional interna.</font>
</p><p><u><font>Improcede a questão suscitada pela Recorrente</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.2. </font><u><font>Do montante da compensação arbitrada por danos não patrimoniais</font></u><font> – conclusões VI a VIII da alegação da Recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.2.1. Relativamente aos </font><b><font>danos não patrimoniais sofridos pelo Autor</font></b><font>, a Relação decidiu atribuir uma compensação de €35.000. Ponderou, para arbitramento do valor indicado, as seguintes circunstâncias, no caso destacadas:</font>
</p><p><i><font>«(…) o acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na Ré, num circunstancialismo particularmente gravoso e traumático já que aquele provocou deliberadamente o embate entre o veículo, pertencente ao ora autor, que aquele conduzia, e o corpo do autor, deitando-o ao chão, e fazendo marcha atrás, atropelou-o, passando por cima dele e arrastando-o, de rojo e debaixo do veículo, numa extensão de cerca de 8 metros; do atropelamento resultaram as graves lesões e o longo período de doença para o autor descritos na factualidade vertida nos pontos 13. a 20., demandando um défice funcional temporário total fixável num período de 654 dias, com repercussão na actividade profissional, nesse mesmo período temporal, ou seja, entre a data do acidente ocorrido em 26-04-2009 e a data da consolidação das lesões que foi fixada em 8-02-2011, portanto, durante quase dois anos. Esse período, conforme definido no relatório médico-legal, corresponde ao período durante o qual o autor, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, correspondendo com os períodos de internamento e/ou repouso absoluto. Mostra-se ainda provado que o autor sofreu um quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente.</font></i>
</p><p><i><font>Depois, seguindo ainda o mesmo relatório, no âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, que se refere à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, independente das actividades profissionais, e que relativamente à capacidade integral do indivíduo, de 100 pontos, considerando a globalidade das sequelas (corpo, funções e situações de vida), e sendo causa de sofrimento físico, limita o autor em termos funcionais, em 15 pontos.</font></i>
</p><p><i><font>Por seu turno, no mesmo âmbito dos danos permanentes, foi considerado o dano estético permanente, correspondente à repercussão das sequelas, numa perspectiva estética e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afectação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros, o qual, tendo em conta as cicatrizes com que o autor ficou, foi fixado no grau 4 duma escala de sete graus de gravidade crescente.</font></i>
</p><p><i><font>Finalmente, importa considerar que as sequelas sofridas pelo autor, para além de afectarem a sua vida diária são visíveis aos olhos de terceiro, já que o autor claudica na marcha à custa do encurtamento de 2 centímetros do membro inferior direito, sendo que antes do acidente, o Autor era saudável e trabalhador activo, tendo sentido grandes sofrimentos físicos e psíquicos, dores, perturbações e angústia e ficado com limitações físicas, nomeadamente de locomoção e movimentação.</font></i>
</p><p><i><font>(…) o sofrimento do autor em consequência do acidente e até à consolidação das lesões, ocorreu durante período temporal muito prolongado (quase dois anos), foi acentuado, estando médico legalmente fixado numa escala mais próxima do grau máximo que do mínimo, e continua a estar presente na sua vida nos termos sobreditos, sofrendo ainda o autor de uma limitação funcional acentuada, não se podendo olvidar em termos de normalidade da vida, que quanto maior for o tempo em que um indivíduo se encontra em situação de incapacidade, ainda que temporária, mais aumenta a sua angústia quanto ao futuro, sendo sabido que, no caso, atenta a idade do autor e a profissão que exerce, é comum acontecer que as sequelas do acidente agravem com o decurso do tempo, situação que em tempos como aqueles que vivemos, demanda preocupação acrescida nomeadamente com a repercussão dessa maior fragilidade física no desempenho da actividade profissional e, como tal, no caso do autor, na própria capacidade de angariar rendimentos.»</font></i>
</p><p><font>Entende a Recorrente, indicando jurisprudência [parte II, alínea b) do corpo da alegação], dever ser arbitrada indemnização de montante inferior, adiantando, a tal respeito, um valor não superior a €15.000.</font>
</p><p><font>O Recorrido defende a manutenção do valor estabelecido, igualmente citando jurisprudência e circunscrevendo a indicada pela Recorrente como reportando-se a </font><i><font>«casos ocorridos há mais de uma década»</font></i><font> (nºs. 44/46 do corpo da contra-alegação).</font>
</p><p><font> 7.2.2. A indemnização em causa foi, nos termos legalmente previstos, fixada </font><i><u><font>segundo a equidade</font></u></i><font> (arts. 566º, n.º 3 e 496º do CC).</font>
</p><p><font>O recurso a equidade significa que </font><i><font>«o que passa a ter força especial são as </font></i><font>razões de conveniência, de oportunidade</font><i><font>, principalmente de </font></i><font>justiça concreta</font><i><font>, em que a equidade se funda. E o que fundamentalmente interessa é a ideia de que o julgador não está, nestes casos, subordinado aos critérios </font></i><font>normativos</font><i><font> fixados na lei»</font></i><font> (Pires de Lima / Antunes Varela, em anotação ao art. 4º do CC).</font>
</p><p><font>Deste modo, quando o cálculo da indemnização resulte decisivamente de juízos de equidade – como é o caso dos autos –, ao Supremo não compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, já que a aplicação de tais juízos de equidade não se totaliza na resolução de uma </font><i><font>questão de direito</font></i><font>, contendo-se o seu conhecimento na eventual sindicância dos limites e pressupostos à luz dos quais se situou o juízo equitativo expresso pelas instâncias, na ponderação casuística da individualidade do caso concreto </font><i><font>sub juditio</font></i><font> (entre outros, ASTJ de 5.11.2009, 28.10.2010, 8.5.2013, todos, bem como o adiante citado, disponíveis em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>Trata-se, em suma – naturalmente ressalvada </font><i><font>a harmonização com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devam ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis</font></i><font> (ASTJ de 8.6.2017) –, de questão insuscetível de ser sindicada em recurso para o STJ, enquanto tribunal de revista (arts. 46º da LOSJ e 674º, nº 3 do CPC; cf., ainda, art. 682º deste último diploma).</font>
</p><p><font>A compensação, no caso fixada em €30.000, considerada, por um lado, a </font><i><u><font>atuação dolosa</font></u></i><u><font> do lesante</font></u><font> (o art. 496º do CC, no seu | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_DKZu4YBgYBz1XKvCCAV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Processo n.º 1667/08.7TBCBR.L1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a><b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I.</font></b><font> Nas Varas Mistas de Coimbra, </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> vieram propor acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra </font><b><font>CC, SA</font></b><font> e </font><b><font>HUC – Hospitais da Universidade de Coimbra</font></b><font>, pedindo a condenação dos R.R. a pagar-lhes, solidariamente, a quantia de 40.000,00 euros, acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da sentença condenatória.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para tanto alegaram, em síntese, o seguinte:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>São, respectivamente, viúva e filha de DD, o qual faleceu a 1.5.2008, por acto de suicídio, tendo regado o seu corpo com gasolina e ateado fogo, imolando-se, o que fez na sequência da execução de uma decisão administrativa de despejo do seu restaurante denominado “A ...”, sito na ....</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O corpo do falecido ficou com 90% de queimaduras, tendo sido primeiramente assistido no Hospital Garcia da Orta, em Almada e, dada a gravidade do seu estado, foi transferido, por helicóptero, para a Unidade de Queimados do Hospital da Universidade de Coimbra, onde veio a falecer na data mencionada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tal ocorrência foi amplamente noticiada por diversos órgãos de comunicação social entre os quais a 1.ª R. a qual, no “...” das 20.00 horas do dia 1.5.08, noticiou uma reportagem sobre a situação, exibindo, nesta, imagens captadas no interior do quarto do hospital de Coimbra onde DD se encontrava, em estado crítico e à beira da morte, visualizando-se este da cintura para cima, todo coberto de ligaduras e ligado a um ventilador que assegurava a continuação da sua respiração, em evidente sofrimento e dor, que a 1.ª R. explorou ilegitimamente, pois que nem a família directa, nem o próprio DD deram autorização para a difusão de imagens da sua pessoa, no referido estado de saúde, e, ainda assim, a R. CC voltou a emitir para o ar a mesma reportagem, no dia seguinte, 2.5.08, à hora de almoço. Por sua vez, o 2.º R. autorizou a gravação das imagens mencionadas, ou não o tendo feito, violou, de todo o modo, os deveres de vigilância que lhe incumbiam, devendo por isso ser igualmente responsabilizado pelos danos causados.</font>
</p><p><font>As Autoras ficaram profundamente chocadas ao ver o seu marido e pai na televisão, nas descritas circunstâncias de saúde e sofrimento, ficando igualmente abaladas pelo facto de tais imagens serem exibidas ao público em geral, tendo-‑lhes sido coarctado o direito à reserva da vida privada, em concreto, a viverem os últimos momentos de vida do marido e pai em recato, assim como, pelo facto do 2.º R. lhes ter vedado o acesso ao falecido e ao quarto onde estava hospitalizado, do mesmo passo que a 1.ª R. ali entrou, captou as imagens e as difundiu.</font>
</p><p><font>As Autoras sofreram ainda outros danos de natureza não patrimonial, porque a seguir à exibição da reportagem foram contactadas por inúmeras pessoas conhecidas do falecido ou da família, que haviam visto as imagens e pretendiam saber pormenores da ocorrência, obrigando as AA. a reviver o episódio do suicídio dramático do marido e pai inúmeras vezes – episódio que tentavam esquecer e ultrapassar – e perante pessoas que não faziam parte das suas relações mais próximas, foram acusadas de “frieza” e “oportunismo” pois as pessoas ficaram convictas que as AA haviam dado autorização para a captação e exibição das mencionadas imagens, consideradas por todos chocantes, com vista a obterem proventos económicos com elas, o que as deixou desoladas e envergonhadas. Além disso, passaram a ter pesadelos, guardando nas suas memórias, como a última imagem do falecido, aquela que foi exibida pela 1.ª R, na aludida reportagem.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Perante tal actuação das RR. as Autoras contactaram a CC, em meados de Maio de 2008, ao que esta respondeu que as imagens da mencionada reportagem não diziam respeito à pessoa do falecido, mas a imagens de arquivo de outra pessoa captadas noutras circunstâncias, declinando qualquer responsabilidade na ocorrência, e, apesar daquelas terem solicitado os suportes relativos às imagens de arquivo com vista a verificarem o alegado, a R. nada mais disse.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O R. HUC – Hospitais da Universidade de Coimbra deduziu contestação onde excepcionou a incompetência material do Tribunal, já que à data dos factos era pessoa colectiva pública, dotada de personalidade jurídica, de autonomia administrativa e financeira, pelo que, nos termos do art. 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, g), do ETAF são os Tribunais Administrativos os competentes para dirimir qualquer conflito entre o Hospital aqui R. e os particulares a quem presta cuidados de saúde ou seus familiares, concluindo pela sua absolvição da instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No mais, impugnou a matéria vertida na petição inicial, salientando que a 1.ª R. não lhe solicitou qualquer autorização, nem concedeu autorização para a captação das imagens exibidas na reportagem, ou quaisquer outras, mais esclarecendo que as mesmas não foram recolhidas nas suas instalações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Conclui pela sua absolvição do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A R. CC deduziu contestação, onde excepcionou a incompetência territorial das Varas Mistas de Coimbra para conhecer da acção, tribunal onde foi inicialmente intentada a presente acção, mais impugnando a matéria vertida na p.i., alegando que nunca esteve no quarto de hospital onde foi internado DD e que as imagens que exibiu na reportagem eram imagens de arquivo da CC, recolhidas em 5.1.2002, na Unidade de Queimados do Hospital de Santa Maria, pelo que, não tendo reproduzido quaisquer imagens do falecido, não violou o direito à imagem, nos termos do art. 79.º do CC, não tendo que pedir qualquer autorização às AA, nem violou o direito à reserva da vida privada, pois os factos que noticiou decorreram num espaço público e eram relevantes do ponto de vista social, tendo sido relatados com verdade e moderação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Conclui pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As AA. deduziram réplica, pugnando pela improcedência das excepções invocadas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foi proferido despacho, transitado em julgado, que julgou materialmente incompetente o Tribunal para conhecer do pedido formulado contra o 2.º R. HUC, absolvendo este da instância e julgou territorialmente incompetente o Tribunal de Coimbra, passando os autos a correr seus termos no Tribunal de Oeiras.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Decorridos todos os trâmites legais, procedeu-se à realização do julgamento e foi proferida sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente, e, consequentemente, condenou a Ré CC a pagar às Autoras AA e BB, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 10.000,00 (dez mil) euros a cada, no montante global de 20.000,00 (vinte mil) euros, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, vencidos desde o trânsito em julgado da sentença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada com tal sentença, a CC – …, S.A. interpôs recurso de apelação, sem êxito, já que a Relação de Lisboa confirmou a decisão da 1.ª instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Desta decisão veio a R. recorrer, como revista excepcional, para este STJ, tendo o recurso sido admitido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A recorrente concluiu as suas alegações do seguinte modo:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A) A Recorrente não se conforma com o douto Acórdão recorrido e entende que as questões a apreciar em sede de recurso de revista excepcional merecem e necessitam de uma melhor aplicação do direito, o que se justifica não só pela sua relevância jurídica, mas também porque configuram interesses, direitos e deveres da mais elevada relevância social e comunitária.</font>
</p><p><font>B) O conflito de interesses em causa e que preside ao litígio entre as partes, a apreciação de dois direitos de igual dignidade constitucional, a liberdade de expressão e publicação e a reserva da vida privada, e a análise, ponderação e apreciação jurídica do caso merecem uma atenção e densificação que o douto Tribunal da Relação de Lisboa não fez no Acórdão sob Recurso.</font>
</p><p><font>C) Não analisou em concreto o exacto conteúdo, configuração e extensão desses direitos que constituem um dos núcleos centrais do direito de personalidade, nem justificou de forma clara, precisa e fundamentada a necessidade e a proporcionalidade da limitação do direito à liberdade de expressão da R..</font>
</p><p><font>D) Embora estas questões já tenham sido várias vezes abordadas pela jurisprudência desse Supremo Tribunal, na realidade, as especificidades do caso e da forma como se considerou violado o direito das AA., nunca foi abordado, analisado e decidido na jurisprudência.</font>
</p><p><font>E) É, por isso, necessária a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, de forma a que, numa questão com a relevância jurídica e social incontestável, sejam clarificados e densificados os conceitos e soluções jurídicas em causa e efectuada uma melhor aplicação do direito.</font>
</p><p><font>F) A existência desta relação tendencialmente conflituante entre estes dois direitos constitucionalmente garantidos tem sido objecto de variadas intervenções do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem na interpretação e aplicação do art 10º da Convenção, elaborando uma jurisprudência que deve ser considerada como critérios de orientação para a necessidade de dirimir o confronto de direitos daí decorrente, dada a força vinculativa desta convenção.</font>
</p><p><font>G) Tal como estabelece o artigo 10º da convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a excepções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente.</font>
</p><p><font>H) A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa corresponde a uma «necessidade social imperiosa». </font>
</p><p><font>I) O TEDH tem salientado que “no exercício do seu poder de controlo, o Tribunal deve apreciar a ingerência à luz das circunstâncias do caso tomado no seu conjunto, incluindo o conteúdo das criticas que são censuradas ao requerente e o contexto em que as produziu, compete ao Tribunal determinar nomeadamente se a ingerência criticada era «proporcionada às finalidades legítimas prosseguidas» e se os motivos invocados pelas autoridades nacionais para justificar a ingerência se mostram «pertinentes e suficientes»”</font>
</p><p><font>J) E por isso a apreciação deste caso por este Supremo Tribunal Justiça é necessária, não só para melhor aplicar o direito, como para dirimir uma questão de eminente relevância social e que pode colocar-se em outros casos semelhantes. que podem ser evitados mediante uma melhor clarificação e análise do seu conteúdo e limites.</font>
</p><p><font>K) É que, o douto Acórdão recorrido faz uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 8.º, 16.º, 18.º, 25.º. 26.º, 37º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, do art.º 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do art.º 19.º do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos e o artº 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.</font>
</p><p><font>L) Fazendo, também uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 70.º, 79.º, 80.º, 335.º, 483.º, 484.º, 487.º 494.º, 496.º, 491.º e 563.° do Código civil, e do artº 6.º e 9.º do Código Deontológico dos Jornalistas.</font>
</p><p><font>M) A errada aplicação do direito é potenciada pelas erradas conclusões da sentença de primeira instância, adoptadas acriticamente pelo Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p><font>N) O direito à reserva da intimidade da vida privada que «tutela a natural aspiração da pessoa ao resguardo da sua vida privada. (...) Pretende-se assim defender contra quaisquer violações a paz, o resguardo, a tranquilidade duma esfera íntima de vida: em suma, não se trata de tutela da honra, mas do direito de estar só, na tradução de expressiva fórmula inglesa (right to be alone)” (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito civil, 3ª edição, 1988. pag 209).</font>
</p><p><font>O) O direito de reserva à intimidade da vida privada desdobra-se em duas vertentes, sendo uma o direito de impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e a outra o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada de outrem.</font>
</p><p><font>P) Nenhuma dessas vertentes da tutela do direito à intimidade da vida privada – de protecção contra intromissão na esfera privada das AA. e de revelações a ela relativas estão em causa nestes autos.</font>
</p><p><font>Q) Como ensina Rabindranath V. A. Capelo de Sousa, na obra O Direito Geral de Personalidade, pág. 340 “Ao nível da determinação da próprio ilicitude das ofensas a tal bem não haverá, desde logo, comportamentos antijurídicos quando se trate do relato de acontecimentos da vida gerais e comuns o qualquer pessoa (como o nascimento, o casamento, a morte, promoções e transferências se não forem revelados pormenores íntimos, quando as circunstâncias do ser e da vida privada sejam tornados pelos próprios interessados livremente acessíveis ou ainda quando o titular não guarde ele o mesmo segredo.(...)</font>
</p><p><font>R) Impõe-se concluir que, ao contrário do que entendeu a 1ª Instância e o Tribunal da Relação, as AA. não foram directamente atingidas na sua intimidade da vida privada.</font>
</p><p><font>S) Não podemos esquecer que a R agiu nos limites da Liberdade de imprensa em especial da liberdade de expressão e informação e que a jornalista responsável pelas reportagens em análise actuou apenas de acordo com as regras da sua profissão.</font>
</p><p><font>T) Entre os direitos consagrados nos art.º. 26º e 37º da CRP, não é possível estabelecer qualquer relação de hierarquia, pois, ambos revestem idêntica dignidade constitucional, a avaliar quer pela respectiva inserção sistemática, no capítulo da Lei Fundamental dedicado aos “Direitos, liberdades e garantias pessoais”, quer pela sua submissão ao regime especial de protecção conferido pelo artº 18º da CRP.</font>
</p><p><font>U) A nossa Constituição, no seu art.º 37.° rejeita por completo a submissão do exercício da liberdade de expressão e de informação a qualquer forma, apenas admitindo limites ao seu exercício, reconhecendo que as infracções cometidas no seu exercício ficam sujeitas aos princípios gerais de direito criminal e do ilícito de mera ordenação social.</font>
</p><p><font>V) Compete ao julgador ponderar os valores e interesses envolvidos, avaliando a eventual medida da restrição, em face da necessidade prática de aplicar os dois direitos em conflito, definindo qual o que deverá ceder no caso concreto de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no art.º 18º, n.º 2 da CRP.</font>
</p><p><font>W) É o que dispõe o art.º 335º do CC, que concede ao intérprete um critério para a prática do conflito de direitos.</font>
</p><p><font>X) Importa, Portanto, saber conjugar, em concreto, em caso de conflito, estes dois direitos fundamentais: o direito/dever de informação e o direito à reserva da vida privada.</font>
</p><p><font>V) E será com base nas normas da sistemática civilística, designadamente arts. 70º, 80º, 453º, nº 1, 484º, 487º e 497º, nº 1, do CC, que deve ser avaliada a ilicitude e, eventualmente, a culpa como pressuposto da obrigação de indemnizar fundamentada na responsabilidade civil extracontratual.</font>
</p><p><font>Z) Ficou claramente demonstrado nos autos a factualidade que determinou a elaboração da notícia.</font>
</p><p><font>AA) Ficou demonstrado que o pai e marido das AA. se imolou pelo fogo em local público e em protesto contra uma decisão administrativa de despejo do seu restaurante, sito na ....</font>
</p><p><font>BB) Ficou também demonstrado que a R. não obteve qualquer imagem do pai e marido das AA e que as imagens exibidas durante breves segundos não correspondiam nem ao local, nem à pessoa do Sr. DD.</font>
</p><p><font>CC) Havendo um interesse público inegável da noticia elaborada, a sua difusão está justificada pelo direito à liberdade de expressão e informação.</font>
</p><p><font>DD) Com a publicação desta noticia não excedeu a recorrente os limites da moderação, razoabilidade e adequação, que impedem sobre os meios de comunicação social, e não lesaram a reserva da vida privada das recorridas.</font>
</p><p><font>EE) Com a publicação desta notícia, a recorrente agiu apenas movida pelo desígnio de informar os telespectadores de factos de manifesto interesse público e nunca com a intenção de ofender a recorrida ou lesar a intimidade das AA.</font>
</p><p><font>FF) Não foram ultrapassados os critérios materiais ou limites imanentes do direito/dever de informar e a liberdade de imprensa, não gerando a notícia qualquer forma de responsabilidade designadamente responsabilidade civil.</font>
</p><p><font>GG) Refere o douto Acórdão sob recurso que a ilicitude do comportamento da R. se pode encontrar ou estabelecer pela violação do disposto no art.º 6°, do Código Deontológico dos jornalistas, que impõem a identificação das fontes, que a R. teria violado ao não identificar as imagens em causa como sendo de arquivo.</font>
</p><p><font>HH) Ora, não é correcta esta afirmação, desde logo porque a norma em causa refere-se e aplica-se a fontes de informação e não a material de trabalho do jornalista como imagens ou fotografias.</font>
</p><p><font>II) A imagem de arquivo utilizada pela jornalista não constitui manifestamente uma fonte de informação e não o sendo, a jornalista que elaborou a reportagem e a R., não violaram o disposto no referido no art.º 6º, do Código Deontológico dos Jornalistas, e não cometeram nenhum facto antijurídico.</font>
</p><p><font>JJ) Acresce que, que a decisão sob recurso não faz a correcta interpretação dos artigos 70º e 80º do Código Civil, uma vez que, nas imagens utilizadas na reportagem. não está objectivamente em causa, uma situação de intimidade da vida privada de outrem.</font>
</p><p><font>KK) O Acórdão sob recurso não consegue identificar, em concreto, qual o direito subjectivo, privado, absoluto, inato e perpétuo que foi atingido pela actuação da R e que violou a sua reserva da vida privada.</font>
</p><p><font>LL) Os actos praticados pelo marido e pai das AA. decorreram num espaço público e as suas consequências e estado de saúde também foram públicas e notórias.</font>
</p><p><font>MM) A notícia dos autos não se dirigia certamente à família das AA, nem a perturbar o seu recato e luto, mas apenas tinha como função informar a generalidade do público do acto de desespero de um cidadão contra as medidas administrativas impostas pelo programa Polis, na ....</font>
</p><p><font>NN) O facto de as AA. terem optado por preencher o seu tempo de luto e de sofrimento pela morte do seu ente querido, visionando as notícias que diziam respeito ao acto de suicídio do seu pai e marido e as consequências dramáticas que lhe sobrevieram, não pode surgir como justificação para se condenar a R. por violação da reserva da vida privada das AA. porque lhes relembrou o sucedido e assim aumentou o seu sofrimento.</font>
</p><p><font>00) É que o sofrimento das AA. não sobreveio porque a R deu a notícia e a mesma violou as suas intimidades. Resulta directamente do próprio acto do Sr. DD que optou por tornar público e dramático o momento da sua morte em protesto contra uma ordem administrativa.</font>
</p><p><font>PP) Para além disso, a utilização das imagens publicadas na reportagem sob análise integram-se na previsão do n.º 2, do artigo 79º, do CC, motivo pelo qual não pode ter existido qualquer ilicitude, já que se encontram preenchidas, pelo menos, duas das situações previstas no número 2 do artigo 79º do Código Civil, para que a publicação das referidas imagens não carecesse de qualquer autorização. Estão enquadradas num local público, um hospital, e estão enquadradas por factos de interesse público.</font>
</p><p><font>QQ) Por isso, a sentença em recurso ao reconhecer uma protecção que não está legalmente prevista, viola expressamente os artigos 70º, 79º e 80º, todos do Código Civil.</font>
</p><p><font>RR) Encontrando-se a actuação da ora R. enquadrada no exercício de um direito – o direito de informar cujos limites, como vimos, não foram excedidos, não se pode preencher o pressuposto da ilicitude, conditio sine qua non da responsabilidade civil e consequente dever de indemnizar invocado pelas AA.</font>
</p><p><font>SS) Está também totalmente ausente o requisito da culpa na produção de qualquer prejuízo às AA., na medida em que a culpa deve ser apreciada segundo o critério de um bom pai de família, nos termos do disposto no artº 487.º n.º 2 do Código Civil.</font>
</p><p><font>TT) E nenhum facto dado como provado sustenta a decisão do douto Tribunal a quo, que entendeu que a R. agiu com culpa, na divulgação das reportagens e das imagens que a compõem.</font>
</p><p><font>UU) Ao ter decidido da existência de responsabi1idade civil extracontratual da R. sem que as AA. tivessem alegado os factos constitutivos da sua culpa, a decisão viola os artigos, 483º, 486º do Código Civil, bem como o princípio do Dispositivo.</font>
</p><p><font>VV) Ao condenar as Recorrentes sem que tenha sido feita alegação do dolo, a sentença de 1ª instância e o Acórdão sob recurso violaram o disposto nos artigos 79º, 80º, 483º e 487º, todos do Código Civil, bem como o Princípio do Dispositivo.</font>
</p><p><font>WW) Não sendo ilícita nem culposa a conduta da R. afastada fica a sua responsabilidade civil extracontratual, pois sem esses pressupostos inexiste obrigação de indemnizar.</font>
</p><p><font>XX) Mas ainda que se verificassem os requisitos da ilicitude e da culpa, o que se admite para mero efeito de raciocínio, sem conceder, ainda seria discutível o dever de indemnizar as AA a título de danos não patrimoniais.</font>
</p><p><font>YY) A gravidade dos danos não patrimoniais não deve medir-se por padrões subjectivos. cabendo ao tribunal, em cada caso, se o dano, face à sua gravidade, merece ou não a tutela do direito e não cremos que se possa concluir que as AA. tenham sofrido danos da natureza não patrimonial que justifiquem a tutela do direito, tendo em consideração tudo o que foi aqui referido e os factos dados como provados.</font>
</p><p><font>ZZ) Por outro lado a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.”</font>
</p><p><font>AAA) Não pode também proceder a douta decisão de que os danos sofridos pelas AA. tiveram a mesma intensidade e merecem a mesma compensação indemnizatória, pois como é evidente cada uma das A. terá sofrido e sentido diversos tipos de danos, que deviam ter sido individualmente ponderados, analisados e diferentemente indemnizados.</font>
</p><p><font>BBB) É que, obviamente, o impacto e o alcance da lesão e dos danos serão, em concreto, diferentes para cada uma das A., importando apurar qual a sua particular importância e relevância na determinação do montante indemnizatório.</font>
</p><p><font>CCC) Caso assim se não entenda, sem conceder, deve o montante da indemnização fixado na sentença recorrida ser reduzido, atento o disposto no art 494º do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não houve contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.</font></b><font> Fundamentação</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De Facto</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.A.</font></b><font> Foram dados como provados nas instâncias os seguintes factos:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Da matéria considerada assente no despacho saneador, sob as alíneas A) a K):</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1º A Autora BB nasceu a …-…-19…, e é filha de DD;</font>
</p><p><font>2º A Autora AA casou com DD;</font>
</p><p><font>3º Este casamento veio a ser dissolvido por óbito de DD em …-…-20…;</font>
</p><p><font>4º A morte de DD deveu-se a um acto de suicídio, na sequência da execução de uma decisão administrativa de despejo do seu restaurante “A ...”, sito na ...;</font>
</p><p><font>5º DD regou o seu corpo com gasolina e, de seguida, acendendo um fósforo, imolou-se;</font>
</p><p><font>6º Com 90% do seu corpo queimado, foi primeiramente assistido no Hospital Garcia da Orta, em Almada, no dia 30-4-08, tendo sido transferido horas depois, por helicóptero, para a Unidade de Queimados dos Hospitais da Universidade de Coimbra, com prognóstico muito reservado;</font>
</p><p><font>7º Estes factos foram noticiados quer na imprensa, quer na televisão;</font>
</p><p><font>8º As autoras não deram qualquer autorização para a captação e difusão de imagens relativas a DD;</font>
</p><p><font>9º A R. CC no dia 1-5-08, cerca das 20.00 horas, no programa “...”, difundiu reportagem que continha a notícia da imolação de DD;</font>
</p><p><font>10º Nessa reportagem é realizada uma entrevista a um amigo de DD, tendo como cenário uma praia da ..., Almada, zona onde este vivia;</font>
</p><p><font>11º A reportagem de 1-5-08 foi repetida no dia seguinte, no “...”;</font>
</p><p><font>12º As imagens (da referida reportagem) mostravam o hall da entrada de um Hospital, sendo susceptíveis de induzir o telespectador no sentido de que se tratava do local onde o marido e pai das AA se encontrava internado (resposta ao art. 2º da b.i.);</font>
</p><p><font>13º Logo após a realização da entrevista ao amigo de DD, passava-se ao quarto de um Hospital, sendo as imagens susceptíveis de induzir o telespectador de que a pessoa que ali se encontrava, coberta de ligaduras, se tratava de DD (resposta ao art. 3º da b.i.);</font>
</p><p><font>14º Na mencionada reportagem, visualizava-se o tronco de um doente, todo coberto de ligaduras, incluindo a face à excepção dos olhos, com 90% do corpo queimado, e ligado a um ventilador, que assegurava a continuação da sua respiração (resposta ao art. 4º da b.i.);</font>
</p><p><font>15º As imagens transmitidas, que não possuíam a indicação de se tratarem de imagens de arquivo, em conjugação com o conteúdo da notícia, centrada na imolação de DD, criaram nas AA a percepção de que a imagem referida em 14º correspondia à pessoa de seu pai e marido (resposta ao art. 5º da b.i.);</font>
</p><p><font>16º As imagens captadas demonstravam o sofrimento do doente que estava a ser filmado; (resposta ao art. 6º da b.i.);</font>
</p><p><font>17º Nunca foi permitida a entrada da família de DD quer no Hospital Garcia da Orta, quer nos Hospitais da Universidade de Coimbra (resposta ao art. 7º da b.i.);</font>
</p><p><font>18º A visualização das imagens causou uma dor forte e intensa nas AA, além do mais por lhes ter sido vedado o acesso ao quarto de DD e se convencerem que tal acesso havia sido dado aos jornalistas (resposta ao art. 8º da b.i.);</font>
</p><p><font>19º Essas imagens ficaram-lhes para sempre na memória (resposta ao art. 10º);</font>
</p><p><font>20º Essas imagens causaram-lhes muitos pesadelos, em que as reviviam e voltavam a visualizar (resposta ao art. 11º da b.i.).</font>
</p><p><font>21º A R. CC divulgou as imagens, além de outros factores, para obter mais audiências (resposta ao art. 12º da b.i.);</font>
</p><p><font>22º A transmissão das imagens aumentou o sofrimento das Autoras (art. 13º da b.i.);</font>
</p><p><font>23º As Autoras nunca autorizariam a transmissão de imagens desta natureza (resposta ao art. 14º da b.i.);</font>
</p><p><font>24º Por estarem determinadas a ultrapassar o seu sofrimento (resposta ao art. 15º da b.i.);</font>
</p><p><font>25º Por força da reportagem efectuada pela R. CC, as Autoras viram-se forçadas a falar mais vezes na morte de DD (resposta ao art. 18º da b.i.);</font>
</p><p><font>26º Por serem abordadas por terceiros que haviam visionado a reportagem, questionando-as sobre o sucedido (resposta ao art. 19º da b.i.);</font>
</p><p><font>27º O que as transtornou, por terem de reviver uma situação que, com dificuldades extremas, se esforçavam por ultrapassar (resposta ao art. 20º da b.i.).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.B.1.</font></b><font> – Nos termos dos artigos 684.º e 690.º do Código de Processo Civil a delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, sendo certo que o recurso não se destina a obter, do tribunal “ad quem”, decisões sobre “questões novas”, salvo as de conhecimento oficioso e que não tenham sido já decididas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Neste recurso estão em causa três questões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>a) Falta dos pressupostos para responsabilizar o Réu pelos danos não patrimoniais em causa;</font>
</p><p><font>b) Falta de justificação para a atribuição de indemnização pelos danos não patrimoniais invocados;</font>
</p><p><font>c) Redução do montante indemnizatório. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.B.2 </font></b><font>– Falta dos pressupostos para responsabilizar o Réu pelos danos não patrimoniais em causa</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na nossa ordem jurídica, o princípio basilar do regime da responsabilidade civil extracontratual decorrente da prática de actos ilícitos encontra-se plasmado no art. 483.º, n.º 1, do C.C. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Enuncia tal norma que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como afirma MENESES LEITÃO (</font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, Almedina, Coimbra, 5.ª ed., vol. I, p. 285), tal artigo vem estabelecer “uma cláusula de responsabilidade civil subjectiva, fazendo depender a constituição da obrigação de indemnização da existência de uma conduta do agente (facto voluntário), a qual represente a violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude) sendo o agente censurável (culpa), a qual tenha provocado danos (dano), que sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade entre o facto e o dano).” </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>São, assim, pressupostos de que depende o direito de indemnização assente nesta modalidade da responsabilidade civil: o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (neste sentido, ver ainda, entre outros, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 483; ANTUNES VARELA, </font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, vol. I, p. 526; e RUI DE ALARCÃO, </font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, 1983, Coimbra, p. 238). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O elemento básico da responsabilidade civil é o facto do agente – um facto voluntário.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Este facto consiste, por regra, num facto positivo, que importa a violação do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Mas, o facto pode traduzir-se também num facto negativo, numa omissão. Neste caso, a imputação ao agente exige a sua oneração com um dever especial de praticar o acto omitido. Dever esse que terá de resultar de contrato, da lei ou, resultar do facto de possuir coisas ou exercer actividades que se apresentam como potencialmente susceptíveis de causar dano a outrem, traduzindo-se o mesmo na obrigação de tomar providências adequadas a evitar a ocorrência de danos (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, </font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, Coimbra Editora, Coimbra, vol. I, 4.ª ed., p. 488 e MENESES LEITÃO, obra e vol. citados, p. 287).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Fora do domínio da responsabilidade civil (por não haver </font><i><font>voluntas</font></i><font>) ficam os danos provocados por causa de </font><i>< | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kjLQu4YBgYBz1XKvN0Em | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>I ─ </font></b><font>No Tribunal da Comarca de Matosinhos, </font><b><font>A.P.D.L. ─</font></b><font> </font><b><font>Administração dos Portos do Douro e Leixões </font></b><font>intentou contra</font><b><font> AA S.A. </font></b><font>a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe, a quantia de 11.197.366$00 (onze milhões, cento e noventa e sete mil, trezentos e sessenta e seis escudos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>Para tanto alegou, em síntese:</font><br>
<br>
<font>A ré foi incumbida de proceder à descarga de toros de madeira, transportado pelo navio “V...”, e, tendo aceite esta tarefa, por inconsideração e negligência dos seus funcionários, foram causados danos no guindaste utilizado, requisitado à A., no âmbito das suas funções de explorar economicamente os portos do Douro e Leixões, danos esses cujo ressarcimento pretende obter através desta acção.</font><br>
<br>
<font>Regularmente citada, a ré veio deduzir o incidente de chamamento à autoria da “... – Companhia de Seguros, SA”, com sede na Av. Eng. Duarte Pacheco, Torre 2, Lisboa, alegando ter transferido para essa seguradora a contratual responsabilidade dos danos alegados pela A.</font><br>
<br>
<font>Notificada a chamada, veio apresentar contestação, alegando a prescrição do direito invocado pela A., e alegando, em suma, que o sinistro decorreu do incumprimento do comportamento do manobrador do guindaste, funcionário da autora.</font><br>
<br>
<font>A ré impugnou os danos e alegou que o sinistro é de imputar exclusivamente do comportamento do guindasteiro, funcionário da A., sob cujas ordens operava.</font><br>
<br>
<font>Replicou a A., impugnando a referida excepção da prescrição, tendo mantido a sua posição inicial.</font><br>
<br>
<font>Foi proferido o despacho saneador, no qual, se julgou improcedente a excepção da prescrição.</font><br>
<br>
<font>Seleccionaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória, tendo havido reclamações, não atendidas, da A. e da chamada.</font><br>
<br>
<font>Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se proferiu decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, a qual não foi objecto de reclamação.</font><br>
<br>
<font>Foi proferida sentença que decidiu julgar a acção improcedente, por não provada, com absolvição da R. do pedido.</font><br>
<br>
<font>Recorreu a A., tendo a Relação do Porto proferido acórdão, no qual, foi julgado improcedente o recurso de apelação.</font><br>
<br>
<font>Inconformada, interpôs a A. recurso de revista, recurso que foi admitido.</font><br>
<br>
<font>A recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>1. O evento danoso sobre que versa este processo ocorreu no âmbito de uma operação de descarga de um navio em que interveio um funcionário da Autora/ A.P.D.L. que laborava sob a direcção da Ré AA;</font><br>
<font>2. Funcionário esse que estava adstrito ao cumprimento das instruções da Ré/AA;</font><br>
<font>3. De uma verdadeira Comissão se tratou, já que a actividade ou serviço realizado pelo operador portuário foi-o por conta e sob a direcção da Ré/AA;</font><br>
<font>4. Esta – a Ré/AA – é que era a Comitente, sendo Comissário o operador do guindaste;</font><br>
<font>5. A Ré/AA, como empresa de estiva/operador portuário, é que responde perante a autoridade portuária – Autora/A.P.D.L. – pelos danos causados por acção ou omissão sua ou do seu pessoal ou auxiliares, no desempenho das respectivas funções, às infraestruturas, instalações e equipamentos cuja utilização lhe tenha sido cedida por aquela;</font><br>
<font>6. Daí que só a Ré/AA possa ser responsável pelos danos causados no guindaste da Autora/A.P.D.L.</font><br>
<font>7. A matéria factual provada impunha a procedência da acção;</font><br>
<font>8. Assim não o fazendo a douta sentença em apreciação violou o disposto nos artigos 500.º, n.ºs 1 e 2 e 800.º, n.º 1 do Código Civil, bem como dos artigos 10º e 12º do Decreto Lei 151/90 de 15 de Maio – Regime Jurídico da Operação Portuária.</font><br>
<br>
<font>Pede que se conceda provimento ao recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido e substituindo-se por outro que julgue a acção totalmente procedente, por provada e condene a R. no pedido.</font><br>
<br>
<font>A Ré contralegou, pugnando pela manutenção da decisão.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir. </font><br>
<br>
<br>
<b><font>II </font></b><font>– Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:</font><br>
<br>
<font>II.1. – Dos factos assentes:</font><br>
<br>
<font>A. A autora explora economicamente o Porto de Leixões, sendo proprietária de todo o equipamento de elevação vertical com que se movimenta a carga nos portos do Douro e Leixões;</font><br>
<font>B. A ré é um operador portuário e, estando para isso licenciada, foi encarregada de proceder à descarga de toros de madeira transportados a bordo do navio V..., que deu entrada em Leixões no dia 29.09.92 e que atracou na doca n.º 2 Norte, do Porto de Leixões;</font><br>
<font>C. Aos operadores portuários é lícito requisitar à autora os equipamentos verticais necessários ao exercício da sua actividade;</font><br>
<font>D. Para proceder à descarga dos toros de madeira transportados no navio Veteran, a ré requisitou à autora um guindaste, no caso o “GEW2”, pelo pagaria 51$00 por tonelada movimentada;</font><br>
<font>E. Tais guindastes, como o GEW2, são exclusivamente manobrados por pessoal contratado pela autora, a quem esta ministra a adequada formação;</font><br>
<font>F. De acordo com os manuais técnicos de formação dos guindasteiros da APDL, no desempenho das suas funções, o guindasteiro deve observar, designadamente, as seguintes directrizes:</font><br>
<font> - os guindastes só devem manobrar cargas que se encontrem colocadas em posições verticais à extremidade da ponta da lança e, como tal, não devem proceder ao arrastamento de cargas com o gato da lança em posições oblíquas;</font><br>
<font> - verificar, no início do funcionamento, se os fins de curso e o dispositivo de corte de emergência estão a actuar;</font><br>
<font> - verificar periodicamente o funcionamento do limitador de carga;</font><br>
<font> - o funcionamento anormal de qualquer órgão do guindaste ou o aparecimento de ruídos, disparos do multidisjuntor, aquecimento excessivo de qualquer órgão eléctrico ou mecânico, cheiro a queimado, o não funcionamento ou funcionamento diferente do normal de qualquer dos dispositivos de segurança e protecção, constituem situações que podem conduzir a prejuízos graves, imobilizando o guindaste durante um período apreciável ou exigindo reparações caras;</font><br>
<font> - sempre que verifique que uma carga não está devidamente lingada, não a deve transportar. Se só verificar esta anomalia já durante o movimento, deve ponderar se deve ou não continuar a sua movimentação;</font><br>
<font> - não deve movimentar a translação sem auxílio de um revisor ou outro auxiliar, mas sempre funcionário da APDL;</font><br>
<font> - não deve ultrapassar o valor da carga nominal do guindaste, sem determinação superior;</font><br>
<font>G. O artigo 84° do Regulamento de Exploração dos Portos do Douro e Leixões, parágrafo 1°, dispõe que “Todas as cargas serão levantadas sempre na vertical da extremidade da lança, não sendo permitido o uso de guindastes para remover cargas a distâncias superiores à do alcance do guindaste”;</font><br>
<font>H. A partir das 17 horas desse dia 29 de Setembro de 1992, o referido guindaste passou a ser manobrado pelo guindasteiro, empregado da autora, BB;</font><br>
<font>I. A lança do guindaste que era utilizado na operação de descarga tinha um alcance máximo de 20 metros e uma capacidade de elevação de 5.000 Kg. na vertical à ponta da lança;</font><br>
<font>J. O guindasteiro dispõe no interior do guindaste, no seu posto, de aparelhos de leitura localizados na cabina de comando, que analisam e lhe dão informações sobre as condições de funcionamento do guindaste, dispondo igualmente de limitadores que disparam em condições de utilização ou esforço excessivos;</font><br>
<font>L. O navio estava atracado por bombordo e o guindasteiro iniciou a descarga dos toros existentes sobre o convés e tampas do porão n.º 2, de bombordo para estibordo, por camadas;</font><br>
<font>M. Dois estivadores da ré lingavam o estropo da carga aos toros, não estando presentes outros funcionários da ré;</font><br>
<font>N. Cerca das 22,30 horas desse dia 29 de Setembro de 1992, quando estavam a ser lingados dois toros estivados no convés do navio, à distancia de 24,50 metros, com o peso de cerca de 5.000 kg, entre os porões n.os 2 e 3, ao levantar a cabeça dos toros, do lado da proa, a fim de ser passado o estropo (arame de aço) a meio dos mesmos, partiram-se as bielas do sistema de variação de alcance da lança do guindaste, com a consequente queda da lança sobre o moitão;</font><br>
<font>O. Em cumprimento de obrigação legal, a ré transferiu para a chamada Lusitânia, a sua responsabilidade pela indemnização dos danos causados, entre outros aos equipamentos portuários de que seja titular autoridade portuária, através de contrato de seguro que com ela celebrou, titulado pela Apólice n. 1301001730, com as condições constantes do documento de fls. 42.</font><br>
<br>
<font>II.2. – Da Base Instrutória</font><br>
<br>
<font>1. Pertence ao operador portuário a direcção técnica de todas as operações a efectuar durante cargas e descargas, seja qual for o dono do equipamento a utilizar, estando o operador do equipamento utilizado sob essa direcção técnica do operador portuário, seja qual for a sua entidade empregadora, sem prejuízo das directrizes a que devem obedecer os guindasteiros descritas nas alíneas F.,G.,e J. da matéria assente (resposta ao quesito 1.º);</font><br>
<font>2. Os dois toros que estavam a ser lingados, como referido em M., estavam a um ou dois metros das estacas de estibordo (resposta ao quesito 5.º);</font><br>
<font>3. Foi-lhe mandado virar a lingada por um dos estivadores (resposta ao quesito 6.º);</font><br>
<font>4. As “cabeças” dos referidos toros começaram a elevar-se, enquanto as extremidades opostas continuavam pousadas entre outro toros ali acondicionados (resposta ao quesito 7.º);</font><br>
<font>5. Quando as cabeças dos toros se encontravam quase a prumo, alguns toros junto às estacas rolaram, enquanto os toros suspensos pelo guindaste, resvalaram na direcção da borda do navio, provocando um forte esticão na cabeça da lança do guindaste (resposta restritiva ao quesito 8.º);</font><br>
<font>6. Partiram algumas estacas da borda do navio, permitindo que rolassem esses troncos (resposta restritiva ao quesito 9.º);</font><br>
<font>7. Após esse esticão, a lança ficou desgovernada do estropo e começou a arriar até que pousou sobre o moitão (resposta ao quesito 11.º);</font><br>
<font>8. Entretanto, os dois toros da lingada desengataram-se do estropo e caíram também à doca (resposta ao quesito 12.º);</font><br>
<font>9. A ré, além dos estivadores, deveria ter um portaló para ordenar ao guindasteiro as manobras a executar pelo guindaste (resposta ao quesito 14.º);</font><br>
<font>10. Visualmente, o guindasteiro não se podia aperceber de que os toros movimentados se encontravam a 24,5 metros para além do alcance máximo do guindaste, porque o estropo é levado e engatado na carga pelos estivadores (resposta restritiva ao quesito 15.º);</font><br>
<font>11. Os toros ao serem suspensos pela “cabeça” de ré, ficaram com a outra extremidade, a inferior, entre outros toros, um do lado do mar junto às estacas de ferro, enquanto outros formavam a pilha para o meio do navio (resposta ao quesito 16.º);</font><br>
<font>12. No movimento de suspensão, em virtude de os referidos toros se encontrarem para além do alcance máximo do guindaste, as “cabeças” superiores eram puxadas para a prumada da lança, enquanto, na parte inferior, fixava-se nos toros situados para o interior, e as “cabeças” empurravam o toro ou toros situadas junto às estacas em sentido contrário, isto é, contra elas (resposta ao quesito 17.º);</font><br>
<font>13. Teria existido um sistema de alavanca com a potência a ser aplicada na cabeça superior dos toros, o fluxo/apoio nos toros estivados para o centro e a resistência na cabeça inferior e toros junto à borda do navio (resposta ao quesito 18.º);</font><br>
<font>14. Ao deslocarem-se, o toro ou toros localizados junto às estacas deixaram de fazer resistência aos toros da lingada (resposta restritiva ao quesito 20.º);</font><br>
<font>15. O movimento dos toros da lingada, no sentido contrário ao movimento da suspensão, deu origem ao forte esticão na cabeça da lança que se referiu supra (resposta ao quesito 21.º);</font><br>
<font>16. Em consequência do esticão e com a queda da lança sobre o moitão, o guindaste apresentou avarias: troço posterior dobrado, chapa da cabeceira rasgada; duas bielas de variação do alcance dobrado fracturadas, cabo de carga danificado, redutor da variação de alcance danificado (resposta ao quesito 22.º);</font><br>
<font>17. A reparação do guindaste foi efectuada pela CC, pelo preço de 7.600 contos (sem IVA) (resposta ao quesito 23.º);</font><br>
<font>18. Com excepção de duas bielas, que foram reparadas nos próprios serviços da autora, com um custo de 66.215$00 (sem IVA) (resposta ao quesito 24.º);</font><br>
<font>19. Devido à reparação a que foi sujeito, o guindaste esteve paralisado durante 17 semanas (resposta ao quesito 25.º);</font><br>
<font>20. Por não poder utilizar o referido guindaste a autora deixou de auferir lucros no valor de 1.884.687$00 (17 semanas x 108.511$00) (resposta ao quesito 26.º);</font><br>
<font>21. Na vistoria realizada para determinação das responsabilidades e dos danos, a autora gastou 164.720$00 (resposta ao quesito 27.º).</font><br>
<font>22. Além do que resulta da resposta ao quesito n.º 1, o guindasteiro deve recusar a movimentação de cargas em condições de utilização incorrecta do guindaste (resposta restritiva ao quesito 28.º);</font><br>
<font>23. O guindasteiro não deu qualquer indicação aos estivadores funcionários da ré, que se encontravam a bordo do navio, no sentido de que a descarga não pudesse ser efectuada como estava a decorrer, com a respectiva lança no máximo do alcance do guindaste, ou seja, à distância de 20 metros e com a carga a uma distância ainda superior, estando o gancho e os cabos numa direcção oblíqua relativamente à vertical da lança para além desta (resposta ao quesito 29.º);</font><br>
<font>24. Não tendo o guindasteiro diligenciado no sentido de alterar a forma pela qual se vinha processando a lingagem dos toros (resposta ao quesito 32.º);</font><br>
<font>25. Quando as bielas do sistema de variação do alcance da lança se partiram, os toros que estavam a ser lingados ainda estavam a ser levantados para ser passado o estropo (resposta ao quesito 33.º);</font><br>
<font>26. O guindasteiro encontrava-se a 24,5 metros de distância do local onde estavam os toros a descarregar e esse local estava bem iluminado (resposta restritiva ao quesito 34.º).</font><br>
<br>
<br>
<b><font>III.1.</font></b><font> – Como resulta dos artigos 684.º, n.º 4 e 690.º do Código de Processo Civil as conclusões das alegações delimitam o âmbito do recurso.</font><br>
<br>
<font>O recorrente suscita apenas uma questão a responsabilidade da Ré decorrente da sua direcção técnica.</font><br>
<br>
<b><font>III.2.</font></b><font> –</font><font> </font><font>Resulta da matéria de facto que os guindastes em crise (GEW 2) são exclusivamente manobrados por pessoal contratado pela autora, a quem esta ministra adequada formação, sendo que para proceder à descarga dos toros de madeira transportados no navio V... a Ré requisitou à Autora um guindaste, no caso o “GEW 2”, pelo qual pagaria 51$00 por tonelada movimentada – cf. alíneas A. e B. dos factos assentes.</font><br>
<br>
<font>Portanto, no caso em apreço, tudo se passa como se entre a ré e a autora tivesse sido celebrado um contrato de aluguer, isto no que tange ao dito guindaste, sendo certo, por outro lado, que o guindasteiro que nele operava era empregado da autora, embora, no caso, actuando sob a direcção técnica da ré.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, temos como seguro que o referido guindasteiro operava por conta, no interesse e sob as ordens da Ré, estabelecendo-se, por isso, entre ambos uma relação de comitente-comissário – cf. artº 500.º do C. Civil.</font><br>
<br>
<font>De facto, “pertence ao operador portuário a direcção técnica de todas as operações a efectivar durante cargas e descargas, seja qual for o dono do equipamento a utilizar, estando o operador do equipamento utilizado sob essa direcção técnica do operador portuário, seja qual for a sua entidade empregadora, sem prejuízo das directrizes a que devem obedecer os guindasteiros, descritas nas alíneas F.,G.,e J. da matéria assente (resposta ao quesito 1.º).</font><br>
<br>
<font>Ou seja, não obstante o guindasteiro poder responder directamente perante a A., se infringir as directrizes que a entidade patronal lhe fixa, na sua actuação concreta, no caso em análise, agiu subordinadamente à Ré.</font><br>
<br>
<font>Dispõe o artigo 500.º do Código Civil que:</font><br>
<br>
<font>“1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão, responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.</font><br>
<font>2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.</font><br>
<font>3.(…)”</font><br>
<br>
<font>Pressupostos da responsabilidade do comitente são assim:</font><br>
<font>a) a existência de uma relação de comissão (acto isolado ou actividade duradoura);</font><br>
<font>b) caracterizada por uma relação de subordinação ou dependência do comissário, para como comitente, que autorize este a dar ordens ou instruções àquele;</font><br>
<font>c) ter sido o facto cometido pelo comissário, no exercício da função que lhe foi confiada.</font><br>
<br>
<font>Parece claro que existe uma comissão com as características apontadas, uma vez que é o operador portuário que escolhe a ocasião, as circunstâncias e modo de efectuar a descarga, dando as necessárias e adequadas ordens ao guindasteiro, que as terá que acatar (subordinação), salvo em caso de conflito com as directrizes emanadas da A.</font><br>
<br>
<font>Não se vê como a “direcção técnica” a que A. faz alusão e que resulta do art.º 12.º do Decreto-Lei 151/90, de 15/5, possa ser lida de forma mais restritiva.</font><br>
<br>
<font>Naturalmente o entendimento seria diverso se operador portuário se limitasse a requisitar o equipamento e o pessoal da A. para efectuar uma dada descarga, indicando o navio e a carga a descarregar, correndo toda a operação de descarga sob responsabilidade e direcção da A.</font><br>
<br>
<font>Ou seja, os procedimentos técnicos que o guindasteiro, empregado da autora, deve obedecer quando opera a descarga incluem-se nessa “direcção técnica”.</font><br>
<br>
<font>Parece que apenas esta interpretação se justifica perante a afirmação de que “[p]ertence ao operador portuário a direcção técnica de </font><u><font>todas as operações a efectuar durante cargas e descargas</font></u><font>, </font><u><font>seja qual for o dono do equipamento a utilizar</font></u><font>, </font><u><font>estando o operador de equipamento utilizado sob essa direcção técnica</font></u><font> do operador portuário, </font><u><font>seja qual for a sua entidade empregadora</font></u><font> (sublinhados da nossa responsabilidade)…</font><br>
<br>
<font>O n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 151/90 refere ainda que o pessoal operador do equipamento utilizado nas operações portuárias deve exercer “as suas funções com zelo e diligência, acatando escrupulosamente as ordens e instruções do operador portuário…”.</font><br>
<br>
<font>Nenhuma contradição decorre do facto de os guindasteiros deverem também obediência às directrizes atrás referidas, decorrentes do grande valor do equipamento e da perigosidade da actividade, justificando que os operadores do mesmo estejam especialmente treinados e sujeitos à observância de determinadas regras imperativas de operação.</font><br>
<br>
<font>Sem uma relação de comissão, à falta de outra que igualmente implique a subordinação do agente ao operador portuário, fica sem justificação a responsabilidade do operador portuário perante a autoridade portuária consignada no artigo 10.º do citado diploma legal:</font><br>
<br>
<font>“1. O operador portuário responde perante a autoridade portuária pelos danos culposamente causados às infra-estruturas e instalações portuárias e ao equipamento portuário de que seja titular a autoridade portuária ou que, sendo de terceiros, se encontravam ao serviço da autoridade portuária ou à sua guarda.” </font><br>
<br>
<font>Por tudo o que se deixou dito temos por correcto o entendimento acolhido no acórdão deste Venerando Tribunal, de 13 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 4143/04, sendo irrelevante a circunstância de se reportar a factos ocorridos em 1998. </font><br>
<br>
<font>Na verdade, resulta da matéria de facto dada como provada, que o sinistro em causa decorreu por culpa do manobrador do guindaste, empregado da autora.</font><br>
<br>
<font>Ao contrário do que entendeu a Relação, essa culpa não deriva de o mesmo não ter dado “qualquer indicação aos estivadores, funcionários da ré, que se encontravam a bordo do navio, no sentido de que a descarga não pudesse ser efectuada como estava a decorrer, com a respectiva lança no máximo do alcance do guindaste, ou seja, à distância de 20 metros e com a carga a uma distância ainda superior, estando o gancho e os cabos numa direcção oblíqua relativamente à vertical da lança para além desta. </font><br>
<br>
<font>Não há, de facto, qualquer matéria fáctica da qual resulte que o operador do guindaste podia ter-se apercebido de que a carga não estava na vertical da lança ou de qualquer incorrecto lingamento. Pelo contrário, provou-se que tal percepção não era visualmente possível e não há qualquer prova de que os equipamentos de segurança do guindaste tenham funcionado, fornecendo aviso de anomalia.</font><br>
<br>
<font>A culpa existe apenas, porque o guindasteiro actuava sem estar assessorado por um revisor ou auxiliar, cuja presença tinha o dever de assegurar, nos termos das directrizes emanadas da sua entidade patronal. </font><br>
<br>
<font>Por outro lado, também há culpa directa da ré, na medida em que a operação decorria sem a presença de um portaló.</font><br>
<br>
<font>A presença do revisor ou auxiliar e do portaló, este com funções de dar ordens ao guindasteiro, teriam permitido alertá-lo para o facto de a carga estar a ser lingada para além da vertical à lança do guindaste, evitando-se desse modo a ocorrência e os danos dela decorrentes.</font><br>
<br>
<font>Não há dúvidas de que as duas falhas verificadas são imputáveis à Ré, integrando--se na direcção técnica da operação, na medida em que não assegurou a presença do revisor ou auxiliar, igualmente a ser fornecido pela APDL, nem o portaló.</font><br>
<br>
<font>No primeiro caso a sua responsabilidade resulta da relação de comissão. No segundo caso deriva de culpa directa da operadora portuária, nos termos do artigo 483.º do Código Civil e artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 151/90, de 15/5. </font><br>
<br>
<font>À luz de todo este conjunto de considerações, temos, pois que a sentença recorrida não pode manter-se, procedendo assim, toda e cada uma das conclusões alinhadas pela apelante nas suas alegações do recurso.</font><br>
<br>
<br>
<b><font>IV.</font></b><font> – Termos em que se acorda em dar provimento ao recurso, condenando-se a Ré no pedido.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrida.</font><br>
<br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Outubro de 2006</font><br>
<br>
<font>Paulo Sá (relator)</font><br>
<font>Borges Soeiro</font><br>
<font>Faria Antunes</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bTK1u4YBgYBz1XKvpjRy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<b><font>1. </font></b><font>Helena […] intentou, no dia 6.12.1995, no Tribunal Cível de Lisboa (13º Juízo) a acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Maria Adelaide […]</font><br>
<b><font>2. </font></b><font>Alegou, em suma, que entre ambas foi realizado, em 18 de Outubro de 1988, um contrato-promessa de compra e venda pelo qual esta (ré) declarou prometer vender àquela, que declarou prometer comprar-lhe, pelo preço de 8.000.000$00, o prédio urbano sito na Rua […] em Lisboa; a título de sinal e princípio de pagamento a autora entregou à ré a quantia de 1.000.000$00; naquele contrato a ré assumiu como encargo seu a responsabilidade pela execução das obras de que o prédio necessitava, as quais, à data da realização do contrato-promessa ascendiam a 2.900.000$00.</font><br>
<br>
<b><font>3. </font></b><font>Em determinada altura a ré, através da sua advogada, informou a autora, através do seu advogado, que a clarabóia do prédio ruíra, estando o seu arranjo em fase de conclusão, estando para breve o início das obras de restauro do prédio cuja realização havia sido exigida pela Câmara Municipal de Lisboa para o que dispunha de dois orçamentos, sendo o mais baixo no valor de 2.400.000$00.</font><br>
<br>
<b><font>4. </font></b><font>Após a realização do contrato-promessa, a autora entrou em poder do imóvel acima identificado, não tendo a escritura definitiva de compra e venda sido realizada por causa imputável à ré; a autora tem vindo a ser notificada pela Câmara Municipal de Lisboa para realizar obras no prédio acima identificado, nas quais já despendeu alguns milhões de escudos.</font><br>
<br>
<b><font>5. </font></b><font>Por outro lado, a ré, antes da realização do contrato-promessa informou a autora que o rendimento mensal do prédio era de 105.000$00, quando na realidade tal rendimento mensal era de 68.465$00.</font><br>
<br>
<b><font>6. </font></b><font>A autora terminou pedindo que a acção fosse julgada procedente, devendo consequentemente:</font><br>
<br>
<font>a) Reduzir-se o negócio tendo em conta o valor do orçamento mais baixo, de 2.400 contos enunciado pela R e pela Dr.ª Isabel […], para a execução das obras no imóvel dos autos, e o valor do rendimento mensal do bem de 105.000$00 para 68 465$00.</font><br>
<br>
<font>b) Condenar-se especificamente a ré a transmitir o bem pelo valor que viesse a ser determinado, nele se deduzindo o sinal.</font><br>
<br>
<font>c) Declarar-se a A. investida no direito real desse imóvel contra o pagamento dessa verba.</font><br>
<br>
<font>d) Declarar-se nulo qualquer outro eventual contrato que haja sido celebrado com o mesmo ou outro objecto imediato ou mediato e que afecte ou possa vir a afectar o investimento da A no direito real requerido.</font><br>
<br>
<font>e) Expurgar-se o bem de qualquer ónus ou encargos que eventualmente a ré houvesse sobre ele feito recair, declarando-se a A. com direito de regresso sobre as verbas que para tal haja de dispensar, sem prejuízo das sanções respectivas”.</font><br>
<br>
<b><font>7. </font></b><font>A ré contestou invocando a excepção de caso julgado, com a sua consequente absolvição do pedido ou, caso assim se não entenda, pediu que a acção fosse julgada improcedente, por não provada, igualmente com a sua absolvição do pedido.</font><br>
<br>
<font>Para além de contestar, a ré deduziu pedido reconvencional</font><br>
<br>
<font>Invocou, em síntese, que o negócio consistente no contrato-promessa invocado na petição inicial é contrário à lei e aos bons costumes e usurário.</font><br>
<br>
<font>Mais alegou que, em 08.05.1996, a ré enviou à autora uma carta registada com aviso de recepção, pela qual declarava resolvido o contrato-promessa por incumprimento da autora (que não lhe pagou nos trinta dias a que se obrigara, o resto do preço ajustado) e consequente perda de interesse da sua parte na celebração do contrato prometido.</font><br>
<br>
<font>Terminou pedindo que a reconvenção seja julgada procedente e provada, declarando-se a nulidade do contrato-promessa em causa ou, a não ser assim entendido, que o mesmo seja declarado inválido face à arguida anulabilidade ou ainda validamente resolvido, nos termos expostos no mesmo contrato, com todas as consequências legais e, em qualquer dos casos, condenando-se a A. reconvinda a restituir à Ré reconvinte o valor de todas as rendas recebidas cujo montante se apuraria em execução e ao qual deveria ser deduzido o montante de um milhão de escudos que lhe fora pago a título de sinal.</font><br>
<br>
<b><font>8. </font></b><font>Na réplica, a autora respondeu à matéria da excepção de caso julgado e contestou a reconvenção, pondo a tónica na existência de mora por parte da ré pelo facto de nunca ter fornecido à autora os documentos necessários à marcação da escritura, designadamente o seu BI e a licença de utilização do prédio, acrescentando no art. 69º desse articulado que: </font><i><font>“por outro lado, a prestação ainda é exequível e redutível, o que se requer:”</font></i><br>
<br>
<b><font>9. </font></b><font>Terminou a A. pedindo que a excepção, a impugnação e a reconvenção fossem julgadas improcedentes, devendo a reconvenção ser julgada nula e condenar-se a ré, como litigante de má fé, em multa e em justa indemnização a favor da A. não inferior a 1.000.000$00</font><br>
<br>
<b><font>10. </font></b><font>A ré Maria Adelaide […] faleceu na pendência da acção – em 11.03.1997 - tendo, por sentença de fls. 24 do incidente de habilitação de herdeiros (apenso A), datada de 14 de Maio de 1998, sido declarados habilitados a suceder na posição processual daquela os seus filhos Maria […], Filipe […] e Júlia […].</font><br>
<br>
<b><font>11. </font></b><font>Foi julgada por decisão de 9-1-2001 procedente a excepção de caso julgado tendo sido os RR absolvidos do pedido (a presente acção foi proposta antes da revisão de 1995/1996 que passou a considerar excepção dilatória o caso julgado).</font><br>
<br>
<b><font>12. </font></b><font>Inconformados com aquela decisão, na parte em que não conheceu do pedido reconvencional</font><b><font>,</font></b><font> dela vieram os réus interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 8 de Novembro de 2001, ordenou que os autos prosseguissem termos na 1ª instância para apreciação do pedido reconvencional (fls. 246 a 248).</font><br>
<br>
<b><font>13. </font></b><font>Após julgamento, foi proferida sentença a julgar procedente a reconvenção deduzida pela ré Maria Adelaide […] (cuja posição processual, após o seu óbito, passou a ser ocupada pelos seus filhos, ora réus, Maria Francisca […], Filipe […] e Júlia […]) contra Helena […], em consequência do que:</font><br>
<br>
<b><font>- </font></b><font>Foi declarado nulo e de nenhum efeito o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 18 de Outubro de 1988, entre Maria Adelaide […], como promitente vendedora, e Helena […], como promitente compradora, tendo por objecto o prédio urbano sito na Rua […] em Lisboa, descrito na […] Conservatória do Registo Predial de Lisboa</font><br>
<br>
<b><font>- </font></b><font>Foram os réus</font><b><font> </font></b><font>condenados a restituírem à autora a quantia em euros equivalente a 1.000.000$00 (um milhão de escudos), que Maria Adelaide […] recebeu da autora a título de sinal e princípio de pagamento no âmbito do contrato-promessa em causa;</font><br>
<br>
<b><font>- </font></b><font>Foi</font><b><font> </font></b><font>a autora condenada a restituir aos réus o montante equivalente a todas as rendas que recebeu do prédio identificado em 5.1, após a assinatura do contrato-promessa igualmente ali referido.</font><br>
<br>
<b><font>14. </font></b><font>O Tribunal da Relação (acórdão de fls. 847/865), apreciando a apelação interposta pela A., julgou-a parcialmente procedente, alterando a sentença recorrida, condenando as partes a restituírem, operada a respectiva compensação na parte em que a mesma é possível, tudo o que tiverem recebido por virtude do contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano sito na Rua […] em Lisboa.</font><br>
<br>
<b><font>15. </font></b><font>Desta decisão foi interposto recurso principal pela A. e recurso subordinado pelos RR habilitados.</font><br>
<br>
<b><font>16. </font></b><font>A A., nas conclusões da sua minuta, salientou que o acórdão recorrido extraiu consequências do abuso do direito decretado pela decisão proferida no 15.º Juízo Cível cuja decisão constitui caso julgado reconhecido obstativo da procedência do pedido da A; salientou que esse não foi o caminho prosseguido na sentença que considerou o contrato-promessa nulo por contrário à ordem pública e ofensivo dos bons costumes e, por isso, ocorre uma contradição entre as decisões, a de 1ª instância que julga o contrato nulo, a da Relação que o reconhece válido.</font><br>
<br>
<font>Defende a recorrente que a nulidade não podia ter sido deduzida por via reconvencional.</font><br>
<br>
<font>Conclui que o abuso do direito não se destina a fazer extinguir direitos mas apenas a moldá-los em termos julgados mais justos, de modo a que os seus titulares não sejam deles despojados e possam exercitá-los.</font><br>
<br>
<font>Sustenta ainda a recorrente que só pela via do recurso, e no então 15.º Juízo, é que os RR deviam ter pugnado, se a tanto tivessem direito, pelo reconhecimento da invocada nulidade e daí a extemporaneidade da sua posterior pretendida arguição, e razão pela qual devia desde logo ter sido rejeitada a sua apreciação por estarmos perante caso julgado.</font><br>
<br>
<b><font>17. </font></b><font>Considera a recorrente violados no sentido em que foram interpretados e aplicados os dispositivos contidos nos artigos 280.º/2 e 334.º do Código Civil bem como o artigo 496.º do C.P.C., actuais 493.º/3 e 496.º do C.P.C. e ainda o artigo 522.º/1 do C.P.C.; refere que o acórdão recorrido está em contradição com outros acórdãos transitados e, em caso de eventual negação de revista, também o artigo 289.º/1 do Código Civil no que diz respeito às despesas tidas pela A. com obras, administrativas e judiciais.</font><br>
<br>
<b><font>18. </font></b><font>Interpuseram os RR recurso subordinado considerando que o acórdão da Relação, tendo por prejudicadas as questões suscitadas no âmbito dos presentes autos, frustrou o interesse da reconvinte em ver declarada a manifesta nulidade do contrato-promessa de compra e venda; a ser assim, como decidiu a Relação, não deveriam então os autos ter prosseguido para conhecimento e julgamento do pedido reconvencional.</font><br>
<br>
<b><font>19. </font></b><font>Defendem os RR na minuta de recurso subordinado que na presente acção discutiu-se a nulidade do contrato-promessa que foi reconhecida pela decisão de 1ª instância por se considerar verificada a previsão constante do artigo 280.º/2 do Código Civil segundo a qual é nulo o negócio contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes; ao invés, o Tribunal da Relação aplica o artigo 334.º do Código Civil, normativo que pressupõe a existência do direito que se pretende exercer; estamos, portanto, face a leis substantivas de diverso conteúdo e alcance e, por conseguinte, incorreu o acórdão recorrido na nulidade contemplada na alínea d) do n.º1 do artigo 668.º do C.P.C.</font><br>
<br>
<b><font>20. </font></b><font>Factos provados:</font><br>
<br>
<font>1</font><b><font> – </font></b><font>Pela Ap. nº 3 de 23 de Abril de 1976, encontra-se inscrita a favor de Maria Adelaide […] a aquisição, por partilhas, do prédio urbano sito na Rua […] em Lisboa, descrito na […] Conservatória do Registo Predial de Lisboa […] (A);</font><br>
<br>
<font>2</font><b><font> – </font></b><font>Maria Adelaide […] faleceu no dia 11 de Março de 1997 </font><b><font>– </font></b><font>(B);</font><br>
<br>
<font>3</font><b><font> – </font></b><font>Por escritura realizada no dia 6 de Junho de 1997, no 5º Cartório Notarial de Lisboa, foram habilitados herdeiros de Maria Adelaide […] , seus filhos, Maria Francisca […] , Júlia […] e Filipe […] (C);</font><br>
<br>
<font>4</font><b><font> – </font></b><font>Por acordo escrito realizado no dia 18 de Outubro de 1988, Maria Adelaide […] declarou prometer vender a Helena […] , que declarou prometer comprar-lhe, o imóvel identificado em 1. </font><b><font>– </font></b><font>(D);</font><br>
<br>
<font>5</font><b><font> – </font></b><font>Maria Adelaide […] anunciou a venda do prédio identificado em 1. na edição do Diário de Notícias de 24.09.1998 </font><b><font>– </font></b><font>(E);</font><br>
<br>
<font>6 </font><b><font>– </font></b><font>A cláusula 2ª do acordo referido em 4. tem a seguinte redacção:</font><br>
<br>
<font>“E que, pelo presente instrumento, prometo vendê-lo à segunda outorgante, livre de todos e quaisquer ónus ou encargos, incluindo obrigações fiscais, administrativas resultantes de contrato de adesão, entre outras, pelo preço único de Esc. 8.000.000$00 (oito milhões de escudos), do seguinte modo:</font><br>
<br>
<font>a) Na assinatura do presente contrato, o qual confere tradição, a segunda outorgante pagará à primeira a importância de Esc. 1.000.000$00 (um milhão de escudos).</font><br>
<br>
<font>b) No acto da celebração do contrato prometido e definitivo, como reforço de sinal e complemento do pagamento, os restantes Esc. 7.000 000$00 (sete milhões de escudos).</font><br>
<br>
<font>c) O restante do preço previsto na al. b), tendo em conta o exercício do direito de preferência, poderá ser pago em espécie, com obras de arte ou outras de valor estimativo“ </font><b><font>– </font></b><font>(F);</font><br>
<br>
<font>7 </font><b><font>– </font></b><font>A cláusula 3ª do mesmo acordo tem a seguinte redacção:</font><br>
<br>
<font>“A celebração do contrato definitivo, pelo valor que melhor convier à segunda outorgante, deverá ocorrer:</font><br>
<br>
<font>a) Logo que seja reunida, pela promitente vendedora, toda a documentação de si dependente e necessária à celebração da escritura, facto que deverá ocorrer num prazo máximo de trinta dias, com entrega dos mesmos à promitente compradora.</font><br>
<br>
<font>b) Logo que a promitente compradora, e a solicitação desta, seja marcada a data para a celebração da mesma, por qualquer cartório notarial de Lisboa” </font><b><font>– </font></b><font>(G);</font><br>
<br>
<font>8</font><b><font> – </font></b><font>Em 8 de Maio de 1996 Maria Adelaide […] enviou à autora a carta registada cuja cópia se encontra a fls. 106, cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido, a qual foi devolvida ao remetente com a indicação de não reclamada </font><b><font>– </font></b><font>(H);</font><br>
<br>
<font>9</font><b><font> – </font></b><font>Maria Adelaide […] decidiu vender o prédio identificado em 1. para fazer face aos custos de internamento urgente de uma sua filha, toxicodependente, numa clínica de reabilitação e às despesas do colégio de um neto</font><b><font> – </font></b><font>(1º);</font><br>
<br>
<font>10</font><b><font> – </font></b><font>Entre o advogado subscritor da petição inicial, na qualidade de marido da autora, e Maria Adelaide […] , foram estabelecidos contactos com vista à realização do acordo referido em 4.</font><b><font> – </font></b><font>(2º);</font><br>
<br>
<font>11</font><b><font> – </font></b><font>Após a assinatura do acordo referido em 4. e do recebimento da quantia de 1.000.000$00 mencionada na al. a) da cláusula 2ª do mesmo acordo, a autora, com a anuência de Maria Adelaide […], passou a receber as rendas do prédio identificado em 1.</font><b><font> – </font></b><font>(3º e 4º);</font><br>
<br>
<font>12</font><b><font> – </font></b><font>No dia 18 de Outubro de 1988, Maria Adelaide […] compareceu no 21º Cartório Notarial de Lisboa para reconhecimento presencial da assinatura por si aposta no acordo referido em 4., altura em que recebeu do marido da autora a quantia de 1.000.000$00, indicada na al. a) da Cláusula 2ª do mesmo acordo</font><b><font> – </font></b><font>(6º e 7º);</font><br>
<br>
<font>13</font><b><font> – </font></b><font>O marido da autora enviou à ré a carta cuja cópia se encontra a fls. 104/105;</font><b><font> –</font></b><font> (9º);</font><a></a><br>
<br>
<a></a><font>14</font><b><font> – </font></b><font>À data referida em 4 o valor do prédio identificado em 1. ascendia a € 81.225,00</font><b><font> – </font></b><font>(12</font><b><font>º)</font></b><br>
<br>
<font>15</font><b><font> – </font></b><font>A carta referida em 8. foi remetida por Maria Adelaide […] para a morada da autora constante do acordo referido em D)</font><b><font> – </font></b><font>(17º);</font><br>
<br>
<font>16</font><b><font> – </font></b><font>A cláusula 4ª do acordo referido em 4. tem a seguinte redacção: “As obras de restauro que decorrem do edifício objecto mediato do contrato são da responsabilidade da promitente vendedora a qual deverá, com custos seus, proceder à sua conclusão” – doc. de fls. 12 a 15 dos autos;</font><br>
<br>
<font>17</font><b><font> – </font></b><font>Em data posterior à realização do acordo referido em 4. o prédio identificado em 1. ruiu totalmente – acordo das partes</font><b><font> </font></b><font>(cf. fls. 415-416 (requerimento apresentado pela autora) e 421-422)</font><b><font>.</font></b><br>
<br>
<font>Dos documentos juntos aos autos resulta ainda provado:</font><br>
<br>
<font>18 - Em acção intentada pela também aqui autora Helena […] contra a ré Maria Adelaide […] , em que a primeira, invocando incumprimento por parte da ré do contrato-promessa aqui também em causa, pediu a execução específica do mesmo, declarando-se a autora investida na propriedade do imóvel, acção que correu termos sob o nº 5759/89 do 15º Juízo cível da Comarca de Lisboa, foi julgado sem mais, por sentença de fls. 267 e seguintes, “um abuso de direito o pedido formulado pela A. e consequentemente absolvida a R. do pedido”</font><br>
<br>
<font>19 – Essa decisão transitou em julgado.</font><br>
<br>
<font>Apreciando:</font><br>
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<b><font>21. </font></b><font>Os presentes autos evidenciam sucessivas interpretações normativas.</font><br>
<br>
<b><font>22. </font></b><font>Correu termos entre as mesmas partes acção declarativa ordinária em que a promitente-compradora do imóvel em referência nos autos pediu a condenação da promitente-vendedora na execução específica do contrato-promessa celebrado em 18-10-1988.</font><br>
<br>
<b><font>23. </font></b><font>Essa acção findou, julgando-se improcedente o pedido por abuso do direito da promitente compradora.</font><br>
<br>
<b><font>24. </font></b><font>O abuso do direito traduziu-se no facto de a promitente compradora exigir execução específica do contrato-promessa pela quantia entregue a título de sinal (1.000.000$00) estando a auferir rendas ( no valor mensal, sujeito a actualizações, de 68.445$00) cujo montante era já muito superior ao sinal, o que vinha sucedendo desde Novembro de 1988 ao abrigo de cláusula quinta estipulada no aludido contrato segundo a qual “ a assinatura do presente contrato, que confere tradição com frutos, está sujeita ao formalismo exigido pelo artigo 410.º do CC[…]”.</font><br>
<br>
<b><font>25. </font></b><font>Veio a promitente compradora demandar a promitente vendedora, por via da presente acção, pedindo novamente a execução específica do contrato-promessa agora pelo valor de 2.400.000$00 deduzido o montante do sinal, o que levou o Tribunal a considerar ocorrida a excepção de caso julgado, pois, não obstante a diversidade do montante do preço a tomar em conta, continua este a ser inferior ao do preço acordado, valendo aqui as mesmas razões que conduziram a primeira acção à improcedência por abuso do direito.</font><br>
<br>
<b><font>26. </font></b><font>Salientou-se na decisão que o objectivo essencial pretendido era o mesmo, mas “ distinta teria de ser a posição a assumir por este Tribunal se a autora pretendesse a execução específica do contrato celebrado pelo valor acordado inicialmente ou uma qualquer indemnização por danos patrimoniais decorrentes de obras eventualmente realizadas ou outros” (ver fls. 205)</font><br>
<br>
<b><font>27. </font></b><font>Transitou em julgado esta decisão na parte em que os RR foram absolvidos do pedido, mas a acção veio a prosseguir, na sequência de provimento de recurso dos RR, a fim de se apreciar o pedido reconvencional.</font><br>
<br>
<b><font>28. </font></b><font>Alegara a ré que o contrato-promessa era nulo por contrário à lei e ofensivo dos bons costumes e anulável por constituir negócio usurário.</font><br>
<br>
<b><font>29. </font></b><font>Por carta de 8-5-1996, a Ré considerou resolvido o contrato-promessa por incumprimento da A. que levou ao desinteresse na celebração do contrato definitivo, resolução que implica a restituição por parte da promitente-compradora de todas as rendas recebidas dos inquilinos do prédio até à presente data (a data do pedido reconvencional) deduzido o montante do sinal pago.</font><br>
<br>
<b><font>30. </font></b><font>Pediu-se em reconvenção que se declarasse a nulidade do contrato-promessa em causa ou, a não ser assim entendido, inválido face à arguida anulabilidade ou ainda validamente resolvido, nos termos expostos no mesmo contrato, com todas as consequências legais em qualquer dos casos, condenando-se a A. reconvinda a restituir à ré reconvinte o valor de todas as rendas recebidas cujo montante se apurará em execução de sentença e ao qual será deduzido o montante de um milhão de escudos pagos a título de sinal.</font><br>
<br>
<b><font>31. </font></b><font>Após julgamento e produção de prova veio a ser proferida sentença (fls. 745/759) onde se considerou que o contrato-promessa de compra e venda é nulo por contrário à ordem pública e por ofender os bons costumes e, consequentemente, por força do disposto no artigo 289.º do Código Civil, decidiu-se que</font><br>
<br>
<font>a) os ora réus devem restituir à A. a quantia de 1.000.000$00 por esta entregue a título de sinal</font><br>
<br>
<font>b) a A. deve restituir aos RR o montante equivalente a todas as rendas que recebeu do prédio desde a assinatura do contrato-promessa.</font><br>
<br>
<b><font>32. </font></b><font>Foi interposto recurso da decisão pela autora.</font><br>
<br>
<b><font>33. </font></b><font>O acórdão da Relação (fls. 847/865) considerou que, no caso em apreço, “ paralisado por força de decisão judicial transitada em julgado o direito da A. ver especificamente executado o contrato-promessa de compra e venda do imóvel em causa, provado está que, no âmbito desse mesmo contrato, as partes efectuaram prestações recíprocas - pagamento do sinal, entrega da coisa, recebimento dos respectivos frutos etc. - que só tinham razão de ser se se viesse a concretizar o negócio prometido, inviabilizada de forma irreversível a concretização daquele, as consequências desse facto têm de ser equivalentes às derivadas da nulidade do negócio, fixadas no artigo 289.º do Código Civil. Ou seja, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado, inclusive os respectivos frutos, que no caso do sinal recebido pela promitente vendedora corresponde aos respectivos juros e no caso da promitente compradora corresponde ao valor das rendas recebidas deduzido do valor dos impostos e encargos obrigatórios que comprovar ter realizado. Procede, assim, mas apenas no que toca ao segmento da dedução dos impostos a argumentação da recorrente”.</font><br>
<br>
<b><font>34. </font></b><font>Foi, assim, julgado parcialmente procedente o recurso de apelação e, consequentemente, alterada a sentença recorrida, condenando-se as partes a restituir, operada a respectiva compensação na parte em que mesma é possível, tudo o que tiverem recebido por virtude do contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano sito na Rua […] em Lisboa.</font><br>
<br>
<b><font>35. </font></b><font>O abuso do direito, tal como a nulidade do negócio jurídico, constituem excepções em sentido impróprio porque são de conhecimento oficioso (artigos 285.º,286.º e 334.º do Código Civil) e, por conseguinte, o Tribunal pode ocupar-se delas ainda que não tenham sido suscitadas pelas partes (artigo 660.º/2 do C.P.C.).</font><br>
<br>
<b><font>36. </font></b><font>As excepções em sentido próprio, tal o caso da cláusula resolutiva tácita (artigos 802.º e 808.º do Código Civil) que se traduzem em matéria não excluída da disponibilidade das partes, constituem causa de reconvenção ( veja-se </font><i><font>Manual de Processo Civil</font></i><font>, Antunes Varela, 2ª edição, 1985, pág. 307).</font><br>
<br>
<b><font>37. </font></b><font>Por isso, no caso vertente, sustentando a ré a resolução do contrato com as consequências que indicou (restituição de todas as rendas recebidas dos inquilinos dos prédios até à presente data - 7/11/1997 - deduzido o montante do sinal pago), impunha-se-lhe a dedução do pedido reconvencional subsidiariamente invocado por, em seu entender, se impor primeiro a declaração de nulidade do contrato-promessa.</font><br>
<br>
<b><font>38. </font></b><font>A declaração de nulidade do negócio jurídico, precisamente porque é de conhecimento oficioso, não carecendo sequer de ser suscitada, não tem de ser pedida </font><i><font>expressis verbis, </font></i><font> mas nada obsta a que assim suceda, pois é preferível para as partes invocá-la e pedir o seu reconhecimento, alertando, assim, o Tribunal para tal questão.</font><br>
<br>
<b><font>39. </font></b><font>Se o pedido de reconhecimento e declaração de nulidade se inserir no âmbito de reconvenção onde se deduz pedido que, esse sim, carece de ser formulado e que é logicamente subsidiário ao de reconhecimento da nulidade do contrato, não se vê que daí possa resultar, em termos substantivos, qualquer diferença, continuando a impor-se o seu conhecimento oficioso.</font><br>
<br>
<b><font>40. </font></b><font>É também certo que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a questão da nulidade do contrato -promessa, que foi suscitada desde a contestação pela promitente vendedora, porque a houve por prejudicada, considerando que, no caso vertente, o abuso do direito do pedido de execução específica importava consequências equivalentes às derivadas do nulidade do negócio, fixadas no artigo 289.º do Código Civil.</font><br>
<br>
<b><font>41. </font></b><font>Ora, assim sendo, afigura-se evidente e lógico que a Relação não tinha de se pronunciar sobre a questão da nulidade do contrato-promessa, não relevando o facto de haver diversas interpretações jurídicas nas instâncias, o que traduz mera expressão da liberdade de qualificação jurídica ( artigo 664.º do C.P.C.).</font><br>
<br>
<b><font>42. </font></b><font>Um outro argumento da recorrente, também de cariz processual, é o de que só no âmbito do processo que foi julgado e onde se reconheceu o abuso do direito é que seria possível considerar a invocada nulidade enquanto consequência derivada do abusivo exercício do direito por parte da autora.</font><br>
<br>
<b><font>43. </font></b><font>Não é assim, porque isso traduzir-se-ia na preclusão do conhecimento de questões novas, por isso mesmo não tratadas, que, apesar de sequenciais, não deixam de ser autónomas a impor actividade judicativa própria. É que a sanção do acto abusivo “ é variável e deve ser determinada, consequentemente, caso por caso. Assim, uma vezes haverá lugar à reparação natural, nomeadamente através da remoção do que se fez com abuso do direito e nem sequer ela será forçosamente afectada pela natureza não patrimonial do dano causado pelo acto abusivo […]. Mas, para além da responsabilidade civil ou até a ela cumulada, poderá descobrir-se toda uma infinda gama de sanções que, essas sim, impedirão que o titular do direito abusivamente exercido obtenha ou conserve as vantagens que obteve com a prática do acto abusivo e o farão reentrar, em última análise, no exercício legítimo do direito: desde a nulidade, a anulabilidade, a inoponibilidade ou a rescindibilidade do acto ou negócio jurídico quando seja na sua prática que o abuso se verifique” (</font><i><font>Abuso do Direito</font></i><font>, Fernando Augusto Cunha de Sá, pág. 647, reimpressão de 1997).</font><br>
<br>
<b><font>44. </font></b><font>Os actos praticados com abuso do direito são passíveis de declaração de nulidade, sem dúvida, o que poderia levar a analisar o contrato-promessa outorgado entre as partes a fim de se verificar se a nulidade deve ser reconhecida por ter sido celebrado em termos tais que revela no respectivo clausulado uma actuação abusiva por parte de algum dos contratantes.</font><br>
<br>
<b><font>45. </font></b><font>No entanto, o acórdão recorrido não analisa o contrato-promessa tendo em vista verificar se sofre do vício da nulidade; o acórdão parte da ideia de que a execução específica do contrato-promessa está inviabilizada, atribuindo ao caso julgado um alcance absoluto no sentido de o contrato definitivo não </font><i><font>poder</font></i><font> ser celebrado; se não pode ser celebrado, tal significa que os efeitos a considerar são os próprios de um contrato-promessa nulo.</font><br>
<br>
<b><font>46. </font></b><font>Afigura-se-nos, porém, que o alcance do caso julgado não é o que o acórdão lhe atribui, pois o Tribunal limitou-se a reconhecer o abuso do direito do pedido de execução específica em que se pretendia vender pelo preço correspondente ao sinal entregue (ver fls. 157 dos autos), havido por irrisório considerado o valor do imóvel.</font><br>
<br>
<b><font>47. </font></b><font>E, como já se referiu, a decisão de 1ª instância, quando julga nestes autos procedente a excepção do caso julgado, não considera inviabilizada a execução específica do contrato por valor diverso, designadamente o que foi acordado inicialmente ( ver fls. 205).</font><br>
<br>
<b><font>48. </font></b><font>Não há de facto na decisão que levou à procedência da excepção do caso julgado nenhuma afirmação que nos permita concluir que a execução específica está </font><i><font>inviabilizada de forma irremediável</font></i><font> , o que equivale a dizer que ocorre uma impossibilidade de outorgar contrato prometido.</font><br>
<br>
<b><font>49. </font></b><font>Dizer isto não significa que não ocorra, na verdade, uma tal inviabilidade ou impossibilidade, mas, se assim sucede, não é por derivar do caso julgado. Importará atender a outras razões.</font><br>
<br>
<b><font>50. </font></b><font>Contrariamente ao entendimento da recorrente, o Tribunal da Relação podia considerar na presente acção o acórdão transitado em julgado que reconheceu o abuso do direito na acção que precedeu a presente, não sendo aplicável ao caso o disposto no artigo 522.º do C.P.C. Estamos face a um documento autêntico (acórdão transitado em julgado) que está junto aos autos, constituindo meio de prova atendível e sempre susceptível de ser valorizada como resulta do disposto nos artigos 515.º e 659.º/3 do C.P.C.</font><br>
<br>
<b><font>51. </font></b><font>Passemos então à apreciação do contrato-promessa (artigos 715.º/2 e 726.º do C.P.C.).</font><br>
<br>
<b><font>52. </font></b><font>A decisão de 1ª instância considerou que o contrato-promessa era nulo por contrário à ordem pública e por ofender os bons costumes (artigo 280.º/2 do Código Civil).</font><br>
<br>
<b><font>53. </font></b><font>A ordem pública, de acordo com a lição de Menezes Cordeiro que a decisão de 1ª instância seguiu, constitui um factor de limitação da autonomia privada que ocorre não apenas por via da imposição de normas jurídicas imperativas, mas também por princípios que “ correspondem a vectores não expressamente legislados, mas de funcionamento importante […]. São, assim, contrários à ordem pública, contratos que exijam esforços desmesurados ao devedor ou que restrinjam demasiado a sua liberdade pessoal ou económica” (</font><i><font>Tratado de Direito Civil</font></i><font>, Parte Geral, Tomo I, 1999, pág. 441).</font><br>
<br>
<b><font>54. </font></b><font>Também se invocou a lição de Baptista Machado quando refere que “ a ordem pública não só pode ser induzida de um conjunto de normas ou quadros normativos que imperativamente organizam as instituições jurídicas e de certos valores fundamentais com assento constitucional (por ex, a instituição familiar, a administração pública, a organização económica, os direitos fundamentais da dignidade e liberdade das pessoas, etc.), como pode ser a expressão da lógica intrínseca de uma instituição, ou ainda da ideia de ‘razoabilidade’ no sentido de que os americanos chama o </font>< | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bTKmu4YBgYBz1XKvKye5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- </font><u><font>No Tribunal Judicial da Comarca de Maia</font></u><font>, correu o presente processo de expropriação por utilidade pública em que é expropriante </font><b><font>E.P. Estradas de Portugal S.A.</font></b><font> e expropriada </font><b><font>AA</font></b><font>,</font><b><font> Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto </font></b><font>e que incidiu sobre uma parcela de terreno com a área total de 127 m2, pertencente ao prédio situado na freguesia de Moreira, concelho da Maia, inscrito na matriz rústica sob o art. ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00.../....</font><br>
<font> Inconformada com a decisão arbitral, a entidade expropriada recorreu para o supra-indicado tribunal, tendo-se aí, por sentença de 19-7-2010, após se reputar o tribunal, para além do mais, como competente em razão da matéria para conhecer do caso, se julgou parcialmente procedente o recurso interposto, fixando-se a justa indemnização em 9.525,00 €. </font><br>
<font> </font><br>
<font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a entidade expropriante de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.</font><br>
<font> Este Tribunal, por acórdão de 22-2-2011, </font><u><font>declarou incompetente, em razão da matéria, o Tribunal Comum (Tribunal Judicial da Maia)</font></u><font>, considerando competente o foro administrativo, pelo que se absteve de conhecer do mérito da causa. </font><br>
<font> 1-3- Irresignada com esta decisão, dela recorreu a expropriada AA, Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª- A parcela de terreno a expropriar não se pode haver como terreno adstrito ao domínio público, </font><br>
<font> 2ª - por ter sido, previamente aos presentes autos, expropriado pela, aqui, expropriada, por causa de utilidade pública; </font><br>
<font> 3ª - Por isso não se caracteriza pelos princípios da incomercialidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade; </font><br>
<font> 4ª - Os imóveis do domínio público são os classificados pela Constituição ou pela lei e cuja titularidade pertence ou ao Estado, ou às Regiões Autónomas ou às autarquias locais; </font><br>
<font> 5ª - A expropriada, sendo uma associação de municípios não é, seguramente, Estado, Região Autónoma ou autarquia local; </font><br>
<font> 6ª - Não pode, por isso, ser titular de bens imóveis do domínio público; </font><br>
<font> 7ª - É proprietária do terreno onde se insere a parcela expropriada que pertence, portanto, ao domínio privado e está, assim, no comércio jurídico sem as restrições que enformam os bens do domínio público; </font><br>
<font> 8ª - Aliás, a dita parcela nem sequer está adstrita à utilidade pública para que foi expropriada, dado que a dimensão do terreno que teve de expropriar excedeu, contra sua vontade, aliás, as necessidades públicas que visava satisfazer; </font><br>
<font> 9ª - A expropriante é uma empresa pública, de capitais exclusivamente públicos, que, nos termos do regime do sector empresarial do Estado e das bases gerais do estatuto das empresas públicas, se rege pelo direito privado, </font><br>
<font> 10ª - pelo qual também se regem, afinal, as entidades públicas empresarias; </font><br>
<font> 11ª - Mesmo que os presentes autos tratassem, como supõe o Tribunal recorrido, de uma mutação dominial de um bem do domínio público, ainda assim, por força do estatuído no art. 6° do Código das Expropriações, seria competente o tribunal comum, nos termos do seu art. 38°; </font><br>
<font> 12ª- É que o que está em causa não é qualquer litígio, mas uma arbitragem, “••• com recurso para os tribunais comuns" com vista a encontrar, conforme os casos, ou o valor da indemnização, tratando-se de expropriação, ou da compensação, tratando-se de transferência de domínio de um imóvel do domínio público; </font><br>
<font> 13ª- Daí que não faça sentido subsumir a questão à previsão do art. 4°, 1, j), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; </font><br>
<font> 14ª - Aliás, da matéria dada como provada não resulta, nem podia resultar, porque não se provaram factos que a tal conduzissem, a conclusão de que a parcela expropriada tem a natureza de bem do domínio público, seja ele qual for, </font><br>
<font> 15ª - antes resulta, sem margem para dúvidas, que se trata de um imóvel do domínio privado da expropriada; </font><br>
<font> 16ª- Decidindo diversamente, o douto Acórdão recorrido violou, salvo o devido respeito, pelo menos, o disposto nos artigos 38°, 1 e 6°, do Código das Expropriações e 4°, 1, j), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Não foram produzidas contra-alegações.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas a questão que ali foi enunciada (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, será o seguinte o tema a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se serão competentes, em razão da matéria, para conhecer da presente expropriação os tribunais administrativos ou, antes, se o serão os tribunais comuns.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> 1- Por Despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, de 2 de Junho de 2006, publicado no Diário da República nº 120, 2ª série, de 23 de Junho de 2006, foi declarada a utilidade pública da expropriação, com carácter de urgência, da parcela de terreno nº 38N.2, com a área de 127 m2, a destacar de um prédio situado na freguesia de Moreira, concelho da Maia, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº 00.../....</font><br>
<font> 2- Na Conservatória do Registo Predial o prédio do qual foi destacada a parcela de terreno expropriada encontra-se descrito como constituído por terreno de pinhal e eucaliptal, sito no lugar de G..., com a área total de 10.930m2, a confrontar do Norte com BB, do Sul com limite da Freguesia, do Nascente C.P. e do Poente com CC.</font><br>
<font> 3- A expropriante tomou posse administrativa da parcela expropriada em 23 de Outubro de 2006.</font><br>
<font> 4- A parcela de terreno expropriada situa-se sobre o talude do IC24, perfazendo uma área total de 127m2, de configuração triangular e já descaracterizada pela obra, fazendo parte do complexo da AA, com acesso pela parte sobrante do prédio. </font><br>
<font> 5- Do norte a parcela de terreno expropriada confronta com a parte sobrante, do sul e do nascente com o IC24 (no último caso, em bico) e do poente com o talude da via de acesso ao IC24. </font><br>
<font> 6- A parte sobrante do prédio onde se insere a parcela de terreno expropriada estende-se também pelos lados norte e sul do IC24, bem como pelos lados nascente e poente da via de acesso ao IC24.</font><br>
<font> 7- Além do IC24 e respectiva via de acesso pavimentada a betuminoso, existe ainda do lado Norte da parcela de terreno expropriada a Rua de Merouços, constituída por pavimento a betuminoso e cubos de granito com passeios, bem como redes públicas de abastecimento de água, saneamento, energia eléctrica, águas pluviais, gás e rede telefónica. </font><br>
<font> 8- A Rua de Merouços é marginada por moradias do tipo unifamiliar de dois pisos. </font><br>
<font> 9- De acordo com o PDM do Concelho da Maia em vigor à data da declaração de utilidade pública, a parcela expropriada encontra-se inserida em "Espaço Não Urbanizável -Área Agro-Florestal". </font><br>
<font> 10- O prédio onde se insere a parcela expropriada foi adjudicado à expropriada AA por via de processo de expropriação que correu termos no 4° Juízo deste Tribunal sob o nº 429/1997, sendo a declaração de utilidade pública de 07/06/1996 e estando então em causa a área de 9.122 m2. </font><br>
<font> 11- Neste processo a parcela então expropriada foi avaliada como sendo solo apto para construção. </font><br>
<font> 12- Nesse prédio a AA edificou uma Central de Incineração de Resíduos Sólidos e Aterro Sanitário de Apoio, dotada de via privada de acesso. </font><br>
<font> 13- De acordo com o PDM do Concelho da Maia, a parte do aludido prédio especificamente destinada à Central de Incineração situa-se em área urbanizável, classificada de "Equipamento Estruturante" </font><br>
<font> Nos termos do artigo 659º nº3, do CPC, a Relação entendeu acrescentar o seguinte:</font><br>
<font> 14- "a qualificação referida na alínea m) (aqui em 13) consta do relatórios dos peritos nomeados no âmbito desse processo" (cfr. sentença proferida no processo mencionado na alínea j) desta decisão" onde de diz " cfr. relatório dos Srs. Peritos"). </font><br>
<font> 15- Nesse processo a aqui expropriante não foi parte. </font><br>
<font> 16- Nos termos do mesmo normativo legal é, ainda, de mencionar que a expropriação que se discute nos presentes autos teve por objecto a execução da obra da Scut do Grande Porto A41/IC24 - Lanço: Freixeiro/Alfena. -----------------</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-3- O douto acórdão recorrido, sem que qualquer das partes tenha suscitado a questão, entendeu oficiosamente considerar os tribunais comuns como incompetentes, em razão da matéria, para apreciar o objecto da presente expropriação, por entender serem competentes para tal, os tribunais administrativos.</font><br>
<font> Para esta decisão, em síntese, considerou que ambas as partes são pessoas colectivas de direito público cujo escopo é a prossecução de interesses públicos. “</font><i><font>Assim e independentemente de saber se o procedimento de expropriação adoptado foi o correcto, face ao preceituado na Base XVII, nº 3 anexa ao D-L 319/94 e artigo 6º do CE, porquanto não se trata de conflito entre interesse privado e um interesse público, mas de dois interesses públicos, ante o que ficou dito, o tribunal comum não é competente para dirimir o conflito. Com efeito, o art. 4º nº 1 al. j) da Lei 13/2002 de 19-02 estabelece que “compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham … por objecto relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes compete prosseguir</font></i><font>”. Por isso, considerou a incompetência absoluta dos tribunais comuns para apreciar da questão, com a consequente absolvição da instância da requerida (expropriada), nos termos do art. 105º nº 1 do C.P.Civil.</font><br>
<font> Por sua vez, a recorrente expropriada, discordando deste entendimento, defende que os imóveis do domínio público são os classificados pela Constituição ou pela lei e cuja titularidade pertence ou ao Estado, ou às Regiões Autónomas ou às autarquias locais. A expropriada, sendo embora uma associação de municípios não é Estado, Região Autónoma ou autarquia local, pelo que não poderá ser titular de bens imóveis do domínio público. É antes proprietária do terreno onde se insere a parcela expropriada que pertence, assim, ao domínio privado e está, por isso, no comércio jurídico sem as restrições que enformam os bens do domínio público. Por outro lado, a expropriante é uma empresa pública, de capitais exclusivamente públicos que, nos termos do regime do sector empresarial do Estado e das bases gerais do estatuto das empresas públicas, se rege pelo direito privado, pelo qual também se regem, afinal, as entidades públicas empresarias. Mesmo que os presentes autos tratassem, como supõe o Tribunal recorrido, de uma mutação dominial de um bem do domínio público ainda assim, por força do estatuído no art. 6º do Código das Expropriações, seria competente o tribunal comum, nos termos do seu art. 38°. É que o que está em causa não é qualquer litígio, mas uma arbitragem “com recurso para os tribunais comuns" com vista a encontrar, conforme os casos, ou o valor da indemnização, tratando-se de expropriação, ou da compensação, tratando-se de transferência de domínio de um imóvel do domínio público. Daí que não faça sentido subsumir a questão à previsão do art. 4°, 1, j), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Aliás, da matéria dada como provada não resulta, nem podia resultar, porque não se provaram factos que a tal conduzissem, a conclusão de que a parcela expropriada tem a natureza de bem do domínio público, seja ele qual for, antes resultando, sem margem para dúvidas, que se trata de um imóvel do domínio privado da expropriada. Pelo exposto, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 38º nº 1 e 6°, do Código das Expropriações e 4°, 1, j), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.</font><br>
<font> Vejamos:</font><br>
<font> Com ponto prévio, diremos que como se refere no acórdão deste STJ de 14-5-2009 (</font><i><font>in</font></i><font> www. dgsi.pt.jstj.nsf) de que foi relator o relator do presente acórdão, a propósito da aplicação da lei no tempo em matéria de expropriações, este Supremo tem entendido, de forma reiterada que, no tocante ao direito substantivo (incluindo a fixação do montante da justa indemnização), será aplicável à expropriação por utilidade pública, a lei vigente à data do acto expropriativo, ou seja, a vigente aquando da publicação da declaração de utilidade pública no Diário da República (art. 12º, nº 1, do C.Civil). Já no que toca ao direito adjectivo (mormente a admissibilidade de recursos), vale o princípio da aplicação imediata da nova lei. </font><br>
<font> Serve isto para dizer que, dado o objecto do recurso e a data em que foi instaurado o presente processo expropriativo, se devem aplicar ao caso as regras adjectivas constantes do C. das Expropriações de 1999 (Lei 168/99 de 18/9).</font><br>
<br>
<font> A competência em razão da matéria aqui e agora controvertida, “</font><i><font>deriva da competência das diversas espécies de tribunais dispostos horizontalmente, isto é, no mesmo plano, não havendo entre elas uma relação de supra-ordenação e subordinação</font></i><font>”, sendo que “</font><i><font>na definição desta competência a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objecto encarado sob o ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada. Trata-se pois de uma competência ratione materiae. A instituição de diversas espécies de tribunais e da demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<p><font> O art. 18º da LOFTJ (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, Lei 3/99 de 13/1, aplicável ao caso vertente) estabelece que as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais. É que os tribunais judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não descriminada, gozando os demais, competência em relação às matérias que lhes são especialmente cometidas. A competência dos tribunais judiciais determina-se, pois, por um critério residual</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estiverem conferidas aos tribunais de competência especializada. Em sentido idêntico estipula o art. 66º do C.P.Civil que “</font><i><font>são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional</font></i><font>”. Na mesma direcção aponta o art. 211º nº 1 da Constituição da República Portuguesa ao estabelecer que “</font><i><font>os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Por outro lado e no que toca à competência dos tribunais administrativos, estabelece o art. 212º nº 3 da Constituição que “</font><i><font>compete aos tribunais administrativos e fiscais os julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais</font></i><font>”. Em sentido idêntico estabelece o art. 1º nº 1 do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Lei 13/2002 de 19/2 – com as alterações pela Lei 4-A/2003 de 19/2 e 107-D/2003 de 31/12) que “</font><i><font>os tribunais administrativos e fiscais são os órgãos de soberania com competência administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Quer dizer, face aos ditos arts. 1º nº 1 do ETAF e ao 212º nº 3 da Constituição, a competência dos tribunais administrativos e fiscais, dependerá da ponderação sobre se está, ou não, perante pleitos derivados de relações jurídicas administrativas (e fiscais), sendo que só no primeiro caso tal competência se verificará.</font>
</p><p><font> E o que constituirá uma relação jurídica administrativa?</font>
</p><p><font> Como refere Mário Aroso de Almeida (</font><i><font>in </font></i><font>Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, pág. 57) “</font><i><font>as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis</font></i><font>”. Ou seja, segundo cremos, serão relações jurídicas administrativas as derivadas de actuações materialmente administrativas, praticadas por órgãos da Administração Pública ou equiparados. Por sua vez os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (</font><i><font>in </font></i><font>Constituição Anotada, 3ª edição, 815) referem a respeito de tais relações que “</font><i><font>esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1- as acções e recursos que incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente) da administração; 2 – as relações controvertidas são reguladas sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza privada ou jurídico civil. Em termos positivos, um litígio emergente da relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal</font></i><font>”. No acórdão do STA de 3-11-04 (</font><i><font>in </font></i><font>www.dgsi.pt.jsta.nsf), invocando-se o Prof. Freitas do Amaral (Lições de Direito Administrativo, edição 1989, Vol. III, págs. 439, 440) definiu-se a relação jurídica administrativa como “</font><i><font>aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante particulares, ou aquela que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Concretizando o âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos, exemplificativamente</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> estabelece o art. 4º nº 1 do ETAF que “</font><i><font>compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto…</font></i><font>”, procedendo depois à enunciação de diversas situações, dentre as quais salientaremos a alínea al. j) do ETAF (</font><u><font>disposição que a Relação invocou</font></u><font> para considerar competentes para conhecer do objecto dos presentes autos, os tribunais administrativos) “</font><i><font>relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito de interesses que lhes cumpre prosseguir</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Numa primeira abordagem à questão diremos desde logo que o objecto do presente processo não tem propriamente a ver com qualquer litígio entre pessoas colectivas, antes se prosseguindo nele a fixação da justa indemnização (arts. 1º e 23º do C. Exp.) e, como iremos ver melhor à frente, aqui a Administração actua já despida da sua veste autoritária para se colocar em situação de igualdade perante o particular. </font>
</p><p><font> Talvez em razão desta circunstância e por se tratar claramente de matéria do âmbito do direito privatístico</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, o legislador decidiu atribuir, expressamente, a competência para a fixação da indemnização em resultado de uma expropriação, aos tribunais comuns, pelo que face a esta regra específica</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>, sempre aquela invocada norma (art. 4º nº 1 al. j) do ETAF), deverá ser afastada.</font>
</p><p><font> Como se sabe, a expropriação tem duas fases. A primeira de carácter eminentemente administrativo, de natureza procedimental e como tal, sujeita ao foro dos Tribunais Administrativos</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>. A segunda, de natureza judicial, com vista à fixação da justa indemnização, que só surge quando não exista acordo entre o expropriante e expropriado e que seguirá os trâmites do C. das Expropriações. </font>
</p><p><font> E face a este diploma a competência para a fixação da indemnização (por arbitragem) </font><u><font>é dos tribunais comuns</font></u><font>, como estabelece, </font><u><font>de modo expresso</font></u><font>, o art. 38º nº 1. Esta mesma competência decorre, igualmente, do que dispõe o art. 51º que estipula que a entidade expropriante deve remeter o processo </font><u><font>ao tribunal da comarca da situação dos bens expropriados</font></u><font> para os efeitos aí determinados e do art. 52º, todos do C. das Expropriações (de 1999), que estabelece as regras de recurso da decisão arbitral e as consequentes decisões </font><u><font>do juiz da comarca</font></u><font>.</font>
</p><p><font> A este propósito referiu-se apropriadamente no acórdão deste STJ de 30-4-2002 (</font><i><font>in</font></i><font> www. dgsi.pt.jstj.nsf) que “</font><i><font>…a expropriação por utilidade pública reveste dois aspectos: um, que se prende com o Direito administrativo, e o outro, que se prende com o Direito civil. O primeiro é o que se revela nos procedimentos destinados à elaboração da declaração de utilidade pública da expropriação e à concretização desta, que terá lugar mesmo contra a vontade do expropriado, forçado, por motivos de interesse público, a submeter-se aos poderes de autoridade da Administração, que o pode privar, por tais motivos, do seu direito de propriedade; nessa fase encontramo-nos, na verdade, no domínio das relações jurídicas administrativas, isso mesmo se revelando nos termos do nº2 do art. 10º, até ao art. 20º, do Código das Expropriações de 1991, que procuram abreviar a fase conducente à investidura administrativa na posse dos bens. Atingido, porém, esse desiderato, isto é, efectuada a posse administrativa, como se vê do art. 21º do mesmo diploma, passa-se à fase seguinte, que é a da determinação do montante concreto da indemnização; e esta tem de ser a indemnização justa, como se refere nos art.s 1º e 22º desse Código, o que só por si já demonstra que não nos encontramos então perante uma relação jurídica administrativa... Quer dizer: no tocante à extinção do direito de propriedade sobre os bens que lhe pertenciam e ao nascimento do direito de propriedade da entidade expropriante sobre eles, está o expropriado sujeito aos poderes de autoridade da Administração, que actua precisamente no exercício desses poderes, pelo que nos encontramos então no domínio das relações jurídicas administrativas; mas já não o está quanto ao aspecto da determinação concreta do montante indemnizatório, em que a Administração actua despida da sua veste autoritária para se colocar em situação de igualdade perante o particular no litígio judicial destinado à fixação daquele montante, pelo que, nessa fase, já não nos encontramos no domínio das relações jurídicas administrativas. É esta a hipótese dos autos, que apenas foram remetidos ao Tribunal da comarca para determinação do valor da indemnização por falta de acordo quanto a este, sendo que os expropriados não tinham que se sujeitar ao valor que a Administração lhes pretendia pagar precisamente por, a este respeito, não serem reconhecidos à Administração poderes de autoridade. Daí que se entenda não estarmos perante um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa… conduzindo à competência em razão da matéria do Tribunal da comarca …</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Quer isto dizer e para o que aqui importa, que na segunda face (para atribuição da indemnização ou compensação</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>), a Administração actua já despida da sua veste autoritária para se colocar em situação de igualdade perante o particular e, por isso, entende-se ser adequado a remessa dos autos ao tribunal comum para determinação do respectivo valor da indemnização, pois dada essa situação de paridade, o expropriado não tem que se sujeitar ao valor que a Administração lhe pretende pagar.</font>
</p><p><font> Mesmo na hipótese a que alude o art. 6º nº 1 do C. das Expropriações, em que se estabelece que as pessoas colectivas de direito público têm direito a ser compensadas dos prejuízos efectivos resultantes da afectação definitiva dos bens do domínio público a outros fins de utilidade pública, essa mesma norma estipula que a respectiva compensação deve ser determinada por arbitragem nos termos do mesmo diploma (com as necessárias adaptações – nº 2 do mesmo artigo). Significa isto que remetendo o dispositivo para os termos do diploma, face à disposição legal já indicada (art. 38º nº 1), deve-se concluir que serão competentes os tribunais comuns, não só para a fixação do valor da indemnização, mas também para atribuição do valor da compensação em caso de pessoas colectivas de direito público (em que haverá somente transferência de domínio).</font>
</p><p><font> Como se assinala no acórdão deste STJ de 30-4-2002 já invocado, desde a entrada em vigor da primeira lei sobre o processo expropriativo (a Lei de 23 de Julho de 1850), sempre se atribuiu a competência para a fixação da indemnização, aos tribunais comuns, por se considerarem mais adequados à defesa dos direitos dos expropriados. Veja-se, por exemplo, o que em momentos mais recentes estabeleceram os arts. 37º do Dec-Lei 438/91 de 9/11 (C. Expropriações de 1991) e 46º nº 1 do Dec-Lei 845/76 de 11/12 (C. Expropriações de 1976). Ambas estas disposições são claras em atribuir a competência para a fixação da indemnização aos expropriados, aos tribunais comuns.</font>
</p><p><font> No processo 4197/08.3TBMAI.P1.S1, expropriação que tem como sujeitos os mesmos do caso vertente, a Relação do Porto, de igual modo, entendeu atribuir a competência em razão da matéria aos tribunais administrativos. Este STJ, através de recurso interposto pela expropriada, já se pronunciou sobre a questão tendo, por acórdão de 6-7-2011</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>, decidido outorgar, igualmente como o presente acórdão, a competência aos tribunais comuns.</font>
</p><p><font> Por tudo o exposto se conclui que o acórdão recorrido merece revogação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III- Decisão:</font></b>
</p><p><font> Por tudo o exposto, concede-se a revista declarando-se o foro comum, o competente materialmente para conhecer do objecto dos autos, revogando-se o acórdão recorrido e ordenando-se a remessa ao Tribunal da Relação para apreciação do mérito da apelação.</font>
</p><p><font> Sem custas.</font>
</p><p><font> Lisboa, 17 de Janeiro de 2010.</font><br>
<br>
<br>
<font>Garcia Calejo (Relator) </font><br>
<br>
<font>Helder Roque</font><br>
<br>
<font>Gregório Silva Jesus</font><br>
</p></font><p><font><font>_______________________________________________</font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 94</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Critério residual que, porém, não terá no presente caso aplicação, face à atribuição de competência, por uma norma específica, aos tribunais comuns para apreciação do objecto do presente processo, como iremos ver à frente.</font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Esta circunstância é denunciada pelo emprego na norma, da expressão «nomeadamente»</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Fixação de uma indemnização ao lesado, normalmente, em razão da extinção do direito de propriedade sobre a coisa expropriada. Está, pois, em evidência a determinação do montante indemnizatório (qual o valor do bem em causa), não se colocando em causa o interesse colectivo prosseguido pela entidade expropriante com a expropriação.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Note-se que no ETAF não existe qualquer norma jurídica que, expressamente, atribua ao foro administrativo a fixação de indemnização em razão de uma expropriação.</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> Fase que culmina com a declaração de utilidade pública da expropriação e consequente investidura administrativa na posse dos bens.</font><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> Vide | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bTKtu4YBgYBz1XKvxS1Y | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><b><font>I.</font></b><br>
<b><font> Relatório:</font></b><br>
<font> Por sentença proferida no 5º Juízo Criminal do Tribunal Criminal de Lisboa, AA – Companhia de Seguros, S. A., foi condenada a pagar a BB “despesas médicas e hospitalares, medicamentosas e de deslocações para tratamentos e consultas na quantia que se apurar a final e em execução de sentença”.</font><br>
<font> Munido de tal título, o credor requereu a prévia liquidação da dívida nos Juízos de Execução de Lisboa, com vista a obter da Seguradora o pagamento de 128.914,48 € e juros.</font><br>
<font> Esta deduziu oposição a tal pretensão, reconhecendo dever ao exequente 1.261,91 €, correspondentes ao pagamento dos serviços clínicos de uma intervenção cirúrgica, para correcção de cicatrizes, com ferida aberta, e disponibilizando-se para pagar uma indemnização não excedente ao montante de 15.000 €.</font><br>
<font> A final, foi proferida sentença a determinar o prosseguimento a execução para pagamento da quantia total de 69.331,04 €, acrescida de juros legais, desde a citação, relativa a despesas médicas e hospitalares, medicamentosas e deslocações para tratamentos e consultas já gastas ou a gastar pelo exequente.</font><br>
<font> Inconformada, a Seguradora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
<font> Sem êxito, porém, na medida em que viu o julgado inteiramente confirmado.</font><br>
<font> Continuando no mesmo estado de espírito, por mor da confirmação do sentenciado na 1ª instância, pede, ora, revista, a coberto das seguintes conclusões:</font><br>
<font>1 – A sentença proferida no processo-crime, donde esta execução decorre, relegou para liquidação em execução de sentença, as despesas médicas de que o exequente viesse a necessitar. </font><br>
<font>2 – Relegou, ainda, para liquidação em execução de sentença, as despesas hospitalares e medicamentosas que o exequente viesse a ter necessidade de fazer. </font><br>
<font>3 – E, por último, as despesas de deslocação que o exequente viesse a fazer para tratamentos e consultas. </font><br>
<font>4 – Foram estas, e só estas, as despesas que foram relegadas para liquidação e não outras. </font><br>
<font>5 – Não foram, assim, relegadas para liquidação em execução de sentenças as despesas com tratamentos, com fisioterapia ou natação. </font><br>
<font>6 – É entendimento da Recorrente que as despesas com tratamentos, fisioterapia e natação não fazem parte da parte decisória da sentença da acção declarativa – entendido, por analogia, o processo comum singular. 7 – Entende, quer o Tribunal da 1ª instância, quer o Tribunal da Relação, ora recorrido, que tanto as despesas de fisioterapia como as despesas de natação, revestem a natureza médica (</font><i><font>sic</font></i><font>). </font><br>
<font>8 – É entendimento da ora Recorrente que tais despesas não revestem a natureza médica mas, antes, despesas de tratamento complementar a actos de medicina. </font><br>
<font>9 – Assim, será despesa médica o pagamento de uma cirurgia a uma fractura mas, já não, as sessões de fisioterapia que lhe possam ser consequência. </font><br>
<font>10 – As despesas com a saúde são uma coisa; as despesas por actos medicamente receitados são coisa bem diferente. </font><br>
<font>11 – Quando se vai à farmácia comprar um medicamento não se faz uma despesa médica mas, sim, uma despesa de saúde. </font><br>
<font>12 – Coisa bem diferente é, por exemplo, o pagamento de uma consulta a um médico, a qual deverá ser entendida como despesa médica, tal como o medicamento que seja receitado. </font><br>
<font>13 – Não já, assim, uma despesa com fisioterapia porque, e como sucede bastas vezes, ela não tem suporte médico mas, apenas, a necessidade de tratar do que esteja afectado na saúde ou não. </font><br>
<font>14 – Por todas estas razões, deverão entender que, quer as despesas de fisioterapia, quer as de natação, não estão abrangidas na sentença da acção comum singular na parte a liquidar. </font><br>
<font>15 – E, não estando, as mesmas não poderiam ter sido liquidadas. </font><br>
<font>16 – O exequente, conforme decorre dos autos, entre a data do acidente e a data da instauração da execução, não efectuou qualquer tratamento de reabilitação, quer fazendo fisioterapia, quer tendo aulas de natação. </font><br>
<font>17 – O exequente não deverá ter, assim, direito ao recebimento das despesas de fisioterapia e de natação, devendo o acórdão ser revogado, nesta parte. </font><br>
<font>18 – Ainda que se entenda que as despesas de fisioterapia e natação estão abrangidas na sentença da acção de processo comum singular por se entender serem despesas médicas, ainda, assim, as quantias liquidadas são excessivas, por violação do disposto no artigo 494º do Código Civil. 19 – A quantia de 54.480,00 euros, respeitante à fisioterapia, deverá ser reduzida para 30.000,00 euros, por ser recebida por antecipação e de uma só vez. </font><br>
<font>20 – Pelas mesmas razões, deverá a quantia de 6.480,00 euros, respeitante à natação, ser reduzida para 4.000,00 euros. </font><br>
<font>21 – Ao decidir, como decidiu, o acórdão da Relação violou o decidido quanto à matéria a liquidar no processo-crime, e ainda, as disposições dos artigos 494º do Código Civil e o artigo 668º do Código de Processo Civil. </font><br>
<font>O Recorrido contra-alegou, defendendo a improcedência da pretensão da Recorrente.</font><br>
<b><font>II.</font></b><br>
<b><font> As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
<font>1 – O exequente já despendeu a quantia de € 1.261,91, referente ao pagamento dos serviços clínicos de uma intervenção cirúrgica, para correcção, com ferida cíclica aberta.</font><br>
<font>2 – No que refere às despesas médicas e medicamentosas o exequente já despendeu a quantia de € 1.153,13.</font><br>
<font>3 – No que se refere aos honorários da médica assistente da cirurgia referida o exequente irá despender a quantia de € 1.573,00.</font><br>
<font>4 – Acrescido do montante de € 363,00 para o pagamento da anestesia geral.</font><br>
<font>5 – O exequente terá ainda que despender a quantia de € 5.700,00 em operação cirúrgica para libertação do cotovelo</font><br>
<font>6 – O exequente tem necessidade de efectuar fisioterapia e natação.</font><br>
<font>7 – O exequente na fisioterapia despende por sessão a quantia de € 50,00 e na natação a quantia de € 27,00 mensais.</font><br>
<font>8 – O exequente no decorrer da sua vida deverá efectuar fisioterapia durante um período mínimo de 10 anos, com duas sessões semanais, pelo que irá despender a quantia de € 48.000,00.</font><br>
<font>9 – O exequente terá de efectuar natação durante um período de 20 anos pelo que irá despender a quantia de € 6.480,00.</font><br>
<font>10 – O elevado sofrimento psicológico do exequente, por se sentir uma pessoa diferente daquela que era antes do acidente, exige que seja submetido a um tratamento psicológico, durante o período mínimo de 1 ano, com duas sessões semanais.</font><br>
<font>11 – Pelo tratamento descrito no número anterior o exequente terá de despender pelo menos a quantia de € 4.800,00.</font><br>
<font> </font><b><font>III.</font></b><br>
<b><font> </font></b><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<font> De um modo geral, a Recorrente repete aqui as mesmas questões colocadas na apelação: saber se o título executivo (sentença proferido no âmbito de um processo-crime) comporta o pagamento de despesas com tratamentos, com fisioterapia ou natação, se as quantias liquidadas, por excessivas, devem ser reduzidas, nos termos do disposto no artigo 494º do Código Civil, e, finalmente, se a decisão recorrida é nula.</font><br>
<font> Lógica e metodologicamente, teremos de começar pela análise deste último ponto, em obediência, aliás, ao preceituado no artigo 660º, nº 1, do Código de Processo Civil.</font><br>
<font> Ao contrário do que aconteceu no âmbito da apelação, onde a Recorrente apelidou a sentença de nula, por violação do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, agora limitou-se a dizer simplesmente que o acórdão impugnado violou o artigo 668º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font> A apreciação das nulidades da decisão está, de um modo geral, dependente da arguição das partes (nº 3 do artigo 668º do Código de Processo Civil).</font><br>
<font> Desta forma, não tendo a Recorrente indicado, como lhe competia, a nulidade concreta que, eventualmente, tenha sido cometida (não necessariamente coincidente com a apontada à decisão da 1ª instância), resta-nos apenas manifestar a impossibilidade de pronúncia sobre este ponto, atenta a apontada especificidade de arguição deste tipo de nulidades.</font><br>
<font> Passemos à apreciação da pretensão da Recorrente de ver reduzida a indemnização, atento o teor do artigo 494º do Código Civil (limitação da indemnização no caso de mera culpa).</font><br>
<font> Como sabido, o fim do incidente da liquidação é obter uma condenação líquida. “Não havendo elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, …” – di-lo, de forma clara o nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font> A liquidação da sentença só visa concretizar o objecto da condenação, com respeito pelo caso julgado decorrente da acção declarativa.</font><br>
<font> Ora, nesta acção já foram fixados os parâmetros pelos quais a indemnização há-de ser encontrada: resta, pois, aqui e agora, respeitando-os, apurar a extensão dos danos sofridos.</font><br>
<font> Isto mesmo, de resto, foi bem sublinhado no acórdão impugnado:</font><br>
<font> “Apurados os concretos custos das despesas médicas em referência, não há fundamento para operar a sua redução, através da ponderação de quaisquer outros factores.</font><br>
<font> Neste tocante, a decisão condenatória já transitou em julgado, não tendo sido nela ponderada a aplicabilidade do art. 494º do Código Civil – podendo tê-lo sido”.</font><br>
<font> Se o julgador tivesse querido reduzir o montante indemnizatório, em obediência a critérios de equidade, tê-lo-ia dito, de forma a não deixar dúvidas (por exemplo: o montante indemnizatório será, contudo, reduzido até ao limite de tanto, por aplicação do preceituado no artigo 496º, nº 3, do Código Civil).</font><br>
<font> Então, em sede de liquidação, apurar-se-iam os danos efectivamente sofridos, mas o montante global seria, em obediência ao caso julgado, reduzido até ao limite previamente fixado.</font><br>
<font> Não foi isso que aconteceu; logo, em respeito pelo julgado, há que liquidar o montante global dos danos, sem qualquer espécie de restrição.</font><br>
<br>
<font>Demonstrada a sem razão da Recorrente em relação às questões expostas, resta-nos, por último, apreciar a bondade da argumentação (já repetida) respeitante à delimitação da obrigação exequenda.</font><br>
<font> Tal como fez perante a Relação de Lisboa, a Recorrente vem aqui dizer que o título não contempla o pagamento de despesas com fisioterapia e com natação.</font><br>
<font> Na tentativa meritória de interpretar o “título”, a Relação fez uma exegese ao que foi sentenciado no Tribunal Criminal de Lisboa, acabando por concluir que a sentença condenatória “ao distinguir entre «despesas médicas e hospitalares» e «deslocações para tratamentos e consultas» não pretendeu excluir do seu âmbito todos os tratamentos a que o exequente devesse vir a ser sujeito e cuja necessidade fosse devidamente certificada por expressa indicação médica.</font><br>
<font> E, logo de seguida, explicou-se:</font><br>
<font>“A prescrição por um médico fisiatra de determinado plano de reabilitação e tratamento deu obviamente lugar a custos relacionados com a salvaguarda da saúde do exequente – gravemente afectada pelo acidente </font><i><font>sub judice</font></i><font> – que terão inevitavelmente que ser integrados no conceito de despesas médicas a suportar pela entidade seguradora”.</font><br>
<font>E repetiu o argumento a respeito das sessões de natação:</font><br>
<font>“O mesmo se diga relativamente às sessões de natação (hidroginástica) que se impõem, naturalmente, como indispensáveis para obviar à atrofia muscular do sinistrado”.</font><br>
<font>Deste modo, acabou por concluir que “não faria sentido algum que fosse abrangido, no âmbito do judicialmente decidido, o pagamento dos custos dos transportes para os tratamentos – como reconhece a executada – e não estes últimos – exigíveis no sentido da possível reabilitação do paciente, através da competente e idónea prescrição médica”, rematando, ainda, que “tendo ficado provado que o exequente tem necessidade de efectuar fisioterapia e natação</font><i><font>,</font></i><font> sendo tais tratamentos resultado de prescrição médica, é óbvio que estamos perante verdadeiras despesas médicas para os concretos e específicos efeitos da condenação ilíquida proferida”.</font><br>
<font>O acerto de todos estes considerandos, a justificar plenamente a falência da pretensão da Recorrente, não nos impede de dizer algo mais, pouco que seja.</font><br>
<font>Como observa, com toda a pertinência, Paula Costa e Silva, deve-se interpretar a parte decisória da sentença, “tomando-se em consideração os seus antecedentes lógicos, a saber a fundamentação”, sem deixar de ter em conta “outras circunstâncias, mesmo posteriores à respectiva elaboração, que são qualificados como meios auxiliares” (</font><i><font>Acto e Processo</font></i><font>, páginas 64 e 65).</font><br>
<font>Pegando nesta ideia, com a qual concordamos, é </font><i><font>mister</font></i><font> não esquecer que, no caso presente, a obrigação da Recorrente resulta de uma condenação do seu segurado, em processo-crime, derivada de responsabilidade civil extracontratual, por ela assumida, por mor de contrato de seguro celebrado, no âmbito do seguro obrigatório.</font><br>
<font>Obrigação de indemnização, portanto, esta que nos ocupa e preocupa. Que encontra consagração, ao nível do direito positivo, no artigo 562º do Código Civil: “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.</font><br>
<font>Estabelece-se neste preceito legal o dever de reposição das coisas ao estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano.</font><br>
<font>Para que a obrigação de indemnizar nasça é necessário, além do mais, que se prove o nexo causal, a que alude o artigo 563º do Código Civil.</font><br>
<font>O seu cálculo compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artigo 564º) e é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, tendo por medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (artigos 566º, nº 1 e 2).</font><br>
<font>Desta forma, o nosso Código Civil, “aderindo à ideia de que a obrigação de indemnizar serve para reparar o dano – só o dano e todo o dano – e não visa, além deste, qualquer outro fim”, “aceita implicitamente o conceito de dano como diferença no património do lesado” (Francisco Manuel Pereira Coelho,</font><i><font> O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil</font></i><font>, página 209).</font><br>
<font>Aqui chegados, estamos em condições perfeitas de compreender o sentido da decisão proferida no foro criminal.</font><br>
<font>O lesado/exequente, aqui Recorrido sofreu danos, patrimoniais e não patrimoniais, em consequência de lesões provocadas pelo condutor do veículo segurado na Recorrente e, em conformidade com a factualidade dada como provada, esta acabou por ser condenada a pagar-lhe determinados valores, uns a título de danos emergentes, outros de lucros cessantes e outros ainda como forma de compensação.</font><br>
<font>Em causa estão, aqui, os danos (despesas) provocados com a recuperação do lesado. Este, em resultado da lesão sofrida, ficou temporariamente incapacitado (deixou, por momentos, de ser quem era), necessitando, </font><i><font>inter alia</font></i><font>, de tratamentos de fisioterapia e de ginástica, com vista a uma (tanto quanto possível) recuperação. </font><br>
<font>Esta incapacidade temporária tem, naturalmente, reflexos patrimoniais, “iniciando-se no período em que começam os cuidados clínicos, com ou sem internamento, relativos ao evento lesante e concluindo-se com a recuperação (cura integral) ou estabilização/consolidação médico-funcional das lesões (paragem da evolução, subsistindo, contudo, sequelas)” (Armando Braga, </font><i><font>A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual</font></i><font>, página 119).</font><br>
<font>O certo, porém, é que não foi possível, desde logo, calcular a extensão de todos os danos sofridos pela vítima. De entre estes, destacam-se os que estão aqui em causa: os que resultarem de despesas médicas e hospitalares medicamentosas e de deslocações para tratamentos e consultas.</font><br>
<font>No fundo, o juiz do foro criminal acabou por fazer uso do postulado no artigo 661º, nº 2, do Código de Processo Civil: “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se vier a liquidar, …”.</font><br>
<font>Com este tipo de indemnização, pretendeu o julgador colocar o lesado, na medida do possível, na situação que estaria (do ponto de vista físico), se não fosse o evento danoso.</font><br>
<font>Resultando da factualidade provada que o Recorrido tem necessidade de efectuar fisioterapia e natação, para além do custo que tudo isso acarreta, outra não poderia ser a decisão das instâncias que não fosse, como foi, a de condenar a Recorrente no pagamento das inerentes despesas.</font><br>
<font>Realçada, embora em termos assaz sintéticos, a teleologia da obrigação indemnizatória, a cargo do lesante (ou de quem, legalmente, o substitua) que sentido faria excluir, no caso presente, o pagamento das despesas com a natação e com a fisioterapia, sabido que, sem a realização das respectivas sessões prescritas, a recuperação do lesado nunca será alcançada?</font><br>
<font>Nenhum.</font><br>
<font>Não está provado que o exequente em necessidade de efectuar fisioterapia e natação?</font><br>
<font>Está – </font><i><font>cfr</font></i><font>. ponto nº 6 dos factos elencados.</font><br>
<font>Como, igualmente, estão provadas as despesas inerentes a tais tratamentos – </font><i><font>cfr</font></i><font>. pontos nºs 8 e 9.</font><br>
<font>A finalidade de tais tratamentos é clara: recuperar, na medida do possível, a situação física que o A./lesado tinha antes do acidente. Indemnizá-lo, portanto.</font><br>
<font>Nas palavras precisas de João de Matos Antunes Varela, “indemnizar é sempre reparar, mediante compensação adequada, o prejuízo sofrido por outrem” (Das Obrigações em geral, Vol. I, 8ª edição, página 892, nota 1).</font><br>
<font>O próprio instituto da responsabilidade civil “visa a remover o dano” (Francisco Manuel Pereira Coelho, </font><i><font>O Enriquecimento e o Dano</font></i><font>, página 24).</font><br>
<font>Neste caso, a dar-se acolhimento à tese da Recorrente, o dano nunca seria afastado, antes, vistas bem as cousas, mantinha-se ou, até, se reforçava, já que a recuperação passaria a ser feita à custa do próprio lesado: não lhe bastaria a lesão, como teria de suportar os custos para a eliminar ou, pelo menos, minimizá-la!</font><br>
<font>Que sentido (reparador) tinha o julgado que serviu de título se, por mero acaso, de todo incompreensível, retirasse da alçada obrigacional da R. os montantes que o lesado terá de despender para se curar, suportando apenas e só as despesas com deslocações para tratamentos e consultas?</font><br>
<font>Não fazia sentido: é a resposta certa.</font><br>
<font>Admitir isto, como sendo justo, seria negar a verdadeira finalidade da obrigação de indemnizar.</font><br>
<font>Mais grave: significaria a própria negação da Pessoa, enquanto ser livre e responsável.</font><br>
<font>É com inteiro aplauso que seguimos a posição de Mafalda Miranda Barbosa: “o ser humano deixou de ser visto como um indivíduo e passou a ser entendido como pessoa, isto é, um ser autónomo e simultaneamente responsável. A liberdade deixa de ser entendida em sentido negativo, para ser encarada como uma liberdade em sentido positivo. O que significa que o sujeito pode actuar dentro da sua esfera jurídica e ainda assim ser responsável pelos danos que possam ocorrer, ao mesmo tempo que pode ter que garantir, pela assunção de determinados deveres, que outros se não consumam.</font><br>
<font>O fundamento último da imputação delitual encontra-se, assim, na matriz do ser pessoa, ou mais especificadamente, na ideia de direito como direito – no princípio normativo deste – que nos remete para a ineliminável dignidade ética daquele” (</font><i><font>Liberdade VS. Responsabilidade</font></i><font>, A Precaução como fundamento da imputação Delitual?, página 403).</font><br>
<font>Em homenagem a estes princípios, hoje, felizmente, adquiridos e reconhecidos, não pode a Recorrente deixar de indemnizar o lesado, aqui Recorrido, na medida concreta da sua lesão.</font><br>
<font>O lesante/obrigado (neste caso a Seguradora, em substituição legal do lesante) há-de, assim, assegurar-se da medida da sua responsabilidade de reparar, tanto quanto possível (nunca é possível a reposição ao </font><i><font>status quo ante</font></i><font>), os danos sofridos pela “sua” vítima.</font><br>
<font>Essa é também a medida da própria liberdade do segurado, em relação ao qual a Seguradora aceitou, livremente, assumir as obrigações derivadas da utilização do veículo automóvel.</font><br>
<br>
<font>Uma última palavra.</font><br>
<font>Diz respeito à ideia defendida, pela Recorrente, do “desconto” na fixação do </font><i><font>quantum</font></i><font> indemnizatório, à conta de o lesado perceber a indemnização “por antecipação”.</font><br>
<font>Confessamos a nossa dificuldade, o nosso embaraço, em percebê-la: então o lesado tem algum privilégio em receber tudo de uma vez? Ou, antes, não teria ele sido um privilegiado se o acidente não tivesse ocorrido? Ou será que o lesante exerceu algum direito e a Seguradora faz algum favor ao pagar a indemnização a que está adstrita, por mor do contrato de seguro que outorgou?</font><br>
<font>Em boa verdade, há cousas que não se devem dizer, sob pena de ofender o que, para nós, é sagrado, a ideia de direito (</font><i><font>id quod iustum est</font></i><font>).</font><br>
<br>
<font>Improcede, de todo, a pretensão da Recorrente.</font><br>
<br>
<b><font>IV.</font></b><br>
<b><font>Decisão:</font></b><br>
<font>Nega-se a revista e condena-se a Recorrente no pagamento das custas devidas.</font><br>
<br>
<b><font>S.T.J.</font></b><font>, aos 08 de Junho de 2010</font><br>
<font>Urbano Dias (Relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font><br>
<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bTKzu4YBgYBz1XKvHjKK | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b></div>
<p><font> AA intentou acção, com processo ordinário, contra “BB – Companhia de Seguros, S.A.” pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 165.810,00 euros pelos danos sofridos em acidente de viação, acrescida de juros; pediu ainda que seja indemnizado, em quantia ilíquida, pelos danos patrimoniais e morais que continua a sofrer e manterá no futuro.</font>
</p><p><font>Na 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães a acção foi julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar ao Autor, a título danos patrimoniais, a quantia de 27.350,00 euros, com juros, à taxa legal, desde a citação, à qual seriam deduzidos 3.500,00 euros e, a título de danos não patrimoniais, 6.000,00 euros com juros à taxa legal desde a sentença.</font>
</p><p><font>O Autor e a Ré apelaram, tendo a Relação de Guimarães julgado parcialmente procedentes os recursos de ambos.</font>
</p><p><font>Em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 23.564,90 euros, considerando a repartição de culpas que fixou em 20% para a Ré e 80% para o Autor (sendo que para o total dos danos patrimoniais foram computados 20.456,14 euros e o dano moral em 12.500,00 euros, o que daria o total de 32.956, 14 euros, ao qual se subtraiam 3.500,00 euros já prestados pela seguradora e os 20% resultantes da percentagem de culpa do Autor).</font>
</p><p><font>Inconformados, Autor e Ré pedem revista.</font>
</p><p><font>O Autor assim conclui a sua alegação:</font><br>
<font> - </font><i><font>Relativamente à dinâmica do acidente, a decisão de 1ª Instância é claramente mais consistente porque, desde logo, apoiada em depoimentos directos, presenciados/observados/ /valorizados pelo Meritíssimo Juiz e ainda porque este magistrado fez a inspecção ao local e visualizou “in loco” as características do mesmo. </font></i><br>
<i><font>- As suas respostas aos quesitos não padecem das incertezas/probabilidades/falibilidades das respostas alteradas pelo Tribunal recorrido, onde podem ler-se expressões que contrariam as sagradas certeza e segurança do Direito. </font></i><br>
<i><font>- Com </font></i><i><u><font>sublinhado nosso</font></u></i><i><font> podemos ler «consta do croquis, que apesar de não ter sido elaborado à escala, não deixa de transmitir, </font></i><i><u><font>de alguma forma</font></u></i><i><font> “Daí que o rasto de travagem </font></i><i><u><font>ilumine, de alguma forma</font></u></i><i><font>, em que momento o autor avistou o LL a efectuar a manobra de mudança de direcção... e </font></i><i><u><font>a que velocidade circularia</font></u></i><i><font> nesse momento, apenas nos podemos socorrer da travagem, que </font></i><i><u><font>de alguma forma nos aponta</font></u></i><i><font> urna determinada </font></i><i><u><font>velocidade a que circularia</font></u></i><i><font> o AD… a descida </font></i><i><u><font>em si é um factor perturbador de dados</font></u></i><i><font> ... o AD </font></i><i><u><font>circularia</font></u></i><i><font> a uma velocidade inferior e </font></i><i><u><font>seria de 50 Km’s</font></u></i><i><font>/hora,</font></i><br>
<i><font>- O Tribunal de 1ª Instância deu como” não provado” o quesito 53° da B. 1. </font></i><br>
<i><font>“Existência dum sinal vertical de proibição de exceder a velocidade de 40 Km’s/hora, que se encontrava a alguns metros antes do local onde viria a ocorrer o acidente. </font></i><br>
<i><font>- O Tribunal da Relação alterou para” Considerando o sentido de trânsito que o Autor levava, estava colocado a 112 metros antes do local onde viria a ocorrer o acidente, o sinal vertical de proibição de exceder a velocidade máxima de 40 Km’s/h”. </font></i><br>
<i><font>- Com todo o respeito, o facto de existir a 112 metros do local onde veio a ocorrer o acidente, uma placa proibindo velocidade máxima superior a 40 Km’s/hora, não significa, por si só, que no local onde ocorreu o acidente fosse essa a velocidade máxima permitida, que o veículo do Autor circulasse na estrada onde ocorreu o acidente, antes da existência dessa sinalização, que houvesse passado por aquele sinal, que o seu condutor tivesse obrigação de o ter visto, por causa de por ele ter passado ou de já conhecer o local por onde circulava e soubesse da sua existência. </font></i><br>
<i><font>- A fls. 25 do Acórdão recorrido declara-se e dá-se por assente que: </font></i><br>
<i><font>“No caso em apreço, o tripulante do ll não obedeceu ao sinal de stop, entrando na via a interceptar sem parar, e de forma oblíqua, face ao ponto de intercepção.» </font></i><br>
<i><font>- Mesmo admitindo que o condutor do AD podia avistar o LL a 28 metros de distância, mesmo admitindo uma velocidade de 50 Km’s/hora, perante uma manobra como a efectuada pelo condutor do LL, nenhuma parte de responsabilidade pode ser atribuída ao condutor do AD, porquanto nas circunstâncias concretas: </font></i><br>
<i><font>- A velocidade não é factor causal do acidente? </font></i><br>
<i><font>- Mesmo que circulasse a 40 Km’s/hora, o acidente sempre ocorreria. </font></i><br>
<i><font>- A manobra do condutor do LL – não obedece a um sinal de Stop, entra na via a interceptar sem parar, de forma oblíqua, não aproveitando a largura da embocadura, num local em que o ângulo é fechado – afronta, de forma grosseira, criminosa, as mais elementares regras estradais. </font></i><br>
<i><font>- Para efeitos do presente recurso, dão se por reproduzidas as alegações já feitas pelo Autor no recurso interposto da decisão de 1ª Instância, deixando ao critério deste Supremo Tribunal a decisão final sobre os valores já peticionados. </font></i><br>
<i><font>- Ao Autor, devem ser atribuídas as seguintes indemnizações: </font></i><br>
<i><font>- 1.750,00 € – valor do automóvel sinistrado. </font></i><br>
<i><font>- 7.500,00 € – relativos a 6 meses de salários perdidos, na base da retribuição mensal de 1.250,00 €. </font></i><br>
<i><font>- 75.000,00 euros – relativos ao dano patrimonial decorrente da redução da capacidade de trabalho e de ganho. </font></i><br>
<i><font>- 15.000,00 euros – relativos aos danos morais sofridos pelo Autor. </font></i><br>
<i><font>- A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 11º, 12º, 29º e 43º, do Código da Estrada, os artigos 483º, 563º, 566º do Cód., Civil e artºs 653º e 659º do Cód. Proc. Civil. </font></i><br>
<br>
<font>A Ré recorrente alegou na sua revista para concluir:</font><br>
<br>
<i><font>- O autor foi também responsável pela ocorrência no acidente, na proporção de 40%, por ter violado o disposto nos arts.24º, nº1, 25º, nº1, c) e f) do Cód. da Estrada e no art. 24º, C13, do Regulamento de Sinalização do Trânsito aprovado pelo D. Reg. Nº 22-A/98, de 1 de Outubro. </font></i><br>
<i><font>- A indemnização resultante da IPP do autor (5% + 5%) não deve ser fixada em montante superior a 11.751,08€. </font></i><br>
<i><font>- Com efeito, não havendo dados concretos sobre o montante do seu rendimento, para a sua fixação recorre-se ao salário mínimo nacional no ano do 20 acidente, 2004, que era de 365,60€ (D.L. 19/2004, de 20 de Janeiro). </font></i><br>
<i><font>- A compensação pelo dano moral estima-o a ré, atenta a factualidade provada sob as respostas dos nºs 22º, 23º, 24º e 27º, 25º, 26º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 48º, 51º e 52º da Base Instrutória, no montante de 5.000€. </font></i><br>
<i><font>- Fixada a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais há-de ter-se em conta a repartição da responsabilidade do autor e do segurado da ré no acidente e deduzir-se à que compete a esta pagar, a importância de 3.500€ já entregue ao autor no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória apenso. </font></i><br>
<i><font>- O douto acórdão recorrido, violou, quanto à BB, o disposto nos arts. 483º, 562º e 566º do Cód. Civil. </font></i><br>
</p><p><font>O Autor contra-alegou o recurso da Ré pugnando pelo seu não provimento.</font><br>
<br>
<font> A concluir a sua contra-alegação disse a Ré:</font><br>
<br>
<i><font>- O autor pugna pela fixação das mesmas importâncias indemnizatórias já alegadas na apelação. </font></i><br>
<i><font>- Todavia, o douto acórdão recorrido alterou as respostas dadas aos nºs 36° e 48° da Base Instrutória, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça proceder a reexame da matéria de facto como pretende o autor nas suas conclusões que o faça. </font></i><br>
<i><font>- Impugnam-se, assim, todas as conclusões da alegação do autor. </font></i><br>
<br>
<font> A Relação deu por assentes os seguintes </font><b><font>factos</font></b><font>:</font><br>
<br>
<i><font>- No dia 7-11-2004, pelas 14,30h, na Rua da ...., S. Torcato, da Comarca de Guimarães ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes: </font></i><br>
<i><font>a) ligeiro de passageiros, de matrícula 00-00-AD, propriedade e conduzido pelo A. </font></i><br>
<i><font>b) ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-LL, propriedade e conduzido por CC, segurado da requerida.(A e F) </font></i><br>
<i><font>- O A. circulava no sentido Norte-Sul, na direcção de Rendufe para S. Torcato. (B). </font></i><br>
<i><font>- Na intercepção entre a Rua ... e a Rua da ... existe um sinal de Stop. (C). </font></i><br>
<i><font>- À data do acidente, o A. contava 20 anos de idade. (D). </font></i><br>
<i><font>- À data do acidente estava em vigor o contrato de seguro celebrado entre o proprietário do 00-00-LL, titulado pela apólice n.º 5070/8000000. (E) </font></i><br>
<i><font>- A Rua da ... insere-se no interior de localidade, com edifícios de ambos os lados e cujos limites estão assinalados com os sinais regulamentares, ou seja, os sinais N1a e N2a, do art.º 42º, 1, do Regulamento de Sinalização do Trânsito. (G). </font></i><br>
<i><font>- A faixa de rodagem da Rua da ..., com a largura de 6 metros, tem pavimento em asfalto. (H). </font></i><br>
<i><font>- Não há na Rua da ..., sentido Rendufe/S. Torcato, nenhum sinal vertical com indicativo de entroncamento ou cruzamento com a Rua .... (I). </font></i><br>
<i><font>- Imediatamente antes do acidente, o veículo 00-00-LL circulava na Rua .., no sentido descendente. (J) </font></i><br>
<i><font>- O BN estava estacionado na baía ou zona de estacionamento contígua à faixa de rodagem da Rua da ..., pela direita, sentido S.Torcato/Rendufe. (L) </font></i><br>
<i><font>- No âmbito dos autos de procedimento cautelar que com o n.º 4452/05.4TBGMR correram termos pelo 3º Juízo Cível do Tribunal Comarca de Guimarães, na qual A. e R. chegaram a acordo, o A. recebeu, a titulo de adiantamento por todos os danos por si sofridos em consequência do acidente, a quantia de 3.500,00 euros. (M). </font></i><br>
<i><font>- O local onde ocorreu o acidente é uma recta, com cerca de 143m de comprimento. (1º) </font></i><br>
<i><font>- Sendo a via em alcatrão, a descer, no sentido de marcha do A. (2º) </font></i><br>
<i><font>- No local do acidente a via tem a largura de cerca de 6,50m. (3°)</font></i><br>
<i><font>- Para quem, como o A., circulava na dita via, existe, naquele local, do lado direito da via, atento o seu sentido de marcha, uma outra rua denominada .... (4º) </font></i><br>
<i><font>- A qual, na intersecção/embocadura com a Rua da ... tem uma largura de 12,5 metros (5.º). </font></i><br>
<i><font>- Permitindo a quem pretenda entrar na dita Rua da ..., como o fez o condutor do LL, a meio da embocadura de intercepção da Rua ..., avistá-la, designadamente a faixa de rodagem da direita, atento o 30 sentido norte/sul, numa distância de 56,6 metros (6.º e 7.º). </font></i><br>
<i><font>- A intersecção entre a Rua ... com a entrada para a Rua da ... configura um ângulo fechado na parte norte/esquerda desta intersecção. (8.º) </font></i><br>
<i><font>- Na Rua ... no local embocadura, existe um sinal de Stop. (9.º) </font></i><br>
<i><font>- O condutor do LL que circulava na dita Rua ... e pretendia passar a circular na Rua da ..., no seu sentido ascendente, na direcção de Rendufe. (10.º) </font></i><br>
<i><font>- Quando o Autor circulava nas condições atrás referidas e se encontrava a 28 metros deste entroncamento, surgiu-lhe dessa Rua ..., da direita, atento o seu sentido de marcha, o veículo LL (11.º). </font></i><br>
<i><font>- O condutor do LL não parou em obediência ao sinal de Stop. (12.°) </font></i><br>
<i><font>- Manobra que executou pelo lado esquerdo dessa rua. (13.º e 14.º). </font></i><br>
<i><font>- De forma enviesada para a esquerda. (15.º). </font></i><br>
<i><font>- Cortando a linha de marcha do Requerente (16.º) </font></i><br>
<i><font>- Assim entrando, de imediato na Rua da .... (17º). </font></i><br>
<i><font>- Ao ver a sua linha de trânsito interrompida, o Requerente guinou o AD para a sua esquerda (18.º). </font></i><br>
<i><font>- Travando ao mesmo tempo. (19º) </font></i><br>
<i><font>- O embate viria, porém, a ocorrer, sensivelmente a meio da Rua da 1 ..., entre a parte direita da frente do AD e a parte lateral esquerda da frente do LL. (20º) </font></i><br>
<i><font>- Em consequência directa, necessária e adequada do acidente deixado descrito, o veículo do A. sofreu danos na sua parte da frente, cuja reparação é economicamente inviável, já que o veículo AD valia apenas 1.750,00 euros. (21.º) </font></i><br>
<i><font>- O A. sofreu, em consequência do acidente fractura cominativa da rótula esquerda. Ferida lacero contusa no membro. Pequena distensão ligmentar do ligamento cruzado anterior, irregularidade da superfície articular ao nível da margem anterior côndilo femural interno. (22°). </font></i><br>
<i><font>- Após o acidente foi conduzido de ambulância para o Hospital de Guimarães, onde lhe foram prestados os primeiros socorros. (23.º). </font></i><br>
<i><font>- Ali ficando internado até 12-11-2004. (24º e 27º) </font></i><br>
<i><font>- Tempo durante o qual sofreu vários tratamentos, infecções, medicação, raios X. (25º) </font></i><br>
<i><font>- Tendo sofrido uma intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo, com extracção da rótula. (26.º). </font></i><br>
<i><font>- Dali regressou a casa, mantendo-se acamado e com a perna esquerda engessada durante 60 dias. (28.º). </font></i><br>
<i><font>- Durante estes dois meses o A. tomava medicação diária. (29.º). </font></i><br>
<i><font>- No final deste período retirou o gesso da perna esquerda. (30.º).</font></i><br>
<i><font>- Passou então a fazer fisioterapia no Hospital desta cidade, em sessões diárias de uma hora, de 2ª a 6ª feira. (31.º). </font></i><br>
<i><font>- Tratamento que demorou mais dois meses e meio. (32.º). </font></i><br>
<i><font>- Ao mesmo tempo continuava com a medicação. (33.º). </font></i><br>
<i><font>- À data do acidente o A. trabalhava como electricista, por conta própria, trabalhos que fazia de 2ª feira a sábado inclusive. (35º). </font></i><br>
<i><font>- O A. tem um filho. (43.º). </font></i><br>
<i><font>- A quem tem de garantir o sustento. (44.º). </font></i><br>
<i><font>- O A. ficou a padecer de uma IPP de 5% à qual acresce a título de dano futuro mais 5%. (48.º). </font></i><br>
<i><font>- No momento do acidente o A. ao ver a eminência do embate pensou que ia morrer, passando por enorme medo, pânico e angústia. (51.º) </font></i><br>
<i><font>- O A. passou e passa por dor, angústia, sofrimento e desânimo. (52º).</font></i><br>
<i><font>E considerado o sentido de trânsito que o Autor levava, Rendufe/S.Torcato, estava colocado, a 112 metros antes do local onde viria a ocorrer o acidente, o sinal vertical de proibição de exceder a velocidade máxima de 40 Km por hora (53.º). </font></i><br>
<i><font>- O veículo AD embateu no veículo 00-00-RD que estava estacionado na baía de estacionamento. (64.º). </font></i><br>
<i><font>- O veículo AD deixou rastos de travagem no pavimento. (65°). </font></i><br>
<i><font>- Antes da travagem, o veículo AD circulava à velocidade de, pelo menos, 50 km/hora. (66.º)</font></i>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font>
</p><p><font>Conhecendo,</font><br>
<font>1- Matéria de facto</font><br>
<font>2- Dinâmica do evento</font><br>
<font>3- Indemnização</font><br>
<font>4- Conclusões</font>
</p><p><b><font>1- Matéria de facto</font></b>
</p><p><font>O recorrente Autor insurge-se contra a alteração à matéria de facto a que a Relação procedeu.</font>
</p><p><font>As razões que alinha não merecem acolhimento.</font>
</p><p><font>O Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, “ex vi” do disposto no artigo 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).</font>
</p><p><font>A fixação dos factos materiais da causa, baseada na prova de livre apreciação do julgador, não cabe no âmbito do recurso de revista.</font>
</p><p><font>O Tribunal de revista limita-se a aplicar o regime jurídico adequado aos factos fixados pelo juízo “a quo” (n.º 1 do artigo 729.º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>As situações de excepção para conhecer o erro de apreciação das provas e a fixação dos factos pela Relação só é possível ocorrendo violação expressa de norma que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou de norma que estabeleça a força probatória de certo meio de prova, tal como resulta dos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 2 da lei adjectiva.</font>
</p><p><font>Assim, o Supremo Tribunal de Justiça só nesses casos pode conhecer do juízo de prova da Relação (quando tenha sido dado por assente um facto sem que tivesse sido produzida prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violados os preceitos reguladores da força probatória de alguns meios de prova).</font>
</p><p><font>Dos autos, e da alegação do recorrente, não resulta tal patologia, pelo que terá de quedar-se intocada a matéria de facto que a Relação fixou.</font>
</p><p><font>Dir-se-á, contudo, e “ex abundantia”, que, ao conhecer da apelação, a Relação foi exaustiva e escrupulosa na reapreciação dos factos materiais assentes.</font>
</p><p><font>Por isso, e de acordo com o n.º 2 do artigo 712.º, voltou a analisar as provas que motivaram as respostas em crise, ponderando o conteúdo das alegações da recorrente e atendendo aos elementos que teriam contribuído para a formação da convicção do julgador “a quo”.</font>
</p><p><font>Houve, pois, um verdadeiro segundo grau de jurisdição na apreciação da prova, com sistema de prova livre (artigo 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) com nova leitura, para formação de juízo conducente a infirmar certos pontos de facto julgados.</font>
</p><p><font>E, insiste-se, não cabe, agora, nos poderes deste Supremo Tribunal censurar o uso pela Relação da faculdade de alterar, ou modificar as respostas aos quesitos, salvo se essa modificação tivesse sido feita ao arrepio de um preceito legal, “maxime” o n.º 1 do artigo 712.º da lei processual, o que não foi o caso.</font>
</p><p><font>Improcede, assim, o primeiro segmento das alegações do Autor.</font>
</p><p><b><font>2- Dinâmica do evento</font></b>
</p><p><font>Da análise dos factos provados pode visualizar-se, na parte que releva, a dinâmica do evento nos termos seguintes:</font>
</p><p><font>O veículo LL – tripulado pelo segurado da recorrente Ré – circulava pela Rua ... no sentido descendente em direcção ao entroncamento com a Rua da .... Por esta circulava o veículo do Autor apresentando-se-lhe a Rua ... à sua direita. No entroncamento existe um sinal “stop” para quem pretende entrar na Rua da ..., sendo que o condutor do LL entrou sem deter a marcha naquele sinal cortando a linha de trânsito do veículo do Autor. Este, que seguia a pelo menos 50 km/hora, ainda guinou para a sua esquerda e travou mas deu-se o embate entre a sua parte da frente direita e a parte lateral esquerda do veículo LL.</font>
</p><p><font>Com este quadro fáctico, a Relação considerou existir concorrência de culpas.</font>
</p><p><font>Certo que por circular numa localidade, o Autor não devia imprimir ao veículo uma velocidade superior a 40 km/hora e, por outro lado, à aproximação do cruzamento a velocidade deve ser especialmente moderada.</font>
</p><p><font>Mas o segurado da Ré incumpriu as regras de prioridade, não cedendo passagem ao veículo do Autor.</font>
</p><p><font>Em termos de velocidade, o Autor violou as normas conjugadas dos artigos 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, alíneas c) e f) e 29.º, n.º 2 do Código da Estrada (Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio) – sinal C13 previsto no artigo 24.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito – mas a conduta do segurado da Ré foi de muito maior gravidade.</font>
</p><p><font>Este violou uma sinalização imperativa destinada a proteger a segurança nos cruzamentos e entroncamentos obrigando o condutor a deter a marcha, reflectir e avaliar da possibilidade de entrar na outra via sem perigo para o trânsito que aí se processa, e para si mesmo.</font>
</p><p><font>A Relação considerou, contudo – e menos bem – que para o evento também contribuiu, para além da velocidade que o animava, a forma como o Autor reagiu ao surgimento do LL na via por onde seguia, já que foi também de “alguma precipitação e imperícia na análise da manobra do LL” percentuando as culpas em 80 % para o LL e 20% para o Autor.</font>
</p><p><font>Não pode aceitar-se este entendimento.</font>
</p><p><font>Nada aponta para que a conduta do Autor, designadamente a velocidade que o animava tivesse contribuído, ou sido causal, do embate.</font>
</p><p><font>Circulava a uns escassos 10km/hora acima do limite máximo e não era obrigado a contar com a conduta leviana, inconsiderada e violadora das regras estradais do outro utente da via que, repete-se, desrespeitou a regra de prioridade que lhe era imposta por um sinal “stop”.</font>
</p><p><font>Perante tal comportamento, o Autor que, insiste-se, não tinha de prever, travou e guinou para a sua esquerda, numa tentativa de evitar o embate, por ter visto inesperadamente cortada a sua linha de marcha.</font>
</p><p><font>Na apreciação da culpa, no acidente de viação, o julgador deve considerar o condutor médio, com perícia e capacidade de previsão comuns, que não o motorista com capacidades, reflexos e tempo de reacção muito acima da média e que só alguns – designadamente os condutores de competição ou equivalente – possuem.</font>
</p><p><font>Daí que se entenda que a culpa exclusiva do evento é de imputar ao condutor do veículo 00-00-LL, segurado na Ré, assim aderindo ao julgado na 1.ª Instância e divergindo da decisão recorrida.</font>
</p><p><font>Neste segmento procedem os argumentos do Autor improcedendo os da Ré.</font>
</p><p><b><font>3- Indemnização</font></b>
</p><p><font>Resta, finalmente, apurar os “quanta” indemnizatórios a atribuir ao Autor.</font>
</p><p><font>3.1- O dano patrimonial imediato é de 1750,00 euros pela perda do veículo sinistrado e de 1.706,14 euros, correspondente à perda de salário durante 140 dias que, por falta de outros elementos alegados, e tratando-se de electricista por conta própria, terá de calcular-se de forma a não exceder o então salário mínimo nacional (365,60 euros).</font>
</p><p><font>O dano patrimonial mediato correspondente a uma IPP de 5% à qual acresce, a título de dano futuro mas 5%, terá de calcular-se tendo em consideração o salário auferido, a idade da vítima aquando do evento (20 anos).</font>
</p><p><font>Como julgou o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 2002 – P.º 3985/01 – 2.ª – “na incapacidade funcional ou fisiológica vulgarmente designada por handicap, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se precisamente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade.”</font>
</p><p><font>Tal vai traduzir-se na perda efectiva de rendimentos resultante na diminuição da capacidade para os angariar.</font>
</p><p><font>Esse corte no orçamento pessoal não pode transformar-se numa quantia correspondente à mensalmente perdida multiplicada pelo número de anos de vida (activa) do lesado.</font>
</p><p><font>Tal seria irrealista já que a quantia encontrada iria assegurar a percepção de um rendimento muitíssimo superior ao efectivamente perdido.</font>
</p><p><font>É muito diferente receber uma quantia mensal do que receber um “quantum” total, pois este traduz-se numa antecipação de rendimentos que só seriam acumulados ao fim de anos.</font>
</p><p><font>Ora, somando o juro que seria susceptível de produzir, o capital poderia exceder em muito o dano efectivo.</font>
</p><p><font>A indemnização não deve representar mais do que um capital que se extinga ao fim da vida do lesado e susceptível de garantir prestações periódicas durante esta.</font>
</p><p><font>O apelo a critérios financeiros, fórmulas matemáticas ou fiscais deve constituir uma mera base de raciocínio, ponto de partida conducente a uma medida que traduza uma situação de equilíbrio patrimonial da lesada.</font>
</p><p><font>A Relação ponderou esses critérios.</font>
</p><p><font>E há que ficcionar uma esperança de vida a partir de juízos de prognose com base estatística (v.g. 73,68 anos para homens e 80,56 para mulheres – apud “Women and Men in Portugal”, 2004, 15 – ou 73 e 80, respectivamente para homens e mulheres – in “World Statistics”, UN – New York, 2004) e atentar no período de vida laboral do lesado 65/70 anos, mais próximo dos 70, tratando-se de um electricista.</font>
</p><p><font>Tudo considerado – e temperado com critérios de equidade – a quantia adequada, por não violadora dos critérios do artigo 566.º do Código Civil, será de 20.000,00 euros.</font>
</p><p><font>3.2- O dano não patrimonial a indemnizar na ponderação conjugada dos artigos 496.º, n.ºs 1 e 3 e 494.º do Código Civil, tem por objectivo compensar o lesado pelo desgosto, sofrimento físico e moral consequência das lesões, tratamentos, recuperação e sequelas afigura-se adequado.</font>
</p><p><font>Teve-se em vista que o fim deste segmento indemnizatório é proporcionar ao lesado meios para tentar esquecer a sua dor, buscando momentos de lazer, de vilegiatura recreativa que possam contribuir para, de algum modo, minorar o sofrimento.</font>
</p><p><font>A Relação, alterando o fixado na 1.ª Instância, utilizou um critério correcto, equilibrado e equitativo, pelo que é de manter a quantia encontrada de 12.500,00 euros.</font>
</p><p><font>3.3- À indemnização total há que subtrair os 3500,00 euros que a Ré já suportou, ficando assim condenada no pagamento de 32.456,14 euros.</font><br>
<br>
<b><font>4 – Conclusões</font></b><br>
<br>
<font> Pode concluir-se que:</font><br>
</p><p><font> a) A fixação dos factos baseados em meios de prova livremente apreciados pelo julgador está fora do âmbito do recurso de revista.</font>
</p><p><font> b) Só em casos excepcionais é que o Supremo Tribunal de Justiça conhece matéria de facto (artigos 26º da Lei nº 3/99 e 722º nº 2 e 729º nº 2 do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font> c) Na apreciação da culpa no acidente de viação o julgador deve considerar o condutor médio, com perícia e capacidade de previsão comuns, que não o motorista com capacidades, reflexos e tempo de reacção muito acima da média e que só alguns – designadamente os condutores de competição ou equivalentes – possuem.</font>
</p><p><font> d) A indemnização pelo dano patrimonial mediato – perda ou diminuição da capacidade de angariar rendimentos – deve ser calculada na ponderação de critérios financeiros, fórmulas matemáticas ou fiscais, mas apenas com os elementos de mera orientação geral, sempre tendo em conta que deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa) do lesado e susceptível de, durante esta, garantir prestações periódicas.</font>
</p><p><font> e) Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais há que, recorrendo à equidade e atendendo aos critérios do artigo 494.º do Código Civil, encontrar um “quantum” que, de alguma forma, possa proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida.</font>
</p><p><font>Nos termos expostos </font><b><font>acordam conceder parcialmente a revista do Autor e negar a revista da Ré.</font></b>
</p><p><font>Em consequência e, revogando parcialmente o acórdão recorrido, condenam a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização a quantia de 32.456,14 euros, mantendo-a quanto aos juros moratórios.</font>
</p></font><p><font><font> Custas a cargo do Autor e da Ré, em todas as instâncias, na proporção do vencido, sem prejuízo do apoio judiciário daquele.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 07 de Julho de 2009</font><br>
<br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas (relator)</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |